Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1351/11.4TTBRG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: LEGITIMIDADE PARA RECORRER
PARTE VENCIDA
SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO
DECISÃO DE DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
ACÇÃO DE FORMAÇÃO
Nº do Documento: RP201410061351/11.4TTBRG-A.P1
Data do Acordão: 10/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O mecanismo do recurso não foi criado para dirimir questões puramente académicas ou para mero conforto moral, sem qualquer repercussão no resultado da lide, antes para alterar ou revogar a decisão final.
II - Destarte, ainda que a parte destinatária de uma decisão favorável seja confrontada com uma resposta negativa a algum ou a todos os argumentos que usou, não fica legitimada a interpor recurso. A atendibilidade de outros fundamentos, para além dos que foram considerados na decisão, é matéria que a parte vencedora eventualmente deve introduzir nas contra-alegações do recurso que seja interposto pela parte vencida, nos termos do artigo 636º, nº 1, por forma a assegurar o resultado já obtido, ainda que por uma via diversa da que foi trilhada para produzir a decisão recorrida.
III - Da conjugação dos artigos 358º e 360º do Código do Trabalho resulta que, em princípio, o subsídio de alimentação não constituirá retribuição. Só no caso de o seu valor exceder largamente o gasto que pretende compensar (“na parte que exceda os respectivos montantes normais” – alínea a), do nº 1 do artigo 260º do CT), é que deverá ser considerado retribuição.
IV - Em regra, o dever de pagar as retribuições vencidas abarcará a generalidade das prestações com natureza de retribuição que seria suposto o trabalhador auferir no período em análise, incluindo a retribuição-base e os complementos retributivos de atribuição certa e valor fixo a que o mesmo tinha direito se executasse o trabalho.
V - Diferente é a situação quanto a prestações sem natureza retributiva, ainda que conexas com a execução do trabalho e podendo representar um benefício ou uma vantagem para o trabalhador. Assim, por exemplo, consideramos que não se inclui nos salários intercalares a generalidade das prestações referidas no artigo 260º, 1, a) e 2, como sejam ajudas de custo, abono de viagens, despesas de transporte, deslocações e alojamento, subsídios de refeição ou abonos para falhas.
VI - Não tendo no caso o subsídio de refeição natureza retributiva, o mesmo não faz parte da componente retributiva a que alude o nº 1 do artigo 390º do CT. Assim, o recorrente/trabalhador não tem direito a receber o subsídio de alimentação que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declarou a ilicitude do despedimento.
VII - A justa causa substrato do despedimento só pode ter-se por verificada quando não seja exigível ao empregador, ponderadas todas as circunstâncias que no caso relevem, a permanência do contrato.
VIII – é desproporcionado o despedimento numa situação em que o trabalhador falta a uma acção de formação, uma vez que a violação do dever de participar em acções de formação profissional em nada alterou o modo de prestação do trabalho do autor, que, na altura, estava sem qualquer função.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

