Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2236/14.8T8VNG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: MÉDICO
ACTO MÉDICO
DANO
RESPONSABILIDADE MÉDICA
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
CULPA
NEXO DE CAUSALIDADE
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
OBRIGAÇÃO DE MEIOS E RESULTADOS
LEGES ARTIS
PROVA DA PRIMEIRA APARÊNCIA
Nº do Documento: RP202107012236/14.8T8VNG.P2
Data do Acordão: 07/01/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Inexistindo um vínculo contratual entre a autora-lesada, utente do Serviço Nacional de Saúde, e as 1ª e 2ª rés, terapeuta e entidade privada convencionada que celebrou convenção com o Estado destinada a regular a prestação de cuidados de reabilitação e fisioterapia no âmbito do SNS é indubitável o enquadramento da responsabilidade pela prestação de cuidados de saúde no domínio da responsabilidade civil extracontratual por atos ilícitos, incumbindo ao lesado o ónus de alegar e provar os fatos integradores dos pressupostos dessa responsabilidade.
II - Na apreciação dos factos integradores da ilicitude e da culpa importa verificar se os atos ou eventuais omissões do prestador de cuidados de saúde violaram no caso em concreto as leges artis que se impunham seguir.
III - Na actividade probatória que incumbe ao autor lesado assume particular importância a prova de primeira aparência que se baseia no decurso típico dos acontecimentos, assentando numa presunção judicial ou natural.
IV - A execução pelos técnicos de fisioterapia dos tratamentos prescritos aos pacientes consubstancia um processo dinâmico, porquanto, nessa execução podem ocorrer reacções adversas por parte dos pacientes, as quais, exigem que aqueles técnicos monitorizem os doentes para ver se a execução dos tratamentos se revela adequada e, em caso negativo, devem avisar o médico fisiatra, suspendendo a execução dos tratamentos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2236/14.8T8VNG.P2

Acordam os Juízes da 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto.

I.RELATÓRIO
A autora B…, casada, residente na rua …, .., Habitação nº …, ….-… Maia, instaurou a presente acção declarativa de condenação com forma comum contra
1ª – C…, NIF ………, solteira, maior, residente na Rua … (…), nº …, ….-… …, Lousada, com domicílio profissional na Avenida …, n.º …, ….-… Vila Nova de Gaia
2ª – D…, Lda., pessoa colectiva de responsabilidade limitada com o número único de identificação ………, com sede na Avenida …, n.º …, ….-… Vila Nova de Gaia
Pedindo a condenação das Rés nos seguintes termos:
«a) deverá a presente acção ser julgada totalmente provada e procedente, em consequência, condenando-se as rés, solidariamente, a pagar à autora a quantia de vinte mil euros a título de indemnização pela violação ilícita dos direitos desta, acrescida de juros de mora legais desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento. b) seja a 2ª ré D…, Lda. instada a vir indicar aos autos a identificação da companhia de seguros e bem assim o número de apólice que titulava o contrato de seguro válido e em vigor no dia 4 de novembro de 2011 que cobria os riscos da sua actividade e da actividade dos profissionais ao seu serviço, contra quem se deverá considerar formulado o pedido constante da alínea anterior, mediante o respectivo chamamento a juízo.»
A autora alega em síntese que depois de ter sido submetida uma cirurgia, denominada abdominoplastia, foi encaminhada no âmbito do Serviço Nacional de Saúde para os serviços da 2ª ré com o propósito de aí realizar sessões de fisioterapia, o que veio a verificar-se.
Mais alega que numa das sessões de fisioterapia, após a colocação da almofada térmica que ainda se encontrava quente, a pele do abdómen onde havia sido colocada estava empolada e avermelhada, pois que a almofada térmica de tratamento quente ficou mais tempo do que deveria sobre o abdómen da autora. Não obstante, foi realizada a fase seguinte consistente na realização de uma massagem. A autora alega os danos resultantes destes factos e imputa-os às rés.
As rés e a interveniente contestaram.
A 1ª ré dizendo que se limitou, em todas e cada uma das sessões, a executar o tratamento prescrito pelo médico fisiatra, a saber: depois de retirar o calor húmido da panela de água quente e de o envolver em oito camadas de toalhas nos termos anteriormente descritos, colocou o mesmo sobre o abdómen da Autora, por cerca de vinte minutos posto o que iniciaria a massagem. A pele não se encontrava empolada e avermelhada. Alega que mesmo que a Autora tivesse permanecido com o calor na zona abdominal por período de tempo superior aos referidos vinte minutos, nunca deste facto teria resultado a produção de queimaduras porque a partir do momento em que o calor é retirado da panela de água quente começa, automaticamente, a arrefecer, dado que deixa de estar ligado a qualquer fonte calorífica — sendo que o referido calor não tem capacidade para reter a temperatura a que sai da panela mais de dez minutos —. A ré alega que durante a realização da massagem verificou que a pele a nível superior da cicatriz tinha lacerado cerca de um centímetro e questionou a Autora se teria sentido algo diferente por comparação com os tratamentos anteriores, tendo a mesma respondido que não. Foi feito o teste da sensibilidade. Nenhum dos demais clientes que usaram botijas saídas da mesma panela de aquecimento reportaram queixas. Alega a 1ª Ré não adoptou qualquer comportamento que possa consubstanciar infracção ao modo definido de execução dos tratamentos de fisioterapia previamente prescritos.
A 2ª ré excepcionou a prescrição e, sem prescindir, confirma que a autora se lhe dirigiu após cirurgia para a realização de sessões de fisioterapia enquadradas no pós-operatório. As sessões iniciaram em Outubro de 2011 e com uma frequência de 2/3 por semana. Alega que na sexta sessão e após retirar a almofada térmica, a pele da autora apresentava alguma vermelhidão na pele, tendo por esse motivo a fisioterapeuta suspendido a massagem habitual, no fim da sessão. A 2ª ré explica detalhadamente os procedimentos a que foi sujeita a autora e alega que a fisioterapeuta seguiu todos os procedimentos correctos e normais na situação, não derivando da sua actuação as lesões que a autora apresenta, procedimento que é efectuado diversas vezes ao dia, em vários pacientes, sem qualquer lesão, sendo que no dia em que a autora alega ter ocorrido o sinistro, mais nenhum paciente atendido nesse dia (ou no dia anterior ou no dia seguinte) manifestou qualquer queixa ou alegou ter sofrido qualquer lesão, não tendo havido qualquer alteração da temperatura dos materiais usados. Alega que a autora deixou de comparecer aos tratamentos que haviam sido determinados.
