Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
833/11.2TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
PARTES COMUNS
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP20140709833/11.2TVPRT.P1
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em regra, constitui matéria de facto tudo aquilo que é passível de prova e como tal, susceptível de ser considerado verdadeiro ou falso, enquanto que integra matéria de direito a aplicação das normas jurídicas aos factos em conformidade com a interpretação de tais preceitos e a valoração e subsunção dos factos, de acordo com certo enquadramento normativo, actividade esta que é ajuizada segundo um critério de correcção ou de fundamentação.
II - No actual Código de Processo Civil, as partes continuam oneradas à alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e daqueles em que se baseiam as excepções deduzidas (artigo 5º, nº 1, do Código de Processo Civil), estando o tribunal limitado na sua actividade por tal factualidade essencial e apenas podendo considerar, além dela, a factualidade instrumental, os factos complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa e desde que sobre os mesmos as partes tenham tido a oportunidade de tomar posição, os factos notórios e os factos de que o tribunal tem conhecimento por força do exercício das suas funções (artigo 5º, nº 2, do Código de Processo Civil).
III - A inclusão na fundamentação de facto da sentença de matéria de direito determina uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de ser oficiosamente conhecido em segunda instância, nos termos previstos na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil.
IV - As partes imperativamente comuns na propriedade horizontal são aquelas sem as quais as fracções autónomas ficam prejudicadas nas suas funcionalidades.
V - Os pressupostos da proibição do venire contra factum proprium são: a) uma situação objectiva de confiança; b) “investimento” na confiança e irreversibilidade desse investimento; c) boa-fé da contraparte que confiou.
VI - A confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá tutela quando desconheça a divergência entre a situação aparente e a situação real e tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico, sendo que o cuidado e as precauções a exigir da parte que busca abrigo na proibição do venire contra factum proprium serão tanto maiores quanto mais vultuosos forem os actos praticados por força do investimento de confiança.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 833/11.2TVPRT.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 833/11.2TVPRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. Em regra, constitui matéria de facto tudo aquilo que é passível de prova e como tal, susceptível de ser considerado verdadeiro ou falso, enquanto que integra matéria de direito a aplicação das normas jurídicas aos factos em conformidade com a interpretação de tais preceitos e a valoração e subsunção dos factos, de acordo com certo enquadramento normativo, actividade esta que é ajuizada segundo um critério de correcção ou de fundamentação.
2. No actual Código de Processo Civil, as partes continuam oneradas à alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e daqueles em que se baseiam as excepções deduzidas (artigo 5º, nº 1, do Código de Processo Civil), estando o tribunal limitado na sua actividade por tal factualidade essencial e apenas podendo considerar, além dela, a factualidade instrumental, os factos complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa e desde que sobre os mesmos as partes tenham tido a oportunidade de tomar posição, os factos notórios e os factos de que o tribunal tem conhecimento por força do exercício das suas funções (artigo 5º, nº 2, do Código de Processo Civil).
3. A inclusão na fundamentação de facto da sentença de matéria de direito determina uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de ser oficiosamente conhecido em segunda instância, nos termos previstos na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil.
4. As partes imperativamente comuns na propriedade horizontal são aquelas sem as quais as fracções autónomas ficam prejudicadas nas suas funcionalidades.
5. Os pressupostos da proibição do venire contra factum proprium são: a) uma situação objectiva de confiança; b) “investimento” na confiança e irreversibilidade desse investimento; c) boa-fé da contraparte que confiou.
6. A confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá tutela quando desconheça a divergência entre a situação aparente e a situação real e tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico, sendo que o cuidado e as precauções a exigir da parte que busca abrigo na proibição do venire contra factum proprium serão tanto maiores quanto mais vultuosos forem os actos praticados por força do investimento de confiança.
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Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]
A 25 de Novembro de 2011, nas Varas Cíveis da Comarca do Porto, o Condomínio do Prédio constituído em Propriedade Horizontal sito na Rua …, nº .., …, Porto, B…, C… e mulher D…, E… e mulher F…, G… e mulher H…, instauraram contra I…, acção declarativa sob a forma de processo experimental pedindo que o réu seja condenado a reconhecer que a zona ajardinada e o portão mencionados nos artigos 6º, 7º, 10º a 15º da petição inicial, bem como a zona empedrada referida no artigo 18º da mesma peça processual, são partes comuns do prédio identificado no artigo 1º do mesmo articulado e a abster-se de ter qualquer actuação que impeça o uso dessas zonas por parte dos autores.
Para tanto, e no essencial, alegam que são proprietários das fracções A, B, C e D do primeiro autor, sendo o réu proprietário da fracção E do mesmo imóvel, que o prédio foi construído pelo réu e por este constituído em propriedade horizontal; que o acesso às diversas fracções do prédio em questão é feito, a Poente, a partir de um portão comum e de uma rampa empedrada que permite a passagem de pessoas e viaturas e, a Nascente, através de um portão igualmente comum que permite a passagem apenas de pessoas e que dá para a Rua …; que este portão a Nascente existe desde a construção do prédio, efectuada pelo próprio réu; que o réu, aquando da promoção da venda das fracções, publicitou a existência do mesmo como comum; que esse portão serve todas as fracções autónomas do prédio em apreço, sendo por isso comum; que junto a esse portão existe uma zona ajardinada, a qual está demarcada do logradouro que serve a fracção autónoma pertença do réu, zona que tem de ser atravessada por todos os que pretendam usar o referido portão sito a nascente; que recentemente o réu sustenta que essa zona ajardinada pertence à sua fracção e que os demais condóminos não a podem utilizar, sustentando ainda que a zona empedrada que se situa à frente da sua fracção e que confina a sul com a zona ajardinada também faz parte da sua fracção.
Citado, o réu contestou, e, no essencial, impugna os factos alegados pelos autores para suportar a respectiva pretensão, alegando que a única entrada comum do prédio se situa a Poente, o que é suportado pelo título constitutivo da propriedade horizontal. Conclui, afirmando que a entrada pedonal para a Rua …, bem como as zonas ajardinadas a Nascente e seu empedrado não se incluem no que a escritura de propriedade horizontal denomina “toda a zona de logradouro a Nascente incluindo as zonas ajardinadas”, englobando esta referência na escritura pública tão-só, a zona de logradouro Nascente que vai do fim da fracção D à entrada principal a Poente e as zonas ajardinadas paralelas a esta, sendo o restante logradouro Nascente, que vai da fracção E à entrada pedonal, inclusive, as zonas ajardinadas e a zona empedrada, propriedade privada do réu, facto que, alega, foi explicado aos autores nas negociações que conduziram à compra e venda das fracções e termina pugnando pela improcedência da acção.
Os autores responderam à contestação e pediram a condenação do réu como litigante de má fé, em multa e indemnização aos autores.
Findos os articulados, fixou-se o valor da causa no montante de trinta e um mil euros, proferiu-se despacho saneador tabelar e procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes, dos controvertidos, estes últimos a integrar a base instrutória.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento em três sessões, efectuando-se inspecção ao local, documentando-se fotograficamente aquilo que foi sendo percepcionado.
A 18 de Fevereiro de 2014 foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente.
Inconformados com a sentença, a 31 de Março de 2014, os autores interpuseram recurso de apelação terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1 - A, aliás, douta decisão proferida, quer quanto à matéria de direito, quer quanto à de facto, alicerçou-se (como se diz expressamente nas suas fls. 9 e 25) no constante das plantas do processo camarário, em especial a de fls. 330, abstraindo-se por completo da realidade constatada no local (tal qual consta da factualidade dada como provada e resulta da planta que constitui o doc. 9 e das fotografias que constituem os docs. 10 a 21 juntos com a petição e do auto de inspeção judicial ao local e respetivas fotografias), o que conduziu à errada decisão do presente pleito. Vejamos:
Quanto à decisão da matéria de facto:
2 - Não é admissível a formulação de um quesito (e, por maioria de razão, a sua resposta) “que, por si só, contenha a priori a resolução da concreta questão de direito que é objecto da acção” (Ac. RC de 26.4.1994 in BMJ 436 p. 456) – neste sentido veja-se também, v.g., Ac. RG de 24.3.2004 in Proc. 404/04-2.dgsi.net. Ora,
3 - Saber se o portão pedonal existente a Nascente do condomínio, a zona ajardinada em que o mesmo se encontra, indicada a laranja no doc. 9 junto com a petição inicial, e a zona empedrada indicada a azul na mesma planta são partes comuns ou se, pelo contrário, fazem parte (do logradouro) da fração pertença do Réu é precisamente o tema de direito a decidir na presente ação.
