Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
996/13.2JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RP20160504996/13.2JAPRT.P1
Data do Acordão: 05/04/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 677, FLS.168-178)
Área Temática: .
Sumário: I – A dúvida que fundamenta o princípio in dubio pro reo terá de ser insanável, razoável objetivável.
II – A dúvida insanável pressupõe que houve todo o empenho e diligência do tribunal noa esclarecimento dos factos sem que tenha sido possível ultrapassar o estado de incerteza.
III – Se a opção de julgador se apresenta como uma possibilidade não demonstrada nem esclarecida, e não faz qualquer diligência probatória, no sentido de ultrapassar tal situação, não é possível afirmar a existência de uma dúvida insanável ou inultrapassável capaz de fazer funcionar o princípio in dubio pro reo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO PENAL n.º 996/13.2JAPRT.P1
Secção Criminal
Secção Judicial
CONFERÊNCIA

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Jorge Langweg

Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
No processo comum, com intervenção de tribunal singular, n.º 996/13.2JAPRT, da Comarca do Porto Este, Lousada – Instância Local – Secção Criminal-J1, por sentença proferida a 9 de Julho de 2015[1], foi o arguido B…, com os demais sinais dos autos, absolvido da prática do crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo art. 171º, n.º 1, do Cód. Penal que lhe estava imputado.
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Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões: (transcrição)
a) Nos presentes autos foi deduzida acusação contra o arguido B…, imputando-lhe a prática de um crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art.º 171.º/1 do Código Penal.
b) Por sentença de 09/07/2015 foi absolvido o arguido do crime de que vinha acusado.
c) Todavia da leitura da sentença resulta a existência de erro notório na apreciação da prova, já que existe contradição entre factos dados como provados e factos dados como não provados, bem como violação clara das regras da experiência comum.
d) Com efeito, a douta sentença considerou como provado, além do mais que: “o arguido era amigo de C… e de D… progenitores da menor E…; Em data indeterminada do mês de agosto de 2012 o arguido ofereceu à menor E… um telemóvel de marca “LG”; a menor recebeu mensagens enviadas pelo telemóvel do arguido com o seguinte teor: “anda lá aproveitar e assim já sabes o que é fazer amor...sai comigo dou-te o que queres, ninguém precisa de saber”; Já na posse do segundo telemóvel de marca “Huawei” oferecido pelo arguido a ofendida continuou a receber, além de outras, as seguintes mensagens enviadas do telemóvel do arguido: No dia 10 de maio de 2013, pelas 11h12m “esta comigo quando queres sair aproveita que tens sorte”; b) No mesmo da pelas 11.25 horas “marca amanhã ou segunda anda ninguém sabe. Bjs”; c) seguidamente pelas 11h31m “marca dou tudo que queiras ninguém Sabe muitos bj gosto de ti”; d) pelas 15h35m “esta bem sabemos os dois muitos bjs” e que o arguido carregou por diversas vezes o telemóvel da ofendida E…. Que o arguido é reformado auferindo cerca de € 380 a título de reforma.”
e) Como não provado considerou a douta sentença, além do mais, os seguintes pontos: “As mensagens referidas foram enviadas pelo arguido. Agiu o arguido de forma deliberada, livre e consciente, com o propósito concretizado de molestar sexualmente a menor E… forçando-a, contra a sua vontade, à prática de ato sexual de relevo, bem sabendo que a sua conduta era de molde a impedir o livre desenvolvimento da personalidade e a autodeterminação da mesma o que representou. O arguido sabia que a sua conduta era prevista e punida por lei penal.”
f) A M.ma Juiz ao dar como não provados os factos supra descritos baseou a sua convicção nas declarações do arguido prestadas em sede de audiência de julgamento uma vez que este “negou ter enviado as mensagens em causa, explicando que tinha vários homens e rapazes a trabalhar para si que tinham livre acesso ao telemóvel, deste modo explicando a possibilidade de as mensagens terem sidas enviadas do seu telemóvel mas por outra pessoa”.
g) Ora, olvidou a M.ma Juiz que já havia dado como provado que o arguido é reformado auferindo cerca de €380 mensais a título de reforma.”
h) Assim sendo, não é compatível o facto “de o arguido ser uma pessoa reformada”, com o facto de ter “vários homens e rapazes a trabalhar para si”.
i) Na verdade estes factos além de configurarem uma contradição entre si, são também contrários às regras da experiência comum.
j) Mas, ainda que se admitisse a hipótese, como o fez a M.ma Juiz, de ter sido outra pessoa a enviar mensagens do telemóvel do arguido, o que, sublinhe-se, não é compatível com as regras da experiência, impunha-se ao tribunal esclarecer quem poderia ter sido, o que não fez, indagando nomeadamente:
- quantos eram os homens/rapazes a trabalhar para o arguido;
- quais eram as suas identidades;
- porque razão tinham livre acesso ao telemóvel do arguido;
- se conheciam a menor e as circunstâncias em que se deu tal conhecimento.