PROCESSO Nº 1351/11.4TTBRG-A.P1
RG 412


RELATOR: ANTÓNIO JOSÉ ASCENSÃO RAMOS
1º ADJUNTO: DES. EDUARDO PETERSEN SILVA
2º ADJUNTO: DES. PAULA MARIA ROBERTO

PARTES:
RECORRENTE: B…, S.A.
RECORRIDO: C…

VALOR DA ACÇÃO: 45 010,08 €
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Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
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I – RELATÓRIO
1.
C..., casado, maior, residente no …, caixa postal nº …, freguesia …, concelho de Vieira do Minho, intentou a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra “B…, S.A, “com sede na Rua …, . ….-… Lisboa opondo-se ao despedimento por esta promovido.
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2.
Foi realizada a audiência de partes, tendo-se frustrado a tentativa de conciliação.
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3.
A Ré[1] apresentou o articulado a que alude o artigo 98-J do CPT, onde reitera os factos imputados ao ora Autor na nota de culpa e decisão de despedimento, para concluir que a conduta aí descrita consubstancia uma violação muito grave dos deveres de urbanidade, probidade e respeito para com o colegas e dos deveres de participar em acções de formação profissional e cumprir as ordens e instruções do empregador, conduta essa que, na sua perspectiva, destruiu irreversivelmente e de forma insanável a confiança recíproca subjacente à relação laboral, fazendo com que perdesse a confiança indispensável à manutenção do vínculo laboral.
Conclui, pelo reconhecimento da regularidade e licitude do despedimento por si proferido.
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4.
O Autor respondeu ao articulado da Ré, nos termos do artigo 98º-L, nº 3 do CPT, na qual, sustenta que não subsiste qualquer fundamento legal para o seu despedimento, por não ter praticado os factos que lhe foram imputados na nota de culpa, os quais, a serem considerados provados, nunca justificariam aquela decisão de despedimento, por ser desproporcionada.
Conclui, assim, pela declaração de ilicitude do despedimento, e pela consequente procedência do pedido reconvencional deduzido, devendo a Ré ser condenada a:
a) reintegrar o A. ao seu serviço, no mesmo estabelecimento da R., sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; e ainda a
b) pagar-lhe:
a. todas as retribuições que este normalmente iria auferir desde a data do despedimento até à resolução final do litígio, ascendendo as já vencidas a 4.731,60 € (atinentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2011 e Janeiro e Fevereiro de 2012);
b. todas as diuturnidades que este normalmente iria auferir desde a data do despedimento até à resolução final do litígio, ascendendo as já vencidas a 1.816,00 € (atinentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2011 e Janeiro e Fevereiro de 2012);
c. todos os subsídios de alimentação que este normalmente iria auferir desde a data do despedimento até à resolução final do litígio, ascendendo os já vencidos a 974,38 € (atinentes aos meses de Novembro (22 dias) e Dezembro (21 dias) de 2011 e Janeiro (22 dias) e Fevereiro (21 dias) de 2012;
d. quantia não inferior a 5.000,00 €, decorrente dos danos não patrimoniais indemnizáveis, emergentes do despedimento ilícito;
e. juros de mora à taxa legal em vigor, desde a data de citação sobre as quantias devidas até efectivo e integral pagamento; e
f. uma sanção pecuniária compulsória no montante de 500,00€ por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação da reintegração de funções do A..
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5.
A Ré respondeu impugnado a reconvenção deduzida pelo Autor, concluindo pela licitude do despedimento e pela improcedência do pedido reconvencional.
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6.
Proferiu-se despacho saneador, com dispensa de factualidade assente e base instrutória.
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7.
Foi realizada a audiência de julgamento com observância do formalismo legal.
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8.
Foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo:
“Pelo exposto, julgando parcialmente procedente a acção, declaro a ilicitude do despedimento, e, consequentemente:
a) condeno a Ré:
a. a reintegrar o autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da respectiva categorial profissional e antiguidade;
b. a pagar ao Autor a quantia de 39.035,70 €, acrescido do que se vier a liquidar em execução de sentença quanto às diuturnidades em dívida (a que deverão ser deduzidos os valores já recebidos pelo Autor, a título de subsídio de desemprego), bem como as retribuições (retribuição base + diuturnidades) que se vencerem desde 01/03/2014 até ao trânsito em julgado da sentença; e
b) absolvo a Ré do restante peticionado.
*
Nos termos do disposto no artigo 829º-A, nº 2 do Código Civil fixo o valor diário de 50,00 €, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da sentença.
Custas a cargo do Autor e da Ré, na proporção do respectivo decaimento.
*
Registe e notifique.
*
Valor da acção: 45.010,08 €.”
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9.
Inconformados com esta decisão, dela recorrem ambas as partes.
9.1.
O Autor formulou as seguintes conclusões:
A) O presente recurso fundamenta-se, em primeiro lugar, ao abrigo do artigo 640.º do N.C.P.C., na impugnação da matéria de facto dada como provada na sentença, maxime, a constante das alíneas: “ s” in fine, “v” 2ª parte, “w”, “bb”, “cc” e “hh”, in fine indicando como elementos de prova que impõe decisão diversa, os depoimentos das testemunhas Dr.ª D…, a qual foi arrolada pela Ré, assim do Eng.º E…, F… e G…, todas indicadas pelo A./Apelante;
B) De igual sorte, ainda no domínio da impugnabilidade da matéria de facto, e tendo agora como suporte os depoimentos das testemunhas Eng.º E…, H… e I…, todas elas indicadas pelo A./Recorrente, verifica-­se existirem nos autos elementos de prova suficientes que conduzam a uma alteração, como provada, da matéria ínsita nos artºs 162.º a 174.º do articulado do trabalhador, atinente aos danos não patrimoniais sofridos por este, a qual foi considerada como não provada pelo Tribunal recorrido, e nessa decorrência não lhe atribuiu a competente indemnização;
C) Sem prescindir, e salvo o devido respeito por melhor opinião, o presente recurso tem ainda por fundamento a interpretação/aplicação do direito efectuada na douta sentença recorrida no que especificamente tange ao alegado cariz não retributivo do subsídio de alimentação, com a qual o Apelante não concorda, designadamente, sobre os artigos 260.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2 e n.º 1 do art.º 390.º, ambos do Código do Trabalho, devendo, para além daqueles, ter sido considerados os normativos dos art.ºs 258.º e n.º 5 do art.º 329.º também eles da codificação juslaboral que se tem vindo de referir;
D) Nos termos que vêm arrimados no douto aresto de que se recorre, o despedimento em crise foi declarado ilícito, não porque o Tribunal “a quo” tenha considerado que o A. não cometeu qualquer infracção passível de censura disciplinar, mas outrossim e ao invés, “apenas” porque considerou sanção do despedimento aplicada pela R. como desproporcionada;
E) Todavia, no modesto entendimento do Apelante, este não incorreu em nenhuma conduta passível de ser enquadrada na violação dos seus deveres de respeito e urbanidade, obediência e de frequentar acções de formação profissional para com a sua entidade empregadora, a qual, nos termos da sentença recorrida, “ encontrou guarida” nas alíneas “s” in fine, “v” 2ª parte, “w” e “hh” in fine, da matéria de facto dada como provada;
F) Na senda do expendido, o Meritíssimo Juiz “ a quo” para além de ter obnubilado por completo toda a demais prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, estribou a sua convicção na credibilidade (?!?!) que lhe mereceu a depoente Drª D…, a qual foi arrolada pela R./Apelada;
G) Para além de não corresponder à verdade, “ta quale” se plasmou em sede da sentença, que o A. não impugnou expressamente a facticidade descrita em p) a ii) dada como provada, como de resto decorre do vertido no art.º 7.º da contestação apresentada pelo Apelante, acresce que o depoimento da sobredita Drª D…, prestado na sessão de audiência de julgamento de quarta-­feira, 08/05/2013 (CD/rotações: 00:36:16 às 00:56:54) sobre a factualidade em crise foi tudo menos assertivo, rigoroso e credível, cuja (re)apreciação do trecho que infra se identificou, porque paradigmático, ora se submete a este Venerando Tribunal;
H) Acerca deste conspecto, rectius: alíneas “s” in fine e “hh” in fine, atente-se, pois, no depoimento da testemunha Eng.º E…, trabalhador da Apelada e colega de trabalho do Apelante, inquirido em audiência de 17/06/2013 (CD/rotações: 00:03:28 às 00:24:55) sobre a factualidade em crise, o qual, em contraponto com o anterior foi absolutamente isento, objectivo, claro, assertivo e coerente;
I) Na esteira do antecedente depoimento, também a testemunha F…, trabalhador da Apelada e delegado sindical do J…, confirmou em larga medida a versão dos factos trazida a juízo pelo Apelante, como tudo melhor resulta, aliás das declarações prestadas em sede da audiência de 17/06/2013 (registo fonográfico/temporizações: 00:15:45 a 00:18:27);
J) Já no que especificamente tange à matéria dada como provada nas alíneas “v” 2ª parte e “w” não pode o Recorrente conformar-se com a mesma atento tudo aquilo quanto foi asseverado pela testemunha G…, na mesma audiência de discussão e julgamento de 06/11/2013, CD/rotações: 00:00:50 às 00:06:08;
K)Nesta decorrência, resulta com cristalina clareza que a conclusão a que o Tribunal “ a quo” chegou, ou seja, de que o Recorrente desobedeceu a uma ordem da sua entidade empregadora ao ter injustificadamente não comparecido, pelo menos, à segunda das datas nas quais iria ter lugar a acção de formação não poderia estar mais equivocada, na medida em que do concatenamento das declarações das testemunhas Eng.º E… e F… ficou demonstrado que mercê da inversão do normal desenrolar deste tipo de situações, vale dizer, da prévia selecção do trabalhador para ir trabalhar para a K…, razão pela qual elementos desta ultima iriam ministrar formação aos “eleitos”, inculcam, sem margem para dúvidas, que as reservas levantadas (pelo trabalhador) visaram, em primeira linha, o seu enquadramento profissional, verbi gratia, o (ilícito) ingresso numa empresa terceira e só acessoriamente a formação propriamente dita, as quais foram expressamente invocadas pelo Apelado junto dos seus superiores hierárquicos (vide documentos n.ºs 8, 9 e 10 juntos com a contestação), justificando assim a sua ausência à segunda convocatória para os dias 30 e 31 de Maio de 2011;
L) Vale dizer, devido à alteração do procedimento habitual interno da B…, temiam os trabalhadores estar a dar o avale a uma mudança encapotada da sua entidade patronal, a qual poderia ocorrer logo no final da predita acção de formação através do fornecimento/recepção imediatos dos equipamentos a utilizar no exercício de tais funções - como de resto consta das próprias convocatórias, docs. Nºs 11 e 12 juntos à contestação, funções essas, diga-­se em abono da verdade, que se iniciaram logo imediatamente após a realização de tal formação;
M) Pelo ademais relatado, haverá de considerar-se que tais receios eram plenamente justificados, porquanto, não só a política da R./Apelada nestas situações consiste em previamente anunciar a nível interno as diversas oportunidades de emprego para que os interessados - querendo, - a elas se candidatem, por impulso próprio, sendo que aqui, e ao invés, os trabalhadores foram previamente selecionados para ir trabalhar para a K… e nessa decorrência é que teriam de ir frequentar a correspectiva acção de formação;
N) Acresce que as testemunhas Eng.º E… e F…, asseveraram que em situações análogas ocorridas no seio da empresa, os intervenientes envolvidos (leia-se entidade empregadora e trabalhador(es)), celebraram sempre um contrato de cedência ocasional onde ficaram salvaguardados os direitos, as obrigações e demais expectativas manifestadas pelas partes;
O) Ainda que em jeito lateral, não deverão ser menosprezadas outras incidências que entorna(ra)m a relação conflituosa entre as partes, e que fizerem recrudescer os receios do aqui Apelante, ou seja, por um lado as várias tentativas em forçar o trabalhador a suspender o seu contrato de trabalho ou a aceitar a pré-­reforma, por outro, os plúrimos processos judiciais de que o trabalhador já teve de lançar mão, seja para contrariar um outro despedimento ilícito, por violações da mobilidade geográfica, da mobilidade funcional, pelo não pagamento de despesas várias ao serviço da empresa, maxime, de anteriores acções de formação, etc.;
P) Na senda do exposto e não de somenos importância, há a salientar que a testemunha G…, desmentiu categoricamente que o Recorrente tenha frontal e ostensivamente dito à sua superior hierárquica que se recusava a frequentar a acção de formação em apreço, bem assim que tenha proferido quaisquer afirmações que consubstanciem uma violação dos seus deveres laborais para com a sua entidade empregadora, maxime perante a superior hierárquica daquele;
Q) Finalmente, ressuma de modo inequívoco do teor do depoimento da testemunha Drª D… que o mesmo foi tudo menos preciso, coerente, assertivo e como tal credível, tendo sucedido que outrossim e ao invés revelou-se o mesmo titubeante, pleno de dúvidas e meras inferências mas nenhumas certezas, porquanto, em nenhum momento logrou concretizar as exactas afirmações pretensamente proferidas pelo trabalhador no âmbito do telefonema do dia 12 de Maio de 2011, as quais aparecem transcritas no ponto 24.º do articulado de motivação apresentado pela Apelada e nessa estrita medida inconcludente para servir de suporte, enquanto meio probatório idóneo, para dar como provadas as violações das obrigações laborais que foram imputadas ao trabalhador;
R) Por tudo isto, andou mal o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” ao ter dado como provada a matéria de facto, maxime, a constante das alíneas: “s” in fine, “v” 2ª parte, “w” e “hh” in fine, porquanto, mercê do antecedentemente aventado existem nos autos elementos probatórios mais do que suficientes para dar como não provada a aduzida facticidade e desse modo alterar-se a resposta dada à matéria de facto pelo julgador de 1.ª instância, atendendo a que, saliente-se, o Recorrente nunca desobedeceu a nenhuma ordem dimanada pela sua entidade patronal, mas outrossim, como de resto ficou demonstrado à saciedade, limitou-se a actuar na mera convicção do exercício de um direito, tendo nessa decorrência justificado “in totum” a sua conduta;
S) No que concerne às respostas dadas às alíneas “bb” e “cc” da matéria dada como provada, as razões da discordância do Autor, radicam, tão­somente, na ordenação e na redacção dada a estes dois pontos da matéria de facto, porquanto, inculcam aqueles, erroneamente, que apenas no seguimento da comunicação por parte da superior hierárquica ao trabalhador acerca da marcação e envio da convocatória das segundas datas (v.g. 30 e 31 de Maio) da acção de formação é que o Demandante teria, de forma reactiva e subsequente, solicitado a marcação de um período de férias que compreenderia aquelas datas, ficando no ar que tal “coincidência” teria consubstanciado um ardil, quando na verdade da prova documental (vide documentos n.ºs 5 e 6 juntos com a contestação) e testemunhal carreada para os autos resulta precisamente o contrário...;
T) Para tanto, bastará atentar no teor do desasado depoimento da testemunha Drª D…, prestado na sessão de audiência de julgamento de quarta-feira, 08/05/2013 (CD/rotações: 00:59:39 às 01:08:54);
U) No modesto entendimento do ora Apelante a redacção a dar aos pontos “bb” e “cc” deveria ter sido aa seguinte, por ser aquela que é a mais rigorosa e nessa estrita medida consentânea com a realidade dos factos:
“bb” - No dia 24 de Maio de 2011 pelas 10h48, o Autor colocou na plataforma informática da Ré um pedido de marcação de férias para um período a começar em 30 de Maio.
“cc” - Nesse mesmo dia 24 de Maio pelas 12h14, a responsável pelo CED remeteu ao Autor, novamente por e-­mail, uma convocatória para nova acção de formação, desta vez a realizar nos dias 30 e 31 de Maio;
V) Salvo o devido respeito por melhor opinião, entende o ora Apelante que foi produzida em sede de audiência de discussão e julgamento prova bastante e concludente para ter sido dada como provada a matéria alegada nos art.ºs 162.º a 174.º do articulado de contestação/reconvenção, a qual teria como consequência o reconhecimento e atribuição da impetrada indemnização pelos danos morais sofridos pelo Recorrente em virtude do despedimento - no entretanto declarado ilícito -;
W) No que concerne ao tema que aqui ora nos ocupa, deverá considerar-se o depoimento da testemunha Eng.º E…, trabalhador da Recorrida e colega de trabalho do Apelante, no âmbito da sessão de audiência de julgamento de 17/06/2013 (CD/rotações: 00:35:38 a 00:40:53);;
X) Por seu turno, ainda acerca da temática dos danos morais, pronunciou-se esclarecedoramente a testemunha H… na sessão de audiência de discussão e julgamento de 06/11/2013, (CD/registo fonográfico -­ 00:00:04 a 00:09:01);
Y) Na senda da anterior, a testemunha I…, na mesma sessão de audiência de discussão e julgamento de 06/11/2013, (CD/registo fonográfico 00:00:00 a 00:08:39) reforçou o acervo factual atinente a esta matéria;
Z) Destarte, de acordo com o dizer das referidas testemunhas, como reflexo inelutável do despedimento ilícito perpetrado pela Apelada, o Apelante viu o seu dia-a-dia ser negativa e permanentemente alterado ao ter ficado abalado e perturbado (Eng.º E…), ao ter passado a padecer de stress, “andar lixado”, “andar em baixo”, “desesperado”, sobressaltado e revoltado (Sr. H…), ou ainda evidenciar o trabalhador desânimo, desorientação e tristeza pela vida que tem agora! (Dª I…);
AA) Isto para além de todas as testemunhas terem sido unânimes em afirmar que a predita situação de despedimento, não apenas destruiu os alicerces do agregado familiar do Apelante, o que bem se compreende pois todas as aludidas testemunhas, de uma maneira ou outra relataram que tiveram de ajudar aquele, seja através de empréstimos em dinheiro, seja através da oferta de refeições;
BB) Tais vicissitudes determinaram com que o Apelante tenha manifestado junto de todas estas testemunhas a sua intenção em pôr cobro à vida;
CC) Constitui entendimento que se crê pacífico, ser de conferir direito à indemnização por danos não patrimoniais, quando se apura que o trabalhador (no caso) tenha sofrido danos dessa natureza, v.g. nas suas emoções, que tenham atingido uma gravidade e profundidade tais que tenham causado na sua personalidade moral um prejuízo assinalável e, por isso, merecedor de ressarcimento (art.º 496.º, n.º 1 do Código Civil);
DD) Nesta conformidade, estes concretos danos emergem de responsabilidade contratual, decorrentes da ocorrência de um despedimento ilícito pela inexistência de justa causa para despedimento, devendo nessa estrita medida ser ressarcidos nos termos e para os efeitos do art.º 436.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho, na redacção que lhe foi dada pela Lei 7/2009 de 12/02;
EE) Finalmente, sem prejuízo de tudo quanto até aqui se esgrimiu, e salvo o devido respeito por melhor entendimento, o Apelante não concorda “in totum” com a restritiva interpretação/aplicação do direito efectuada na douta sentença recorrida no que especificamente tange ao alegado cariz não retributivo do subsídio de alimentação, verbi gratia, sobre os artigos 260.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2 e n.º 1 do art.º 390.º, ambos do Código do Trabalho;
FF) Para estes efeitos específicos, a lei não esclarece o que entende por retribuição, o que nos remete para o conceito geral plasmado no art.º 258.º n.º 1 do CT, a saber, é a:” … prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.” “A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie” (nº 2), presumindo-se: “constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador” (nº 3).
GG) Assim, ainda que reconhecida uma natureza retributiva específica ao subsídio de alimentação, tem sido pacífica a jurisprudência no sentido de que aquele subsídio integra a retribuição do trabalhador;
Cfr. Acórdão RC de 7.4.94, In C.J., Tomo II p.59;; Acórdão de RC de 13.11.98, CJ Tomo V, pág. 68» e acrescenta “… não havendo factos que possam afastar o subsídio de alimentação em causa do conceito legal de retribuição ele é devido… desde a notificação da decisão de despedimento, com os respectivos juros de mora, vencidos…à taxa legal”;
HH) Desta sorte, no modesto entendimento do Apelante não restarão dúvidas de que sendo pago com carácter de continuidade e regularidade (o que de resto nunca foi posto em causa pela Apelada), o subsídio de alimentação faz parte da retribuição, no entanto, apenas é devido quando o trabalhador preste efectivamente trabalho, ou quando está disponível para a prestação prometida e isto porque, apesar de ao longo dos anos constituir um complemento importante do rendimento e não depender do local onde o trabalhador toma a sua refeição, não deixa de ser um sucedâneo da atribuição em espécie da refeição pelo empregador (cfr. Ac. STJ de 18-01­2006 in AD, 534, 1083 e Ac. Rel. Évora de 10­12­2002 in C.J., 2002, T.V, pág 264, acórdão do STJ de 13.1.93, CJ STJ, Tomo I pág. 226), daí que não seja indiferente se o trabalhador está efectivamente a prestar o seu trabalho ou em situação de disponibilidade para o efeito, ou se não está a prestar o seu trabalho, por estar de férias ou numa situação de falta justificada, ou mesmo de licença, situações em que embora o contrato de trabalho esteja em vigor, vigora uma suspensão do mesmo para os referidos fins;
II) Cumpre também ter presente o disposto no art.º 390.º n.º 1 do CT, nos termos do qual, sendo o despedimento declarado ilícito: “ o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento”;
JJ) Ou seja, declarada a ilicitude do despedimento tudo se passa como se o vínculo laboral nunca tivesse sido interrompido, o que significa, que: “se assim é com a declaração de ilicitude do despedimento por maioria de razão terá de ser durante a suspensão preventiva do trabalhador, tendo este direito a auferir as retribuições que aufereriria se estivesse a trabalhar”: Ac. Rel. Porto de 06-10-2008 Processo n.º 0842882 in www.dgsi.pt), nomeadamente o subsídio de alimentação;;
KK) Destarte, e salvo o devido respeito por melhor opinião, entende o Apelante ter direito ao pagamento do subsídio de alimentação desde a data da suspensão preventiva, ou, na eventualidade daquele ter sido integralmente pago até aí, a partir do momento em que lhe foi comunicado o despedimento ilícito por parte da R./Apelada.
Termos em que deve revogar-se a douta sentença recorrida substituindo-se por outra que decrete que (i) o despedimento do ora Apelante seja declarado ilícito em virtude de não ter incorrido aquele em nenhuma infracção disciplinar, (ii) seja declarado que o Recorrente sofreu danos não patrimoniais como consequência necessária e imediata do despedimento ilícito exclusivamente imputados à Apelada e (iii) seja declarado que o trabalhador tem direito a receber a totalidade do subsídio de alimentação desde a data em que lhe foi comunicado o despedimento, em virtude de integrar tal prestação pecuniária a noção de retribuição.
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9.2.
A , pede a revogação da sentença na parte em que foi desfavorável e que condenou a ré a reintegrar o Autor no seu posto de trabalho, absolvendo-se a apelante, formulando as seguintes conclusões:
A - A ora recorrente discorda em absoluto da douta decisão, porquanto a douta sentença ora recorrida procedeu não só a um errado julgamento da matéria de facto, como também a uma errada interpretação e aplicação da lei, sendo que a decisão proferida sobre a matéria de facto é merecedora de diversos reparos, pelo que o presente recurso versa sobre matéria de direito, como sobre a decisão proferida sobre a matéria de facto.
B - Foi, no entendimento da Recorrente, preterida de forma flagrante a aplicação do direito ao caso concreto, porquanto a análise da prova apresentada e o seu enquadramento real não foram devidamente efectuados, tendo sido aplicados de forma incongruente os princípios que devem nortear as relações contratuais de natureza laboral nomeadamente, a obrigação do trabalhador guardar lealdade e de colaborar com a entidade empregadora, respeitar e tratar com urbanidade os colegas e superiores hierárquicos, obediência e cumprimento das ordens recebidas dos seus superiores.
C - São duas as questões a resolver:
a) Saber qual o grau de culpabilidade e ilicitude resultante da conduta do Autor com a violação dos seus deveres de probidade, de respeito, trato com urbanidade, para com os seus superiores hierárquicos, desobediência reiterada pelas ordens emanadas dos seus superiores, num processo de formação para atribuição de novas funções ao Autor;
b) Saber se o grau de culpabilidade e ilicitude consubstanciado na conduta do Autor, aliada à recusa reiterada e definitiva do Autor em participar numa acção de formação com o objectivo de lhe serem atribuídas novas funções no âmbito de um novo projecto, que a sua entidade patronal estava disponível para lhe oferecer, são ou não fundamento para justa causa de despedimento.
Foi dado como provado,
D - Que “à data dos factos supra referidos o Autor estava já há algum tempo sem funções atribuídas” ponto ii) dos factos provados
E - Que o Autor falhou (deve ler-se, com o devido respeito, recusou) por duas vezes a frequência de uma acção profissional para que havia sido convocado pela Ré, que deu origem ao procedimento disciplinar que culminou no despedimento do autor, objecto da presente acção judicial.
F – Existem meios probatórios constantes do processo ou do registo de gravação, nos termos que melhor constam da motivação deste recurso que, por razões de economia processual se dão por reproduzidos, impunham decisão diversa da que ora se recorre.
G - Tal como alegado pela Ré em sede de motivação do despedimento:
- Devido a reestruturação dos serviços da empresa Ré motivada pela grande evolução tecnológica do mercado do sector das telecomunicações, que obrigou e obriga as empresas do sector, que não só a Ré, além do mais, a adaptarem-se a tais mercados, cada vez mais concorrenciais, procurando optimizar os seus recursos humanos e materiais, o Autor encontrava-se afecto, à data do despedimento, à área de trabalho CED – Centro de Competências em Desenvolvimento, em transição, e para outros serviços da Ré, como aconteceu com muitos outros colaboradores da apelante.
H – Colocados nesse departamento, a Ré passou a facultar a esses trabalhadores formação adequada ao exercício de novas funções e seu reenquadramento/evolução/formação profissional.
I - Tendo este objectivo, e com o objectivo de fazer o reenquadramento profissional do Autor (atribuir-lhe novas funções), a Ré proporcionou-lhe e convocou-o para frequentar uma acção de formação, formação a que o Autor se recusou a participar por duas vezes, apesar de tal formação, como era do conhecimento do Autor, visar o seu reenquadramento profissional e a integração em novas equipas/projectos da entidade empregadora, conforme alegado em sede de motivação do despedimento, cfr. artigos 4º a 12º.
J - Na sequência do que foi alegado em sede de motivação do despedimento, foi dado como provado que:
“No âmbito de necessidades de formação identificadas pela Empresa Ré, o Autor foi seleccionado para frequentar uma acção de formação presencial, a realizar nos dias 16 e 17 de Maio de 2011, em Lisboa”, ponto p) dos factos dados como provados.