4 – Daí que devem ter-se por não escritas as respostas dadas sobre questão de direito (e não factos), em violação ao disposto nos arts. 607º nº 4 CPC atual e 646º nº 4 CPC anterior:
- aos pontos 23 a 27 da Base Instrutória na parte em que se dá como provado (sem que tal fizesse parte do que era perguntado, aliás) que o portão pedonal foi construído “no interior do logradouro pertencente à fracção do réu”;
- aos pontos 28 a 30 da Base Instrutória, na parte em que é dado como provado que “a fração E, pertença do Réu, engloba uma área de Logradouro a Nascente que vai da fracção D ao portão colocado a nascente, as zonas ajardinadas pintadas a laranja no documento nº2 junto à contestação, e a zona empedrada”; e
- ao ponto 31 da mesma Base, onde se deu como provado que “as zonas ajardinadas referidas na escritura de constituição da propriedade horizontal, limitam-se apenas e só aquelas que se estendem paralelamente ao logradouro que vai da entrada a poente até ao término da fracção D”.
Por outro lado,
5 - Em resposta ao ponto 1 da Base Instrutória a Mma. Juiz a quo deu como provada a existência de um portão a Nascente que dá para a Rua …, mas não deu como provado que o mesmo permite o acesso às diversas frações do prédio em apreço (e, também, que esse portão apenas permite a passagem de pessoas – o que é dado como provado na resposta, v.g., aos pontos 2 e 3, 4 a 6, 7, 15 e 16).
6 - Porém, resulta claro e evidente da planta que constitui o doc. 9 e das fotografias que constituem os docs. 10 a 18 juntos com a petição, da planta que constitui o doc. 1 junto com a contestação, da própria planta de fls. 330 do processo camarário anexo, da ata da inspeção judicial ao local (onde se pode ler: “O Tribunal entrou pelo portão sito a nascente. De seguida percorreu o caminho em paralelepípedo até ao portão com duas folhas sito a poente”) e, para além disso, constitui uma circunstância que nenhuma das partes coloca em causa nas suas peças, que real e fisicamente, o portão existente a Nascente permite o acesso às diversas frações do prédio em questão.
7 - Assim não se entendendo, existe contradição entre essa parte da decisão da matéria de facto e a que consta da resposta dada aos pontos 4 a 6 e 14 da Base Instrutória onde, entre outras coisas, se deu como provado que esse mesmo portão “foi usado e é usado por vários condóminos do prédio em apreço (ou seja, os Autores e quem os antecedeu)”, já que não se vislumbra como os condóminos Autores pudessem usar tal portão se este não permitisse o acesso às suas frações…
8 - Acresce, ainda, que, se o portão existente a Nascente não permitisse o acesso às frações dos Autores a presente ação não teria o menor sentido, já que a sua pretensão seria em absoluto carecida de utilidade …
9 - Assim sendo, como inequivocamente é, deve ser alterada a resposta dada ao ponto 1 da Base Instrutória por forma a dar-se também como provado que o portão pedonal existente a Nascente permite (fisicamente, se se quiser acrescentar) o acesso a todas as frações do prédio em apreço, introduzindo-se, pelos mesmos motivos, idêntica alteração às respostas dadas aos pontos 5 e 22 da Base Instrutória.
Acresce que
10 - Tendo sido dado como provado (cf. ponto 4 da Matéria Assente) que “O prédio em apreço foi construído pelo Réu”, temos necessariamente que:
- foi ele quem construiu o portão pedonal a Nascente (que, segundo foi dado como provado – cf. resposta ao ponto 2 da Base Instrutória -, existe desde a construção do prédio!), tal como se perguntava no ponto 3 da Base Instrutória;
- foi ele quem fez com que a zona ajardinada em causa no ponto 12 da Base Instrutória fosse servida pelo sistema de rega comum, associado ao contador de água do condomínio; e
- foi também ele quem colocou dois candeeiros nessa mesma zona ajardinada, igualmente associados ao contador de eletricidade do condomínio.
11 - Daí que devam ser alteradas as respostas ao pontos 3, 12 e 13 da Base Instrutória por forma a dar-se como provada a intervenção do Réu na verificação das realidades aí mencionadas sob pena de ocorrer contradição com o constante do ponto 4 da Matéria Assente.
Quanto à decisão da matéria de direito:
12 - A sorte da ação foi resultado exclusivo (cf. fls. 16 e seguintes da, aliás, douta sentença recorrida) da circunstância de se ter considerado essencial para a decisão do pleito o teor da planta de fls. 330 do processo camarário anexo e a factualidade resultante das respostas aos pontos 22, 23 a 27, 28 a 30 e 31 da Base Instrutória (as quais padecem dos vícios apontados supra).
Ora,
13 - O portão pedonal existente a Nascente não é mencionado em parte alguma do título constitutivo da propriedade horizontal, seja como pertencente a qualquer fração autónoma, designadamente do Réu, seja como parte comum (cf. doc. 7 junto com a petição inicial).
14 - Nesse mesmo título constitutivo refere-se que “são comuns a todas as frações, a entrada com o número de polícia .., da Rua … (…) a rampa de acesso à entrada com o número de polícia .. e toda a zona de logradouro a Nascente incluindo as zonas ajardinadas” sendo que na descrição que aí é feita da fração E (do Réu) não se alude em parte alguma às zonas em causa nestes autos.
15 - Já no processo camarário, existe, a fls. 330, uma planta que instruiu o pedido de aprovação da propriedade horizontal por parte da Câmara Municipal…, na qual se encontra assinalada como fazendo parte da fração autónoma do Réu todas as zonas em causa nestes autos.
16 - Porém, é a lei e o estabelecido no título constitutivo da propriedade horizontal (e não essa planta) que estabelece o que são partes comuns e partes privativas de cada fração autónoma.
17 - Tal planta poderia ser um elemento essencial para esclarecer dúvidas que se levantassem a esse respeito, se, claro está, a construção edificada coincidisse e respeitasse o que consta dessa planta, o que, como bem fez notar a Mma. Juiz a quo na, aliás, douta sentença recorrida, não ocorre pois:
- existe “um portão com cerca de 2 metros de altura colocado no seguimento da parede nascente da fração autónoma pertença do Réu” (cf. resposta ao ponto 8 da Base Instrutória e fotos que constituem os docs. 11 e 17 juntos com a petição), o qual não consta de nenhuma planta do processo camarário, designadamente na de fls. 330, e que cuja existência constitui sinal de que o seu logradouro aí termina (pois, em regra, as pessoas não colocam portões a meio dos logradouros mas, sim, nas suas extremas);
- esta mesma zona ajardinada é, desde a construção do prédio (pelo Réu), servida pelo sistema de rega comum, associado ao contador de água do condomínio, e tem dois candeeiros (colocados pelo Réu) igualmente associados ao contador de eletricidade do condomínio (cf. respostas aos pontos 12 e 13 da Base Instrutória).
18 - Acresce que aquando da promoção do empreendimento, foi publicitada a existência de dois portões de acesso ao prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua …, .., freguesia .., concelho do Porto: um portão de acesso e rampa com comando eléctrico de cada habitação e um portão de acesso para peões para a Rua … e que esse portão – que serve todas as frações - foi usado e é usado por vários condóminos do prédio em apreço (ou seja, os Autores e quem os antecedeu) – cf. resposta aos pontos 4, 5, 6 e 14 da Base Instrutória.
19 - Daí que a planta de fls. 330 à qual foi atribuído todo relevo afinal não o possa ter no quadro fáctico realmente existente e observável no local.
Isto posto,
20 - No título constitutivo da propriedade horizontal apenas é exigível constar (cf. arts. 1418º nºs 1 e 3 CC) a especificação das “partes do edifício correspondentes às várias frações, por forma a que estas fiquem devidamente individualizadas”, não sendo obrigatória a especificação das partes comuns, que serão todas as não forem identificadas como privativas.
21 - São obrigatoriamente comuns as entradas e zonas de passagem comum a dois ou mais condóminos – art. 1421º nº 1 al. c) CC.
22 - “O uso ou passagem para determinar quais as entradas, vestíbulos, escadas ou corredores do edifício em regime de propriedade horizontal que são comuns, são o uso ou passagem normal, de realização constante, para utilização dos respectivos andares do prédio ou, pelo menos, a aptidão objectiva para esse uso” – Conselheiro Jorge Alberto Aragão Seia, in Propriedade Horizontal, anotação ao art. 1421º, citando o Ac. RC de 27.2.1970.