A interveniente E… - Companhia de Seguros, SA alega que entre a 2ª R. e a incorporante F…, SA foi celebrado um contrato de seguro do ramo “Responsabilidade Civil Geral” com inicio em 13/8/2011, pelo prazo de um ano e seguintes, renovável automaticamente, se não denunciado, nos termos e com a antecedência legal, como as condições particulares da apólice n.º 8371876. Alega que resulta das CPA que as condições gerais aplicáveis são as nº 22 e que resulta das normas de delimitação negativa das coberturas, concretamente do art.º 6º das CGA que «o presente contrato nunca garante os danos: a) Decorrentes de responsabilidade civil profissional». Concluindo, a interveniente na sua contestação que a enunciação de um direito de regresso contratual da 2ª R. sobre si jamais teria a cobertura da apólice em questão, dado que os danos reclamados pela A. não decorrem de nenhum acidente decorrente do risco de exploração do estabelecimento, mas do alegado cumprimento defeituoso dos serviços clínicos de fisioterapia prestados à A. por assim terem sido contratualizados com a 2ª R. e efectuados pela 1ª R. no acto que estará na causa dos danos, por isso, excluída da cobertura da apólice. Alega também a interveniente que o doc.2 junto com a contestação da 2ª R. se reporta a um pedido de alteração da apólice para passar a incluir erros e omissões profissionais, mas que, sendo de 27/8/2014, consequentemente, ulterior aos factos em discussão, não pode aplicar-se a sinistro já ocorrido a essa data. Alega ainda que qualquer sinistro enquadrável está sujeito a uma franquia a cargo do segurado de 10% do valor dos prejuízos indemnizáveis com um mínimo de € 150,00 e máximo de € 1.250,00, sendo que o alegado sinistro não foi participado à chamada senão após a propositura da presente acção.
As partes apresentaram, no tempo oportuno, documentos e respectivas procurações forenses.
Foi fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, sendo que nos termos fixados na audiência prévia a presente acção destina-se à averiguação da factualidade invocada pela autora e que funda o seu pedido de indemnização, por referência à actuação que imputa às rés.
Designou-se audiência prévia e foi proferido despacho saneador.
Apreciou-se a questão da prescrição que a Ré havia suscitado, tendo sido julgada improcedente.
Fixou-se o valor da causa, definiu-se o objecto da acção e dos temas da prova.
Tomou-se ainda decisão acerca dos meios de prova apresentados pelas partes e determinou-se a realização de perícia médico-legal, acolhendo-se pedido formulado pelo Autor nesse sentido.
Após a perícia, agendou-se a audiência de julgamento e foi proferida em 22.10.2018 sentença que julgou a ação improcedente absolvendo as rés do pedido contra estas formulado.
Desta sentença proferida a 22.10.2018 foi interposto recurso, no âmbito do qual foi proferido no dia 09.05.2019 neste Tribunal da Relação do Porto acórdão cujo dispositivo se reproduz: “Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em anular a sentença por ser indispensável a eliminação das deficiências verificadas na decisão da matéria de facto nos termos atrás referidos, - artigo 662º, nº2, al. c) e d) do CPC - sem prejuízo de uma eventual alteração da demais matéria factual, caso se revele necessário.”.
Baixados os autos, em cumprimento desse acórdão, conforme acta elaborada a 15.06.2020, ouviu-se via Skype como testemunha G…, médico fisiatra, depoimento que, como todos os demais, se encontra gravado e foi proferida nova sentença que julgou a acção improcedente por não provada e, consequentemente, absolveu as rés C… e D…, Lda. e a e a interveniente E… -Companhia de Seguros, SA do pedido contra elas foi formulado pela autora.
Inconformada, de novo a autora interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes Conclusões:
1. A Douta Sentença recorrida apresenta um acervo factual desconexo, ilógico, desordenado, sem encadeamento cronológico.
2. Omite fazer uma descrição linear, natural e consistente dos factos, repete constantemente factos provados (tantas vezes quantos os articulados apresentados pelas partes) e, bem mais grave, exprime inaceitáveis contradições entre factos provados e entre factos provados e não provados, por exemplo: i) o facto provado na alínea R) do probatório contradiz o facto provado na alínea TT); ii) o facto provado na alínea U) infirma o facto provado na alínea NN); iii) os factos provados nas alíneas U) e NN) contrariam o facto provado na alínea PP); iv) o facto provado na alínea Z) é incompatível com o facto não provado no nº 8; v) o facto provado na alínea JJ) infirma o facto provado na alínea 2ª PP).
3. A Douta Sentença recorrida não acatou as determinações contidas no Douto Acórdão deste mesmo Colendo Tribunal da Relação do Porto de 9 de Maio de 2019, proferido pela 3ª Secção Cível, que acusava as repetições e contradições factuais e deficiências na motivação, e que então anulou a primeira Sentença Cível proferida neste processo, enfim, esta douta decisão em crise mais não passa de um (quase) autêntico copy-paste desordenado de uma Sentença anulada.
4. Além disso, no entender da Recorrente, e salvo sempre melhor opinião, são pontos de facto incorrectamente julgados:
4.1 Alínea II) – infirmado pela testemunha H…, com início de gravação na 1ª Sessão de audiência de Julgamento, do dia 28-06-2018, às 9 horas, 42 minutos e 22 segundos, na passagem gravada do minuto 7:03 ao minuto 7:10;
e pela testemunha I…, com início de gravação na 1ª Sessão de audiência de Julgamento, do dia 28-06-2018, às 10 horas, 54 minutos e 00 segundos, nas passagens gravadas do minuto 13:10 ao minuto 13:30, do minuto 14:01 ao minuto 14:16, e do minuto 12:03 ao minuto 12:40;
De onde resulta que a alínea II) deverá a passar a ter a seguinte redacção:
II) Por calor húmido entende-se uma bolsa quente constituída por argila que está mergulhada numa panela de água quente (hidrocollator) a uma temperatura de, aproximadamente, 75º/80º graus, calor que, depois de ser retirado da panela, é envolto em seis camadas de toalhas e, depois, de um plástico por forma a evitar o contacto directo das toalhas com a pele.
4.2 Alínea JJ) – desmentida pelos depoimentos das testemunhas H…, com início de gravação na 1ª Sessão de audiência de Julgamento, do dia 28-06-2018, às 9 horas, 42 minutos e 22 segundos, na passagem gravada do minuto 7:03 ao minuto 7:10, e
I…, com início de gravação na 1ª Sessão de audiência de Julgamento, do dia 28-06-2018, às 10 horas, 54 minutos e 00 segundos, nas passagens gravadas do minuto 13:10 ao minuto 13:30, e do minuto 14:01 ao minuto 14:16,
Que por isso deverá passar a ter a seguinte redacção:
JJ) No dia 4 de Novembro de 2011, a aqui Ré realizou o sétimo tratamento de fisioterapia à Autora, com estrito respeito pelo que havia sido prescrito pelo médico fisiatra e exactamente do mesmo modo como havia procedido nas seis sessões anteriores: depois de retirar o calor húmido da panela de água quente e de o envolver em seis camadas de toalhas nos termos anteriormente descritos, colocou o mesmo sobre o abdómen da Autora, onde que estaria cerca de vinte minutos com aquela bolsa, posto o que iniciaria a massagem o mesmo procedimento adoptado nas seis sessões anteriores.
