Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
710/11.7TMPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: FGADM
PRESTAÇÃO
Nº do Documento: RP20141006710/11.7TMPRT-A.P1
Data do Acordão: 10/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O pagamento (montante) de prestação de alimentos a menores através do Estado (FGADM), quando o progenitor/a não cumpra a prestação alimentícia antes fixada pelo tribunal, está legalmente delimitado, tendo em consideração a função substitutiva e subsidiária do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
II- Por isso, o FGADM não poderá ser condenado no pagamento de uma prestação substitutiva de valor superior à fixada ao devedor originário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 710/11.TMPRT-A.P1 - APELAÇÃO

Relator: Desem. Caimoto Jácome(1490)
Adjuntos: Desem. Macedo Domingues
Desem. Oliveira Abreu

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1-RELATÓRIO

Na acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais (artº 174º e seguintes, da OTM, aprovada pelo DL nº 314/78, de 27/10), intentada pelo Ministério Público, foi proferida sentença na qual se decidiu, além do mais, que o progenitor do menor B…, com os sinais dos autos, estava obrigado a prestar-lhe alimentos no montante mensal de € 25,00.

O aludido progenitor, C…, não cumpriu tal obrigação, originando o presente incidente de incumprimento.
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Após diligências com vista à localização do requerido e informação da sua actividade profissional ou rendimentos, o Ministério Público formulou promoção no sentido de ser determinada a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores(FGADM).
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Conclusos os autos, o julgador a quo ponderando que “Mostram os autos que o requerido, C…, não tem efetuado o pagamento das prestações mensais, relativas a alimentos, para o seu filho menor, B…, fixadas no âmbito dos autos principais, no montante de 25,00 euros/mês.
Não se mostra, neste momento, possível o recurso aos mecanismos legalmente previstos no artigo 189 da O.T.M., para assegurar o pagamento pelo requerido das quantias em dívida, atento o montante da prestação de rendimento social de inserção, atribuída ao requerido, sob pena de ficar em causa a própria subsistência do mesmo.
Apurou-se que o menor vive com a progenitora, sendo os rendimentos do agregado familiar, provenientes do trabalho daquela, da prestação do rendimento social de inserção e do apoio à habitação com carácter de regularidade, tudo no montante global de 374,50 euros.
O mesmo agregado tem despesas mensais, no montante global de 335,98 euros, sendo as específicas relativas ao menor, no montante de 190,00 euros/mês.
Mostram-se, pois, reunidos todos os pressupostos - previstos no art.º 1º da Lei nº 75/98, de 19-11 e no art.º 3º nºs 1 e 2 do Dec.-Lei nº 164/99, de 13-05 - para a fixação de uma prestação alimentar a pagar pelo Estado, dada a já referida impossibilidade de cobrança coerciva das quantias em dívida e, ainda, considerando que o menor não beneficia de rendimentos dos avós maternos, superiores ao salário mínimo nacional, considerando a capitação dos rendimentos auferidos pelos mesmos.
Assim, considerando a capacidade económica do agregado familiar do menor, o montante da prestação de alimentos fixada em 25,00 euros/mês, e as necessidades específicas do menor, entendemos adequado fixar uma prestação mensal a pagar Estado ao menor no montante de 100,00 €, atentos os critérios previstos no art.º 2º da Lei nº 75/98 e no nº 3 do art.º 3º do Dec. - Lei nº 164/99.
A este propósito, importa referir aqui que perfilhamos o entendimento de que a prestação substitutiva a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, sendo uma prestação nova, independente e autónoma, com pressupostos diferentes, não tem de coincidir com a prestação a cargo do obrigado a alimentos.
Transcrevemos aqui, o sumário do douto Acórdão da Relação do Porto de 03.12.2013, in http://www.dgsi.pt, «A obrigação de prestação de alimentos a cargo do Fundo é uma obrigação autónoma é independente, embora subsidiária, da do devedor originário dos alimentos, no sentido de que o Estado não se vincula a suportar os precisos alimentos incumpridos, mas antes a suportar alimentos ex novo.