K - A Ré não pode, todavia, concordar com o alcance da factualidade dada como provada nos pontos p) e aa):
L - Entende a APELANTE que tais pontos p), aa) e ii) da matéria de facto dada como assente, e com fundamento nos depoimentos das testemunhas transcritos na motivação do recurso, dos factos alegados e da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, deverão ter a seguinte redacção:
Ponto p): “No âmbito de necessidades de formação identificadas pela Empresa Ré, e com o objectivo do seu reenquadramento profissional (sublinhado nosso), o Autor foi seleccionado para frequentar uma acção de formação presencial, a realizar nos dias 16 e 17 de Maio de 2011, em Lisboa”.
aa) No dia 16 de Maio - dia designado para o início da acção de formação – o Autor enviou novo e-mail à responsável pelo CED, comunicando que se encontrava doente, tendo na mesma data remetido, por correio, um certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, com a duração de 3 dias, entre 16 e 18 de Maio, apesar de ter dito à responsável pelo CED, no dia 12 de Maio, peremptoriamente que não ia a formação nenhuma.
M - O Autor de forma intencional decidiu não participar na acção de formação para que estava a ser convocado pela sua entidade empregadora quando afirmou, de forma clara e inequívoca: “Eu estou de férias. Nunca mais me ligue ou incomode eu não quero falar mais nada e não vou a formação nenhuma na segunda-feira”, ponto w) da matéria de facto assente.
N - Claramente, era intenção e vontade do Autor não frequentar a referida acção de formação, desrespeitando uma ordem superior de forma consciente e intencional, sendo o certificado de incapacidade apresentado apenas a forma que o Autor arranjou para tentar esconder a violação grave dos seus deveres laborais para com a sua entidade patronal, em confronto directo com os superiores hierárquicos.
O - O autor faltou, e quis faltar, à acção de formação tendo apresentado atestado médico para tentar justificar a sua desobediência e não presença na acção de formação. Primeiro afirmou que não ia (quando estava de boa saúde) e depois juntou atestado médico para justificar a sua “não vontade” de participar na acção de formação.
P - O ponto ii) dos factos provados e com fundamento nos depoimentos das testemunhas transcritos em sede de motivação de recurso, deverá ter a seguinte redacção:
ii) “À data dos factos, o Autor encontrava-se afecto ao CED-Centro de competências em Desenvolvimento, em transição, aguardando o seu reenquadramento profissional para o exercício de novas funções”.
Q - A atribuição de novas funções, numa área completamente distinta através do reenquadramento profissional do Autor, implicaria a requalificação profissional do trabalhador e portanto a frequência de acções de formação pelo que, dando-se como provado que o Autor não aceitou ir à formação para que foi convidado, não querendo que o incomodasse e que não ia a formação nenhuma, numa primeira formação, e não justificando uma segunda ausência à acção de formação, terá de concluir-se pela intencionalidade pura e simples de desrespeito e desobediência do Autor pelos seus superiores hierárquicos, e a ordens legítimas da sua entidade empregadora para frequentar uma acção de formação profissional, com vista ao reenquadramento profissional do Autor.
R - A gravidade da falta do Autor, incumprimento de ordens legítimas da sua entidade empregadora terá de ser, necessariamente, analisada em duas vertentes:
- gravidade da falta em si mesma;
e, sobretudo,
- gravidade da falta nas suas consequências, e sobretudo nesta vertente, por implicar directamente com o destino profissional do Autor a partir da frequência da acção de formação.
S - O comportamento do apelado, além de traduzir uma clara desobediência a ordens que lhe foram dadas pela sua entidade empregadora, configura ainda uma atitude contraditória injustificada do trabalhador quando alega que “está na prateleira” mas não aceita um projecto de trabalho com vista ao seu reenquadramento profissional.
T - O Autor optou, para justificar a sua desobediência, intencional e premeditada, por apresentar um certificado de incapacidade temporária para o trabalho que conformasse a sua vontade de não participar na acção de formação, por doença, parecendo revelar uma coincidência entre a vontade do Autor em não querer participar na acção de formação e a “bondade divina” que lhe terá dada a bênção de adoecer nesse dia.
U - Esta não coincidência é confirmada pela posição assumida pelo Autor quando é convocado para participar numa outra acção de formação, para o mesmo projecto, e o Autor acaba por não comparecer e nem sequer justificar a sua ausência.
V - Era intenção do Autor não participar em momento algum em qualquer acção de formação que, segundo a sua versão dos factos, o iria colocar a trabalhar numa empresa do Grupo através de cedência, configurando a sua desobediência uma falta grave, continuada, intencional e premeditada, quando, na realidade, a acção de formação tinha como objectivo o reenquadramento profissional do trabalhador integrando-o num novo projecto de trabalho “M…”
X – O Projecto de trabalho onde o Autor iria ser integrado como aconteceu com outros profissionais que, como o Autor, se encontravam afectos ao CED – Centro de Competências em Desenvolvimento, em transição, para outros departamentos e/ou o exercício de novas funções ainda hoje existe, estando esses trabalhadores a exercer as funções no âmbito desse novo projecto.
Y – O apelado recusou uma oportunidade de reenquadramento profissional e de estar hoje, e ainda, envolvido num novo projecto de trabalho, e perfeitamente ocupado no exercício de tais funções, vindo a alegar que “está na prateleira”, mesmo depois de recusar integrar tal projecto proposto pela Ré para resolver a sua situação profissional.
Z - As ordens dadas pela entidade empregadora e a que o Autor não obedeceu z2foram ordens lícitas e como tal deveriam ter sido acatadas e cumpridas pelo Autor, tanto mais que estava em causa o seu reenquadramento profissional numa nova estrutura da empresa, tanto mais que o apelado, como claramente resulta da prova produzida e dos documentos juntos aos autos, sabia que teria a partir da frequência dessa acção de formação uma situação profissional diferente no exercício de novas funções.
AA – O Autor tinha perfeito conhecimento que iria ter um destino profissional após a conclusão da formação para que foi convocado mas sempre ser recusou a participar com fundamento em que ser cedido a uma outra empresa do grupo – TMN, apesar de ter sido esclarecido que a sua situação laboral, vínculo contratual, se manteria igual à existente e sem qualquer alteração, cfr. resulta do ponto y) dos factos provados e doc. nº 8 junto à resposta à nota de culpa.
AB – É enorme a gravidade da falta cometida pelo apelado nas suas consequências, uma vez que a recusa do trabalhador em participar nessa acção de formação diminui a possibilidade de a Ré dar ocupação efectiva ao Autor diminuindo assim e também a produtividade da empresa.
AC – Com o devido respeito, que é muito, é entendimento da ora apelante que, atendendo aos factos dados como provados, a Sentença, ora em crise, faz uma errónea subsunção da factualidade ao direito, no que concerne à licitude do despedimento.
AD – Mesmo tendo em conta apenas os factos considerados apurados pelo Tribunal “a quo”, afigurasse-nos, com o devido respeito, ter sido feito uma interpretação muito restritiva no que diz respeito à justa causa de despedimento, sendo certo que os factos que se pretendem sejam dados como provados ou alterado, vêm fortalecer tais fundamentos para a existência, sem margem para dúvidas, de justa causa para despedimento.
AE - Nos termos do disposto no artigo 351° do Código do trabalho, são elementos essenciais para a verificação da justa causa a existência de um comportamento ilícito, grave e culposo do trabalhador; que o comportamento seja violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral; a impossibilidade imediata e prática da subsistência da relação de trabalho e o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
AF - O Autor violou concretos deveres laborais, respeitantes à obediência, urbanidade, probidade e respeito pelos seus superiores hierárquicos consagrados no 128º, nº 1, alínea a), e os deveres de participar em acções de formação profissional e cumprir as ordens e instruções do empregador, consagradas nas alíneas d) e e) do Código do Trabalho.
AG – O autor violou os seus deveres de trabalhador e tal violação não é justificável (por uma vez) com o facto de se encontrar de férias tanto mais tendo em conta as palavras usadas pelo trabalhador para responder à sua superior hierárquica: “Eu estou de férias. Nunca mais me ligue ou incomode eu não quero falar mais nada e não vou a formação nenhuma na segunda-feira”, reveladoras de um comportamento agressivo, ofensivo e prepotente para com a sua entidade empregadora, revelando um comportamento de gravidade extrema e reprovável.
AH - A apelada como alegado em sede de motivação, artigos 56º a 60º, procura, sempre que possível, dar a possibilidade aos seus colaboradores, como foi o caso do Autor, de exercerem novas funções e integrarem novos projectos, proporcionando-lhes formação adequada para o efeito, e muito mais quando estão “na prateleira” no dizer do Autor, e não se diga que o Autor não sabia que tinha pela frente a possibilidade de integrar um novo projecto de trabalho e que deixaria, a partir de então, de estar “na prateleira.
AI - Não se compreende ainda o que refere o Mmº Juiz “a quo”, nem o alcance de tal asserção, quando diz que “não foi alegado que aquela acção de formação profissional fosse condição fundamental para o Autor continuar a desempenhar na empresa Ré”, quando o Autor alega que está “na prateleira” e a empresa lhe proporciona uma acção de formação para desempenhar novas funções no âmbito de um novo projecto.
AJ - A posição assumida pelo Autor é reprovável e inaceitável em qualquer organização empresarial uma vez que tal comportamento revela que o Autor optou, deliberada e conscientemente por desrespeitar as ordens que lhe foram dadas e não comparecer a qualquer uma das acções de formação, recusando receber formação, demonstrando, além do mais, uma atitude de desprezo pela preocupação da sua entidade patronal de atribuir ao Autor novas funções integradas num novo projecto, mas que acabou por rejeitar, recusando mesmo a formação e a possibilidade de integrar tal projecto.
AK - O Autor agiu de forma livre e consciente, diga-se até em confronto com a sua entidade patronal, desobedecendo propositadamente a instruções da sua entidade empregadora, demonstrando irresponsabilidade, desinteresse e desleixo pelo trabalho e pela sua ocupação efectiva, comportamento totalmente inadmissível a um trabalhador por conta de outrem, pondo em causa o desenvolvimento de novas competências, obstando à sua integração numa equipa de âmbito nacional que visava a avaliação da qualidade da cobertura da rede e a melhoria da qualidade do serviço prestado pelo PTC no cliente final.
AL - Não concorda a apelante com o facto de o Mmº Juiz “ a quo” afirmar que o comportamento do autor não constitui qualquer violação ao artigo 128º, nº 1 alínea e) do Código do Trabalho, uma vez que a desobediência a uma ordem de frequentar uma acção de formação, não integra nem “a execução e a disciplina do trabalho” nem “a segurança e saúde no trabalho”.
AM - Se poderemos até concordar que a desobediência não integre a “segurança e saúde no trabalho”, já não podemos que tal comportamento de desobediência a uma ordem para frequentar uma acção de trabalho não integra “a execução e a disciplina no trabalho uma vez que estava em causa não uma simples formação profissional mas antes uma acção que tinha como objectivo integrar o Autor no exercício de novas funções no âmbito de um novo projecto.
AN - A actuação do trabalhador, que de forma injustificada faltou deliberadamente, por duas vezes, a uma acção de formação, pondo em causa o seu desenvolvimento profissional, constitui uma desobediência injustificada e uma quebra dos deveres legais e contratuais a que o trabalhador por conta de outrem, como é o Autor, se encontra sujeito, conduta em tudo contrária aos deveres decorrentes do vínculo laboral existente entre pelado e apelante, B…, S.A.
AO – O comportamento do Autor, consubstanciado na desobediência aos seus superiores hierárquicos, viola, necessariamente, o disposto no artigo 128º, nº 1, alínea e) do Código do Trabalho, contrariamente ao entendido pelo Mmº Juiz “a quo” sobre tal questão.
AP - Salvo melhor entendimento, a recusa de participação do apelado na acção de formação, para que foi convocado por duas vezes, com o objectivo do exercício de novas funções no âmbito de um novo projecto “M…”, e, sobretudo, tendo em conta a gravidade das consequências da não participação do Autor nessa acção de formação, constitui infracção disciplinar, com as consequências gerais, incluindo, como é óbvio, a possibilidade de aplicação disciplinar mais grave do despedimento com justa causa.
AQ - Contrariamente ao entendimento do Mmº Juiz “a quo”, e com o devido respeito que é muito, não se pode concluir pela não aplicação da sanção disciplinar mais gravosa pelo facto de a desobediência uma ordem para frequentar uma acção de formação não estar elencada nos comportamentos tipificados no nº 2 do artigo 351º do Código do Trabalho.
AR - A apelante discorda de tal conclusão por duas ordens de razões:
Primeiro
A desobediência a uma ordem da entidade patronal do autor (neste caso para frequentar uma acção de formação com vista a uma saída profissional) integra o conceito de justa causa de despedimento previsto no artigo 351º, nº 2 alínea a) “Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores.
Desobediência que é tanto mais ilegítima quanto a acção de formação tinha como objectivo uma saída profissional – exercício de funções e integração em nova equipa de trabalho no âmbito de um novo projecto e o Autor não justificou a sua recusa.
Segundo
Discordámos de tal conclusão ainda por que, também no entendimento da recorrente, a norma do artigo 351º nº 2 não é taxativa quanto às situações típicas da justa causa de despedimento que apresenta antes um enunciado exemplificativo de tais situações.
AR - O comportamento do ora apelado correspondeu a uma actuação consciente, que de forma reiterada e premeditada recusou participar numa acção de formação para depois exercer novas funções, por duas vezes, e com a justificação de que a apelante o iria ceder a uma empresa do grupo - a K…, demonstra o carácter doloso e intencional do Autor em desrespeitar as ordens dos seus superiores hierárquicos e a vontade de não exercer novas funções que lhe seriam proporcionadas no âmbito do novo projecto, após a formação.
AS - O Autor, tinha perfeito conhecimento da ilicitude e culpabilidade do seu comportamento, ao agir como agiu, com um único e simples fundamento, não justificável, de que iria trabalhar para uma empresa do grupo, quando poderia, caso se viesse a verificar tal cedência, que sempre teria que obter o acordo do ora recorrido, contra ela reagir usando os meios judiciais aos seu dispor.
AT - O comportamento do apelado é revelador de grande intensidade dolosa, traduzida no facto do Autor ter contornado a recusa de participar na acção de formação, afirmando, na primeira vez, peremptoriamente, que não ia, embora depois tivesse apresentado certificado de incapacidade para o trabalho no facto, e numa segunda vez nem sequer justificar tal ausência à formação, bem sabendo que estava em causa o seu futuro profissional como lhe tinha sido informado e esclarecido e explicado o conteúdo de tais funções pela sua superior hierárquica.
AU - O comportamento do Autor reveste ainda um carácter de extrema gravidade pois representa um procedimento engenhoso e passível de elevado juízo de censura ético-jurídica, pela grave violação dos seus deveres laborais e concretamente deveres de probidade, respeito, obediência e cumprimento das ordens emanadas dos seus superiores hierárquicos.
AV – O comportamento do recorrido, tendo usado de diversas estratégias para tentar justificar o seu incumprimento da ordem recebida, como, aliás, resulta da matéria de facto provada, e ainda que com o seu comportamento o apelado pôs em causa a sua empregabilidade na empresa e a produtividade recusando o exercício de novas funções, revela uma infracção grave em si mesma e sobretudo nas suas consequências e como tal susceptível de justificar a ruptura do contrato de trabalho existente entre apelante e apelado, constituindo a infracção disciplinar cometida inapelável violação dos deveres compreendidos no art. 128º, nº 1, alínea d) e e) do Código do trabalho.
AX - Os comportamentos assumidos pelo Autor justificam assim, a aplicação da sanção de despedimento numa óptica de adequação e proporcionalidade e representam uma situação de impossibilidade prática da relação de trabalho subsistir, quebrando-se uma relação de confiança que deve existir entre trabalhador e entidade patronal.
AY – Porquanto é indesmentível que o comportamento do Autor, ao desrespeitar os superiores hierárquicos não cumprindo as suas ordens, colocou em causa, de forma inequívoca e irreversível o vínculo de confiança da Ré para com esta.
AZ – É lícito concluir que, na verdade, era impossível para a aqui Apelante manter a relação laboral com o Autor, e que o caminho que se lhe impunha, permitido pela lei, era o que efectivamente tomou, ou seja, o despedimento deste, não sendo nunca exigível à aqui apelante, enquanto entidade empregadora, numa decisão disciplinar de qualquer outra natureza, como é doutrina vasta e uniforme da nossa jurisprudência.
BA- O comportamento do Autor, supra descrito e mencionado destruiu, irreversivelmente, a confiança recíproca subjacente à relação laboral, tornando prática e imediatamente impossível a sua manutenção e subsistência, uma vez que a conduta do Autor teve a virtualidade de fazer a entidade patronal, ora Ré, perder a confiança indispensável à manutenção do vínculo laboral, motivo pelo qual os factos descritos configuram justa causa de despedimento por parte da entidade empregadora, de acordo com o preceituado no regime definido no n°1 do Art. 351º ° do Código do Trabalho.
BB - A sanção aplicada - despedimento - é a adequada à gravidade e consequências da conduta praticada e conforme com a prática disciplinar da Ré, razão pela qual é lícita e inexpugnável a rescisão com justa causa do contrato de trabalho do Autor, pois à conduta por si praticada não se mostra adequada a aplicação de qualquer sanção conservatória do vínculo laboral.
BC - A sentença recorrida deverá ser revogada por fazer incorrecta interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos 128º e 351º do Código do Trabalho, devendo ser julgado procedente o presente recurso.
BD – Deverá assim ser decidido conforme à douta decisão proferido no âmbito do procedimento cautelar de suspensão do despedimento e de acordo com o douto acórdão que confirmou tal sentença, tanto mais que para além da matéria de facto dada como provada no âmbito do procedimento cautelar, outra foi dada como assente; alíneas x), y), ii) e jj), que torna mais sólida tal decisão e acórdão.
◊◊◊
10.
O Autor contra-alegou defendendo:
- que o recurso no que diz respeito à matéria de facto deve ser rejeitado por incumprimento dos ónus alegatórios previstos no artigo 640º do CPC:
- a manutenção da sentença recorrida e a improcedência do recurso.
◊◊◊
11.
O Exº Sr. Procurador-Geral Adjunto deu o seu parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos.
◊◊◊
12.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - QUESTÕES A DECIDIR
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões dos recorrentes (artigos 653º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que as questões a decidir são as seguintes:
DO RECURSO DO AUTOR:
1ª- ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
2ª- INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
3ª- CARIZ RETRIBUTIVO DO SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO
DO RECURSO DA RÉ:
1ª – ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
2ª – EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O DESPEDIMENTO
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III – FUNDAMENTOS
1.
FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS PELA SENTENÇA RECORRRIDA:
a) O Autor foi admitido pela Ré através de contrato de trabalho verbal em 23/11/1974, ao serviço da então “N…”, como trabalhador assalariado do escalão II, com a categoria de TRE043.
b) Ulteriormente, em 01/12/1977 passou à categoria de “auxiliar de telecomunicações”.
c) Em 29/10/1981, tomou posse, passando a exercer as funções de “Mecânico de Material de Telefone”.
d) Entre 1984 e 1994 o Autor esteve ausente da empresa Ré.
e) Quando retomou o trabalho na Ré, foi integrado na categoria profissional de “Técnico de Telecomunicações de Interiores e Exteriores”.
f) Em 28/01/1995 foi integrado na categoria profissional de “Técnico de Telecomunicações”.
g) No âmbito de uma reestruturação de carreiras levada a cabo pela Ré, consubstanciada através do Acordo de Empresa de 2007, o Autor foi automaticamente classificado na categoria profissional designada como “Técnico de Apoio” de nível 3 de desenvolvimento.
h) O Autor auferia ultimamente o salário base mensal de 1.182,90 €, acrescido de diuturnidades, cujo valor não foi possível apurar (porque não alegado) e tinha o seguinte horário de trabalho: das 9,00 às 12,30 horas e das 14,00 às 17,40 horas.
i) Em 14 de Junho de 2011, por ordem da Directora de Recursos Humanos da Ré, foi aberto processo disciplinar contra o Autor, nos termos do documento de fls. 3 do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
j) Por carta registada datada de 04/07/2011 foi o Autor notificado da nota de culpa, na qual se concluía que o comportamento do trabalhador arguido assume uma gravidade que torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação da trabalho, consubstanciando a sua actuação justa causa de despedimento, nos termos constante de fls. 14 verso e seguintes do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
k) Na mesma data, foi a Autor notificado pessoalmente da sua suspensão, conforme documento de fls. 18 verso e seguintes do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
l) Em 22/08/2011 deu entrada na Direcção de Contencioso da Ré a resposta à nota de culpa do Autor, nos termos dos documentos de fls. 24 verso e ss. do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
m) No âmbito do processo disciplinar foram inquiridas várias testemunhas.
n) Foram juntos ao processo disciplinar os pareceres do O... e da Comissão de Trabalhadores da P….
o) Na sequência do referido processo disciplinar, foi o Autor notificado, por carta registada com aviso de recepção datada de 18/11/2011, do relatório final e da decisão da Ré (datados de 21/10/2011 e de 27/10/2011, respectivamente) que lhe aplicou a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, nos termos dos documentos de fls. 67 verso a 73 verso do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
p) No âmbito de necessidades de formação identificadas pela empresa Ré, o ora Autor foi seleccionado para frequentar uma acção de formação, a decorrer nos dias 16 e 17 de Maio, em Lisboa.
q) Por forma a transmitir-lhe a convocatória para a referida acção de formação, a 9 de Maio de 2011 a responsável pelo CED tentou entrar em contacto com o trabalhador, por via telefónica, para o seu telemóvel.
r) Como este não tivesse atendido o telemóvel, a responsável pelo CED remeteu-lhe um e-mail, solicitando-lhe que a contactasse.
s) O que o Autor fez, na manhã de 10 de Maio de 2011, data em que foi informado que lhe seria remetida uma convocatória para a acção de formação, tendo-lhe sido explicado o âmbito da acção de formação, bem como os pormenores do novo projecto para o qual esta o habilitava.
t) No seguimento do contacto supra referido, a responsável pelo CED remeteu-lhe por e-mail a convocatória para acção de formação, solicitando que o trabalhador a imprimisse e a devolvesse assinada, confirmando a sua presença.
u) O Autor não respondeu ao e-mail, nem confirmou a sua presença.
v) Por esse motivo, e dado que o trabalhador se encontrava de férias entre 11 e 13 de Maio, a 12 de Maio a responsável pelo CED entrou novamente em contacto com o Autor, por via telefónica, para confirmar a sua presença na acção de formação e confirmar que todas as despesas com a deslocação e estadia se encontravam asseguradas pela entidade empregadora, nomeadamente o hotel.
w) O Autor atendeu a chamada e não dando tempo para qualquer informação respondeu: “Eu estou de férias. Nunca mais me ligue ou incomode. Eu não quero falar mais nada e não vou a formação nenhuma na segunda-feira.”
x) No dia 13 de Maio de 2011 o mandatário do Autor enviou um e-mail ao Dr. Q…, Director de Recursos Humanos da P…, solicitando esclarecimentos sobre a acção de formação profissional, conforme documento nº 7 junto com a resposta à nota de culpa.
y) O referido Q… respondeu ao mandatário do Autor, igualmente por e-mail, datado de 13 de Maio de 2011, conforme documento nº 8 junto da resposta à nota de culpa.
z) No dia 15 de Maio de 2011, o Autor enviou um e-mail à responsável pelo CED, em resposta ao e-mail que lhe havia sendo remetido no dia 10, que se limitava à seguinte frase: “tomei conhecimento”.
aa) No dia 16 de Maio – dia designado para o início da acção de formação – o Autor enviou novo e-mail à responsável pelo CED, comunicando que se encontrava doente, tendo na mesma data remetido, por correio, um certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, com a duração de 3 dias, entre 16 e 18 de Maio.
bb) No dia 24 de Maio a responsável pelo CED remeteu ao Autor, novamente por email, uma convocatória para nova acção de formação, desta vez a realizar nos dias 30 e 31 de Maio.
cc) Contudo no mesmo dia em que lhe foi remetida a convocatória, o Autor colocou na plataforma informática da Ré um pedido de marcação de férias para um período a começar em 30 de Maio.
dd) Durante os dias 25 e 26 de Maio a responsável pelo CED tentou, infrutiferamente, entrar em contacto telefónico com o Autor.
ee) Em 26 de Maio a responsável pelo CED rejeitou o pedido de marcação de férias do Autor.
ff) Nessa mesma data, após várias tentativas frustradas de contacto telefónico, aquela responsável remeteu ao Autor novo e-mail a solicitar resposta à convocatória.
gg) Ao que este respondeu, também por e-mail, informando-a de que tinha solicitado férias no período que abrangia a acção de formação.
hh) Nos dias 30 e 31 de Maio o Autor não compareceu à acção de formação para que tinha sido convocado, não tendo apresentado qualquer justificação para tal ausência.
ii) À data dos factos supra referidos o Autor estava já há algum tempo sem funções atribuídas.
jj) O autor está a receber subsídio de desemprego por um período de 720 dias, com início em 30/03/2012 até 29/03/2014, no valor mensal de 1.048,50 €.
◊◊◊
2.
DO OBJECTO DO RECURSO
2.1.
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
2.1.1.
DA ALTERAÇÃO PRETENDIDA PELO AUTOR
2.1.1.1.
Sobre esta questão teremos de a subdividir em dois segmentos.
O primeiro está relacionado com a matéria de facto dada como provada na sentença, maxime, a constante das alíneas: “ s” in fine, “v” 2ª parte, “w”, “bb”, “cc” e “hh”, in fine, que segundo o recorrente devia ter sido dada como não provada.
O desiderato pretendido com esta alteração factual é somente ver como provado que a declaração de ilicitude do despedimento reconhecido pela sentença recorrida Nos termos deverá ter como fundamento que o A. não cometeu qualquer infracção passível de censura disciplinar e não, como foi considerado, que a sanção do despedimento aplicada pela R. foi desproporcionada.