k) Ora, nada disso consta da douta sentença, quedando-se o tribunal na aplicação do confortável princípio ”In dubio pro reo”, e olvidando por completo a sua missão de carrear factos essenciais à descoberta da verdade material (se dúvidas existiam no seu espírito).
l) Na verdade e dando a sentença como provado que, o arguido era amigo de C… e de D…, progenitores da menor E…; que em data indeterminada do mês de agosto de 2012 o arguido ofereceu à menor E… um telemóvel de marca “LG”; que a menor recebeu mensagens enviadas pelo telemóvel do arguido com o seguinte teor: “anda lá aproveitar e assim já sabes o que é fazer amor...sai comigo dou-te o que queres, ninguém precisa de saber”, que “Já na posse do segundo telemóvel de marca “Huawei” oferecido pelo arguido a ofendida continuou a receber, além de outras, as seguintes mensagens enviadas do telemóvel do arguido: a) No dia 10 de maio de 2013, pelas 11h12m “ esta comigo quando queres sair aproveita que tens sorte”; b) No mesmo da pelas 11.25 horas “marca amanhã ou segunda anda ninguém sabe. Bjs”; c) seguidamente pelas 11h31m “marca dou tudo que queiras ninguém Sabe muitos bj gosto de ti”; d)pelas 15h35m “esta bem sabemos os dois muitos bjs”, que o arguido carregou por diversas vezes o telemóvel da ofendida E…”, fácil é de concluir, à luz das regras da experiência comum, que foi o arguido a enviar tais mensagens, ainda mais em face das declarações vagas do próprio, não comprovadas por qualquer meio de prova e contraditórias com a restante factualidade – nomeadamente com o facto de se encontrar desempregado.
m) Por outro lado, quanto às declarações da vítima para memória futura entendeu a M.ma Juiz que, estas “por si só e também face à parca circunstancialização dos alegados actos, não é suficiente para levar à condenação do arguido em tais termos, permanecendo a dúvida no espírito do julgador”.
n)Também aqui não se compreende o raciocínio do tribunal ao entender que a “circunstancialização” dos alegados factos foi parca e ao permanecer passivo não a chamando a menor/vitima a concretizá-los.
o) Ou seja o raciocínio desenvolvido pelo julgador contraria as mais básicas regras da experiência comum já que fazendo apelo a estas, e depois de lida a factualidade dada como provada e não provada e tendo em conta o raciocínio que conduziu às mesmas, teríamos de chegar à conclusão absolutamente contrária.
p) Assim, de harmonia com as regras da lógica e da experiência comum os factos dados como não provados nos pontos referidas em 3.2.5.; 3.2.9. e 3.2.10, estão julgados incorrectamente.
q) Na verdade, os factos dados como provados e não provados na sentença recorrida e a fundamentação que os justifica não formam um todo logicamente coerente, denotando os mesmos erro na apreciação da prova.
r) Em face de todo o exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por essa razão, ser a douta sentença revogada e substituída por outra que condene o arguido pela prática de um crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171.º/1 do Código Penal.
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Admitido o recurso, por despacho de fls. 321, não houve resposta.
Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto e bem sustentado parecer, acompanhando os fundamentos do recurso interposto e sufragando ainda a existência de nulidade da decisão, por insuficiência de fundamentação, a impor a respectiva reformulação pelo julgador.
Cumpriu-se o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo havido qualquer resposta.
Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência que decorreu com observância das formalidades legais, nada obstando à decisão.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Para além das matérias de conhecimento oficioso [v.g. art. 410º n.º 2, do Cód. Proc. Penal], são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [v., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo III, 2ª ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt].
Assim, no caso sub judicio o recorrente suscita a existência de erro notório na apreciação da prova.
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2. A fundamentação de facto realizada pelo tribunal a quo, na decisão recorrida e no que ao caso interessa, é a seguinte: (transcrição mantendo numeração original)
A) Factos Provados
3.1.1.- O arguido era amigo de C… e de D…, progenitores da menor E…, nascida a 8 de dezembro de 1998.
3.1.2.- Em data não apurada do mês de outubro de 2012 o arguido começou a frequentar a residência dos pais da menor, situada na Rua …, Lousada, todos os fins de semana, aí fazendo refeições aos domingos.
3.1.3.- Em data indeterminada do mês de agosto de 2012 o arguido ofereceu à menor E… um telemóvel da marca "LG".
3.1.4.- A menor recebeu mensagens no seu telemóvel enviadas pelo telemóvel do arguido com o seguinte teor: "anda lá aproveitar e assim já sabes o que é fazer amor... sai comigo dou-te tudo o que queres, ninguém precisa de saber".