Como tal, a prestação a cargo do Fundo deverá ser fixada pelo tribunal de modo a assegurar as condições de subsistência mínimas, em montante que poderá ser inferior ou superior à que estava obrigado o progenitor faltoso.».
O pagamento dos montantes fixados, a título subsidiário, apenas perdurará enquanto se verificarem as referidas circunstâncias, devendo a progenitora, à guarda de quem o menor se encontra, renovar anualmente a prova da manutenção dos pressupostos para a atribuição da prestação (artigos 1º e 3º nºs 4 e 6 da Lei nº 75/98, de 19-11 e 3º e 9º nº 4 do Dec. - Lei nº 164/99, de 13-05)”.
Por fim, decidiu (dispositivo):
“Pelo exposto, ao abrigo do preceituado no art. 2º da Lei nº 75/98, de 19-11 e nos arts. 3º nº 3 e 4º do Dec.-Lei nº 164/99, de 13-05, decide-se:
- fixar em 100,00€ (cem euros) o montante mensal que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar a título de alimentos ao menor, quantias estas que deverão ser entregues à progenitora.
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Notifique, nos termos do art.º 4º nº 3 do Dec. - Lei nº 164/99, de 13-05, sendo o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (na qualidade de gestor do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores) a fim de diligenciar pelo imediato pagamento das prestações mensais fixadas, nos termos do art. 4º nºs 4 e 5 do mesmo Dec. - Lei.
Notifique, ainda, a progenitora nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 9º nº 4 do citado Dec. Lei nº 164/99.”.
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Inconformado, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social apelou daquela decisão, tendo, na sua alegação, formulado as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da decisão de 05/03/2014, de fls. 25 a 27, que determinou a intervenção do FGADM - em substituição do progenitor devedor – de forma a este assegurar o pagamento da prestação de alimentos.
B. Acontece que do teor do despacho recorrido resulta que o Tribunal a quo, não aplicou a nova redacção da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13/05 introduzida pela Lei n.º 64/2012, de 20 de Dezembro, donde passou a considerar-se para efeitos de valor de referência a ter em conta para efeitos de apuramento do rendimento per capita do agregado familiar do menor, o indexante dos apoios sociais (IAS), em vez do salário mínimo nacional.
C. Do despacho recorrido resulta expressamente que o Tribunal recorrido, considerou para efeitos de valor de referência a ter em conta para efeitos de apuramento do rendimento per capita do agregado familiar do menor, o salário mínimo nacional.
D. Do despacho recorrido não consta quais os rendimentos que foram considerados e qual foi a forma de ponderação de cada elemento do mesmo [agregado familiar], para efeitos de apuramento da capitação de rendimentos [art.º 1.ª, in fine, da Lei n.º 75/98, de 19/11 e art.º 3.º, n.ºs 1, alínea b), 2, 3 do DL 164/99, de 13/05].
E. O despacho é assim, nulo, por falta de fundamentação legal – face à não aplicação dos critérios legais em vigor à data do despacho – e factual, violando o disposto nos artigos 154.º e 615, n.º 1, alínea b), ambos do CPC.
F. Foi também violado o princípio do contraditório, estatuído nos artigos 3.° e 415.°, n.º 1, do CPC, segundo os quais, enquanto parte, nenhuma questão de direito ou de facto pode ser decidida sem que tenha tido possibilidade de sobre ela se pronunciar, nem admitida ou produzida prova sem que tal ocorra – neste sentido, vd. Acórdão proferido no agravo n.º 00030B/1999.P2.de 26/06/2012.
G. Vem também o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo, na parte em que condenou o FGADM a proceder ao pagamento de prestação de alimentos superior, pelo valor de € 100,00 (cem euros), em substituição do progenitor incumpridor por valor superior ao fixado para este, no valor de € 25,00 (vinte e cinco euros).