Refere o nº 1 do artigo 631º do CPC que “os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.”
“É parte vencida aquela que é objectivamente afectada pela decisão, isto é, que não tenha obtido a decisão favorável aos seus interesses. O autor é parte vencida se a sua pretensão foi recusada, no todo ou em parte, por razões de forma ou fundo.
O que sobreleva é o resultado final e não tanto o percurso trilhado pelo tribunal para o atingir. O autor não deixa de ser parte vencedora se a sua pretensão foi acolhida, ainda que sem a argumentação jurídica aduzida.
O mecanismo do recurso não foi criado para dirimir questões puramente académicas ou para mero conforto moral, sem qualquer repercussão no resultado da lide, antes para alterar ou revogar a decisão final.
Destarte, ainda que a parte destinatária de uma decisão favorável seja confrontada com uma resposta negativa a algum ou a todos os argumentos que usou, não fica legitimada a interpor recurso. A atendibilidade de outros fundamentos, para além dos que foram considerados na decisão, é matéria que a parte vencedora eventualmente deve introduzir nas contra-alegações do recurso que seja interposto pela parte vencida, nos termos do artigo 636º, nº 1, por forma a assegurar o resultado já obtido, ainda que por uma via diversa da que foi trilhada para produzir a decisão recorrida.”[2]
Ora, é precisamente o que acontece neste segmento do recurso. O recorrente recorre não para alterar ou modificar a decisão que declarou a ilicitude do seu despedimento, mas tão só para ver satisfeito um dos seus fundamentos aduzidos – não violou qualquer dever laboral a que estava adstrito. Ora, não tendo esta questão qualquer repercussão na decisão final e no objetivo pretendido e alcançado (o reconhecimento da ilicitude do despedimento), o recorrente/autor, como parte vencedora na questão, deveria eventualmente ter introduzido nas contra-alegações do recurso que foi interposto pela parte vencida, nos termos do artigo 636º,nº 1 e 2, por forma a assegurar o resultado já obtido, ainda que por uma via diversa da que foi trilhada para produzir a decisão recorrida.
Daí que o artigo 636º do CPC, sob a epígrafe “Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido “, disponha da seguinte forma:
“1 — No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
2 — Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.”