4.3 Alínea LL) que consiste num juízo conclusivo, não podendo constar do quadro factual, pelo que o que se impõe é que se dê por não escrita esta alínea LL) expurgando-a do probatório.
4.4 Alínea NN) – infirmada pelos depoimentos da Testemunha H…, com início de gravação na 1ª Sessão de audiência de Julgamento, do dia 28-06-2018, às 9 horas, 42 minutos e 22 segundos – nas passagens gravadas ao minuto 3: 32 até minuto 4:36 e do minuto 6:36 até ao minuto 6:41; E do depoimento da Testemunha
I…, com início de gravação na 1ª Sessão de audiência de Julgamento, do dia 28-06-2018, às 10 horas, 54 minutos e 00 segundos, na passagem gravada ao minuto 2:10 até ao minuto 2:15,
Devendo merecer a seguinte redacção que se propõe:
NN) Durante a realização da massagem, a 1ª Ré verificou que a pele a nível superior da cicatriz tinha lacerado cerca de um centímetro, tendo solicitado a presença da também fisioterapeuta H…, que observou a Autora, constatando que a mesma, pese embora uma vermelhidão visível, não apresentava ainda sinais de qualquer tipo de queimadura, ou bolha, mas apenas uma pequena laceração na pele, tendo explicado à autora que devido à cirurgia que havia realizado, era normal existir uma diminuição da sensibilidade e maior fragilidade da pele naquela zona.
4.5 2ª Alínea PP) contrariada pelo depoimento da Testemunha H…, com início de gravação na 1ª Sessão de audiência de Julgamento, do dia 28-06-2018, às 9 horas, 42 minutos e 22 segundos, na passagem gravada do minuto 3:32 ao minuto 3:55.
Que por isso deverá merecer a redacção abaixo proposta:
2ª alínea PP) Na sétima sessão e após retirar a almofada térmica, a pele da autora apresentava visível vermelhidão na pele, com uma laceração de cerca de um centímetro, e mesmo assim a fisioterapeuta, 1ª R. passou ao procedimento seguinte fazendo a massagem habitual, no fim da sessão.
4.6 2ª Alínea QQ), infirmada pelo depoimento da testemunha I…, com início de gravação na 1ª Sessão de audiência de Julgamento, do dia 28-06-2018, às 10 horas, 54 minutos e 00 segundos, nas passagens gravadas ao minuto 14:25 até ao minuto 14:39 e do minuto 37:30 até ao minuto 37:57, Consequentemente passando a ter a seguinte conformação:
2ª Alínea QQ) O pico de temperatura máxima da almofada é atingido aos quatro/cinco minutos, a partir do momento em que sai da água quente e mantem-se nos dez minutos seguintes, e só a partir desse momento a temperatura começa a diminuir, sendo que passados vinte minutos a temperatura da almofada é menor.
4.7 As 2ª Alínea SS) e 2ª Alínea TT), desmentidas pelos depoimentos das testemunhas J…, com início de gravação na 1ª Sessão de audiência de Julgamento, do dia 28-06-2018, às 11 horas, 36 minutos, e 17 segundos, nas passagens gravadas do minuto do minuto 4:43 ao minuto 5:15, do minuto 6:01 ao minuto 6:32, e do minuto 7:20 ao minuto 7:42; e Dr. G…, com início de gravação na 3ª Sessão de audiência de Julgamento, do dia 15-06-2020, às 9 horas, 45 minutos e 07 segundos, na passagem gravada do minuto 36:08 ao minuto 37:09, na passagem gravada do minuto 37:10 ao minuto 37:24,
E ainda pelas fotografias de fls. 51 e 52
Finalmente pelo Relatório Médico Legal de fls. 155 e ss., Devendo por conseguinte, passar a ter a seguinte redacção:
2ª Alínea SS) A perda de sensibilidade situa-se na zona da cicatriz podendo afastar-se dessa área para todas as zonas onde o cirurgião retirou tecidos gordos por debaixo da pele, podendo persistir ao longo de semanas ou meses. 2ª Alínea TT) A área onde a autora sofreu queimaduras é junto ao umbigo em zona superior à cicatriz da operação, onde a autora não tem sensibilidade
4.8 Deverão ainda dar-se como não escritos os factos não provados nos pontos 2, 4, 5, 7, 8, 10, 12 e 13, a saber, e pelas seguintes razões:
4.8.1 Ponto 2 não provado
Cujo teor contraria o depoimento da testemunha H…, com início de gravação na 1ª Sessão de audiência de Julgamento, do dia 28-06-2018, às 9 horas, 42 minutos e 22 segundos, na passagem gravada do minuto 7:30 ao minuto 7:41;
Da Testemunha J…, com início de gravação na 1ª Sessão de audiência de Julgamento, do dia 28-06-2018, às 11 horas, 36 minutos, e 17 segundos, na passagem gravada do minuto 7:20 ao minuto 7:42
E ainda da testemunha Dr. G…, com início de gravação na 3ª Sessão de audiência de Julgamento, do dia 15-06-2020, às 9 horas, 45 minutos e 07 segundos, na passagem gravada do minuto 36:08 ao minuto 37:09,e ainda do relatório Médico-Legal de fls. 155 e ss.
4.8.2 Pontos 4 e 5 não provados
Cujos sentidos contrariam o depoimento da testemunha H…, com início de gravação na 1ª Sessão de audiência de Julgamento, do dia 28-06-2018, às 9 horas, 42 minutos e 22 segundos, na passagem gravada do minuto 3:32 ao minuto 3:55.
4.8.3 Pontos 7 e 8 não provados
Cujos teores contrariam os depoimentos das testemunhas I…, com início de gravação na 1ª Sessão de audiência de Julgamento, do dia 28-06-2018, às 10 horas, 54 minutos e 00 segundos, nas passagens gravadas ao minuto 01:33 até ao minuto 02:01 e do minuto 06:42 até ao minuto 07:20;
K…, com início de gravação na 1ª Sessão de audiência de Julgamento, do dia 28-06-2018, às 10 horas, 12 minutos e 55, segundos, na passagem gravada do minuto 5:30 ao minuto 7:14,
E ainda Dr. G…, com início de gravação na 3ª Sessão de audiência de Julgamento, do dia 15-06-2020, às 9 horas, 45 minutos e 07 segundos, na passagem gravada ao minuto 05:15.