3.1.5.- Já na posse do segundo telemóvel de marca "Huawei" oferecido pelo arguido a ofendida continuou a receber além de outras as seguintes mensagens enviadas do telemóvel do arguido: a) No dia 10 de maio de 2013, pelas 11h12m "esta comigo quando queres sair aproveita que tens sorte"; b) No mesmo dia pelas 11h25m "marca amanhã ou segunda anda ninguém sabe. Bjs"; c) seguidamente pelas 11h31m "marca dou tudo qe qeiras ninguém sabe muitos bj gosto de ti"; d) pelas 15h35m "esta bem só sabemos os dois muitos bj".
3.1.6.- Em face do frequente convívio com a menor e com os seus progenitores o arguido depressa se apercebeu da dinâmica do agregado familiar da E… de tal forma que deu conta que era a E… que ia todos os sábados a pé comprar pão a uma padaria situada entre … e ….
3.1.7.- Como a padaria era distante da residência da ofendida o arguido desde logo ofereceu-se para levá-la o que sucedeu por diversas vezes.
3.1.8.- O arguido carregou por diversas vezes o telemóvel da ofendida E….
3.1.9.- A conduta do arguido foi facilitada pela relação de confiança e amizade que existia com os progenitores da menor e pelo facto de ser visita assídua da sua casa.
3.2.1.- O arguido é reformado auferindo cerca de € 380 mensais a título de reforma.
3.2.2.- Ajuda economicamente o seu filho de acordo com as suas possibilidades.
3.2.3.- Vive com uma companheira, em casa arrendada que é paga por esta.
3.2.4.- Tem uma viatura automóvel de marca Citroen ….
3.2.5.- Tem uma coima imposta pelo Ministério do Ambiente, tendo pedido para pagar a mesma em prestações, no valor global de cerca de € 2.000.
3.2.6.- Por sentença proferida no âmbito do processo 416/05.6GNPRT que correu termos no 1º juízo criminal do Tribunal Judicial da Maia, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez na pena de 30 dias de multa à taxa diária de €2,50, e sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses, penas que se encontram extintas.
3.2.7.- Por sentença proferida no âmbito do processo 26/12.1GBPRD que correu termos no 1º juízo criminal do Tribunal Judicial da Paredes, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 70 dias de multa à taxa diária de €6,00, pena que se encontra já extinta.
3.2.8.- Por sentença proferida no âmbito do processo 71/13.0JAPRT que correu termos na secção criminal da instância local de Santo Tirso, Comarca do Porto, foi o arguido condenado pela prática de um crime de recetação e um crime de furto simples na pena única de 2 anos de prisão suspensa por igual período, sujeita a regime de prova.
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2) Factos Não provados
Nada mais com interesse para a presente causa resultou provado, nomeadamente que:
3.2.9.- O descrito em 3.1.3. foi na concretização de um plano previamente traçado pelo arguido para conquistar a intimidade da menor.
3.3.1.- As mensagens referidas em 3.1.4. foram enviadas pelo arguido, na concretização do mesmo plano, e nas mesmas aquele solicitava à menor encontros a sós em troca de bens ou quantias em dinheiro que ela pretendesse.
3.3.2.- Em data indeterminada no mês de outubro de 2012 o arguido foi com a E… comprar um outro telemóvel, porque o primeiro avariou e no percurso efectuado entre o café da Sede de …, local onde entrou no veículo do arguido e a loja, o arguido apalpou os seios da menor E….
3.3.3.- A ofendida repeliu a conduta do arguido tendo este reagido violentamente imprimindo maior velocidade ao veículo em que seguiam, de marca Mercedes de cor ….
3.3.4.- As mensagens referidas em 3.1.5. foram enviadas pelo arguido.
3.3.5.- Aquando do descrito em 3.1.7. o arguido pensou em levá-la à padaria e no percurso beijá-la e apalpá-la o que fez pelo menos em cinco datas distintas que não foi possível concretizar mas que ocorreram seguramente entre o mês de agosto de 2012 e o mês de outubro de 2012.
3.3.6.- De todas as investidas o arguido apenas logrou concretizar uma, conseguindo apalpar os seios e a vagina da menor, por fora da roupa.
3.3.7.- O descrito em 3.1.8. ocorreu entre outubro de 2012 e maio de 2013, na quantia de €7,5 mensais e tinha em vista silenciar a menor.
3.3.8.- Agiu o arguido de forma deliberada, livre e consciente, com o propósito concretizado de molestar sexualmente a menor E… forçando-a, contra a sua vontade, à pratica de ato sexual de relevo, bem sabendo que a sua conduta era de molde a impedir o livre desenvolvimento da personalidade e a autodeterminação da mesma o que representou.
3.3.9.- O arguido sabia que a sua conduta era prevista e punida por lei penal.