Assim, a parte vencedora que não vê acolhida na sentença todos ou alguns dos fundamentos de facto ou de direito invocados, deve lançar mão da ampliação do âmbito do recurso na qualidade de recorrido e não recorrer, para o qual não tem legitimidade.
É que no caso em que a parte vencida interponha recurso já a parte vencedora pode, nas contra-alegações e ampliando o âmbito do recurso, requerer que o tribunal se pronuncie sobre aqueles fundamentos de facto e de direito que não lhe foram reconhecidos na decisão recorrida. O mesmo acontece no que concerne à matéria de facto que o recorrido pode lançar mão do mecanismo previsto no nº 2 do normativo indicado, de forma a acautelar-se duma eventual procedência das questões suscitadas pelo recorrente[3].
Destarte, o Autor/recorrente não tem legitimidade, como parte vencedora, para no recurso principal vir recorrer com o fundamento de que a matéria de facto dada como provada na sentença, maxime, a constante das alíneas: “ s” in fine, “v” 2ª parte, “w”, “bb”, “cc” e “hh”, in fine, devia ter sido dada como não provada, uma vez que esta modificação factual não alteraria em nada a decisão final. Por outro lado, na qualidade de recorrido, face à interposição de recurso por parte da Ré, o autor não requereu, ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 636º do CPC, a ampliação do âmbito do recurso.
Assim sendo, por falta de legitimidade do autor, não se admite o segmento do recurso referente à modificabilidade da matéria de facto relacionada com as alíneas: “s” in fine, “v” 2ª parte, “w”, “bb”, “cc” e “hh”, in fine.
2.1.1.1.
Dispõe o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, o seguinte:
1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

Deste normativo decorre que, sob pena de rejeição de recurso, deve a apelante especificar:
— os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
— os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada;
— A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas,
e
— indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
ABRANTES GERALDES[4] alega que sempre que o recurso envolva impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto.
E mais adiante acrescenta[5], “[a] rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes circunstâncias:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (vg. documentos, relatórios perícias, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos.”
Tal ónus de impugnação deve ser cumprido, não só nas alegações, mas também nas conclusões do recurso[6], pois são elas que delimitam o respectivo objecto, embora tal matéria deva ser fundamentada na alegação.

Convém relembrar que a reapreciação, pela Relação, com base em meios de prova com força probatória não vinculativa, da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto deverá ser feita com o cuidado e ponderação necessárias, face aos princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova[7].
Com efeito, inúmeros são os factores relevantes na apreciação da credibilidade do teor de um depoimento que só são apreensíveis pelo julgador mediante o contacto direto com os depoentes em audiência. Embora a reapreciação da matéria de facto, no que ao Tribunal da Relação se reporta, esteja igualmente subordinada ao princípio da livre apreciação da prova e sem limitação (à excepção da prova vinculada) no processo de formação da sua convicção, deverá ela, no entanto, ter em conta que dos referidos princípios decorrem aspectos de relevância indiscutível (reacções do próprio depoente ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões) na valoração dos depoimentos pessoais que apenas são, ou melhor são, perceptíveis pela 1ª instância. À Relação caberá analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova gravada e demais elementos de prova constantes dos autos, se as respostas dadas apresentam erro evidenciável e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimento comuns e, bem assim, ponderando embora as mencionadas limitações, formar a sua convicção, não bastando para eventual alteração diferente avaliação que a Recorrente possa fazer quanto à prova testemunhal produzida.

Alega o recorrente que foi produzida em sede de audiência de discussão e julgamento prova bastante e concludente para ter sido dada como provada a matéria alegada nos artigos 162.º a 174.º do articulado de contestação/reconvenção, a qual teria como consequência o reconhecimento e atribuição da impetrada indemnização pelos danos morais sofridos pelo Recorrente em virtude do despedimento - no entretanto declarado ilícito.

Os artigos 162º a 174º do articulado de contestação/reconvenção têm o seguinte teor:
162.º
O comportamento relapso da R., consubstanciado no despedimento ilícito sub judice, causou no A. um enorme abalo na sua reputação profissional e na imagem de respeito e credibilidade de que gozava no meio profissional em que se encontrava inserido, sentindo-se aquele nessa medida totalmente vexado,
163.º
circunstância com reflexo em enorme desgaste psicológico,
164.º
por ter passado a viver com dificuldades em conciliar o sono, com dores de cabeça frequentes e insuportáveis,
165.º
e num estado permanente de ansiedade, angústia e humilhação.
166.º
A descrita situação é tanto mais grave, atenta a circunstância de o A. ser o pilar único de um agregado familiar constituído por cinco pessoas (incluindo o próprio), que dele dependiam, em exclusivo, em termos económico-financeiros.
167.º
Com efeito, estavam a seu cargo a sua esposa que se encontra desempregada há já cerca de 2 anos sem direito a qualquer subsídio de desemprego,
168.º
Uma filha maior, licenciada em enfermagem, que se encontrava sem emprego e sem quaisquer rendimentos, e que por mor desta situação, vale dizer, impossibilidade de o A. continuar a sustentá-la, se viu na contingência de ter de emigrar para a Suíça no passado mês de Dezembro de 2011, já após o despedimento por parte da R.,
169.º
uma outra filha que se encontra a frequentar o curso de Direito, não auferindo também ela qualquer rendimento e que neste momento se encontra em sério risco de ter de abandonar os estudos por falta de condições financeiras do A. para a manter a estudar,
170.º
ainda a cargo do A., está a sua mãe, de 80 anos, a qual percebe uma mísera pensão de subsistência no montante de 220,00 € (DUZENTOS E VINTE EUROS), manifestamente insuficiente para fazer face, não apenas às suas necessidades mais básicas, v.g. alimentação, vestuário, como também para os medicamentos de que carece, dado que padece de doença cardíaca, diabetes, artroses, etc..
171.º
Acresce que, o cenário assume contornos verdadeiramente dramáticos, na medida em que tendo o A. efectuado todos seus descontos ao longo da sua vida activa para a Caixa Geral de Aposentações, foi informado, quer pela Segurança Social, quer pelo seu Sindicato, o J…, de que não beneficia de qualquer prestação a título de desemprego.
172.º
Nesta conformidade, a aludida situação de ruptura financeira, tem levado já com que o A. tenha de ter recorrido a pontuais e pequenos empréstimos particulares junto de familiares e/ou amigos, para fazer face às suas despesas,
173.º
bem assim, a efectuar, conjuntamente com o demais agregado familiar, várias refeições em casa de alguns amigos.
174.º
Como facilmente se anteverá, o “pesadelo” em que se transformou a vida do A. na sequência do despedimento relapso perpetrado pela R., causou-lhe um insuportável stress que aumenta de dia para dia.

O Tribunal a quo relacionado com esta questão apenas deu como provado que «o autor está a receber subsídio de desemprego por um período de 720 dias, com início em 30/03/2012 até 29/03/2014, no valor mensal de 1.048,50 €».
Na motivação da matéria de facto referiu o Tribunal que as testemunhas arroladas no que concerne aos “alegados danos morais, nada disseram de relevante, sendo certo que a alegada situação económica deficitária do agregado familiar do Autor, cuja causa atribui ao despedimento, nunca poderia ser incluída nessa tipologia de danos. Por outro lado, a natureza dos danos alegados (artigos 163º a 165º da contestação/reconvenção) exigiria sempre um suporte documental de natureza clínica, o que o Autor não apresentou, não podendo essa omissão ser suprida pelo depoimento de dois Vizinhos».
Vejamos:
Em primeiro lugar cumpre advertir que grande parte da matéria constante nos artigos 162º a 174º do articulado de contestação/reconvenção encerram matéria conclusiva a qual deveria ter sido devidamente concretizada. O Tribunal não responde a conclusões. Por outro lado, deveremos ter em atenção que as testemunhas E… e H… têm um conhecimento empírico sobre a situação do recorrente e não muito rigoroso. O mesmo acontece com a testemunha I…, esposa do recorrente, que além do mencionado tem uma posição marcadamente interessada no desfecho da acção.
Assim sendo, sem nos olvidarmos que as questões de saúde, nomeadamente as psíquicas e psicológicas, têm o seu campo em relatórios médicos da especialidade, na ponderação dos aludidos depoimentos podemos dar como assente o seguinte, cuja matéria acresce à dada como provada:
“Com o seu despedimento o Autor ficou abalado, desesperado e triste, tendo tido algumas dificuldades em assumir os compromissos familiares do seu agregado familiar, composto pela esposa, e duas filhas (uma enfermeira e outra estudante de direito em Coimbra).”

O restante, pelas razões apontadas, não poderá proceder.

2.1.2.
DA ALTERAÇÃO PRETENDIDA PELA RÉ
2.1.2.1.
Alega o Autor que a Ré não deu cumprimento aos ónus alegatórios previstos no artigo 640º do CPC, pelo que o recurso, nesta parte, deve ser rejeitado.
Ora, tendo em conta o que já deixamos exarado podemos dizer que apesar de a Ré não ter cumprido na totalidade os aludidos ónus, a verdade é que é apreensível a remissão feita para as alegações, pelo que entendemos que se encontram minimente verificados os requisitos que permitem a apreciação da impugnação da matéria de facto.
2.1.2.2.
Defende a Ré que os factos dados como provados, sob a alínea p), - «No âmbito de necessidades de formação identificadas pela empresa Ré, o ora Autor foi seleccionado para frequentar uma acção de formação, a decorrer nos dias 16 e 17 de Maio, em Lisboa» - ;aa) - «No dia 16 de Maio - dia designado para o início da acção de formação - o Autor enviou novo e-­mail à responsável pelo CED, comunicando que se encontrava doente, tendo na mesma data remetido, por correio, um certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, com a duração de 3 dias, entre 16 e 18 de Maio» - e ii) – «À data dos factos supra referidos o Autor estava já há algum tempo sem funções atribuídas» -, devem ser alterados da seguinte forma:
Alínea:
p): “No âmbito de necessidades de formação identificadas pela Empresa Ré, e com o objectivo do seu reenquadramento profissional (sublinhado nosso), o Autor foi seleccionado para frequentar uma acção de formação presencial, a realizar nos dias 16 e 17 de Maio de 2011, em Lisboa”.
aa) No dia 16 de Maio - dia designado para o início da acção de formação – o Autor enviou novo e-mail à responsável pelo CED, comunicando que se encontrava doente, tendo na mesma data remetido, por correio, um certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, com a duração de 3 dias, entre 16 e 18 de Maio, apesar de ter dito à responsável pelo CED, no dia 12 de Maio, peremptoriamente que não ia a formação nenhuma.
ii)“À data dos factos, o Autor encontrava-se afecto ao CED-Centro de competências em Desenvolvimento, em transição, aguardando o seu reenquadramento profissional para o exercício de novas funções”.