H. Sobre a impossibilidade de ser fixada ao FGADM uma prestação superior a que se encontrava vinculado o progenitor em incumprimento, já se pronunciaram os Tribunais Superiores, referindo-se entre outros, os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 30/01/2014, Proc. N.º 130/06.5TBCLD-E.L1-6; de 30/01/2014, Proc. N.º 306/06.5TBAGH-A.L1-6; de19/12/2013, Proc. N.º 122/10.0TBVPV-B.L1-6; de 12/12/2013, Proc. N.º 2214/11.9TMLSB-A.L1-2; de 08/11/2012, Proc. N.º 1529/03; o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19/02/2013, Proc. N.º 3819/04; o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, de 10/10/2013, Proc. N.º 3609/06.5; de 25/02/2013, Proc. N.º 30/09; e o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, de 14/11/2013, Proc. N.º 292/07.4.
I. Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, a obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM é autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal e não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação.
J. O n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 75/98 não deixa dúvidas que o montante que o tribunal fixa a cargo do Estado é para este prestar "em substituição do devedor".
K. Existe uma "substituição", apenas enquanto houver a obrigação original, por se verificarem os seus pressupostos e ocorrer incumprimento da mesma, o que seria diferente se estivéssemos perante uma obrigação diversa, desligada da originária.
L. A sub-rogação não pode exceder a medida da sub-rogação total, porquanto, se o terceiro paga mais do que ao devedor competia pagar, ele não tem o direito de exigir do devedor o reembolso pelo excesso, e só poderá exigir do credor a restituição do que este recebeu indevidamente - cfr. artigo 593.° do Código Civil – é legítimo concluir-se que, ao estabelecer esta sub-rogação legal, o legislador não podia deixar de ter implícito que a prestação a cargo do Fundo nunca poderia ser superior ao montante máximo da prestação alimentícia a que o menor tinha direito.
M. Não tem qualquer suporte legal fixar-se uma prestação alimentícia a cargo do FGADM superior à fixada ao progenitor, pois a diferença que daí resulta é fixada apenas para o FGADM e é uma obrigação nova.
N. A manter-se a decisão, a obrigação e responsabilidade de prestar alimentos deixará de ser imputável aos progenitores obrigados, passando a ser única e exclusivamente da responsabilidade do FGADM.
O. Existiu, assim, violação do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, uma vez que o FGADM não é o obrigado à prestação de alimentos, assumindo apenas a obrigação, como interveniente acidental que se substitui ao progenitor [obrigado judicialmente] incumpridor.
Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, revogada a douta decisão recorrida, devendo ser substituída por outra que:
a) Declare a nulidade do despacho recorrido porquanto decide sobre o mérito da causa sem se encontrar fundamentado;
b) Declare a violação pelo despacho recorrido do princípio do contraditório, legalmente consagrado;
e sem prescindir,
c) Revogar a decisão recorrida, na parte que condena o FGADM em valor superior ao fixado ao progenitor em incumprimento, nos termos e com os devidos efeitos legais.

Na resposta à alegação o Ministério Público defende o decidido.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

2.1- OS FACTOS E O DIREITO APLICÁVEL

O objecto do recurso é balizado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 3, do C.P.Civil (actualmente arts. 635º, nº 4, e 640º, nºs 1 e 2).
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Começa a apelante por concluir que a decisão recorrida não está fundamentada, sendo que, a seu ver, resulta da decisão posta em causa que o Tribunal recorrido considerou para efeitos de valor de referência a ter em conta para efeitos de apuramento do rendimento per capita do agregado familiar do menor, o salário mínimo nacional.
Acresce, na perspectiva o recorrente, que do despacho recorrido não consta quais os rendimentos que foram considerados e qual foi a forma de ponderação de cada elemento do mesmo [agregado familiar], para efeitos de apuramento da capitação de rendimentos [art.º 1.ª, in fine, da Lei n.º 75/98, de 19/11 e art.º 3.º, n.ºs 1, alínea b), 2, 3 do DL 164/99, de 13/05].
Considera, assim, tal despacho “nulo, por falta de fundamentação legal – face à não aplicação dos critérios legais em vigor à data do despacho – e factual, violando o disposto nos artigos 154.º e 615, n.º 1, alínea b), ambos do CPC”.
A decisão judicial é nula caso não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
No tocante à nulidade da decisão recorrida com fundamento no estatuído no referido segmento normativo, parece-nos que não assiste razão ao apelante.