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C) FUNDAMENTAÇÃO
A convicção do tribunal no que se reporta aos factos dados como provados e não provados resulta da análise da totalidade de prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
Na verdade todos os ouvidos confirmam a relação de amizade estreita que surgiu entre o arguido e os pais da ofendida. O arguido confirma que ofereceu os telemóveis à menor, que frequentava frequentemente a casa da mesma, mas nega ter enviado as mensagens em causa, explicando que tinha vários homens e rapazes a trabalhar para si que tinham livre acesso ao telemóvel, deste modo explicando a possibilidade de as mensagens terem sidas enviadas do seu telemóvel mas por outra pessoa. Mais o arguido confirma que saía por vezes com a menor para ir à padaria, mas nega alguma vez ter tentado o que quer que fosse de cariz sexual com a mesma.
Quanto às declarações para memória futura prestadas pela menor E… importa realçar que a mesma afirma que o arguido a terá tentado beijar e apalpar os seios e a vagina, sempre por cima da roupa e nunca o tendo conseguido. Com aparente calma refere que o arguido lhe dava dinheiro que dizia ser para a sua mãe e a quem esta o entregava. Com clareza afirma que o arguido nunca conseguiu os seus aparentes intentos e realça que o mesmo nunca foi violento, nunca a tratou mal, mostrando-se sempre calmo. Ora deste relato poderia resultar uma tentativa de abuso sexual, mas por si só e também face à parca circunstancialização dos alegados factos, não é suficiente para levar à condenação do arguido em tais termos, permanecendo a dúvida no espírito do julgador.
F…, Inspetor da PJ prestou um depoimento sério e credível, mas mostrou-se pouco conhecedor dos factos em causa nos presentes autos, confirmando apenas a inquirição da menor e descrevendo o típico "predador sexual" de acordo com a sua experiência em casos semelhantes.
G…, Técnica da CPCJ de Lousada, conhece o arguido do contexto do processo de promoção e protecção de E… e dos seus 2 irmãos, que se encontravam sinalizados desde 2010 como crianças expostas a maus tratos. No que se refere ao caso concreto, esclarece apenas que com o passar do tempo a E… acabou por confidenciar que o arguido teria tentado apalpar-lhe os seios, mas que o travou e a situação não mais evoluiu.
Já H…, técnica Superior de Serviço Social da instituição onde se encontra actualmente a E… mostrou-se desconhecedora dos factos constantes da acusação, afirmando que a menor lhe confidenciou que o arguido lhe teria posto a mão na perna, mas que esta é uma questão não abordada directamente com a mesma já que ela procura evitá-lo e respeitam essa opção.
I…, amiga de E…, com 15 anos de idade, prestou um depoimento sério e credível, mas que em nada logrou ajudar o tribunal. Na verdade esta menor desconhece os factos em causa nos presentes autos, confirmando apenas que o arguido foi buscar a E… e a ela própria um dia à escola para almoçarem, afiançando que o mesmo não lhe faltou ao respeito por qualquer forma. Mais afirma que a E… nunca lhe confidenciou que o arguido tivesse abusado dela, ou tivesse sequer tentado abusar ou faltado ao respeito, embora lhe tivesse dito que o mesmo era amante da mãe e que saía com a sua irmã.
Por fim, D…, mãe da ofendida que prestou um depoimento pouco claro ou objectivo, não logrando convencer o tribunal dos factos acerca dos quais depôs.
Deste modo e face ao conjunto de prova produzida, se é certo que o tribunal não ficou convencido do absoluto altruísmo do arguido na ajuda a esta família, na compra dos telemóveis à menor e nas entregas de dinheiro a esta e à mãe, o certo é que permanece a dúvida acerca dos reais factos que terão ocorrido entre o arguido e a menor. Importa aqui realçar que em sede de direito penal não é ao arguido que se impõe que prova a sua inocência, mas sim à acusação que os factos ocorreram tal como descritos na mesma. Ora, face a tudo o exposto, forçoso será concluir que permanece a dúvida objectiva e insanável no espírito do julgador e, assim, sendo forçoso será concluir pela absolvição do arguido.
Assim, e no que se reporta à matéria de facto dada como não provada, atendendo ao já exposto, importa realçar o princípio in dubio pro reo que impera no nosso sistema jurídico penal português.
Na verdade, «O princípio "in dubio pro reo" pretende responder ao problema da dúvida na apreciação judicial dos casos criminais» (Cristina Líbano Monteiro, in Perigosidade de Inimputáveis e "in dubio pro reo", Studia Iuridica 24, Coimbra Editora, 1997, pág. 9).
Em matéria de prova no âmbito do processo penal, vigora sempre o princípio, constitucionalmente consagrado, da presunção de inocência do arguido. Estabelece o artigo 32°, n.°2 da Constituição da República Portuguesa que «Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa». Este preceito, englobando uma garantia, é de aplicação directa, nos termos do disposto no artigo 18° da nossa lei fundamental.
Já na Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada a 10 de Dezembro de 1948, se estabelecera no artigo 11º, n.º 1, que «toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas».