Vejamos.
No que concerne à alínea aa) não asiste razão à apelante. Em primeiro lugar o que está em causa é a ausência do trabalhador à acção de formação. E o facto é que ele não compareceu, tendo apresentado um atestado médico. Por outro lado o aditamento pretendido é fruto do que já se deu como provado na alínea w) –“O Autor atendeu a chamada e não dando tempo para qualquer informação respondeu: “Eu estou de férias. Nunca mais me ligue ou incomode. Eu não quero falar mais nada e não vou a formação nenhuma na segunda-feira.” – o qual deve ser enquadrado com a alínea v) – “(…)a 12 de Maio a responsável pelo CED entrou novamente em contacto com o Autor, por via telefónica, para confirmar a sua presença na acção de formação e confirmar que todas as despesas com a deslocação e estadia se encontravam asseguradas pela entidade empregadora, nomeadamente o hotel.”.

Assim o que se pretende com o aditamento já resulta da conjugação das várias alíneas dos factos provados. A questão é que a recorrente quer retirar dos mesmos uma conclusão um tanto ou quanto diferente que o tribunal a quo deles retirou. Mas, como já tivemos oportunidade de salientar o Tribunal não responde a conclusões, mas a factos (embora na devida altura o tribunal possa destes factos retirar as devidas consequências – mas não nesta sede factual).
Por outro lado, se atentarmos no teor da nota de culpa e da própria decisão do despedimento logo chegamos à conclusão que o aqui pretendido não consta do elenco dos factos. Razão pela qual, atento o disposto nos artigos 357º, nº 4 e 387º do Código do Trabalho e 98º-J, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento – que constem na nota de culpa - comunicada ao trabalhador.
Ora, estes factos extravasam o teor da nota de culpa, da decisão de despedimento, pelo que não podem ser invocados nesta acção, estando o Tribunal impedido de os valorar.
O mesmos e diga relativamente aos restantes factos que a recorrente pretende ver alterados, uma vez que também não fazem parte do acervo factual constante na nota de culpa e na decisão de despedimento.
Mas mesmo que assim não fosse, a solução seria a mesma, por duas ordens de razões:
A primeira é que os alegados pontos encerram matéria conclusiva.
A segunda é que no confronto dos vários depoimentos das testemunhas indicadas, quer pela Ré, quer pelo trabalhador, não é claro, nem inequívoco, a veracidade de tais pontos factuais. Assim sendo, a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (artigo 414º do CPC), ou seja, contra a aqui recorrente, pois era ela que tinha o encargo da prova de tais factos.
Por todas estas razões, improcede a requerida alteração factual.
◊◊◊
2.2.
DA LICITUDE DO DESPEDIMENTO

A Recorrente defende que existe justa causa para o despedimento e como tal, o despedimento, deve ser declarado lícito. Isto porque, em suma, defende que, o Autor violou concretos deveres laborais, respeitantes à obediência, urbanidade, probidade e respeito pelos seus superiores hierárquicos consagrados no 128º, nº 1, alínea a), e os deveres de participar em acções de formação profissional e cumprir as ordens e instruções do empregador, consagradas nas alíneas d) e e) do Código do Trabalho e que tal violação não é justificável revelando um comportamento de gravidade extrema e reprovável.
Vejamos:
2.2.1.
No elenco das sanções disciplinares (artigo 328º do Código do Trabalho) o despedimento é a mais gravosa.
O artigo 53º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da estabilidade no emprego proibindo os despedimentos sem justa causa. Princípio este que cede quando a permanência do trabalhador na empresa ponha em causa a existência ou a eficácia da estrutura produtiva, fruto de um seu comportamento culposo ou ilícito.
Na aplicação das sanções disciplinares, face ao princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 330º do CT, é necessário ponderar a gravidade da infracção e a culpa do infractor.
De acordo com o disposto no artigo 351º, nº 1, do C. T. constitui justa causa de despedimento “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
A definição de justa causa assenta assim num particular juízo de censura sobre um comportamento culposo do trabalhador, violador dos respectivos deveres laborais[8].
Entendido o despedimento como a pena de morte das sanções disciplinares, a sua aplicação só é legítima e válida quando a gravidade da falta cometida o justifica.
A gravidade calcula-se pela infracção em si, pelo grau de culpabilidade do trabalhador e pelas consequências em que ocorreu a sua prática.
A existência de justa causa pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:
1º-um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador – é o elemento subjectivo da justa causa;
2º-a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral – é o elemento objectivo da justa causa;
3º- a verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador outro, configurado na existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.[9]
No que concerne ao primeiro dos elementos – o subjectivo – convém esclarecer, conforme refere MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO,[10] “A exigência de ilicitude do comportamento do trabalhador não resulta expressamente do art. 351º, nº 1, mas constituiu um pressuposto geral do conceito de justa causa para despedimento[11], uma vez que, se a actuação for lícita, ele não incorre em infracção que possa justificar o despedimento.”
O acto ilícito e culposo há-de corresponder a uma violação grave, por parte do trabalhador, dos seus deveres contratuais (seja dos deveres principais, secundários ou acessórios), por acção ou omissão, não sendo necessário que essa violação ocorra no local de trabalho[12], podendo essa violação revestir qualquer uma das três modalidades de incumprimento das obrigações: o não cumprimento definitivo, a simples mora e o cumprimento defeituoso.
A culpa do trabalhador (a título de dolo ou negligência) há-de ser apreciada segundo um critério objectivo, isto é, pela diligência que um bom pai de família teria adoestado, em face das circunstâncias do caso (art.º 487.º, n.º 2, do Código Civil), e não segundo os critérios subjectivos do empregador[13]. Neste contexto, também devem ser relevadas e valoradas as circunstâncias atenuantes e as causas de exclusão da culpa que possam ter existido[14], nomeadamente, o estado de necessidade desculpante, o erro, a falta de consciência da ilicitude do facto, a anomalia psíquica ou obediência desculpante[15].
Para que se verifique a justa causa, não é suficiente um qualquer incumprimento dos deveres contratuais, por parte do trabalhador. É necessário, ainda, que se trate de um comportamento que, pela sua gravidade[16] e consequências, leve a concluir que a subsistência da relação de trabalho se tornou imediata e praticamente impossível.
No entanto, a impossibilidade em questão não é uma impossibilidade de ordem material, correspondendo, antes, a uma situação de inexigibilidade reportada a um padrão essencialmente psicológico, qual seja o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, implicando mais ou menos frequentes e intensos contactos entre os sujeitos[17], e que, na apreciação dessa inexigibilidade, há que atender, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes (art.º 351º, n.º 3, do CT), tudo à luz dos critérios de um bonus paterfamilias, ou seja, de um empregador normal, e não à luz da sensibilidade do real empregador.
O conceito de justa causa é assim um conceito indeterminado, pois não facultando uma ideia precisa quanto ao seu conteúdo, aponta para modelos de decisão a elaborar em concreto e, constituindo a mais grave das sanções disciplinares, visa o sancionamento da conduta do trabalhador que, pela sua gravidade objetiva e pela imputação subjetiva, torna impossível a subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe[18].
A inexigibilidade há de, pois, ser aferida através de um juízo de probabilidade, de prognose, sobre a viabilidade da relação de trabalho, sendo de concluir pela existência de justa causa quando, sopesando os interesses em presença, se verifique que a continuidade da vinculação representaria, objectivamente, uma insuportável e injusta imposição ao empregador, isto é, quando, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seriam de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador[19].
Podemos, assim concluir, que a justa causa pressupõe sempre uma infracção por parte do trabalhador, ou seja, uma violação, deste, por acção ou omissão, de deveres legais ou contratuais, nestes se incluindo os deveres acessórios de conduta derivados da boa fé no cumprimento do contrato; e é sobre essa actuação ilícita que deve recair um juízo de censura ou de culpa e a posterior ponderação sobre a viabilidade de subsistência, ou não, do vínculo contratual.
A este propósito, a doutrina e a jurisprudência vêm sublinhando o papel da confiança no vínculo laboral, acentuando a forte componente fiduciária da respectiva relação.
Reiteradamente o Supremo Tribunal de Justiça tem mencionado que ao quebrar-se a confiança entre o empregador e o trabalhador, deixa de existir o suporte mínimo para a manutenção dessa relação: porque o contrato de trabalho assenta numa base de recíproca confiança entre as partes, se o comportamento do trabalhador de algum modo abala e destrói essa confiança, o empregador interioriza legitimamente a dúvida sobre a idoneidade futura da sua conduta[20].
No mesmo sentido temos BATISTA MACHADO[21] ao referir que […] o núcleo mais importante de violações do contrato, capazes de fornecer justa causa à resolução, é constituído por violações do princípio da leal colaboração imposto pelo ditame da boa fé. Em termos gerais, diz-se que se trata de uma quebra da “fider” ou da base de confiança do contrato (…). Esta é afectada quando se infringe o dever de leal colaboração, cujo respeito é necessário ao correcto implemento dos fins prático-económicos a que se subordina o contrato.
O mesmo acontece com LOBO XAVIER ao salientar o relevo da confiança mútua, afirmando que integra justa causa, o […] comportamento que vulnera o pressuposto fiduciário do contrato[22].

2.2.2.
Assim enquadrado o conceito geral de justa causa, importa apurar se a mesma se verificou no caso concreto.
A decisão recorrida entendeu que o comportamento do Autor/trabalhador não se enquadrava no conceito de justa causa para o despedimento, pelo que, considerou o despedimento ilícito. Fundamentou a sua posição nos seguintes argumentos:
“Tendo em consideração as violações imputadas na nota de culpa, resultou provado, no essencial, que o Autor falhou, por duas vezes, a frequência de uma acção de formação profissional para que havia sido convocado pela Ré. Na primeira marcação faltou, porque apresentou um atestado médico que certificava a sua incapacidade temporária por doença; na segunda convocatória, pura e simplesmente não compareceu, nem apresentou qualquer justificação para a sua ausência.
Resultou também provado que em um dos vários contactos telefónicos com a responsável do CED, respondeu da forma que consta na alínea w) dos factos provados.
Estes são os factos para aferir se o Autor violou ou não, como conclui a Ré, os seus deveres de respeito e urbanidade, obediência e de frequentar acções de formação profissional.
Com efeito, o dever de obediência envolve o cumprimento de ordens e instruções “respeitantes à execução ou disciplina do trabalho”. Por outras palavras, o trabalhador deve obediência não apenas às directrizes do empregador sobre o modo de desenvolvimento da sua actividade laboral, mas também às directrizes emanadas do poder disciplinar prescritivo, em matéria de organização da empresa, do comportamento no seu seio, de segurança, higiene e saúde no trabalho. Este dever só cessa quando a ordem ou instrução do empregador colida com os direitos e garantias do trabalhador, sendo nestes casos legítima a desobediência.
Acresce que está ainda limitado genericamente pela licitude da própria ordem, não estando o trabalhador obrigado a cumprir ordens ilegais. Por fim, o incumprimento do dever de obediência constitui infracção disciplinar, a sancionar nos termos gerais (artigo 329º do Código do Trabalho), e poderá levar ao despedimento com justa causa, se tal infracção for grave e culposa.
Por sua vez, o dever de respeito e urbanidade, que abrange as relações do trabalhador com o empregador, com os superiores hierárquicos, os colegas e até os clientes da empresa, dever ser apreciado tendo em conta o circunstancialismo em que se desenvolve a relação de trabalho, sendo certo que a respectiva violação deverá estar devidamente demonstrada por situações concretas.
Por último, o dever-direito de participar em acções de formação que sejam proporcionadas ao trabalhador pelo empregador, decorre do dever imposto ao empregador de dar formação profissional àquele, a qual visa, por último, assegurar a formação contínua dos trabalhadores da empresa, de forma a contribuir para a elevação da produtividade e empregabilidade do trabalhador. Por palavras simples, do lado do trabalhador perspectiva-se mais como um direito do que como um dever, uma vez que o seu objectivo último é precisamente valorizar o trabalhador enquanto tal e não como simples mão-de-obra.
Ora, tendo em conta os factos assentes, temos de concluir que o Autor não actuou correctamente com a sua superiora hierárquica e consequentemente com a sua entidade empregadora. Mas, daí até se concluir que tal atitude negativa torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, vai uma grande distância.
Com efeito, o que consta da alínea w) não é de modo algum suficiente para se concluir que o Autor violou o seu dever de tratar os seus superiores com respeito e urbanidade. Poderemos dizer que ao respondeu de forma um tanto seca e crua à interpelação da sua chefe, mas não podemos afirmar que foi ofensivo ou que pretendesse faltar ao respeito que lhe devia. De todo o modo, aceita-se que a reacção de um trabalhador não seja a mais efusiva e alegre, quando, estando de férias, é “incomodado” com a convocatória para comparecer numa acção de formação profissional proporcionada pela empresa, quando já há muito tempo que estava sem exercer quaisquer funções, ou “na prateleira”, para usar a linguagem de algumas das testemunhas.
Também não vislumbramos na conduta do Autor qualquer violação ao artigo 128º, nº 1, alínea e) do Código do Trabalho, uma vez que a desobediência a uma ordem de frequentar uma acção de formação profissional, não integra nem “a execução e a disciplina do trabalho”, nem “a segurança e saúde no trabalho”.
Resta a violação da alínea d) do nº 1 do artigo do artigo 128º, que efectivamente ocorreu, mas que não justifica, só por si, que o trabalhador seja sancionado com a mais gravosa das penas disciplinares, até porque nem sequer está elencada nos comportamentos tipificados no nº 2 do artigo 351º do Código do Trabalho. Além do mais, não podemos concluir que a recusa de frequentar a acção de formação profissional pela segunda vez (uma vez que da primeira justificou a não comparência), acarretou à Ré prejuízos ou até que tal conduta fosse susceptível de destruir ou abalar seriamente a confiança no autor como seu trabalhador, ou de criar no espírito do empregador sérias dúvidas ou reservas sobre a idoneidade futura da sua conduta, até porque nem sequer estava em causa a prestação de trabalho propriamente dita. Aliás, não foi alegado que aquela acção de formação profissional fosse condição fundamental para o Autor continuar a desempenhar as suas funções na empresa da Ré.
● Em suma, a sanção de despedimento aplicada foi claramente desproporcionada, uma vez que a violação do dever de participar em acções de formação profissional em nada alterou o modo de prestação do trabalho do autor, que, na altura, estava sem qualquer função.”