Com efeito, analisada a decisão recorrida, não se vislumbra a falta de especificação na mesma dos fundamentos de facto e de direito que a justificam, quando muito poderia considerar-se alguma deficiência.
Como bem salienta o Ministério Público, o manifesto lapso na decisão recorrida, na referência ao salário mínimo nacional em vez do Indexante dos Apoios Sociais(IAS), não releva pois que a decisão posta em crise baseou-se nos factos que foram carreados para os autos, designadamente os constantes do relatório social do ISS, junto aos autos a fls. 18 a 21, do qual resulta ter o cálculo da capitação do rendimento do agregado familiar em referência sido efetuado com base no indexante dos apoios sociais e não no salário mínimo nacional, como anteriormente se efectuava.
Ora, só a falta absoluta de motivação e não a motivação deficiente, errada ou incompleta, produz a nulidade prevista na alínea b), do n.º 1, do art.º 668º, do CPC (ver, entre outros, Acs. do S.T.J. e Rel. Porto, B.M.J., 246º/131 e 319º/343, respectivamente).
Não se verifica, assim, a referida nulidade (artº 615, nº 1, al. b), do CPC), sendo certo que, face ao que se ponderará infra, a questão não é relevante.
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Não se vislumbra, por outro lado, a alegada violação do princípio do contraditório consagrado no artº 3º, do CPC.
Na verdade, a Srª juíza da 1ª instância ordenou a intervenção da Segurança Social, que elaborou os competentes relatórios sociais, e ouviu o Ministério Público e só depois é que decidiu.
Quer dizer, cumpriu o determinado na OTM (v.g. o estatuído no artº 188º).
De todo o modo, também esta questão não releva tendo em consideração o adiante ajuizado sobre a natureza e limites da obrigação do FGADM.
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Como vimos, o Ministério Público, ao abrigo do disposto no art. 3° nº 1 al. a), 5° nº 1 al. c), do Estatuto do Ministério Público, e art. 3°, nº 1 da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, em representação do citado menor, veio requerer, nos termos da citada Lei e dos arts. 1° e 3°, nº 1 e 2, do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, a fixação da prestação de alimentos a cargo do Estado (Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores), em substituição do referido progenitor.
Os pressupostos para a fixação da prestação substitutiva mostram-se correctamente indicados na decisão recorrida.
Com efeito, a intervenção do Estado, através do FGADM, pressupõe, desde logo, que haja uma pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor, o menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre (ver art. 3.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Decreto-Lei 164/99, redacção dada pelo DL nº 70/2010, de 16/06).
Nos termos do nº 2, do aludido normativo, entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação de rendimentos do respetivo agregado familiar não seja superior àquele valor.
O agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos são aferidos, nos termos do disposto no DL. n° 70/2010, de 16 de Junho, alterado pela Lei n° 15/2011 de 03/03 e pelos Decs.-Lei nºs 113/2011, de 29/11 e 133/2012, de 27 de Junho.
Por outro lado, para determinação do montante das prestações em concreto, o Tribunal deve atender:
- ao limite máximo mensal de 1 IAS (indexante de apoios sociais) por devedor;
- à capacidade económica do agregado familiar do menor;
- ao montante da prestação de alimentos fixada e,
- às necessidades específicas do menor (cfr. artº 3°, nº5, do DL nº164/99, de 13 de Maio, alterado pelo DL nº 70/2010, de 16/06 e pela Lei nº 64/2012, de 20/12, antes referenciados.
Nos termos do n° 4, do artº 9°, do referido diploma legal, a pessoa que recebe a prestação fica obrigada a renovar anualmente a prova, perante o Tribunal competente e o n°2 do mesmo artigo estabelece que o IGFSS, IP, o ISS, IP, o representante legal do menor ou a pessoa à guarda de quem este se encontre devem comunicar ao Tribunal qualquer facto que possa determinar a alteração ou a cessação das prestações a cargo do Fundo.
Observe-se que, antes de mais, deve verificar-se ser incobrável a prestação alimentar pelos meios previstos no art. 189º, da OTM, a declarar, por despacho, o que ocorre na decisão da 1ª instância.