4.8.4 Pontos 10 e 12 não provados
Pois não é nesta sede que a M.ª Juiz a quo se deve pronunciar sobre a existência de nexo causal entre uma conduta e um dano produzido.
Tal como sucede com a alínea LL) do probatório da douta Sentença, trata-se de meros juízos conclusivos que se inferirão de um conjunto de factos, devendo, por conseguinte constar da motivação.
5. Impõe-se que a nova conformação do quadro do probatório assim proposta, salvo sempre o devido respeito por diverso entendimento, deverá ser conjugada com os esclarecimentos que este mesmo Tribunal da Relação do Porto determinou aquando da anulação da 1ª Sentença, por Acórdão de 9 de Maio de 2019 da 3ª Secção Cível, que se reclamavam do médico fisiatra Dr. G…, com início de gravação na 3ª Sessão de audiência de Julgamento, do dia 15-06-2020, às 9 horas, 45 minutos e 07 segundos, v.g. i) sobre a adequação dos tratamentos prescritos pelo médico, na passagem gravada ao minuto 04:18; ii) sobre as observações feitas pelo médico, na passagem gravada ao minuto 6:09; iii) sobre o estado da pele depois da queimadura, na passagem gravada ao minuto 16:00; iv) sobre se é normal a paciente tentar aguentar o calor excessivo, no pressuposto de o sentir; v) na passagem gravada ao minuto 20:37; vi) Sobre a área de insensibilidade no abdómen da Autora, nas passagens gravadas ao minuto 17:07 e ao minuto 36:08.
6. Pelo caminho, valorando o meio de prova corporizado no processo clínico da Autora Recorrente, que a M.ª Juiz a quo persistiu omitir e os demais documentos juntos aos autos pelas partes e também o Relatório de Medicina Legal, de fls 175 e ss.
7. É inequívoco que a Autora Recorrente foi queimada no abdómen no dia 4 de Novembro de 2011, numa sessão de fisioterapia ministrada pela 1ª R. C… dentro da D… 2ª R., v.g. o depoimento da testemunha Dr. G…, nas passagens gravadas ao minuto 15:09 e ao minuto 27:28;
8. A 1ª Ré C… tinha obrigação de saber que após uma abdominoplastia a pele perde sensibilidade, v.g. o depoimento da testemunha Dr. G…, na passagem gravada ao minuto 22:12 e na passagem gravada ao minuto 19:38; mais grave, na passagem gravada ao minuto 21:44, o médico sugere que nestes casos se deve aplicar menos calor do que aquilo que seria normal; e sabe-se, pelo provado na alínea PP) que a almofada de calor aplicada no abdómen da Autora Recorrente ia à mesma temperatura das almofadas para os restantes utentes, portanto não existiu o especial cuidado de se lhe aplicar menos calor, ao contrário do que é avisado e prudente.
9. O nexo causal entre o calor aplicado pelas mãos indiferentes da terapeuta (que apenas cumpre instruções, quase como se não fosse preciso pensar na sensibilidade da pele, sem atender às circunstâncias da paciente que em concreto tem à sua frente, ignorando todos os conhecimentos adquiridos ao longo de formação superior e experiência profissional, tal qual um autómato) e as queimaduras produzidas surge bem evidenciado no depoimento da testemunha Dr. G…, nas passagens gravadas ao minuto 15:09 e ao minuto 27:28;
10. Não se podem levar ao probatório juízos conclusivos, como sejam, o nexo causal e a culpa, ainda que meramente negligente;
11. As regras de experiência não podem ser invocadas para sustentar raciocínios ilógicos, e alienados do pedaço de vida levado a juízo, elas nascem da observação do mundo exterior e da conduta humana, com a finalidade de explicar de forma cabal um processo cognitivo lógico.
12. O Tribunal de 1ª Instância nunca colocou em causa que aquelas queimaduras foram produzidas dentro daquela clínica, pelas mãos daquela terapeuta, numa sessão de fisioterapia com calor húmido,
13. Ao invés, incorrendo em manifesto erro, notório, de julgamento, o juízo saído da convicção da M.ª Juiz a quo foi o de que tudo aquilo aconteceu, mas ninguém é responsável, pois não encontrou a culpa nem o nexo causal, afinal tão simples de estabelecer se o depoimento do médico fisiatra que assistiu a Autora Recorrente tivesse sido valorado, como também deveriam ter sido valorados o processo clínico da Autora, o Relatório de Perícia Médico-legal, as fotografias, e todos os demais documentos juntos pelas partes.
14. Tudo conjugado, natural e salutarmente, numa decisão de facto que pudesse ser linear, coerente e consistente, muito mais convenceria, assim é difícil estabelecer um laço saudável entre a Justiça e o Cidadão a quem aquela serve, se não for possível explicar, segundo um raciocínio lógico, o porquê de se perder uma causa deste modo inconsequente, infundado, e oco de razões objectivas, salvo sempre o imenso respeito que é devido.
15. Ainda que a autora não conseguisse demonstrar a culpa da 1ª R. em sede de responsabilidade civil delitual, o que é inconcebível, o ónus da prova estava invertido para a 2ª R. por força do que dispõem o nº 1 do artigo 799º e o artigo 344º, ambos do CC, e a 2ª R. jamais logrou demonstrar não ser culpa sua o cumprimento defeituoso da prestação a que se obrigou.
16. Disposições que foram afrontadas e esquecidas na douta decisão recorrida, salvo sempre o maior respeito por opinião contrária e sem desmerecer a forma idónea, correcta e absolutamente leal com que a M.Juiz a quo dirigiu a audiência de julgamento em todas as sessões.
17. Impõe-se, portanto, alterar a decisão de facto contida na douta sentença recorrida, no sentido aqui propugnado pela recorrente, ao alcance de Vossas Excelências, estribados no que se dispõe no nº 1 do artigo 662º do CPC.
18. E escrutinar a douta Sentença assim levada em crise ao douto suprimento de V.Exas, que subsumindo os factos ao direito vigente, e dando procedência total aos pedidos formulados pela autora aqui recorrente na petição inicial, alcançareis fazer JUSTIÇA!
Foram apresentadas contra-alegações pela interveniente E… – Companhia de Seguros, SA que pugna pela improcedência do recurso interposto
Também a 1ª ré contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso interposto.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo - colocam-se as seguintes questões:
Apreciar e decidir se estão verificados no recurso os ónus de impostos pelo artigo 640º do CPC para impugnar a decisão de fato.
Na afirmativa apreciar a impugnação da decisão de fato
Apreciar e decidir sobre o mérito da sentença recorrida.