No sistema penal português, de estrutura acusatória, a presunção de inocência é o ponto de partida do julgamento, constituindo a primeira, e mais relevante, garantia do arguido. Esta presunção apenas é contrariada quando a acusação logra fazer prova dos factos imputados ao arguido, de forma a não deixar dúvidas no espírito do legislador, relativamente à veracidade daquelas.
Nesta medida, o primeiro dos corolários deste princípio é transmitido pelo brocado latino in dubio pro reo, ou seja, um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido, ou ainda, dito de outra forma, a dúvida sobre a realidade de um facto deve ser decidida a favor do arguido. O conteúdo do princípio da presunção de inocência consiste, pois, essencialmente na proibição da inversão do ónus da prova em detrimento do arguido.
No entanto, cumpre referir que os dois princípios não se confundem. Na verdade, acompanhamos Alexandra Vilela (in Considerações Acerca da Presunção de Inocência em Direito Processual Penal, Coimbra Editora, pág. 79) ao referir que «o que os distingue essencialmente é que se o princípio da presunção de inocência actua necessariamente em qualquer caso, o in dubio apenas actuará em caso de dúvida, como último recurso».
Estes princípios orientadores do processo penal ao nível da prova, além de constituírem uma garantia subjectiva, traduzem também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
Com efeito, a dúvida sobre a responsabilidade do arguido é, afinal, a razão de ser de um processo penal, sendo certo que é a própria lei que ficciona aquela dúvida, ao consagrar a presunção de inocência. Assim, quando o tribunal se digladia com dúvidas no tocante à versão da acusação, isto é, permanecendo duvidoso, face à prova produzida em audiência, que o arguido tenha praticado os factos de que vinha acusado, e sendo tal dúvida insuperável, impõe-se a absolvição daquele. Nestes casos, a condenação do arguido significaria a consagração de um ónus de prova a seu cargo, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade, ou seja, o princípio contrário ao da presunção de inocência.
Nas palavras de Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, volume I, pág. 213) «à luz do princípio da investigação bem se compreende, efectivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à "dúvida razoável" do tribunal, também não possam considerar-se como provados. E se, por outro lado, aquele princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido (...)».
Não se ignora que, para aplicação do princípio in dubio pro reo, é preciso que no espírito do julgador, ao pretender fixar a matéria de facto, se instale uma dúvida séria, honesta e com força suficiente para se tornar um obstáculo intelectual à aceitação da versão dos factos prejudiciais ao arguido.
É certo também que o facto de haver prova divergente não significa necessariamente que esteja fundada aquela dúvida.
Em suma, a dúvida que fundamenta o princípio in dubio pro reo terá de ser insanável, razoável e objectivável. Assim, a dúvida insanável pressupõe que houve todo o empenho e diligência do tribunal no esclarecimento dos factos, sem que tenha sido possível ultrapassar o estado de incerteza. Por outro lado, a razoabilidade implica que se trate de uma dúvida séria, argumentada e racional. Por fim, a dúvida deverá ser objectivável, ou seja, é necessário que possa ser justificada perante terceiros, o que exclui dúvidas arbitrárias ou fundadas em meras conjecturas e suposições.
Intimamente associado a esta questão está o princípio da livre apreciação da prova, previsto expressamente no artigo 127° do Código de Processo Penal, nos termos do qual, «a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente». Da redacção desta norma, necessariamente interpretada nos termos da constituição, infere-se que o legislador pretendeu impedir, que o julgador decida segundo o seu critério no que respeita aos factos duvidosos desfavoráveis ao arguido. Ou seja, para dar como provado determinado facto, o julgador deve estar convicto dele. Na dúvida, é-lhe imposto que opte pela solução que, em concreto, for mais favorável ao arguido.
Deste modo, para a operação intelectual (formação da convicção), contribuem regras impostas por lei, como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente impondo-se, por tal, a mediação e a oralidade e a da dúvida inultrapassável, conduzindo ao princípio in dubio pro reo.
De salientar, na sequência do que se deixou dito, que os princípios de presunção de inocência e in dubio pro reo estão associados ao princípio nullum crime sine culpa, pois que o princípio da culpa é violado se, não estando o juiz convicto sobre a existência dos pressupostos de facto, pronuncia uma sentença de condenação. Constituem, assim, a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta enquanto suporte axiológico-normativo da pena (artigo 40°, n.º 2 do Código Penal.
Com efeito, numa sociedade em que o valor primeiro é a pessoa humana, seria inaceitável que a condenação penal não tivesse por fundamento a certeza da culpa do condenado.