Feitas estas considerações, analisemos o concluído na alegação do recurso no sentido de que não tem qualquer suporte legal fixar-se uma prestação alimentícia a cargo do FGADM superior à fixada ao progenitor, pois a diferença que daí resulta é fixada apenas para o FGADM e é uma obrigação nova.
A questão não é, de forma alguma, líquida, existindo, sobre o assunto, decisões judiciais contraditórias.
O recorrente, em apoio da sua tese, cita vários acórdãos dos tribunais superiores.
Acrescentaremos, no mesmo sentido, os mais recentes acórdãos do STJ, de 29/05/2014, e desta Relação, de 15/05/2014, acessíveis em www.dgsi.pt).
Em sentido contrário, vejam-se, entre outros, os acórdãos referidos no acórdão desta Relação, de 28/11/2013, cujo sumário é o seguinte:
“- Têm distinta natureza e prosseguem diferentes objectivos a prestação de alimentos fixada judicialmente a favor de menor e a ser suportada por quem obrigação legal de os prestar em função de relação familiar que mantém com o beneficiário dos alimentos, e a prestação, que em substituição daquele obrigado primitivo, por virtude de incumprimento deste, deva ser satisfeita pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, sendo igualmente distintos os pressupostos a ponderar para fixar uma e outra prestação.
- Não tem de existir coincidência na medida da prestação alimentar entre a fixada judicialmente a quem viria a incumprir essa obrigação e a que deve ser suportada pelo FGADM, em substituição do incumpridor, nada obstando que esta seja superior em relação àquela, desde que não ultrapasse os limites legais impostos pelos artigos 2º, nº 1 da Lei nº 75/98, de 19/11 e 3º, nº5 do Decreto-Lei nº 164/99, de 13/05.”.
Pois bem, pese embora o ora relator tenha, em tempos, subscrito a tese defendida na decisão recorrida, vem agora, repensando a questão, com o apoio dos Exmos Srs. Desembargadores adjuntos, considerar como mais consentânea com o espírito e a letra da lei aplicável (Lei nº 75/98, de 19/11, e Decreto-Lei nº 164/99, de 13/05) a posição sustentada pelo apelante.
Com efeito, afigura-se-nos mais curial e conforme à lei que:
- A obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM é autónoma da prestação alimentícia decorrente da responsabilidade parental e não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação.
- Decorre, claramente, do nº 1, do artº 3º, da Lei nº 75/98, que o montante que o tribunal fixa a cargo do Estado (FGADM) é para este prestar "em substituição do devedor", ou seja, visa-se garantir uma prestação autónoma mas substitutiva do progenitor/devedor originário.
- Existe uma "substituição", apenas enquanto houver a obrigação original, por se verificarem os seus pressupostos e ocorrer incumprimento da mesma, o que seria diferente se estivéssemos perante uma obrigação diversa, desligada da originária.
- A sub-rogação não pode exceder a medida da sub-rogação total, porquanto, se o terceiro paga mais do que ao devedor competia pagar, ele não tem o direito de exigir do devedor o reembolso pelo excesso, e só poderá exigir do credor a restituição do que este recebeu indevidamente (artº 593°, do Código Civil), é legítimo concluir-se que, ao estabelecer esta sub-rogação legal, o legislador não podia deixar de ter implícito que a prestação a cargo do Fundo nunca poderia ser superior ao montante máximo da prestação alimentícia a que o menor tinha direito.
Torna-se pertinente transcrever o ajuizado no Acórdão do STJ, de 29/05/2014 (acessível em www.dgsi.pt):
“No Ac. deste STJ de 04.06.09 (Cons. Maria dos Prazeres Beleza) – processo nº 91/03.2TQPDL.S1 - foi entendido que o Fundo deveria ter em atenção as reais necessidades do menor e, de acordo com esse facto ter de pagar uma prestação superior à fixada ao progenitor.
Salvo o devido respeito, entendemos que esta interpretação dificilmente se coaduna com a disposição base que é a da Lei 75/98 de 19.11, a qual, no art.º 1º, determina que o Estado assegura as prestações devidas até o início do seu efectivo cumprimento.