23 - Ora, está (e deverá ficar com a alteração da decisão da matéria de facto supra referida) dado como provado que:
- o portão pedonal existente a Nascente desde a construção do prédio em apreço (e que serve todas as frações) foi usado e é usado pelos seus vários condóminos, ou seja, os Autores e quem os antecedeu – respostas aos pontos 1, 2 e 3, 4, 5, 6 e 14 da Base Instrutória;
- a zona ajardinada indicada a laranja na planta que constitui o doc. 9 junto com a petição e também a zona empedrada que com aquela confronta indicada a azul na mesma planta têm de ser atravessadas por todos quantos pretendem usar tal portão – resposta ao ponto 9 da Base Instrutória.
24 - Daí resulta que, por imperativo legal, o portão pedonal existente a Nascente e as zonas ajardinada e empedrada supra referidas sejam necessariamente partes comuns.
Assim não se entendendo,
25 - Presumem-se comuns “os pátios e jardins anexos ao edifício” e, “em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos” - art. 1421º nº 2 als. a) e e) CC.
26 - “A afectação a que se alude aqui é uma afectação material - uma destinação objectiva – existente à data da constituição do condomínio” - Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, em anotação a essa al. e).
27 - Ora, não só não existe, real e objetivamente, nenhum elemento que permita retirar ou sequer indiciar que o portão pedonal a Nascente e as zonas ajardinada e empedrada em apreço se encontram afetas ao uso exclusivo da fração do Réu, como, pelo contrário, deve ter-se por provado, como vimos, que os mesmos estão afetos, na verdade e desde a construção do condomínio, ao uso de todas as frações do condomínio.
28 - Daí que também por esta via se chegue à conclusão que tais portão e zonas ajardinada e empedrada são partes comuns.
Sem prescindir,
29 - Nas partes que estão em causa na presente ação, o Réu construiu coisa diferente da submetida à aprovação da Câmara Municipal ….
30 - Porém, o título constitutivo da propriedade horizontal, pela forma como foi redigido, traduz perfeitamente a realidade verificável no local: o logradouro do Réu encontra-se tapado/delimitado pelo portão com dois metros de altura colocado no seguimento da parede Nascente da sua fração autónoma e não consta da descrição feita dessa fração a alusão a qualquer logradouro a Nascente ou a um portão pedonal igualmente a Nascente, o que bate certo com a realidade constatável no local; e integra as partes comuns “toda a zona de logradouro a Nascente incluindo as zonas ajardinadas”, o que também coincide com a realidade edificada pelo Réu.
31 - Só o portão pedonal não é mencionado em lado nenhum do título constitutivo da propriedade horizontal, o que por certo se ficou a dever ao facto de a sua existência não estar prevista no projeto de construção que foi aprovado pela Câmara Municipal … – cf. fls. 299 a 303 do processo de licenciamento anexo.
32 - Assim, e como se diz no Ac. RL de 23.4.1996, in CJ, ano XXI, tomo II, p. 115, “Não estando demonstrado no título constitutivo da propriedade horizontal que o logradouro do prédio urbano objecto desta propriedade, que tem entradas pela via pública, como fazendo parte de qualquer das fracções, tem o mesmo de considerar-se coisa comum”.
33 - Solução diversa do presente pleito só será possível se se admitir que a ficção constante de uma planta apresentada no licenciamento camarário deve prevalecer sobre a realidade observável no local e perfeitamente espelhada na factualidade dada como provada…
34 - Entendendo diferentemente, a, aliás, douta sentença recorrida violou o disposto nos arts. 1418º nºs 1 e 3 e 1421º nº 1 al. c) e nº 2 als. a) e e) CC pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue a ação procedente.
Para o caso de assim não se entender,
35 – Atendendo a que:
- o Réu procedeu à construção do prédio em questão – ponto 4 da Matéria Assente;
- colocou no seguimento da parede Nascente da sua fração um portão com cerca de dois metros de altura – resposta ao ponto 8 da Base Instrutória – o que, repete-se, constitui sinal de que o seu logradouro aí termina.
- fez dotar tal prédio de um portão pedonal a Nascente que dá para a Rua … (e que serve todas as frações) e que foi usado e é usado pelos demais condóminos do prédio, ou seja, os Autores e quem os antecedeu, para o que têm de atravessar as zonas ajardinada e empedrada também em causa nestes autos, sendo que aquando da promoção do empreendimento foi publicitada a existência de dois portões de acesso, sendo o existente a Nascente um deles – respostas aos pontos 1, 2 e 3, 4, 5, 6 e 14 e 9 da Base Instrutória.
36 – Vir o Réu, depois de assim proceder, ao longo de mais de 10 anos (veja-se, a fls. 424 do processo de licenciamento apenso, que a licença de utilização do prédio é de 14.3.2003), sustentar (num evidente venire contra factum proprium) que, afinal, o portão e zonas em questão pertencem à sua fração, excede manifestamente os limites impostos pela boa fé e ofende clamorosamente os mais básicos ideais de Justiça, o que sempre tornaria ilegítimo o exercício do correspondente direito por parte do Réu, caso se considerasse que ele o tem.
37 - Entendendo diferentemente, a, aliás, douta sentença recorrida sempre violaria o disposto no art. 334º CC, pelo que, mais não fosse por esta razão, deveria ser revogada.”
O recorrido contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso de apelação interposto pelos autores.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da supressão nas respostas aos artigos 23º a 27º, 28º a 30º e 31º da Base Instrutória de matéria de direito;
2.2 Da impugnação das respostas aos artigos 1º, 2º, 3º, 12º e 13º, todos da Base Instrutória e, consequencialmente, das respostas aos artigos 5º e 22º da mesma peça processual;
2.3 Da natureza comum do portão pedonal sito a Nascente, junto à Rua …, bem como da zona ajardinada e empedrada que têm que ser atravessadas para usar o referido portão;
2.4 Do abuso de direito por parte do réu ao invocar que são sua propriedade exclusiva o portão sito a Nascente, junto à Rua …, bem como a zona ajardinada e empedrada que têm que ser atravessadas para usar o referido portão.
3. Fundamentos
3.1 Da supressão nas respostas aos artigos 23º a 27º, 28º a 30º e 31º da Base Instrutória de matéria de direito
Os recorrentes pugnam pela extirpação das respostas aos artigos 23º a 27º, 28º a 30º e 31º, todos da base instrutória, de matéria que consideram constituir matéria de direito.
Cumpre apreciar e decidir.
Antes de mais, recorde-se que o teor das respostas relativamente às quais os recorrentes denunciam a aludida patologia é o seguinte, sublinhando-se o segmento contra o qual os recorrentes se insurgem:
- “Na escritura de propriedade horizontal está referido que todas as fracções têm acesso comum pelo número … da Rua …, a qual, se situa a Poente e não está aí referida a existência de qualquer portão colocado a nascente do prédio em apreço, o qual, foi construído a nascente das fracções que integram o condomínio e no interior do logradouro pertencente à fracção do réu” (resposta aos artigos 23º, 24º, 25º, 26º, e 27º da base instrutória);
- “A escritura pública de constituição de propriedade horizontal estabelece como parte comum, entre outras «toda a zona de logradouro a Nascente incluindo as zonas ajardinadas» e a fracção E, pertença do réu, engloba uma área de logradouro a Nascente que vai da fracção D ao portão colocado a nascente, as zonas ajardinadas pintadas a laranja no documento nº 2 junto à contestação e a zona empedrada” (resposta aos artigos 28º, 29º e 30º da base instrutória);
- “As zonas ajardinadas referidas na escritura de constituição da propriedade horizontal, limitam-se apenas e só àquelas[2] que se estendem paralelamente ao logradouro que vai da entrada a poente até ao término da fracção D” (resposta ao artigo 31º da base instrutória).
A distinção entre matéria de facto e de direito é tão nuclear no nosso sistema de processo civil, quanto problemática. Para tanto basta atentar que na nossa ordem jurídica, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito (veja-se o artigo 26º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro e a que corresponde o artigo 46º da Lei de Organização do Sistema Judiciário aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto e o artigo 682º, do Código de Processo Civil) e, a outro nível, que a sentença em matéria cível pressupõe a destrinça da fundamentação de facto, da aplicação do direito ao caso decidendo, mediante a identificação da ou das normas aplicáveis, a respectiva interpretação[3] e aplicação no caso em apreço (veja-se o artigo 607º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Em traços simples, constitui matéria de facto tudo aquilo que é passível de prova[4] e como tal, susceptível de ser considerado verdadeiro ou falso, enquanto que integra matéria de direito a aplicação das normas jurídicas aos factos em conformidade com a interpretação de tais preceitos, a valoração e subsunção dos factos, de acordo com certo enquadramento normativo, actividade esta que é ajuizada segundo um critério de correcção ou de fundamentação.