III.FUNDAMENTAÇÃO.
3.1.Na 1ª instância foram julgados provados e não provados os seguintes factos, reproduzindo-se aqui o teor da decisão da questão de fato, com exceção da motivação.
FACTOS PROVADOS--em sede de audiência prévia –
A)As sessões de fisioterapia prescritas à autora, traduziam-se em ministrar à A. tratamentos com calor húmido e massagens adequados à sua recuperação clínica.
B)Os tratamentos consistiam na colocação de uma almofada térmica, composta de argila previamente aquecida em panela de água quente e envolta em toalhas, sobre a zona abdominal da A., durante cerca de 20 minutos por sessão, ao que se seguiria uma massagem na mesma zona do corpo.
C)Foi a 1ª R., na qualidade de fisioterapeuta, ao serviço e sob a direcção da 2ª R., quem foi incumbida de ministrar e executar os descritos tratamentos à A..
D)No dia 4 de Novembro de 2011, a 1ª R. colocou a almofada térmica, que estava quente, no abdómen da A., para ali se manter durante cerca de vinte minutos, como já vinha fazendo em sessões anteriores.
E)Após a colocação da almofada térmica, a 1ª R. disse à A. que iria estar consigo dentro de alguns minutos, pois nesse momento tinha de assistir uma outra utente, tendo-se ausentado do local onde a atendia.
F)A Autora registou uma reclamação no livro de reclamações, nos termos que constam de folhas 28, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
G)Reclamação que resultou em decisão de arquivamento de processo disciplinar, de 2 de Abril de 2013, do Conselho Disciplinar Regional do Norte da Ordem dos Médicos, que se reproduz no Doc. 5 junto aos autos e que aqui se tem por integrada.
H)A A. apresentou uma participação criminal contra a 1ª R., que deu origem ao processo nº 2055/11.3PAVNG, que corre termos ainda pela Secção Criminal da Instância Local de Vila Nova de Gaia, nesta Comarca (extinto 3º Juízo Criminal) em que foi proferida, com trânsito em julgado, sentença a homologar a desistência de queixa aí apresentada pela aqui Autora.
I)A Autora nasceu a 12/1/1974.
J)A ré é uma sociedade por quotas, cujo objecto principal é a prestação de serviços no âmbito da actividade de reabilitação fisiátrica.
L)A ré D…, Lda. celebrou com a Interveniente E… - Companhia de Seguros, S.A. um contrato de seguro titulado pela apólice n.º ……., cujas condições gerais, particulares e especiais se mostram juntas aos autos.
M)Tal apólice tinha por objecto a responsabilidade civil emergente do estabelecimento de “Clínica Médica” por danos corporais e/ou materiais causados a terceiros no âmbito das coberturas contratadas do ramo em questão com o valor máximo por período seguro e sinistro de € 150.000,00.
- após audiência de julgamento –
N)No dia 30 de Agosto de 2011, a A. foi sujeita a uma intervenção cirúrgica, na especialidade de cirurgia plástica, na M…, estabelecimento hospitalar situado na Rua …, …, nesta Comarca do Porto.
O)A intervenção cirúrgica consistiu numa abdominoplastia, procedimento que se destina a remover o excesso de pele e gordura do abdómen e para reposicionar os músculos da parede abdominal.
P)Assim que terminou os curativos de penso pós-operatório, a A. foi orientada para tratamentos fisiátricos.
Q)No dia 27 de Outubro de 2011, seguindo as orientações médicas recebidas, a A. dirigiu-se às instalações da 2ª R., que se encontra registada como prestadora de cuidados de saúde na Entidade Reguladora de Saúde, na tipologia de medicina física e de reabilitação.
R)Nesse dia, a A. foi observada pelo clínico fisiatra Dr. G…, na data, ao serviço e sob a direcção da 2ª R., onde se constatou que, em resultado da intervenção cirúrgica, a A. perdera a sensibilidade na zona abdominal, o que aliás é normal no pós-operatório deste tipo de cirurgia, o referido clínico prescreveu-lhe 25 sessões de fisioterapia,
S)Na sessão referida em D) dos Factos Provados, a 1ª R. abeirou-se da A., retirou-lhe a almofada térmica e a pele do abdómen onde havia sido colocada estava avermelhada.
U)Decidiu a 1ª R. passar à fase seguinte do tratamento, tendo iniciado a massagem.
V)A 1ª R. aconselhou a A. a, em casa, aplicar um creme gordo naquela zona abdominal.
X) A A. dirigiu-se, no dia seguinte, ao Centro de Saúde …, em Vila Nova de Gaia onde foi diagnosticada com queimadura abdominal de 2º grau, tendo necessitado de fazer curativos e de tomar antibiótico, visto que a zona afectada apresentava sinais de infecção
Z) A A. fez curativos nas instalações da 2ª R. tendo chegado a comparecer em consultas de fisiatria e de dermatologia.
AA) A autora apresentava, no abdómen, ténue cicatriz hipopigmentada e com área central ligeiramente hiperpigmentada, plana, de contornos irregulares e esbatidos, na região para-umbilical esquerda, com 2,6 por 1,6 cm de maiores dimensões; na região infra-umbilical, à esquerda e á direita da linha média, observam-se duas cicatrizes de tonalidade rosa-vinosa, apergaminhadas à apalpação, ligeiramente sobrelevadas e rugosas, com crescimento piloso e halo hiperpigmentado associado, de contornos bem definidos e irregulares, não aderentes aos planos subjacentes e sem retrações cutâneas significativas, medindo 4,3 por 3,4 cm (à esquerda) e 3,2 por 2,1 cm de maiores dimensões (à direita), de características tróficas menos acentuadas.
BB) As descritas lesões determinaram à A. 60 dias para a consolidação médico-legal, com afectação parcial da capacidade de trabalho geral, face à necessidade de prosseguir com tratamentos de enfermagem, pelo período de sessenta dias, causaram-lhe sequelas permanentes, as quais, sob o ponto de vista médico-legal, se traduzem nas cicatrizes já mencionadas a nível da região peri- umbilical, que condicionam ainda sequelas funcionais e situacionais e determinaram à A. a impossibilidade de ser sujeita a qualquer outra cirurgia que lhe permita recuperar a sensibilidade abdominal ou outra qualquer que lhe permita obter resultados acrescidos àquela que foi realizada em 30 de agosto de 2011, pois que, em resultado das descritas cicatrizes, a A. não tem tecido com capacidade regeneradora na zona afectada.