Na generalidade estamos de acordo com o decidido.
Sobre a questão de saber se a não participação do trabalhador na acção de formação para o qual foi convocado pela empregadora integra ou não a violação do dever de obediência previsto na alínea e) do artigo 128º, nº 1 do CT - cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias – perfilhamos também o entendimento da sentença recorrida.
Poder-se-á dizer efetivamente que a não participação ou recusa constituí ao fim e ao cabo uma desobediência a uma ordem dada pelo empregador, na medida em que a mesma está dentro da execução do trabalho. Todavia, essa não participação em acções de formação, ou seja, essa violação de um dever laboral por parte do trabalhador, está previsto numa alínea própria, pelo que não se pode duplicar a sua previsão.
Assim, quando a alínea d) do nº 1, do artigo 128º do CT estabelece que um dos deveres do trabalhador é «[p]articipar de modo diligente em acções de formação profissional que lhe sejam proporcionadas pelo empregador» - contraposição do dever que recai sobre o empregador de contribuir para a elevação da produtividade e empregabilidade do trabalhador, proporcionando-lhe formação profissional adequada a desenvolver a sua qualificação – artigo 127º, nº 1, alínea d) e 131º, nº 1, alíneas a) e b), ambos do CT - , engloba na sua previsão não só o dever de o trabalhador se apresentar na acção de formação que lhe seja facultada pelo empregador, como também participar na mesma de modo interessado.
Assim, nas palavras de DIOGO VAZ MARECOS[23], “viola este dever o trabalhador que sem a ocorrência de um motivo juridicamente atendível falte à acção de formação profissional, ou não faltando, revele ostensivamente ausência de empenho na mesma».
Daqui resulta que no caso em apreço, o trabalhador ao não comparecer na acção de formação determinada pela sua empregadora, nos dias 30 e 31 de Maio, sem dar qualquer justificação, violou um dever laboral a que estava adstrito (artigo 128º, nº 1, alínea d) do CT).
É certo que o trabalhador também não compareceu na acção de formação anteriormente determinada pela empregadora – que teve lugar nos dias 16 e 17 de Maio -, no entanto, o mesmo atempadamente justificou a sua falta dizendo que se encontrava doente, tendo, para o efeito, remetido o respectivo certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, com a duração de 3 dias, entre 16 e 18 de Maio.
Com base no ponto W) dos factos provados defende a Ré que a intenção do Autor foi faltar. É verdade que ficou provado que «dado que o trabalhador se encontrava de férias entre 11 e 13 de Maio, a 12 de Maio a responsável pelo CED entrou novamente em contacto com o Autor, por via telefónica, para confirmar a sua presença na acção de formação e confirmar que todas as despesas com a deslocação e estadia se encontravam asseguradas pela entidade empregadora, nomeadamente o hotel e que o Autor atendeu a chamada e não dando tempo para qualquer informação respondeu: “Eu estou de férias. Nunca mais me ligue ou incomode. Eu não quero falar mais nada e não vou a formação nenhuma na segunda-feira.”».
Como se diz na sentença recorrida esta forma de linguagem do trabalhador não é a mais apropriada para se dirigir a quem quer que seja, nomeadamente ao seu superior hierárquico, mas, apesar desta forma não muito elegante de diálogo, a verdade é que também não vislumbramos a violação de um qualquer dever laboral. Por outro lado, se o trabalhador logo afirmou que não ia à formação, isso não passa de palavras, que não tiveram reflexo na realidade, já que o mesmo para a sua não comparência apresentou um certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, com a duração de 3 dias, entre 16 e 18 de Maio. E, se a aqui recorrente entendia que tal não correspondia á verdade, ou seja, que o trabalhador não se encontrava doente e que o certificado era falso, então deveria ter lançado mão dos mecanismos legais, máxime, artigo 254º do CT. Mas não o fez, pelo que não pode vir agora pretender que se dê como não justificativa a não comparência do trabalhador à acção de formação.
A questão que se coloca agora é esta:
O comportamento do trabalhador, ao faltar à acção de formação, pela sua gravidade e consequências, pôs em crise a relação de trabalho, tornando impossível a sua subsistência? A continuidade do vínculo laboral representa para a Recorrente, entidade patronal, uma insuportável e injusta imposição? No caso concreto a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe serão de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição da entidade empregadora?
Se «na base da justa causa há-de estar um comportamento culposo do trabalhador, a verdade é que esse comportamento, por si só, não constitui a situação de justa causa»...«decisivo é averiguar se esse comportamento foi de tal forma grave que tenha por consequência tomar impossível a prossecução da relação de trabalho»[24].
Dos factos provados pode-se concluir que o autor/trabalhador não compareceu a uma acção de formação determinada pela Ré/empregadora.
Estes factos importam por parte do trabalhador, como já dissemos, a violação do dever de participar de modo diligente em acções de formação profissional que lhe sejam proporcionadas pelo (artigo 128º, nº 1, alínea d) do CT).
Serão estes factos suficientes para se chegar ao conceito de justa causa, ou seja, à impossibilidade de manutenção da relação de trabalho?
Como já se deixou exarado considera-se que a justa causa só pode ter-se por verificada quando não seja exigível ao empregador, ponderadas todas as circunstâncias que no caso relevem, a permanência do contrato.
A perda ou quebra de confiança resulta da gravidade do acto.
Salvo o devido respeito, sendo o despedimento a última das sanções a aplicar, sendo a mesmo a pena de morte da relação laboral, só se justifica se efectivamente inexistir outra medida sancionatória que não seja adequada á gravidade dos factos.
Para a apreciação da justa causa de despedimento, o artigo 351, nº 3, manda atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
Ora, como mostram os factos provados, não deixa de ser relevante, como aliás, disso dá nota a sentença, que não podemos concluir que a recusa de frequentar a acção de formação profissional na segunda vez (uma vez que da primeira justificou a não comparência), acarretou à Ré prejuízos ou até que tal conduta fosse susceptível de destruir ou abalar seriamente a confiança no autor como seu trabalhador, ou de criar no espírito do empregador sérias dúvidas ou reservas sobre a idoneidade futura da sua conduta, até porque nem sequer estava em causa a prestação de trabalho propriamente dita. Aliás, não foi alegado que aquela acção de formação profissional fosse condição fundamental para o Autor continuar a desempenhar as suas funções na empresa da Ré.
Se assim é, também nos entendemos que a sanção aplicada – o despedimento - é desproporcionada, “uma vez que a violação do dever de participar em acções de formação profissional em nada alterou o modo de prestação do trabalho do autor, que, na altura, estava sem qualquer função”.
Assim, considera-se que, no presente caso, a sanção de despedimento é excessiva, na medida em que o comportamento do trabalhador não é enquadrável nos nºs 1 e 3 do artigo 351º do Código do Trabalho, tendo em conta que a sanção deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, conforme dispõe o nº 1 do artigo 330º do mesmo Código, não sendo os factos, apesar de revestirem alguma gravidade, susceptíveis de criarem uma situação geradora de uma absoluta necessidade de fazer fracturar a relação laboral.
Sendo assim, os factos não integram causa que justifica o despedimento, sendo o mesmo ilícito (artigo 381º, nº 1, alínea b) do CT).
Por todas estas razões, improcede o recurso, mantendo-se a sentença recorrida nesta parte.
◊◊◊
2.3.
DO RECURSO DO AUTOR
2.3.1.
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS

O Autor/recorrente alega ter sofrido danos não patrimoniais em virtude dos eu despedimento ilícito, pelo que deve ser indemnizado.
A sentença recorrida não concedeu qualquer indemnização a este título, uma vez que não se logrou provar quaisquer factos consubstanciadores da mesma.
Vejamos:
Os danos não patrimoniais podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral duma pessoa, podendo concretizar-se, por exemplo, em dores físicas, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrentes de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc.
Os prejuízos não patrimoniais são aqueles que se verificam em relação a interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária, interesses de ordem espiritual[25].
De acordo com o artigo 496º, nº 1 do Código Civil «[n]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».
A apreciação da gravidade dos danos desta natureza reclama o recurso a “um critério o mais objectivo possível e em que o juiz se possa desprender da atribuição de reparações a casos em que o sofrimento ou a dor dependam, exclusivamente, de sensibilidades particularmente requintadas, portanto, anormais”[26], ou seja, tal apreciação ou validade da sua gravidade tem de aferir-se segundo um padrão objectivo, e não á luz de factores subjectivos[27], sendo, nessa linha, orientação consolidada na jurisprudência, “com algum apoio na lei”, que as simples contrariedades ou incómodos apresentam “um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do n.º 1 do art. 496º”[28].
Por outro lado, deveremos atender que “dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade de uma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação”[29].

Não são, porém, merecedores da tutela do direito os meros incómodos, as indisposições, preocupações e arrelias comuns. Obviamente, a obrigação de indemnizar terá de se fundamentar num facto ilícito e culposo da Ré causador de danos (não patrimoniais) ao Autor.
São pressupostos exigidos pelo artigo 483º do Código Civil, para que exista obrigação de indemnizar, a violação de um direito ou interesse alheio, a ilicitude, o vínculo de imputação do facto ao agente, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano[30].
Compete ao autor a prova da factualidade que integre os pressupostos que permitiam a verificação da existência da obrigação de indemnizar – artigo 342º, nº 1 do Código Civil.

Além do mais, no âmbito laboral, a reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelos trabalhadores em consequência de despedimento ilícito encontra-se expressamente prevista no artigo 389.º, n.º 1. al. a) do Código do Trabalho, havendo lugar a ela sempre que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil acima aludidos, ou seja, sempre que o despedimento seja considerado ilícito, culposo e cause, directa e necessariamente, danos não patrimoniais ao trabalhador que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Ora, aproximando estes critérios balizadores às concretas circunstâncias dos factos e suas consequências, julgamos que a situação configurada não atinge aquele mínimo que, objectivamente, se coloque num grau de intensidade consideravelmente superior ao da posição de qualquer outro trabalhador vítima de um despedimento ilícito.
Como se diz no Acórdão desta Secção de 18/11/2013[31] «[n]ão basta, assim, alegar e provar que o despedimento causou danos não patrimoniais; não basta alegar e demonstrar, como sucedeu no caso presente, que o despedimento causou mágoa e tristeza. Por regra, como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16/01/2008, Pº 7884/2007-4, consultável em www.dgsi.pt, “todos ou quase todos os trabalhadores vítimas de despedimento ficam magoados, tristes, frustrados, ansiosos, angustiados e deprimidos, mas estas situações não justificam, só por si, a atribuição de uma indemnização. É necessário que essa mágoa, essa angústia, essa ansiedade, essa depressão sejam graves, e para aferir essa gravidade é necessário caracterizar, com elementos de facto concretos, cada uma destas situações; é necessário alegar e demonstrar que cada uma destas situações causou ao trabalhador danos relevantes, isto é, danos graves, pois, como resulta do art. 496º, n.º 1 do Cód. Civil, o juiz na fixação da indemnização deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Quer isto dizer que só quando o trabalhador demonstre que sofreu danos não patrimoniais graves, em consequência de um despedimento declarado ilícito é que o mesmo tem direito a ser indemnizado.
Ora o que se verifica no caso em apreço é que apenas se encontra provado que a A. sentiu mágoa e tristeza pelo despedimento que lhe foi imposto pela Ré.
De modo que esses danos, sem qualquer outro elemento de caracterização adicional, não se podem julgar suficientemente graves para serem ressarcidos.”.

Também nós sufragamos este entendimento, pois a exposição feita cabe que nem uma luva no presente caso. Na verdade, no caso em apreço apenas se provou o Autor com o seu despedimento ficou abalado, desesperado e triste, tendo tido algumas dificuldades em assumir os compromissos familiares do seu agregado familiar, composto pela esposa, e duas filhas (uma enfermeira e outra estudante de direito em Coimbra).
De modo que esses danos, sem qualquer outro elemento de caracterização adicional, não se podem julgar suficientemente graves para serem ressarcidos, na medida em que eles são medianos e comuns todos os trabalhadores que sofram um despedimento ilícito.
Assim, improcede o recurso do Autor nesta parte, sendo de manter a sentença recorrida.
◊◊◊
2.3.2.
CARIZ RETRIBUTIVO DO SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO

O recorrente pretende que a sentença recorrida seja revogada na parte em que não condenou a Ré no pagamento do subsídio de alimentação, desde a data do despedimento ilícito e abusivo até ao trânsito em julgado da sentença que reconheceu essa mesma ilicitude, uma vez que tal subsídio tem carácter retributivo.

A sentença recorrida julgou este pedido improcedente na medida em que defendeu que «as quantias reclamadas a título de subsídio de alimentação que se venceriam se o contrato se mantivesse em execução, porque simplesmente, não são retribuição. No que respeita ao subsídio de refeição, o legislador entende actualmente que o mesmo não consubstancia, em princípio, retribuição, uma vez que não preenche um dos critérios necessários para a caracterização da sua natureza como retributiva: a correspectividade relativamente à prestação de trabalho (artigo 260º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Código do Trabalho).
Por isso, não sendo retribuição, não integra a compensação prevista no nº 1 do artigo 390º do Código do Trabalho.”