O actual Código de Processo Civil teve a nítida preocupação de simplificar a fase do processo que se segue ao termo dos articulados, quando o processo esteja em condições de seguir para a audiência final, eliminando a necessidade de proceder à organização da base instrutória que deveria conter a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (veja-se o artigo 511º, nº 1, do anterior Código de Processo Civil). Para tanto, criou a figura dos temas de prova, pretendendo com esta designação uma referenciação genérica do objecto da instrução (veja-se a primeira parte do artigo 410º do Código de Processo Civil).
Não obstante esta alteração de paradigma que, na nossa perspectiva, apenas transfere as dificuldades que surgiam no termo dos articulados para a audiência final, parece que o objecto da instrução continua agora como dantes a ser constituído pelos factos, incluindo-se nestes as ocorrências da vida real exterior e passíveis de percepção, as ocorrências da vida interna das pessoas, como sejam as intenções, os conhecimentos, as dores, as alegrias, etc…, as situações virtuais, seja no passado, seja no futuro, como sucede, por exemplo, na determinação da vontade conjectural em caso de redução ou conversão do negócio jurídico e, finalmente, os juízos periciais de facto, isto é, as apreciações de certos factos efectuadas por pessoas dotadas de conhecimentos científicos e com base nesses conhecimentos.
Na verdade, as partes continuam oneradas à alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções deduzidas (artigo 5º, nº 1, do Código de Processo Civil), estando o tribunal limitado na sua actividade por tal factualidade essencial e apenas podendo considerar, além dela, a factualidade instrumental, os factos complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa e desde que sobre os mesmos as partes tenham tido a oportunidade de tomar posição, os factos notórios e os factos de que o tribunal tem conhecimento por força do exercício das suas funções (artigo 5º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Pelo contrário, no que respeita à matéria de direito, o tribunal não está subordinado às alegações das partes, sendo livre[5] no que tange a indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil), ainda que nalguns casos, deva observar o prescrito no nº 3, do artigo 3º, do Código de Processo Civil.
O anterior Código de Processo Civil operava uma cisão rigorosa entre o julgamento da matéria de facto e o julgamento da matéria de direito, correspondendo esta cisão, em dado momento da evolução do nosso processo civil a uma diversidade de entidades que procediam a uma e a outra tarefa[6].
No actual processo civil, à semelhança do que se passa no processo penal desde a entrada em vigor do Código de Processo Penal aprovado pelo decreto-lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro[7], o julgamento da matéria de facto e de direito deixa de ocorrer em ciclos processuais distintos, surgindo toda essa actividade concentrada numa única peça processual: a sentença final.
Neste novo contexto processual, bem se percebe que tenha desaparecido a previsão do nº 4, do artigo 646º do anterior Código de Processo Civil e que tinha por fim precípuo delimitar o âmbito de cognição do tribunal que procedia ao julgamento da matéria de facto, com base em meios de prova sujeitos à sua livre apreciação (artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil), do âmbito que competia ao juiz que lavrava a sentença e que além do julgamento da matéria de direito, propriamente dito, procedia também à valoração das provas não sujeitas à livre apreciação do julgador (artigo 659º, nº 3, do anterior Código de Processo Civil).
No entanto, o desaparecimento daquela previsão legal não significa que a fundamentação de facto da sentença, tal como delineada na primeira parte do nº 3 e no nº 4, do artigo 607º, do actual Código de Processo Civil, tenha passado a poder incidir também sobre matéria de direito.
Ao contrário do que por vezes se vê apregoado, a tanto quanto possível separação rigorosa da matéria de facto e de direito não é tributária de uma postura formalista e arcaica, antes é uma decorrência indeclinável de “qualidade” e genuinidade na instrução da causa. De facto, se não houver rigor na delimitação destes campos, as testemunhas serão chamadas a emitir juízos de valor, inclusive de ordem legal, procedendo assim a uma verdadeira usurpação de funções consentida, porquanto, assim actuando, demitir-se-á o julgador da função que lhe é própria, transferindo-a, à margem da lei, para as diversas entidades operantes em sede de instrução.
Na nossa perspectiva, a inclusão na fundamentação de facto da sentença de matéria de direito determina uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de ser oficiosamente conhecido em segunda instância nos termos previstos na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil.
No caso em apreço, os recorrentes sustentam que os segmentos das respostas supra reproduzidos e sublinhados contêm a resolução da concreta questão de direito que o tribunal é chamado a decidir, pois que a simples resposta a tais questões contém imediatamente a solução do pleito.
Que dizer?
Com a presente acção os autores pretendem que se declare que certa zona de um imóvel constituído em propriedade horizontal e de que são condóminos é parte comum das fracções autónomas de que são titulares.
E que consta dos segmentos que os recorrentes pretendem ver extirpados dos fundamentos de facto?
Na resposta aos artigos 23º, 24º, 25º, 26º, e 27º da base instrutória consta “no interior do logradouro pertencente à fracção do réu”, resposta que permite, directamente concluir que o portão aberto a nascente das fracções autónomas integra, faz parte, pertence à fracção do recorrido, outra forma de dizer que esse portão é propriedade do réu.
Na resposta aos artigos 28º, 29º e 30º da base instrutória consta que a fracção autónoma de que o réu é proprietário “engloba uma área de logradouro a Nascente que vai da fracção D ao portão colocado a nascente, as zonas ajardinadas pintadas a laranja no documento nº 2 junto à contestação e a zona empedrada”, assim ficando definido, em “sede factual” e de forma directa que esta zona é propriedade do réu.
Na resposta ao artigo 31º da base instrutória consta que “As zonas ajardinadas referidas na escritura de constituição da propriedade horizontal, limitam-se apenas e só àquelas que se estendem paralelamente ao logradouro que vai da entrada a poente até ao término da fracção D”, determinando-se, deste modo, que as áreas ajardinadas sitas a nascente do término da fracção D, não constituem parte comum.
Indubitavelmente, os segmentos dos fundamentos de facto da sentença recorrida que se acabam de rememorar envolvem, directa ou indirectamente, a resolução do objecto do litígio e de forma conclusiva, quer afirmando que o espaço reivindicado pelos autores, é propriedade do réu, quer afirmando que não é de sua propriedade.
Estão em causa conclusões jurídicas que, por o serem, devem ser retiradas dos fundamentos de facto, devendo as mesmas ser extraídas, se para tanto bastarem os factos, em sede de fundamentos de direito.
Deste modo, procede este segmento do recurso de apelação, pelo que a resposta ao artigo 31º da base instrutória deve ser eliminada, passando as respostas aos artigos 23º, 24º, 25º, 26º, e 27º da base instrutória e aos artigos 28º, 29º e 30º da base instrutória, respectivamente, a serem as seguintes:
- “Na escritura de propriedade horizontal está referido que todas as fracções têm acesso comum pelo número … da Rua …, a qual, se situa a Poente e não está aí referida a existência de qualquer portão colocado a nascente do prédio em apreço, o qual, foi construído a nascente das fracções que integram o condomínio” (resposta aos artigos 23º, 24º, 25º, 26º, e 27º da base instrutória);
- “A escritura pública de constituição de propriedade horizontal estabelece como parte comum, entre outras «toda a zona de logradouro a Nascente incluindo as zonas ajardinadas» e a fracção E, pertença do réu, engloba uma área de logradouro” (resposta aos artigos 28º, 29º e 30º da base instrutória).
3.2 Da impugnação das respostas aos artigos 1º, 2º, 3º, 12º e 13º, todos da Base Instrutória e, consequencialmente, das respostas aos artigos 5º e 22º da mesma peça processual
Os recorrentes impugnam as respostas aos artigos 1º, 2º, 3º, 12º e 13º da base instrutória e, consequencialmente, as respostas aos artigos 5º e 22º da mesma peça processual.
As razões dos recorrentes, em síntese, são as seguintes:
- no que respeita a resposta ao artigo 1º da base instrutória, os recorrentes pretendem que seja dado como provado que o portão sito a nascente é pedonal, como aliás resulta das respostas aos artigos 2º e 3º, 4º a 6º, 7º, 15º e 16º, todos da base instrutória e ainda que tal portão permite o acesso às diversas fracções do prédio em apreço, como resulta claro da planta que constitui o documento nº 9 e das fotografias que constituem os documentos 10 a 18 juntos com a petição, da planta que constitui o documento nº 1 junto com a contestação e ainda, se dúvidas pudessem existir, da planta de folhas 330 do processo camarário anexo, sendo uma realidade factual que nenhuma das partes põe em causa e que o tribunal verificou na inspecção judicial, exarando a sua percepção quanto a essa realidade no pertinente auto; afirmam ainda que se assim não se entender, existirá contradição entre essa parte da decisão da matéria de facto e a que consta da resposta dada aos artigos 4º a 6º da base instrutória, na parte em que se dá como provado que esse portão foi usado e é usado por vários condóminos do prédio em questão; finalmente, sustentam que por força da alteração da resposta ao artigo 1º da base instrutória, devem também ser alteradas as respostas aos artigos 5º e 22º, aditando-se às mesmas que o portão sito a nascente faculta o acesso a todas as fracções do prédio;
- no que respeita os artigos 2º, 3º, 12º e 13º, todos da base instrutória, os recorrentes insurgem-se contra a não prova da autoria dos trabalhos mencionados nos artigos 3º, 12º e 13º, todos da base instrutória, quando foi dado como provado e consta dos factos assentes que foi o réu que construiu o prédio, o que entra em contradição com a não prova da aludida autoria.