CC) À data dos factos a A. tinha 37 anos de idade, e tinha iniciado um tratamento que visava corrigir a deformidade da parede abdominal resultante de cirurgias prévias, correcção com que se pretendia, essencialmente, para minimizar os riscos para a saúde cardiovascular decorrentes da acumulação de massa gorda na zona abdominal, representava, também, para a A., uma melhoria estética, determinante para a sua autoestima, estando a A. confiante e optimista e com grandes expectativas em relação à cirurgia e aos tratamentos subsequentes.
DD) Por força das cicatrizes a A. ficou profundamente decepcionada, triste, angustiada e infeliz, sofre de crises de ansiedade, desde então, baixou patentemente a sua autoestima, o que se reflecte negativamente nas suas relações familiares e pessoais, tem vergonha das sequelas e cicatrizes que apresenta na zona abdominal, o aspecto da barriga influencia a sua autoestima e forma como interage socialmente, condiciona-lhe decisões simples, como por exemplo a escolha de roupa, o evitar ir à praia, sendo certo que, durante o primeiro ano foi mesmo desaconselhada, por indicação médica, a expor-se ao sol.
EE) A A. sofreu ainda incómodos, preocupações, sacrifícios, aborrecimentos e angústias, quer no decurso da agressão, quer durante o período que se manteve em tratamento, quer ainda actualmente com as cicatrizes que a impedem de ter uma vida social normal, e de, mais grave, ser submetida a nova intervenção cirúrgica.
FF) Acresce a dor psicológica e o desgosto que sente diariamente pela desfiguração inerente às cicatrizes e ao sentimento de vergonha e angústia que a vão acompanhar para o resto da vida.
GG) Foi sob as ordens, direcção e orientação da 2ª R., que a 1ª R. realizou os tratamentos que aquela havia prescrito para a pessoa da A.
HH) A Ré C… procedeu à análise da ficha da consulta havida com o médico fisiatra da qual constava o diagnóstico — abdominoplastia 30 de Agosto de 2011 bem como o tratamento indicado: calor húmido da parede abdominal anterior, massagem desfibrosante dos pontos aderentes e drenagem e pericicatricial, limitando-se em todas e cada uma das sessões, a executar o tratamento prescrito pelo médico fisiatra.
II) Por calor húmido entende-se uma bolsa quente constituída por argila que está mergulhada numa panela de água quente (hidrocollator) a uma temperatura de, aproximadamente, 70º/75º graus, calor que, depois de ser retirado da panela, é envolto em oito camadas de toalhas e, depois, de um plástico por forma a evitar o contacto directo das toalhas com a pele.
JJ) No dia 4 de Novembro de 2011, a aqui Ré realizou o sétimo tratamento de fisioterapia à Autora, com estrito respeito pelo que havia sido prescrito pelo médico fisiatra e exactamente do mesmo modo como havia procedido nas seis sessões anteriores: depois de retirar o calor húmido da panela de água quente e de o envolver em oito camadas de toalhas nos termos anteriormente descritos, colocou o mesmo sobre o abdómen da Autora, onde que estaria cerca de vinte minutos com aquela bolsa, posto o que iniciaria a massagem o mesmo procedimento adoptado nas seis sessões anteriores.
LL) A permanência do calor húmido na zona abdominal por período de tempo superior aos referidos vinte minutos não resulta na produção de queimaduras.
NN) Durante a realização da massagem, a 1ª Ré verificou que a pele a nível superior da cicatriz tinha lacerado cerca de um centímetro, tendo solicitado a presença da também fisioterapeuta H…, que observou a Autora, constatando que a mesma não apresentava qualquer tipo de queimadura, vermelhidão excessiva ou bolha, mas apenas uma pequena laceração na pele, tendo explicado à autora que devido à cirurgia que havia realizado, era normal existir uma diminuição da sensibilidade e maior fragilidade da pele naquela zona.
OO) A 1ª Ré juntamente com a fisioterapeuta H… encostou uma pedra de gelo na parte lateral da cicatriz e aconselharam ainda a Autora a colocar creme hidratante sobre o abdómen.
PP) Da mesma panela de água quente da qual saiu o calor que foi aplicado à Autora saíram, em momentos anterior e posterior, calores para todos os demais utentes que, naquele momento, se encontram na clínica em tratamento e nenhum desses utentes apresentou qualquer queixa de queimadura ou de qualquer outra lesão.
QQ) Não cabe à 1ª Ré proceder à regulação da temperatura da panela de água quente na qual os calores são submergidos.
RR) A diminuição da sensibilidade e fragilidade da pele é objecto de avaliação na consulta médica que precede o início dos tratamentos executados pela 1ª Ré, tendo a 1ª Ré executado os referidos tratamentos nos exactos termos em que os mesmos foram previamente prescritos.
SS) Após a realização de uma intervenção cirúrgica, denominada por abdominoplastia, a autora dirigiu-se às instalações da ré, na posse de uma requisição/credencial modelo 330.10, vulgarmente denominado como “P1” emitido pelo seu Centro de Saúde, para a realização de sessões de fisioterapia.
TT) Nas instalações da ré, e após ser observada por um fisioterapeuta, a autora iniciou um conjunto de sessões de fisioterapia com o intuito de minimizar possíveis sequelas trazidas pela intervenção cirúrgica, sessões essas que se iniciaram em Outubro de 2011 e com uma frequência de 2/3 por semana.
OO) As cinco primeiras sessões ocorrido de modo habitual, como noutros outros pacientes, não tendo a autora feito nenhum reparo.
PP) Na sexta sessão e após retirar a almofada térmica, a pele da autora apresentava alguma vermelhidão na pele, tendo por esse motivo a fisioterapeuta suspendido a massagem habitual, no fim da sessão.
QQ) A temperatura máxima da almofada é atingido no momento em que sai da água quente e que a partir deste momento a temperatura começa a diminuir, sendo que passados vinte minutos a temperatura da almofada é muito menor (cerca de 20.º/30.º)
RR) O mesmo procedimento é efectuado diversas vezes ao dia, em vários pacientes, sem qualquer lesão, sendo que na clínica ré realizaram-se milhares destas aplicações, sem qualquer lesão, nomeadamente no dia em que a autora fez a sexta sessão, nenhum outro paciente atendido (ou no dia anterior ou no dia seguinte) manifestou qualquer queixa ou alegou ter sofrido qualquer lesão, não tendo havido qualquer alteração da temperatura dos materiais usados.
SS) A perda de sensibilidade restringe-se ao local da cicatriz efectuada no âmbito dessa mesma intervenção cirúrgica, prolongando-se por uma extensão de 3 a 4 cm para cima e para baixo da mesma cicatriz, sendo que essa diminuição da sensibilidade vai-se reduzindo progressivamente ao longo tempo, não sendo habitual que passados mais de dois meses ainda haja insensibilidade.
TT) A área onde a autora sofreu queimaduras é junto ao umbigo em zona superior à cicatriz da operação, zona essa, que decorrente e em consequência da intervenção realizada pela autora, a autora tem sensibilidade.