Para concluir, citamos o Ac STJ de 12 de Outubro de 2000(in www.dgsi.pt) que resume muito claramente o raciocínio explanado referindo que «"In dubio pro reo" é um princípio básico do direito processual penal probatório: existindo um laivo de dúvida, por mínimo que seja, sobre a veracidade de um facto em que se alicerça uma imputação, ninguém pode ser condenado com base nesse facto. Logo, a punição só pode ter lugar quando o julgador, face às provas produzidas, adquire a convicção da certeza da imputação feita ao acusado (se esta convicção de certeza não corresponder à realidade, então, haverá erro judiciário mas já não há violação daquele princípio)».
Ora, nos termos do raciocínio supra expendido, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento não nos permite concluir por outra forma que não a supra exposta.
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3. Apreciando do mérito.
3.1 Da validade formal e substancial da decisão
Consoante evidencia o já exposto, pese embora o Digno Recorrente tenha unicamente suscitado a existência de erro notório na apreciação da prova, acresce ainda questão relativa à perfectibilização da sentença proferida em resultado da sua eventual insuficiência de fundamentação.
Na verdade, o legislador, considerando o especial dever de fundamentação e o estrito regime imposto aos actos que revistam a forma de sentença [v. arts. 97º, n.ºs 1 a) e 5 e 374º a 377º, do Cód. Proc. Penal], autonomizou o regime das nulidades que a podem inquinar, relativamente ao regime geral previsto nos arts. 118º e segs., do Cód. Proc. Penal, consagrando tal cominação, entre o mais e no que ao caso importa, para a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2, do art. 374º, como decorre da previsão do art. 379º n.º 1 a), do citado diploma legal. E, a inobservância do dever de fundamentação assim imposto, é actualmente de conhecimento oficioso, atenta a redacção introduzida ao n.º 2, deste último normativo legal.
O referenciado art. 374º n.º 2, estatui que a fundamentação há-de constar, entre o mais, “de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
É consabido que o dever de fundamentação constitui um elemento indispensável para assegurar o efectivo exercício do direito ao recurso, constitucionalmente garantido pelo art. 32º n.º 1, da nossa Lei Fundamental (Constituição da República Portuguesa) e tornar funcional a relação entre o primeiro e o segundo graus de jurisdição. Ou seja, é a motivação que, por um lado, permite às partes não só ponderar melhor a necessidade e oportunidade da impugnação mas também individualizar e exprimir os seus motivos específicos e, por outro lado, que vai dotar o juiz de recurso de mecanismos – argumentação de facto e de direito - que hão-de fortalecer o juízo que terá que formular sobre os a sentença impugnada.
A indicação e exame crítico das provas não carece de qualquer resumo alargado ou a uma assentada descritiva de todo e cada um dos meios de prova produzidos, nem tão-pouco do cotejo pormenorizado do seu conteúdo, mas há-de ter em conta a complexidade e circunstâncias particulares de cada caso, de forma a possibilitar uma reconstituição do iter que conduziu a considerar cada facto provado ou não provado. Isto é, pretende-se a exteriorização clara e inequívoca do raciocínio seguido pelo tribunal na formação da convicção, de modo a tornar apreensível o juízo que o levou a proferir sua decisão em determinado sentido.
E, sendo ele compreensível e consentâneo com as regras de normalidade do acontecer, terá que concluir-se pela adequação e suficiência do exame crítico da prova, independentemente da sua maior ou menor extensão ou profundidade de análise.
No entanto, anomalias há que, tendo ainda a sua fonte na decisão recorrida, podem extravasá-la e inquinar, total ou parcialmente, o próprio julgamento, se não puderem ser colmatados no tribunal de recurso, como decorre do estatuído nos arts. 410º n.º 2, 430º n.º 1 e 431º a) e c), do Cód. Proc. Penal.
São vícios que devem patentear-se no texto da decisão, por si ou em conjugação com as regras de experiência, sem esforço de análise ou apelo a elementos que lhe sejam estranhos, o que justifica o seu conhecimento oficioso podendo, pois, ser declarados independentemente de requerimento nesse sentido ou mesmo que a impugnação se limite a matéria de direito.
O elenco legal destes vícios abrange nas alíneas do n.º 2, do citado art. 410º:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (reportada, essencialmente, a hiatos factuais que podiam e deviam ter sido averiguados e se mostram necessários à formulação de juízo seguro de condenação ou absolvição);
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (desdobrável em três hipóteses - contradição insanável de fundamentação, contradição entre os fundamentos e a decisão e contradição entre os factos); e
c) O erro notório na apreciação da prova (em regra associado desconformidades de tal modo evidentes que não passam despercebidas a qualquer pessoa minimamente atenta, ou seja é um erro patente que não escapa ao homem comum).[2]
Como anteriormente referenciado, in casu, foi também suscitada questão relativa à invalidade da decisão que, todavia, tendo em vista a gravidade das suas consequências, apenas se apreciará caso inexistam vícios do art. 410º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, ou, existindo, seja possível ultrapassá-los sem reenvio do processo, pois que enquanto a nulidade apenas afecta a decisão aqueles inquinam o próprio julgamento, sendo acto inútil repetir a sentença quando seja óbvia patologia que dita a anulação daquele.