As perguntas cujas respostas são impugnadas pelos recorrentes têm o seguinte teor:
- “O acesso às diversas fracções do prédio em questão é feito, a Poente, a partir de um portão comum e de uma rampa empedrada que permite a passagem de pessoas e viaturas e, a Nascente, através de um portão igualmente comum que permite a passagem apenas de pessoas e que dá para a Rua …?” (artigo 1º da base instrutória)[8];
- “Esse portão pedonal a Nascente existe desde a construção do prédio?” (artigo 2º da base instrutória)[9];
- “E foi efectuada, pelo próprio réu?” (artigo 3º da base instrutória);
- “E serve todas as fracções?” (artigo 5º da base instrutória)[10];
- “Por outro lado, ao construir o prédio, o Réu fez com que essa zona ajardinada fosse servida pelo sistema de rega comum, associado ao contador de água do condomínio?” (artigo 12º da base instrutória)[11];
- “E colocou na mesma dois candeeiros igualmente associados ao contador de electricidade do condomínio?” (artigo 13º da base instrutória)[12];
- “A única via de entrada possível para as quatro fracções recém-construídas, é a entrada que se faz por via Poente?” (artigo 22º da base instrutória)[13].
A reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pelos recorrentes é sui generis, na medida em que não envolve a reapreciação da prova gravada, assentando antes na busca de uma congruência substancial das respostas que foram dadas pelo tribunal a quo, sob pena de surgirem contradições na fixação da factualidade provada e não provada, na posição que as partes assumiram relativamente a alguns factos e, ainda, no teor de alguma prova documental junta aos autos.
O perfil sui generis dos fundamentos da reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pelos recorrentes determina que lhe sejam inaplicáveis os ónus impostos ao recorrente que impugna a decisão da matéria de facto com base na reapreciação da prova gravada (artigo 640º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil), inexistindo deste modo qualquer obstáculo ao conhecimento das questões colocadas pelo recorrente nesta sede.
Enquadradas as questões decidendas, passemos à sua concreta cognição.
Relativamente à resposta ao artigo 1º da base instrutória, é patente que todas as razões avançadas pelos recorrentes procedem, no que tange à natureza pedonal do portão sito a nascente, sendo ostensivo que está assente por acordo das partes que o portão sito a nascente é pedonal (veja-se, por exemplo, o artigo 86º da contestação do réu), o que basta para que, independentemente da produção de qualquer prova, dar como assente esta matéria.
E relativamente à circunstância do portão pedonal sito a nascente permitir o acesso às diversas fracções do prédio em questão?
Também aqui, cremos que procedem as razões dos recorrentes, porquanto nem o réu nega que por aquele portão pedonal é fisicamente possível aceder a todas as fracções do prédio (veja-se o artigo 49º da contestação).
A questão que o réu suscita é de ordem normativa e prende-se com a titularidade, em termos de direito de propriedade, quer do portão sito a nascente, quer do solo para que deita esse portão, do lado oposto ao da Rua …. Ora, como é bom de ver, este problema normativo tem que ser dilucidado quando se proceder à análise jurídica do caso, devendo nesta fase determinar-se unicamente se por aquele portão pedonal sito a nascente é fisicamente possível aceder às diversas fracções do prédio.
Além disso, atentando nos documentos indicados pelos recorrentes e ainda naquilo que foi percepcionado e registado pelo tribunal a quo aquando da realização da inspecção judicial[14], dúvidas não subsistem que pelo portão pedonal sito a nascente das fracções é possível aceder às diversas fracções do prédio, pois que nessa diligência, por um empedrado, foi possível chegar do portão pedonal ao portão sito a poente e que por todas as partes é reconhecido como comum.
Assim, em face do que precede, a resposta ao artigo 1º da base instrutória deve passar a ser a seguinte: provado apenas que, a Poente, o acesso às diversas fracções é feito a partir de um portão e de uma rampa empedrada que permite a passagem de pessoas e viaturas, existindo a nascente um portão pedonal pelo qual é fisicamente possível aceder às diversas fracções do prédio, não se respondendo ao segmento da pergunta em que se inquiria da natureza comum dos dois portões, por constituir matéria de direito.
E devem, as respostas aos artigos 5º e 22º da base instrutória ser alteradas, consequencialmente, como é pretendido pelos recorrentes?
A resposta ao artigo 5º da base instrutória, dada conjuntamente com as respostas aos artigos 4º, 6º e 14º da base instrutória, na parte em que se refere ao uso do portão pedonal que dá para a Rua … deve ser harmonizada com a resposta ao artigo 1º, na parte em que se caracteriza o uso que é possível dar ao aludido portão, passando essa resposta conjunta a ser a seguinte: provado apenas que aquando da promoção do empreendimento, foi publicitada a existência de dois portões de acesso ao prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Rua …, .., freguesia …, concelho do Porto: um portão de acesso e rampa com comando eléctrico de cada habitação e um portão de acesso para peões para a Rua …, portão este pelo qual é fisicamente possível aceder às diversas fracções do prédio e que foi e é usado por vários condóminos do prédio em apreço (ou seja, os autores e quem os antecedeu).
E deve a resposta ao artigo 22º da base instrutória alterar-se em consequência da alteração da resposta ao artigo 1º da base instrutória?
Neste segmento da pretensão recursória, afigura-se-nos que os recorrentes não têm razão, pois que a inclusão da referência factual que indicam envolveria uma resposta excessiva relativamente àquilo que foi perguntado. Por isso, nesta parte, improcede, a pretensão de alteração da decisão da matéria de facto.
Vejamos agora a impugnação das respostas aos artigos 2º e 3º, da base instrutória.
Na matéria assente consta que o prédio em apreço foi construído pelo réu, tal como se julgou provado que o portão pedonal existe desde a construção do prédio. Neste circunstancialismo fáctico, só se pode concluir que o portão pedonal sito a nascente foi construído pelo réu.
Contudo, o que foi quesitado no artigo 3º da base instrutória foi a autoria da construção do imóvel e não a abertura do portão a nascente, como se conclui se se atentar no género feminino do particípio passado do verbo “efectuar”, bem como na fonte de tal quesito, o artigo 7º da petição inicial. De todo o modo, quanto mais não seja por congruência com o que consta do ponto 4 da matéria assente, devem as respostas aos artigos 2º e 3º da base instrutória ser alteradas em termos de constar das mesmas a autoria da construção. Procede assim, nesta parte, o recurso dos recorrentes, nos termos que antes se expuseram, passando as respostas impugnadas a ser as seguintes:
- provado que esse portão pedonal existe desde a construção do prédio e foi efectuada pelo próprio réu.
Apreciemos agora a impugnação das respostas aos artigos 12º e 13º da base instrutória, também incidente sobre a autoria dos trabalhos aí mencionados.
Pelas razões avançadas relativamente às respostas aos artigos 2º e 3º da base instrutória, também deve passar a constar das respostas aos artigos 12º e 13º da base instrutória que o réu foi o autor dos trabalhos aí referenciados. Deste modo, estas respostas passarão a ser as seguintes:
- provado que ao construir o prédio, o réu fez com que a zona ajardinada a que alude a resposta ao facto controvertido nº 7 fosse servida pelo sistema de rega comum, associado ao contador de água do condomínio (artigo 12º da base instrutória);
- provado que na zona ajardinada a que alude a resposta ao facto controvertido nº 7 o réu colocou dois candeeiros igualmente associados ao contador de electricidade do condomínio (artigo 13º da base instrutória).
Assim, face ao que precede, a impugnação da decisão da matéria de facto procede parcialmente, nos termos antes explicitados.
3.3 Fundamentos de facto resultantes do julgamento da matéria de facto efectuado pelo tribunal a quo com as alterações decorrentes do conhecimento das questões que precedem
3.3.1
Os 2º, 3º, 4º e 5º autores são, respectivamente, os donos e legítimos proprietários das fracções autónomas designadas pelas letras “D”, “C”, “B” e “A” do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua …, .., freguesia …, concelho do Porto, inscrito na matriz sob o artigo 3118 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 370/… (ponto 1 da matéria assente).