Vejamos:

O artigo 258º do CT, sob a epígrafe “ Princípios gerais sobre a retribuição”, dispõe da seguinte forma:
“1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 - À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.”

Por sua vez, o artigo 260º sobre a epigrafe “Prestações incluídas ou excluídas da retribuição”, estatui que:
“1 - Não se consideram retribuição:
a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador;
b) As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa;
c) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido;
d) A participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurada pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho.
2 - O disposto na alínea a) do número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição.
3 - O disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 não se aplica:
a) Às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele;
b) Às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respectivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante.”

Da conjugação destes normativos resulta que, em princípio, o subsídio de alimentação não constituirá retribuição. Só no caso de o seu valor exceder largamente o gasto que pretende compensar (“na parte que exceda os respectivos montantes normais” – alínea a), do nº 1 do artigo 260º do CT), é que deverá ser considerado retribuição.
Ora, no caso em apreço, o autor não logrou provar (artigo 342º, nº 1 do CC), como lhe competia, que tal importância excedeu os montantes normais e que nessa parte (que excedeu os respectivos montantes normais), tenha sido prevista no contrato ou se deva considerar pelos usos como elemento integrante da sua retribuição.

Como é sabido, a declaração de ilicitude do despedimento implica, nos termos do nº 1 do artigo 390º do CT, inter alia, que o trabalhador tenha direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.
A declaração judicial da ilicitude do despedimento, determinando a invalidade desse facto extintivo da relação contratual laboral, implica que juridicamente tudo se deve passar como se essa relação nunca tivesse sido interrompida.
Assim, a condenação da entidade empregadora nos termos do nº 1 do artigo 390º é a regra, sendo as deduções contempladas no nº 2 do mesmo artigo a excepção, cuja finalidade tem em vista aproximar, tanto quanto possível o montante das retribuições vencidas até à data do trânsito em julgado da sentença ao prejuízo efectivamente sofrido pelo trabalhador e evitar situações de dupla fonte de rendimentos, socialmente injustificadas. Decidido que o despedimento foi ilícito, a entidade empregadora é condenada a reintegrar o trabalhador, se este não optar em sua substituição pela indemnização e a pagar-lhe as remunerações como se nunca tivesse sido despedido.

A decisão da entidade empregadora de despedimento do trabalhador que foi declarada ilícita – aqui se englobando a decisão que preventivamente suspendeu o trabalhador - tem como consequência que este deixe de poder prestar a sua actividade laboral, já que o afastamento unilateral por parte da primeira, impede o trabalhador de prestar o seu trabalho. Como salienta PEDRO FURTADO MARTINS[32] “[e]ste impedimento, mercê da natureza da prestação, gerou a impossibilidade (definitiva) da prestação, com a consequente exoneração do devedor-trabalhador (exoneração que, evidentemente, respeita apenas ao período temporal que medeia entre o despedimento e a sentença).
Mas a exoneração do trabalhador não significa que ele deixe de ter direito à contraprestação, sendo o empregador condenado a pagar «o valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à sentença». Verifica-se uma situação de impossibilidade imputável ao credor e, como estamos perante um contrato bilateral, segue-se a regra do artigo 795º do Código Civil, nos termos da qual o credor não fica desobrigado da contraprestação.”
E mais à frente acrescenta o mesmo autor que estando «em causa o cumprimento da obrigação retributiva, a condenação do empregador nos termos do artigo 390º, 1 abarca a generalidade das prestações que integram a retribuição, em sentido laboral, que o trabalhador foi impedido de auferir e não apenas a reconstituição correspondente às retribuições-base. Tal pressupõe a reconstituição da situação remuneratória que teria existido caso o despedimento ilícito não tivesse tido lugar, o que nem sempre será fácil.
Em regra, o dever de pagar as retribuições vencidas abarcará a generalidade das prestações com natureza de retribuição que seria suposto o trabalhador auferir no período em análise, incluindo a retribuição-base e os complementos retributivos de atribuição certa e valor fixo a que o mesmo tinha direito se executasse o trabalho.
(…)
Diferente é a situação quanto a prestações sem natureza retributiva, ainda que conexas com a execução do trabalho e podendo representar um benefício ou uma vantagem para o trabalhador. Assim, por exemplo, consideramos que não se inclui nos salários intercalares a generalidade das prestações referidas no artigo 260º, 1, a) e 2, como sejam ajudas de custo, abono de viagens, despesas de transporte, deslocações e alojamento, subsídios de refeição ou abonos para falhas»[33].

Ora, não tendo no caso o subsídio de refeição natureza retributiva, o mesmo não faz parte da componente retributiva a que alude o nº 1 do artigo 390º do CT. Assim, o recorrente/trabalhador não tem direito a receber o subsídio de alimentação que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declarou a ilicitude do despedimento.
Improcede, pois, nesta parte o recurso do Autor.
◊◊◊
3.
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
As custas dos recursos ficam a cargo de cada um dos respetivos recorrentes [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].
◊◊◊
◊◊◊
◊◊◊
IV
DECISÃO
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em:
a) Julgar improcedentes os recursos interpostos por C… e B…, S.A.”, e em consequência, manter a sentença recorrida.
b) Condenarem os Recorrentes no pagamento das custas dos respetivos recursos [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].
◊◊◊
Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663º, nº 7 do CPC.
◊◊◊
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 131º nº 5 do Código de Processo Civil).

Porto, 06 de Outubro de 2014
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
______________
[1] Iremos chamar “Ré” à entidade patronal e “Autora” à trabalhadora. Isto porque o legislador nos normativos em que regulou a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, não chama “autor” ao trabalhador, nem “Ré” à entidade patronal. Na verdade, podemos constatar pela análise dos vários normativos que o legislador dispensou a utilização dos termos “autor” e “ré”, utilizando as expressões “trabalhador “e “empregador” (artigos 98ºF, 98º-G, 98ºH, 98º-I, 98º-J, 98º-L, 98º-N do CPT). A única referência que constatamos em que o legislador apelida o trabalhador de “ autor” é no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13 de Outubro, que aprovou as alterações ao actual CPT, ao referir que “A recusa, pela secretaria, de recebimento do formulário apresentado pelo autor é sempre passível de reclamação nos termos do Código de Processo Civil (CPC).”
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pp. 63/64.
[3] António Santos Abrantes Geraldes, obra citada, pp. 90 a 93.
[4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo 2103, Almedina, pp.126-127.
[5] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo 2103, Almedina, pp.127-128.
[6] Cfr. JOÃO AVEIRO PEREIRA, in O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil, O DIREITO, 2009, Tomo II, a págs. 318 a 320, nomeadamente; e Ac do STJ de 20/11/2003, de 8/3/06, de 13/7/06, disponíveis em www. dgsi.pt
[7] Na livre apreciação das provas, o juiz julga segundo a sua livre e prudente consciência a respeito de cada facto, removendo, muitas vezes, um “nevoeiro” que afasta a clara visibilidade de um determinado ângulo (depoimento limpo), socorrendo-se para tal da força da impressão que lhe causaram todas as provas, isoladamente ou no seu conjunto, numa visão prudente face à normalidade dos fenómenos [Ac. do STJ de 27/05/2010, processo 182/2001.S1, dgsi.pt].
[8] GUILHERME MACHADO DRAY, Justa Causa e Esfera Privada, Estudos do Instituto de Direito do trabalho, Vol. II, Justa causa de Despedimento, pág. 66.
[9] Cfr. MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª edição, pág. 899/900 e a jurisprudência aí mencionada na nota 239.
[10] In obr. Citada, pág. 900/901.
[11] No mesmo sentido o acórdão do STJ de 25/02/2009, processo 08S2461, www.dgsi.pt; PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, Abril 2002, p. 851-852 e ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, 1994, pág. 820/821. Sobre o assunto ver ainda NUNO ABRANCHES PINTO, Instituto Disciplinar Laboral, pág.71/75.
[12] Cfr. LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Direito do Trabalho, 2ª edição, pág. 481.
[13] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, obr. citada, pág. 821/822 e MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, obr. citada, pág. 901.
[14] MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, obr. citada, pág. 901.
[15] Cfr. NUNO ABRANCHES PINTO, Instituto Disciplinar Laboral, pág.76.
[16] Como diz MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, obr. citada, pág. 902, a gravidade pode ser reportada ao comportamento em si mesmo ou às consequências que dele decorram para o vínculo laboral.
[17] Cfr. MONTEIRO FERNANDES, in Direito do Trabalho, 15.ª edição, p. 592/598.
[18] Cfr. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, ob. cit. pág. 819.
[19] Cfr. MONTEIRO FERNANDES, obr. cit. pág. 595.
[20] Acórdãos do STJ de 30/09/2009, processo 09S623, e de 12/01/2011, processo 1104/08.7TTSTB.E1.S1, ambos in www.dgsi.pt.
[21] in R.L.J., 118º, 330 e ss.
[22] in “Da justa causa de despedimento no contrato de trabalho”, 1965, página 162
[23] DIOGO VAZ MARECOS, CÓDIGO DO TRABALHO ANOTADO, Coimbra Editora/Wolters Kluwer, p.331.
[24] Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, p. 85.
[25] PESSOA JORGE, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 373 e ss.
[26] Cfr RIBEIRO DE FARIA, Direito das Obrigações, I, 491.
[27] ANTUNES VARELA, “Obrigações em Geral”, I, 9ª ed., 628.
[28] Acórdão do STJ de 11/5/98, processo 98A1262, www.dgsi.pt.
[29] Ac. de 5/6/79, CJ IV, 3, 892, referido no Acórdão do STJ de 24/05/2007, processo 07A1187, www.dgsi.pt.
[30] v. Prof. A. VARELA, Obrigações, I Vol., pag. 445
[31] Processo nº 1029/11.9TTVCT.P1, in www.dgsi.pt.
[32] PEDRO FURTADO MARTINS, Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª Edição, 2012, Principia, p 437.
[33] PEDRO FURTADO MARTINS, obra citada, pp. 438 a 440.
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SUMÁRIO – a que alude o artigo 663, nº 7 do CPC.
I - “É parte vencida aquela que é objectivamente afectada pela decisão, isto é, que não tenha obtido a decisão favorável aos seus interesses. O autor é parte vencida se a sua pretensão foi recusada, no todo ou em parte, por razões de forma ou fundo.
II - O que sobreleva é o resultado final e não tanto o percurso trilhado pelo tribunal para o atingir. O autor não deixa de ser parte vencedora se a sua pretensão foi acolhida, ainda que sem a argumentação jurídica aduzida.
III - O mecanismo do recurso não foi criado para dirimir questões puramente académicas ou para mero conforto moral, sem qualquer repercussão no resultado da lide, antes para alterar ou revogar a decisão final.
IV - Destarte, ainda que a parte destinatária de uma decisão favorável seja confrontada com uma resposta negativa a algum ou a todos os argumentos que usou, não fica legitimada a interpor recurso. A atendibilidade de outros fundamentos, para além dos que foram considerados na decisão, é matéria que a parte vencedora eventualmente deve introduzir nas contra-alegações do recurso que seja interposto pela parte vencida, nos termos do artigo 636º, nº 1, por forma a assegurar o resultado já obtido, ainda que por uma via diversa da que foi trilhada para produzir a decisão recorrida.
V – Assim, recorrendo o recorrente não para alterar ou modificar a decisão que declarou a ilicitude do seu despedimento, mas tão só para ver satisfeito um dos seus fundamentos aduzidos – não violou qualquer dever laboral a que estava adstrito – e, não tendo esta questão qualquer repercussão na decisão final e no objetivo pretendido e alcançado (o reconhecimento da ilicitude do despedimento), carece de legitimidade para interpor o recurso.
VI – Nesta situação o recorrente/autor, como parte vencedora na questão, deveria eventualmente ter introduzido esta questão nas contra-alegações do recurso que foi interposto pela parte vencida, nos termos do artigo 636º,nº 1 e 2, por forma a assegurar o resultado já obtido, ainda que por uma via diversa da que foi trilhada para produzir a decisão recorrida.
VII - Da conjugação dos artigos 358º e 360º do Código do Trabalho resulta que, em princípio, o subsídio de alimentação não constituirá retribuição. Só no caso de o seu valor exceder largamente o gasto que pretende compensar (“na parte que exceda os respectivos montantes normais” – alínea a), do nº 1 do artigo 260º do CT), é que deverá ser considerado retribuição.
VIII - Em regra, o dever de pagar as retribuições vencidas abarcará a generalidade das prestações com natureza de retribuição que seria suposto o trabalhador auferir no período em análise, incluindo a retribuição-base e os complementos retributivos de atribuição certa e valor fixo a que o mesmo tinha direito se executasse o trabalho.
IX - Diferente é a situação quanto a prestações sem natureza retributiva, ainda que conexas com a execução do trabalho e podendo representar um benefício ou uma vantagem para o trabalhador. Assim, por exemplo, consideramos que não se inclui nos salários intercalares a generalidade das prestações referidas no artigo 260º, 1, a) e 2, como sejam ajudas de custo, abono de viagens, despesas de transporte, deslocações e alojamento, subsídios de refeição ou abonos para falhas.
X - Não tendo no caso o subsídio de refeição natureza retributiva, o mesmo não faz parte da componente retributiva a que alude o nº 1 do artigo 390º do CT. Assim, o recorrente/trabalhador não tem direito a receber o subsídio de alimentação que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declarou a ilicitude do despedimento.
XI - A justa causa substrato do despedimento só pode ter-se por verificada quando não seja exigível ao empregador, ponderadas todas as circunstâncias que no caso relevem, a permanência do contrato.
XII – é desproporcionado o despedimento numa situação em que o trabalhador falta a uma acção de formação, uma vez que a violação do dever de participar em acções de formação profissional em nada alterou o modo de prestação do trabalho do autor, que, na altura, estava sem qualquer função.

António José Ramos