UU) O aquecimento da argila nas instalações da ré é sempre controlado por profissionais experientes, tratamentos iguais e similares são realizados diariamente pelos funcionários da ré, também em crianças e idosos, nunca tendo acontecido ocorrência semelhante à relatada pela autora.
VV) Os equipamentos não tiveram qualquer avaria.
XX) A autora dirigiu-se à clínica ré porque esta tem uma convenção com a Serviço Nacional de Saúde e realiza o serviço ao abrigo dessa convenção e por causa dela, foi o Estado, no caso em apreço, Ministério da Saúde, que estabeleceu com certas entidades privadas, através de convenção/protocolo, que as mesmas, o substituiriam na realização de atos médicos, com o objectivo de diminuir o tempo de espera de tratamentos e intervenções cirúrgicas, dos seus (Serviço Nacional de Saúde) utentes, tendo sido neste contexto, que a autora se dirigiu ao estabelecimento, da ora ré, para a realização de sessões de fisioterapia, após ter realizado uma intervenção cirúrgica, denominada por abdominoplastia, noutro local e pelo mesmo sistema.
ZZ) As condições particulares da apólice n.º …… em vigor são as que vêm a instruir o articulado da interveniente, sendo que as CPA as condições gerais aplicáveis são as nº 22, que vêm a instruir o articulado da interveniente.
AA) O alegado sinistro não foi participado à chamada senão após a propositura da presente acção.
FACTOS NÃO PROVADOS
1- Por referência ao Facto S): ‘decorridos cerca de trinta minutos’, ‘que ainda se encontrava quente’ ‘empolada’.
2- A A. ficou com uma almofada térmica de tratamento quente mais tempo do que deveria sobre o seu abdómen e, porque não tinha, nem tem, sensibilidade naquela zona, não poderia, em momento algum, sentir o excesso de calor libertado durante aquela sessão de tratamento, estando impossibilitada de alertar a terapeuta para qualquer mal estar, dor, ou sensação de desconforto provocados pela libertação de calor excessivo (quer no tempo, quer na temperatura) ao nível da sua zona abdominal, onde se encontrava a dita almofada térmica, visto que nada sentia.
3- Por referência ao Facto Provado em T): ‘ainda quente’, ‘por se ter mantido por tempo e temperatura superiores aos devidos’ ‘e empolada’.
4- Decidiu a 1ª R., passar à fase seguinte do tratamento, tendo iniciado a massagem, deste modo fazendo com que a pele, que já apresentava patente vermelhidão e empolamento na zona peri-umbilical, tivesse rasgado e rebentado.
5- Por referência ao Facto Provado em U): deste modo fazendo com que a pele, que já apresentava patente vermelhidão e empolamento na zona peri-umbilical, tivesse rasgado e rebentado.
6- Verificando que a pele na zona afectada se encontrava cada vez mais avermelhada e empolada, e já com formação de bolhas, a nível peri-umbilical e hipogástrico.
7- No dia 7 de Novembro, a A. dirigiu-se às instalações da 2ª R. para dar parte do sucedido, tendo-lhe sido garantido que tudo se faria para minimizar os incómodos.
8- A 2ª R. assumiu que realizaria à A. os curativos de que esta necessitasse, bem como lhe custearia os medicamentos (pomadas e antibióticos) e consultas em dermatologia.
9- Tendo finalizado os curativos de penso, a A. não foi mais encaminhada para nova consulta de fisioterapia. Limitando-se a fazer à A. os curativos com pensos
10- Como consequência directa e necessária da conduta da 1ª R., a A. foi vítima de queimaduras de 2º grau na zona abdominal.
11- A A. sempre foi uma pessoa alegre, empenhada e dedicada à sua família, com a qual sempre gostou de passar férias e fazer praia.
12-Por referência ao Facto Provado em DD): provocadas pelas lesões sofridas em resultado directo e necessário da conduta da 1ª R..
13- Após o decurso dos vinte minutos, tempo controlado pela observação de relógio existente na parede das instalações da 2ª Ré, a aqui C… retirou o calor do abdómen da Autora.
14- No início do tratamento, nas duas primeiras sessões, a fisioterapeuta assegurou se cuidadosamente que não havia qualquer reacção da autora ao calor.
15- A falta de sensibilidade daquela zona, aliado ao tempo entretanto decorrido, inculca que tenha havido uma qualquer intervenção nessa zona que não foi transmitida aos técnicos da contestante, como seja fortes massagens para drenagem linfática ou mesoterapia e que tenha sensibilizado a pele naquela zona.
16- A autora deixou de comparecer aos tratamentos que haviam sido determinados.
17- As condições gerais e particulares são as que constam dos documentos n.s 1 e 2 que acompanham a contestação da ré D….
Não se provaram outros factos com interesse para a apreciação da causa.
3.2- DO RECURSO SOBRE A DECISÃO DE FACTO.
3.2.1.Considerando que a impugnação da decisão de facto satisfaz os requisitos legais exigidos no artigo 640º do CPC vamos prosseguir com vista à apreciação da impugnação da decisão da questão de facto.
.Todavia, impõe-se assinalar que a decisão de facto continua a enfermar de algumas deficiências apontadas já no anterior acórdão.
1.Desde logo, em primeiro lugar a enunciação dos factos provados a partir da alínea TT) continua a não obedecer à ordem das letras do nosso alfabeto, porquanto, a partir daí retorna à al OO), o que, dificulta a percepção dos factos que a recorrente impugna, obrigando-a a reproduzir o texto dos factos que pretende impugnar.
2..Em segundo lugar, a sentença recorrida, continua a repetir factos, veja-se designadamente, as alíneas Q), SS) e XX) dos fatos provados.
3..E mais resulta que a decisão sobre a questão-de-facto continua a incluir nos fatos provados , fatos que são contraditórios e que se excluem, não resultando da motivação da decisão de facto qual ou quais os meios de prova que concretamente, relativamente a cada facto, ou conjunto de factos, foram decisivos para o juízo decisório vertidos nos factos que a seguir indicaremos :
Assim,
Veja-se o facto dado como provado na alínea R) : “Nesse dia, a A. foi observada pelo clínico fisiatra Dr. G… …!”
O qual, contradiz o facto julgado provado na alíneaTT): “Nas instalações da ré, e após ser observada por um fisioterapeuta, a autora iniciou um conjunto de sessões de fisioterapia…”
Mais. Veja-se o fato julgado provado na alínea U) cujo teor se reproduz: “Decidiu a 1ª R. passar à fase seguinte do tratamento, tendo iniciado a massagem” e o fato julgado provado na alínea PP) cujo teor é o seguinte: “Na sexta sessão e após retirar a almofada térmica, a pele da autora apresentava alguma vermelhidão na pele, tendo por esse motivo a fisioterapeuta suspendido a massagem habitual, no fim da sessão.”