3.3.2
O 2º autor e J… (que reside na fracção pertença dos 5ºs autores) são os actuais administradores do Condomínio desse prédio, 1º autor (ponto 2 da matéria assente).
3.3.3
Por seu lado, o réu é dono e legítimo proprietário da fracção autónoma do mesmo prédio designada pela letra “E”, onde reside (ponto 3 da matéria assente).
3.3.4
O prédio em apreço foi construído pelo réu (ponto 4 da matéria assente).
3.3.5
Por escritura pública celebrada a 22-06-1999 o prédio referido foi constituído em regime de propriedade horizontal (ponto 5 da matéria assente).
3.3.6
No documento complementar elaborado nos termos do número dois do artigo 64º do Código de Notariado, o qual, faz parte integrante da escritura pública de constituição de propriedade horizontal são descritas as várias fracções que integram o edifício e no que concerne às ZONAS COMUNS está ali exarado o seguinte: “São comuns a todas as fracções, a entrada com o nº de polícia .., da Rua .., a rede exterior de drenagem de águas residuais pluviais prediais das coberturas e logradouros, as redes exteriores de abastecimento de água, saneamento de águas residuais domésticas, distribuição de gás, distribuição de energia eléctrica, de telefone e TV, o poço de água existente, a rampa de acesso à entrada com o nº de polícia .. e toda a zona de logradouro a Nascente incluindo zonas ajardinadas” (ponto 6 da matéria assente).
3.3.7
As descrições das fracções de A a D referem todas «…com acesso comum pelo número … da Rua …», mas nenhuma refere a entrada pedonal a Nascente (ponto 7 da matéria assente).
3.3.8
A Poente, o acesso às diversas fracções é feito a partir de um portão e de uma rampa empedrada que permite a passagem de pessoas e viaturas, existindo a nascente um portão pedonal pelo qual é fisicamente possível aceder às diversas fracções do prédio (resposta ao artigo 1º da base instrutória).
3.3.9
Esse portão pedonal existe desde a construção do prédio e foi efectuada pelo próprio réu (resposta aos artigos 2º e 3º da base instrutória).
3.3.10
Aquando da promoção do empreendimento, foi publicitada a existência de dois portões de acesso ao prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Rua …, .., freguesia …, concelho do Porto: um portão de acesso e rampa com comando eléctrico de cada habitação e um portão de acesso para peões para a Rua …, portão este pelo qual é fisicamente possível aceder às diversas fracções do prédio e que foi e é usado por vários condóminos do prédio em apreço (ou seja, os autores e quem os antecedeu) (resposta aos artigos 4º, 5º, 6º e 14º da base instrutória).
3.3.11
Junto ao portão de acesso pedonal à Rua … existe uma zona ajardinada indicada a laranja no “croquis” que constitui o documento nº 9 da petição inicial e visível nas fotografias que constituem os documentos 10 a 16 juntos com a petição inicial (resposta ao artigo 7º da base instrutória).
3.3.12
Existe um portão com cerca de 2 metros de altura colocado no seguimento da parede nascente da fracção autónoma pertença do Réu e no logradouro dessa fracção (resposta ao artigo 8º da base instrutória).
3.3.13
Essa zona que tem de ser atravessada por todos quantos pretendem usar tal portão (resposta ao artigo 9º da base instrutória).
3.3.14
Na escritura de propriedade horizontal são descritas como partes comuns, entre outras, toda a zona de logradouro a Nascente incluindo as zonas ajardinadas e a fracção E, pertença do réu, está descrita do seguinte modo:
“Fracção E- Habitação Unifamiliar.
Habitação do tipo “T três” com cave, rés-do-chão, andar e vão do telhado, com acesso comum pelo número … da Rua ….
A cave é composta de zona de aparcamento, átrio, local técnico, sanitário de serviço, arrecadação e um quarto de banho, terá cem vírgula cinquenta metros quadrados de área coberta. O rés-do-chão composto de átrio, sala de estar, sala de jantar, cozinha e logradouro, terá cento e oito vírgula metros quadrados de área coberta e duzentos e vinte e sete vírgula dez metros quadrados de área descoberta de logradouro. O andar será composto por três quartos de dormir, todos com casa de banho privativa e uma varanda, terá cento e oito vírgula zero metros quadrados de área coberta e dois vírgula setenta metros quadrados de área descoberta em varanda. O vão do telhado é composto por um compartimento, um quarto de banho, um terraço e terá sessenta vírgula sessenta metros quadrados de área coberta e dezoito vírgula zero metros quadrados de área descoberta em terraço.
O total da área coberta é de trezentos e setenta e sete vírgula dez metros quadrados e a área descoberta é de duzentos e quarenta e sete vírgula oitenta metros quadrados. É-lhe atribuída a permilagem de duzentos e quatro vírgula dezassete do valor total do prédio” (resposta ao artigo 11º da base instrutória).
3.3.15
Ao construir o prédio, o réu fez com que a zona ajardinada a que alude a resposta ao facto controvertido nº 7 fosse servida pelo sistema de rega comum, associado ao contador de água do condomínio (resposta ao artigo 12º da base instrutória).
3.3.16
Na zona ajardinada a que alude a resposta ao facto controvertido nº 7, o réu colocou dois candeeiros igualmente associados ao contador de electricidade do condomínio (resposta ao artigo 13º da base instrutória).
3.3.17
O réu sustenta que essa zona ajardinada pertence à sua fracção e que os demais condóminos do prédio não a podem manter ou utilizar, nem mesmo para aceder ao mencionado portão de acesso pedonal à Rua …, o qual, igualmente sustenta pertencer à sua fracção e que pretende manter aberto, colocando em causa a segurança do condomínio (resposta aos artigos 15º e 16º da base instrutória).
3.3.18
Paralelamente, sustenta também o réu que a zona empedrada que se situa à frente da sua fracção e que confina a Sul com a zona ajardinada a que alude a resposta ao facto controvertido nº 7 também faz parte da sua fracção e que só ele tem direito a utilizá-la, designadamente estacionando veículos (resposta aos artigos 18º, 19º e 20º da base instrutória).
3.3.19
O prédio aqui em análise começou por ser um simples terreno rústico (resposta ao artigo 21º da base instrutória).
3.3.20
Na escritura de propriedade horizontal está referido que todas as fracções têm acesso comum pelo número … da Rua …, a qual, se situa a Poente (resposta ao artigo 22º da base instrutória).
3.3.21
Na escritura de propriedade horizontal está referido que todas as fracções têm acesso comum pelo número … da Rua …, a qual, se situa a Poente e não está aí referida a existência de qualquer portão colocado a nascente do prédio em apreço, o qual, foi construído a nascente das fracções que integram o condomínio (resposta aos artigos 23º, 24º, 25º, 26º, e 27º da base instrutória);
3.3.22
A escritura pública de constituição de propriedade horizontal estabelece como parte comum, entre outras «toda a zona de logradouro a Nascente incluindo as zonas ajardinadas» e a fracção E, pertença do réu, engloba uma área de logradouro (resposta aos artigos 28º, 29º e 30º da base instrutória).
3.3.23
Na planta do rés-do-chão do projecto de arquitectura aprovado, junta a fls. 330[15], a qual, entre outras, instruiu o projecto de propriedade horizontal aprovado e com base no qual foi feita a escritura de constituição de propriedade horizontal do prédio em apreço, está delimitada a verde a área coberta e descoberta da fracção E, propriedade do réu e nesse desenho estão escritas a área coberta de 108,0 m2 e a área descoberta de 227,10 m2 em logradouro, menções que foram transportadas para o documento complementar que faz parte da escritura de propriedade horizontal do prédio em apreço, na parte em que está descrita a fracção E (facto julgado provado ao abrigo do disposto no nº 4, do artigo 607º do Código de Processo Civil).