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3.2 Do erro notório na apreciação da prova
Consoante se apura da síntese recursiva, o Digno Recorrente imputa o vício previsto no art. 410º, n.º 2 c), do Cód. Proc. Penal, à decisão recorrida numa dupla vertente:
i) É contraditório e viola as regras de experiência comum afirmar que o arguido é reformado e que tinha vários homens e rapazes a trabalhar para si;
ii) Considerando-se a possibilidade do envio das mensagens do telemóvel do arguido para os da ofendida ter sido realizado por terceiro e reputando-se de pouco circunstanciadas as declarações para memória futura que aquela prestou, impunha-se ao tribunal realizar as diligências necessárias a confirmar a primeira hipótese e a suprir a invocada deficiência.
Vejamos, então.
Relativamente à afirmada incompatibilidade factual afirmada pelo recorrente parece-nos que nenhuma razão lhe assiste.
Com efeito, não pode olvidar-se que as condutas delituosas se reportam aos anos de 2012 /2013 (altura, então, em que o arguido teria pessoas a trabalhar para si) enquanto a situação de reforma define a condição pessoal do arguido à data da audiência de julgamento, ou seja Junho/Julho de 2015. Ou seja, estando em causa momentos temporalmente diversos, é impossível sustentar a pretendida incompatibilidade factual[3].
Todavia, a questão é já bem diferente no tocante ao mais alegado.
Com efeito, pese embora as quase quatro páginas de transcrição de citações doutrinárias e jurisprudenciais a propósito do princípio in dubio pro reo e matérias conexas vertidas na decisão recorrida, em sede de motivação da convicção[4], cremos que o tribunal a quo não ponderou devidamente e em concreto o respectivo âmbito de aplicação e as implicações que o mesmo tem associadas, ao decretar a absolvição do arguido com base em dúvidas que a versão deste justificaria e que as declarações da ofendida não permitiriam afastar.
Com efeito, como decorre da fundamentação de facto supra transcrita [ponto C) Motivação], afirma o julgador que: “Não se ignora que, para aplicação do princípio in dubio pro reo, é preciso que no espírito do julgador, ao pretender fixar a matéria de facto, se instale uma dúvida séria, honesta e com força suficiente para se tornar um obstáculo intelectual à aceitação da versão dos factos prejudiciais ao arguido.
É certo também que o facto de haver prova divergente não significa necessariamente que esteja fundada aquela dúvida.
Em suma, a dúvida que fundamenta o princípio in dubio pro reo terá de ser insanável, razoável e objectivável. Assim, a dúvida insanável pressupõe que houve todo o empenho e diligência do tribunal no esclarecimento dos factos, sem que tenha sido possível ultrapassar o estado de incerteza[5]. Por outro lado, a razoabilidade implica que se trate de uma dúvida séria, argumentada e racional. Por fim, a dúvida deverá ser objectivável, ou seja, é necessário que possa ser justificada perante terceiros, o que exclui dúvidas arbitrárias ou fundadas em meras conjecturas e suposições.”
Sendo este, realmente, o contexto da actuação do princípio em causa, facilmente se intui que, na hipótese em apreço, é impossível afirmar a existência de dúvida insanável ou inultrapassável, apenas se vislumbrando a opção do julgador por uma “possibilidade”, apontada mas não demonstrada ou sequer suficientemente esclarecida, de utilização do telemóvel do arguido por terceiros, à revelia do dever de descoberta da verdade material que, entre outros, lhe impunha o art. 340º, do Cód. Proc. Penal, acrescida de uma dúvida nascida de declarações, segundo se diz pouco pormenorizadas da ofendida, mas sem a prática de qualquer acto visando suplantar tal deficiência sentida pelo julgador, mas dificilmente perceptível atentos os moldes em que foi exprimida.
Com efeito, não tendo o tribunal a quo tido o cuidado de esclarecer quem eram os rapazes ou homens com acesso ao telemóvel do arguido e em que termos é que este se fazia e bem assim o conhecimento da ofendida e respectivo número de telemóvel por parte dos mesmos, é óbvio que não está sequer em causa uma dúvida séria, quanto mais intransponível.
E, as íntimas dúvidas do tribunal a quo em resultado de pretensas deficiências/insuficiências das declarações da ofendida, nem sequer são explanadas em termos perfeitamente compreensíveis, claros ou racionais, desconhecendo-se se estamos perante uma questão de falta de credibilidade (e porquê?) ou antes de mera omissão de pormenorização espácio-temporal[6], sendo certo que, também aqui, nada fez o julgador no sentido de tentar ultrapassar a incerteza que sentia, limitando-se a invocar o princípio in dubio pro reo.
É, pois, manifesto o recurso indevido a tal princípio para legitimar a absolvição pois que as dúvidas referenciadas não atingem a densificação que o próprio julgador lhe atribuiu.