Haveria aqui uma contradição, entre o Estado entender que o menor precisava de uma prestação mais elevada, atribui-la e, depois, privar o menos da mesma quando o obrigado a cumprir iniciasse o cumprimento a que estava adstrito. Deixavam de estar asseguradas as reais necessidades do menor que fundamentam a referida interpretação.
Aliás, esta questão foi versada no acórdão fundamento quando refere:
“É que se a prestação a prestar pelo Fundo pudesse ser superior à prestação do devedor de alimentos, então a lei devia prever a hipótese, mas não prevê, que, tendo o devedor retomado o pagamento da prestação de alimentos, se porventura esta prestação fosse inferior à que vinha sendo paga pelo Fundo, esta entidade continuaria vinculada a pagar alimentos ao menor, agora, no montante equivalente à diferença entre a prestação que o Fundo estava a pagar e aquela que o devedor recomeçou a pagar, ao invés de prever simplesmente, nesta hipótese, a cessação da obrigação a cargo do fundo.”
Por seu turno, o DL 164/99 de 13.05, proclama que tem como objectivo regulamentar a Lei 75/98 - art.º 1º -. O que nos leva a interpretar as suas disposições no mesmo sentido.
A que acresce o fundamento invocado pelo Mº Pº da sub-rogação do Fundo nos direitos do menor com vista com vista ao reembolso. Certamente que não seria possível pedir ao devedor faltoso aquilo que o Fundo teria pago a mais e que aquele não está obrigado a prestar.
Estamos certamente no campo das prestações sociais, mas com o FGADM não pretendeu o legislador resolver cabalmente o problema da assistência económica aos menores. Antes numa medida de cariz quase assistencial, visou apenas evitar situações de carência extrema. Só assim se compreende que admita que os menores “privilegiados” por outros rendimentos não recebam a pensão do FGADM, apesar de terem direito a uma prestação alimentar – art.º 3º nº 1 alínea b) do DL 164/99 -.
Este preceito conjugado com o art.º 5º da mesma lei, sobre a sub-rogação do Fundo mostra que as suas prestações nunca integram um prestação não reembolsável por parte do Estado, o que aconteceria, como dissemos, se admitíssemos que, ao fixar as obrigações daquele se pudesse admitir uma prestação superior à do devedor em incumprimento.”.
Procede, assim, na medida do expendido, o concluído na alegação do recurso.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte em que fixa “(…) em 100,00€ (cem euros) o montante mensal que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar a título de alimentos ao menor, quantias estas que deverão ser entregues à progenitora.” e, obviamente, em que se ordena a notificação do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (na qualidade de gestor do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores) a fim de diligenciar pelo imediato pagamento dessa prestação mensal.
Determina-se, em consequência do provimento do recurso, a notificação, nos termos do art.º 4º, nº 3, do Decreto-Lei nº 164/99, de 13-05, do Estado/Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (na qualidade de gestor do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores), a fim de diligenciar pelo imediato pagamento da prestação mensal de € 25,00, em substituição do progenitor devedor, a título de alimentos devidos ao menor B…, fixada por anterior decisão judicial, quantias estas que deverão ser entregues à progenitora, nos termos do art. 4º nºs 4 e 5 do mesmo Decreto-Lei.
Notifique, ainda, a progenitora nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 9º nº 4 do citado Dec. Lei nº 164/99.
Custas pelo progenitor C….
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Anexa-se o sumário.

Porto, 06/10/2014
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
Oliveira Abreu
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SUMÁRIO (artº 713º, nº 7, do CPC, actual artº 663º, nº 7):
I – O pagamento (montante) de prestação de alimentos a menores através do Estado (FGADM), quando o progenitor/a não cumpra a prestação alimentícia antes fixada pelo tribunal, está legalmente delimitado, tendo em consideração a função substitutiva e subsidiária do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
II- Por isso, o FGADM não poderá ser condenado no pagamento de uma prestação substitutiva de valor superior à fixada ao devedor originário.

Caimoto Jácome