4. Fundamentos de direito
4.1 Da natureza comum do portão pedonal sito a Nascente, junto à Rua …, bem como da zona ajardinada e empedrada que têm que ser atravessadas para usar o referido portão
Os recorrentes, imputando à sentença recorrida a violação dos artigos 1418º, nºs 1 e 3 e 1421º, nº 1, alínea c) e nº 2, alíneas a) e e), ambos do Código Civil, pugnam pela revogação dessa decisão, com esse fundamento normativo e com base nas seguintes razões:
- o título constitutivo da propriedade horizontal não tem o relevo que o tribunal a quo lhe deu, desde logo porque o portão pedonal sito a nascente não é aí mencionado, referindo-se que são comuns a todas as fracções, além do mais, toda a zona de logradouro a nascente, incluindo as zonas ajardinadas e na descrição da fracção “E” não se alude em parte alguma às zonas em discussão nestes autos;
- o recurso aos elementos que instruíram o requerimento para constituição da propriedade horizontal, nomeadamente a planta junta a folhas 330 do respectivo processo administrativo, só seria admissível se acaso a construção edificada coincidisse e respeitasse o que consta dessa planta, o que não se verifica no caso em apreço;
- a colocação de um portão no prolongamento da parede nascente da fracção do réu é um indicador de que o logradouro aí termina;
- a zona ajardinada cuja titularidade é controvertida nestes autos é servida pelo sistema de rega do condomínio, tendo dois candeeiros ligados ao contador do condomínio;
- aquando da promoção do empreendimento foi publicitada a existência de dois portões de acesso, um deles, para peões, sito a nascente, a dar para a Rua …;
- a lei apenas exige a especificação das partes do edifício correspondentes às várias fracções, não sendo obrigatória a especificação das partes comuns, que serão todas as que não forem identificadas como privativas;
- são obrigatoriamente comuns as entradas e zonas de passagem comuns a dois ou mais condóminos, como sucede relativamente ao portão pedonal sito a nascente e as zonas ajardinada e empedrada, também sitas a nascente e que permitem o acesso às diversas fracções do prédio;
- as zonas ajardinadas e empedrada sitas a nascente e o portão pedonal que dá para a Rua … não se encontram afectas ao uso exclusivo da fracção do réu, pelo que são partes comuns.
Por seu turno, o recorrido, em abono da sentença recorrida afirma que a descrição das fracções e das zonas comuns e respectivas áreas constantes da escritura de constituição da propriedade horizontal e respectivo documento complementar, estão em consonância com o processo camarário e as plantas que o instruíram, não se fazendo em qualquer desses elementos alusão a uma entrada sita a nascente, resultando destas plantas que a zona em disputa nestes autos se integra na fracção “E”, da titularidade do réu. A inexistência de delimitação da zona do prédio cuja titularidade se discute nestes autos de modo a ser incluída na fracção do réu, não basta para concluir que essa zona é comum, tal como a circunstância de parte do logradouro da fracção do réu se achar delimitado não implica que o espaço exterior a esse portão não lhe pertença. Além disso, o recorrido invoca todo um conjunto de factos que terão resultado do seu depoimento prestado em audiência mas que não foram alegados na fase dos articulados, como sejam a diversidade do aspecto das zonas ajardinadas na zona que todas as partes consideram comum e na parte que é reivindicada pelos ora recorrentes, a indiciar um tratamento desigual, que o abastecimento com água e energia eléctrica da zona ajardinada sita a nascente e que integra o logradouro da fracção do réu era feito por acordo dos condóminos com água e electricidade do condomínio e como contrapartida da autorização gratuita concedida pelo recorrido aos recorrentes para passarem por aquele local. Alega ainda o recorrido, que nunca publicitou o portão a nascente como sendo comum a quem quer que fosse e muito menos aos recorrentes que nada lhe adquiriram.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 1414º do Código Civil, “[a]s fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal.”
“Só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública” (artigo 1415º do Código Civil).
“No título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio” (artigo 1418º, nº 1, do Código Civil).
“A falta da especificação exigida pelo nº 1 e a não coincidência entre o fim referido na alínea a) do nº 2 e o que foi fixado no projecto aprovado pela entidade pública competente determinam a nulidade do título constitutivo” (artigo 1418º, nº 3, do Código Civil).
Nos termos da alínea c), do nº 1, do artigo 1421º do Código Civil, são comuns as entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos. Nesta previsão legal visam-se as passagens de uso necessário a dois ou mais condóminos ou, na formulação de José Alberto González[16], as “partes necessariamente comuns são aquelas sem as quais a própria utilização das fracções autónomas ficaria prejudicada”.
Além das partes necessariamente comuns, presumem-se[17] ainda comuns, os pátios e jardins anexos ao edifício e, em geral as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos (artigo 1421º, nº 2, alíneas a) e e), do Código Civil).
No caso em apreço, face à factualidade provada, parece desde logo ser de afastar a qualificação das zonas em disputa, tal como do portão pedonal de acesso sito a nascente, como partes necessariamente comuns, pois tratando-se, como se trata, de um portão pedonal que não vem sequer mencionado no título constitutivo, existindo aí apenas a referência a um portão de acesso para pessoas e viaturas sito a poente, apenas este último se afigura necessário ou imprescindível à utilização das fracções autónomas. O aludido portão pedonal, bem como as zonas que os condóminos têm que atravessar para acederem às suas fracções propiciam uma maior comodidade aos condóminos pois facultam-lhes um outro acesso, embora apenas pedonal.
E serão tais zonas e portão pedonal de qualificar como partes presumidamente comuns, nos termos previstos na alínea a), do nº 2, do artigo 1421º, do Código Civil ou nos termos da alínea e), do mesmo número e artigo?
A resposta a esta interrogação não é imediata, em virtude de existirem sinais contraditórios que tanto permitem ou se coadunam com essa qualificação, como a afastam.
Assim, a referência no título constitutivo da propriedade horizontal de que são partes comuns, toda a zona do logradouro sita a nascente, incluindo as áreas ajardinadas, tal como a existência de um portão no prolongamento da parede nascente da fracção “E” da titularidade do réu, o abastecimento das zonas ajardinadas sitas a nascente com energia eléctrica e água provenientes do condomínio, o acesso pedonal que por aquele local é possível fazer às diversas fracções e o uso efectivo do portão e daquelas zonas por vários condóminos do prédio em apreço (ou seja, os autores e quem os antecedeu), apontam no sentido de se tratar de uma parte presumidamente comum, por força do disposto nas alíneas a) e e), do nº 2, do artigo 1421º do Código Civil.
Porém, em sentido oposto, militam as circunstâncias de nenhuma referência ser feita no título constitutivo a uma qualquer passagem comum sita a nascente, nem a um acesso por um portão sito a nascente e ainda de a área do logradouro da fracção “E” indicada no título constitutivo apenas se coadunar com a propriedade exclusiva do réu sobre as zonas reivindicadas pelos autores, como resulta inequívoco da planta junta a folhas 227 destes autos, que constitui reprodução[18] da que se acha junta a folhas 330 do processo de licenciamento de constituição de propriedade horizontal[19].
Na nossa perspectiva, atendendo à planta que esteve subjacente ao licenciamento da propriedade horizontal, às áreas que com base nessa planta foram transpostas para a descrição das diversas fracções autónomas e passaram a integrar o título constitutivo da propriedade horizontal, parece-nos claramente ilidida qualquer presunção de comunhão que pudesse existir sobre a zona reivindicada pelos autores, bem como sobre o portão sito a nascente.
De facto, a não se entenderem as coisas assim, como será integrado o logradouro da fracção “E” da titularidade do recorrido e que tem uma área de 227,10 m2, precisamente o logradouro com a área maior de todo o condomínio?[20]
Parece evidente que a única forma do titular da fracção “E” ficar com a área de logradouro assinalada à sua fracção passa obrigatoriamente pelo respeito do que ficou a constar do título constitutivo da propriedade horizontal, integrado pelas plantas que serviram de base ao licenciamento municipal.
A circunstância de aquando da promoção do empreendimento, ter sido publicitada a existência de dois portões de acesso ao prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Rua …, .., freguesia …, concelho do Porto, sendo um deles de acesso para peões para a Rua … não releva para a dilucidação desta questão, pois não tem aptidão para alterar o título constitutivo da propriedade horizontal, antes relevando em sede de violação das regras da boa fé, em sede de contratação, questão a que se voltará na análise da questão que se segue.
Pelo exposto, conclui-se que os recorrentes não lograram demonstrar que as zonas por si reivindicadas, tal como o portão pedonal sito a nascente do prédio são partes comuns, pelo que deve a sentença sob censura ser confirmada no que respeita esta matéria.
4.2 Do abuso de direito por parte do réu ao invocar que são sua propriedade exclusiva o portão sito a Nascente, junto à Rua …, bem como a zona ajardinada e empedrada que têm que ser atravessadas para usar o referido portão
Os recorrentes pugnam pela revogação da decisão sob censura em virtude de, alegadamente, violar o disposto no artigo 334º do Código Civil, pois que se traduz em deixar impune um evidente venire contra factum proprium, permitindo que o recorrido, volvidos mais de 10 anos, invoque que aquele portão e as zonas de empedrado e ajardinada adjacentes lhe pertencem. Assentam este fundamento do recurso na seguinte factualidade que ficou provada, ou seja, a construção do prédio pelo réu, a colocação de um portão no seguimento da parede a nascente da sua fracção, indicando que o seu logradouro aí termina, a construção de um portão pedonal a nascente que foi publicitado aquando da promoção do empreendimento como destinado ao uso de todas as fracções e o uso desse portão e o atravessamento do empedrado e da zona ajardinada adjacentes pelos condóminos do prédio.