Todavia, tal patologia não pode ser resolvida, sem mais, já que impõe a realização de diligências probatórias que escapam ao âmbito de apreciação e decisão deste tribunal ad quem até porque, não tendo havido impugnação da matéria de facto, nos termos previstos no art. 412º, n.ºs 3 e 4, do Cód. Proc. Penal, está vedada a reapreciação da prova produzida.
É que, sendo manifestamente insuficiente para o fim em vista, tal como se apresenta e foi aceite pelo tribunal a quo, também não é possível descartar, sem mais, a tese do arguido e dar como assente a factualidade que o julgador considerou como não provada [tal apenas seria viável se existisse a já afastada incompatibilidade entre a provada situação de reforma do arguido e a de ter indivíduos do sexo masculino a trabalhar para si].
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3.3 Resumindo e concluindo
Considerando o supra exposto é inegável que a decisão recorrida enferma de erro notório por concessão de excessiva latitude ao princípio in dubio pro reo, assentando a absolvição em objecções probatórias pouco consistentes e facilmente transponíveis, mas dependentes de prova a produzir, circunstância que integra o vício previsto no art. 410º n.º 2 al. c), do Cód. Proc. Penal.
Nesta conformidade e tendo presentes os segmentos anteriormente assinalados, considerando-se já definitivamente assente a factualidade provada nos pontos 3.1.1. a 3.1.9., forçosa é a conclusão que haverá que recolher e esclarecer devidamente toda a matéria dada como não provada [pontos 3.2.1 a 3.2.10) relativa à autoria do envio das mensagens à menor, contornos da actuação do arguido - seja na compra dos telemóveis seja nos imputados contactos e investidas de cariz sexual à pessoa da ofendida - e bem assim ao elemento subjectivo da infracção, dando-a por provada ou não provada consoante juízo probatório que há-de contemplar a prova indicada nos autos ou, se necessário à boa decisão da causa e descoberta da verdade material, a produzir ao abrigo e nos termos previstos nos arts. 271º, n.º 8 e 340º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Penal.
Deverá ainda, sendo o caso, actualizar-se a condição pessoal, familiar e económica do arguido e suprir-se a manifesta insuficiência na descrição dos seus antecedentes criminais já que é essencial referir, pelo menos, a data dos factos (aferição da proximidade temporal) e a da condenação respectiva (avaliação se é anterior ou posterior à conduta que se aprecia nos autos).
Concluindo-se, pois, que a sentença recorrida enferma, além do mais, de vício insuprível nesta sede, outro caminho não resta senão o de ordenar o reenvio para novo julgamento relativamente às questões supra referenciadas, de harmonia com o disposto nos arts. 426º n.º 1 e 426º-A, do Cód. Proc. Penal, devendo ser proferida nova decisão devidamente expurgada das demais patologias anotadas.
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação julgar o recurso interposto pelo Ministério Público procedente por provado e, consequentemente, decretar, nos termos dos arts. 426º n.º 1 e 426º-A[7], do Cód. Proc. Penal, o reenvio parcial do processo para novo julgamento restrito à elucidação das questões supra enunciadas.
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Sem tributação – art. 513º n.º 1, do Cód. Proc. Penal.
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[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP]

Porto, 4 de Maio de 2016
Maria Deolinda Dionísio
Jorge Langweg
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[1] Processo movimentado com grande atraso pela secção da 1ª instância apenas notificando a admissão do recurso por ter entrado ofício dirigido aos autos, quase dois meses depois de o despacho ter sido proferido, tudo a demandar especial atenção dos Ex.mos Magistrados e Escrivão respectivos.
[2] Cf. Ac. do STJ de 5/12/2007, Processo n.º 07P3406, disponível in dgsi.pt., e Leal-Henriques e Simas Santos, “Código de Processo Penal Anotado”, vol. II, 2ª edição, pág. 740, em anotação ao artigo 410º.
[3] Isto sem sequer levar em conta o facto - bem conhecido - dos inúmeros “reformados” que continuam a trabalhar para aumentar os rendimentos.
[4] Trabalho perfeitamente inglório e, salvo o devido respeito por opinião contrária, perfeitamente desnecessário já que, estando no campo da motivação de facto, cumpre apenas ao tribunal a quo esclarecer, tão claramente quanto possível, as razões da sua opção em sede probatória e não fazer extensas incursões jurídicas. Há que conhecer e aplicar as regras e princípios e não discorrer sobre eles em termos académicos.
[5] Sublinhado nosso.
[6] Aqui entronca claramente a sindicada insuficiência de fundamentação da decisão, na vertente do exame crítico das provas, cuja regularização não lograria, porém, suprir a inércia do julgador relativamente à (in)validação do meio probatório em causa.
[7] O julgamento compete ao mesmo tribunal mas ficando impedido o juiz que presidiu ao anterior.