O recorrido defende o acerto da decisão recorrida afirmando que os documentos que configuram o espaço reivindicado pelos recorrentes como propriedade exclusiva do recorrido são públicos, podendo deste modo os recorrentes ter a percepção precisa da situação jurídica do que nestes autos vieram reivindicar, abona-se com a doutrina de um autor que sustenta que em caso de desconformidade quanto ao declarado relativamente ao carácter comum de certas zonas e o que resulta do título constitutivo, deve ser dada prevalência ao título constitutivo, que o que se passou na fase preambular dos primeiros contratos de compra e venda não releva para estes autos em virtude de não caber no pedido formulado pelos autores, não tendo estes sido parte naqueles primitivos contratos, não podendo, em todo o caso, o título constitutivo da propriedade horizontal ser alterado por decisão judicial.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 334º do Código Civil “[é] ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
Na esteira do Sr. Professor Baptista Machado[21], tem-se entendido que são três os pressupostos da proibição do venire contra factum proprium: a) uma situação objectiva de confiança; b) “investimento” na confiança e irreversibilidade desse investimento; c) boa-fé da contraparte que confiou.
Concretizando o terceiro requisito que se acaba de enunciar, entende-se que a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá tutela quando desconheça a divergência entre a situação aparente e a situação real e tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico, sendo que o cuidado e as precauções a exigir da parte que busca abrigo neste instituto serão tanto maiores quanto mais vultuosos forem os actos praticados por força do investimento de confiança.
No caso em apreço, está provada uma conduta que atenta gravemente contra as exigências da boa fé e que é a publicitação, falsa, de que o portão de acesso pedonal sito a nascente serviria todas as fracções (veja-se o ponto 3.3.10 dos fundamentos de facto deste acórdão). Porém, não se provou que o recorrido tenha sido o autor dessa publicitação, como estava quesitado no artigo 4º da base instrutória, nem resulta da matéria de facto que os ora recorrentes tenham sido vítimas dessa conduta, no sentido de que tenham sido os destinatários de tal declaração falsa.
Tanto basta para que a violação das regras da boa fé ou o invocado venire contra factum proprium não tenham suporte fáctico e improceda o abuso de direito invocado pelos recorrentes.
Ainda que assim não fosse, cremos que nunca a pretensão dos recorrentes poderia encontrar guarida no instituto de abuso do direito, pelas razões que de seguida se expõem.
Com a invocação do instituto do abuso de direito, os recorrentes pretendem que a pretensão dominial do recorrido seja paralisada, para sempre, facultando aos recorrentes o uso das zonas reivindicadas, bem como do portão pedonal sito a nascente. Se acaso esta pretensão dos recorrentes vingasse, criar-se-ia uma situação jurídica real que não foi pedida pelos recorrentes e, além do mais, uma situação jurídica real atípica e violadora, segundo cremos, do disposto no artigo 1306º, nº 1, do Código Civil. Daí que, mesmo por este prisma, sempre a pretensão dos recorrentes com fundamento em abuso do direito estivesse votada ao fracasso.
Pelo exposto, não obstante as alterações nos fundamentos de facto da sentença recorrida, improcede o recurso de apelação interposto por Condomínio do Prédio constituído em Propriedade Horizontal sito na Rua …, nº .., …, Porto, B…, C… e mulher D…, E… e mulher F…, G… e mulher H…, respondendo os apelantes pelas custas do recurso, já que, a final, a pretensão que deduziram improcedeu na totalidade (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por Condomínio do Prédio constituído em Propriedade Horizontal sito na Rua …, nº .., …, Porto, B…, C… e mulher D…, E… e mulher F…, G… e mulher H…, sem prejuízo das alterações decididas nos fundamentos de facto da sentença recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
***
O presente acórdão compõe-se de vinte e oito páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 09 de Julho de 2014
Carlos Gil
Carlos Querido
Soares de Oliveira
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[1] Segue-se, no essencial, o relatório da sentença recorrida.
[2] No artigo 31º da base instrutória e na resposta ao mesmo artigo escreveu-se “aquelas”. Porém, não obstante o que foi alegado no artigo 84º da contestação, em consonância com o que foi transposto para o artigo 31º da base instrutória e correspondente resposta, parece que se pretendia escrever “àquelas”.
[3] Por vezes, a própria identificação da norma aplicável depende da prévia interpretação das normas convocáveis pelo caso, em ordem a determinar o respectivo âmbito de aplicação.
[4] Nalguns casos, a actividade instrutória pode incidir sobre a pesquisa de regras de direito, como sucede no caso previsto nos nºs 1 e 2, do artigo 348º do Código Civil.
[5] Esta liberdade é relativa, na medida em que tem que ser dogmaticamente sustentada.
[6] Nessa fase, em processo ordinário, o julgamento da matéria de facto era efectuado por um tribunal colectivo, enquanto que a elaboração da sentença pertencia a um juiz singular, ao juiz que presidia ao colectivo.
[7] Esta afirmação apenas é correcta se referida ao processo de querela, já que no processo correccional e nos processos menos solenes, não existia tal cisão.
[8] Este artigo foi respondido da seguinte forma: “O acesso às diversas fracções do prédio em questão é feito a Poente a partir de um portão e de uma rampa empedrada que permite a passagem de pessoas e viaturas e a Nascente existe um portão que dá para a Rua …”.
[9] Este artigo foi respondido conjuntamente com o artigo 3º da base instrutória, da seguinte forma: “Desde a construção do prédio foi edificado esse portão pedonal a Nascente”.
[10] Este artigo foi respondido conjuntamente com os artigos 4º, 6º e 14º da base instrutória, da seguinte forma: “Aquando da promoção do empreendimento, foi publicitada a existência de dois portões de acesso ao prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua …, .., freguesia …, concelho do Porto: um portão de acesso e rampa com comando eléctrico de cada habitação e um portão de acesso para peões para a Rua … e esse portão foi usado e é usado por vários condóminos do prédio em apreço”.
[11] Este artigo foi respondido da seguinte forma: “Desde a construção do prédio a zona ajardinada a que alude a resposta ao facto controvertido nº 7 é servida pelo sistema de rega comum, associado ao contador de água do condomínio”. A resposta ao artigo 7º da base instrutória tem o seguinte conteúdo: “Junto ao portão de acesso pedonal à Rua … existe uma zona ajardinada indicada a laranja no “croquis” que constitui o doc. 9 da petição inicial e visível nas fotografias que constituem os docs. 10 a 16 juntos com a petição inicial”.
[12] Este artigo foi respondido da seguinte forma: “Na zona ajardinada a que alude a resposta ao facto controvertido nº 7 foram colocados dois candeeiros igualmente associados ao contador de electricidade do condomínio”.
[13] Este artigo foi respondido da seguinte forma: “Na escritura de propriedade horizontal está referido que todas as fracções têm acesso comum pelo número … da Rua …, a qual, se situa a Poente”.
[14] Na verdade, exarou-se no auto de inspecção o seguinte: “O Tribunal entrou pelo portão sito a nascente. De seguida, percorreu o caminho em paralelipípedo até ao portão com duas folhas sito a poente.”
[15] Do processo administrativo de licenciamento da construção do prédio e de constituição da propriedade horizontal.
[16] In Código Civil Anotado, Quid Juris 2011, Volume IV, páginas 344 e 345.
[17] Trata-se de uma presunção iuris tantum já que não está estabelecida a impossibilidade de ilisão (ver artigo 350º, nº 2, do Código Civil).
[18] Porque esta planta reproduz a que consta do processo licenciamento administrativo, não se determinou a extracção de cópia da planta junta a folhas 330 de tal procedimento.
[19] Anote-se que resulta desta planta que instruiu o processo de licenciamento da constituição da propriedade horizontal que a zona comum do condomínio vai um pouco para além do limite mais a sul da fracção “D”, assim ficando em crise um argumento invocado pelo recorrido para não ter delimitado o seu logradouro a nascente, no sentido poente/nascente, alegadamente, para facilitar a manobra de entrada e saída na garagem ao titular da fracção autónoma “D”.
[20] O segundo logradouro maior em área é o que corresponde à fracção “A” e tem uma área de 128,8 m2. Atente-se que o logradouro com a área maior integra a fracção que ficou a pertencer à pessoa que procedeu à constituição da propriedade horizontal.
[21] In João Baptista Machado, Obra Dispersa, Scientia Iuridica, Braga 1991, Vol. I, páginas 416 a 419.