Este facto vertido na al. PP) contraria o facto julgado provado na alínea NN). “Durante a realização da massagem, a 1ª Ré verificou que a pele a nível superior da cicatriz tinha lacerado cerca de um centímetro… presença da também fisioterapeuta H…, que observou a Autora, constatando que a mesma não apresentava qualquer tipo de queimadura, vermelhidão excessiva ou bolha, mas apenas uma pequena laceração na pele, tendo explicado à autora que devido à cirurgia que havia realizado, era normal existir uma diminuição da sensibilidade e maior fragilidade da pele naquela zona.”
E o facto julgado como provado na alínea JJ): “No dia 4 de Novembro de 2011, a aqui Ré realizou o sétimo tratamento de fisioterapia à Autora, … “infirma os factos julgados como provados na denominada alínea “2ª PP)” cujo teor é o seguinte: Na sexta sessão e após retirar a almofada térmica, …”, os fatos vertdos nas 2ªs alíneas OO e PP na parte em que nelas se alude a cinco primeiras sessões e sexta sessão.
Ora, considerando que a questão essencial destes autos traduz-se em apreciar e decidir se a queimadura abdominal diagnosticada à autora no Centro de Saúde … (item x) dos fatos provados) foi causada por acto/ omissão negligente da 1ª Ré, torna-se essencial sanar a contradição que continua a verificar-se na decisão de facto, a significar, que em tese, seria de impor ao tribunal a quo novamente que esclarecesse se ficou convencido que a 1ª ré não efectuou a massagem após ter verificado que a pele da autora apresentava alguma vermelhidão, ou se, pelo contrário, ficou convencido que foi feita a massagem pela ré e neste caso afirmar se a referida laceração de um centímetro existente na pele da autora ao nível superior da cicatriz também existia antes da realização da massagem e esclarecesse quantas sessões fez a autora até ao dia 4 de Novembro de 2011, inclusivé.
Todavia, porque já verificamos que a remessa dos autos ao tribunal a quo não logrou sanar essas contradições, o que, lamentamos, decidimos prosseguir com a reapreciação dos factos impugnados pela recorrente, ouvindo todos os meios de prova que foram produzidos pela 1ª instância e reapreciando todos os documentos e a prova pericial feita, na qual, se incluem os esclarecimentos dos srs peritos.
E, avançando, importa assinalar que na decisão da questão de facto devem ser vertidos apenas fatos concretos com referência às partes e às questões colocadas e não afirmações genéricas/ razões que não se mostrem suportadas por meios de prova consistentes, como prova pericial, sem prejuízo do tribunal poder valer-se das regras da experiência que comprovadamente apontem nesse sentido.

Posto isto, assinaladas as deficiências verificadas na decisão de fato, e, reapreciados todos os meios de prova produzidos na 1ª instância, impõe-se desde já afirmar que formamos convicção autónoma, distinta daquela que foi formada pela Sra Juíza da 1ª primeira Instância.
Desde logo, importa assinalar que analisamos a prova pericial produzida, cujo relatório consta de fls 174 a 177-verso e cujos esclarecimentos constam de fls 189-190, sendo que nestes últimos, os srs peritos afirmam: que no dia 22-03-2018 a autora apresentava ao exame objectivo “três áreas hiperpigmentadas, duas na região peri-umbilical, à esquerda da linha média , a maior das quais com 5 por 3,5 centímetros de maiores dimensões, a terceira localiza-se na mesma região, à direita da linha média, medindo 4,5 por 2 centímetros de maiores dimensões, associadas a alterações de sensibilidade, podendo estas serem compatíveis com sequelas de queimaduras de 2º grau decorrentes do evento em análise, tal como descrito nos registos clínicos. Estas áreas cicatriciais ocupavam menos de 10% da área de superfície corporal e apresentavam alteração da sensibilidade…, dada a área e localização e as suas dimensões, são susceptíveis de ter implicações na função da pele, nomeadamente na protecção e transpiração”
Acrescentam os srs peritos que a autora apresentava ainda alterações da sensibilidade ao nível das cicatrizes cirúrgicas relacionadas com a abdominoplastia, as quais, afirmam que não foram valoradas.
Adianta-se assim que este relatório constitui fundamento para adiante ser alterada oficiosamente a al. AA) dos fatos provados, porquanto, aí se transcreveu o teor artigo 35º da petição inicial sem terem sido valorizados as respostas dos srs peritos aos esclarecimentos pedidos, conforme fls 190 dos autos.
Reapreciamos o atestado médico de fls 15 emitido por médico do Centro de Saúde …, no qual consta que a autora a 5.11.2011 foi observada pela Dra N…, apresentado no registo clínico abdominoplastia, queimadura na fisioterapia, fez penso; recorreu novamente ao SASU a 7.11.2011, atendida pela Dra O…, constando do registo clínico “queimadura 2 grau feita no serviço de fisioterapia a 4.11, foi medicada … por apresentar sinais infecciosos, fez curativo no SASU”.
E reapreciamos os documentos juntos a fls 146 e ss dos autos, enviados pela Instância local, secção criminal, Vila Nova de Gaia, a saber: o relatório da perícia médico–legal em direito penal, os registos clínicos elaborados pelo médico fisiatra os quais estavam com a 2ª ré .
A propósito, importa assinalar que “Integra as ‘leges artis’ do exercício da medicina a elaboração de registos clínicos, os quais têm como função, por um lado, fixar e permitir a circulação de informação sobre o transmitido, o observado e o ocorrido durante a prestação dos cuidados de saúde, bem como sobre a evolução do estado de saúde, e, por outro lado, habilitar a formular juízos sobre a adequação da prática médica levada a cabo e sobre as causas de lesões observadas pelo médico que observa a doente.
Nesse conspecto haverá de afirmar, sem qualquer hesitação, ser entendimento deste tribunal que os registos clínicos, relevam como meios de prova que o tribunal não pode deixar de atender, muito menos desvalorizar.
Tendo isso em conta, dir-se-á que, os registos clínicos constituem no caso prova essencial para aferir a causa da queimadura sofrida pela autora.[1]
Nesses registos clínicos resultantes da observação médica levada a cabo por médico fisiatra, juntos a fls s 151 a 179, importa atentar que a 13.10.2011 o médico fisiatra prescreveu o tratamento a dar à autora e que a 10.11.2011 foi suspenso o tratamento, que a 10.11.2011 o médico escreveu que no dia 4 a autora teve uma queimadura com CH (calor húmido) e fez 3 flictenas, suspendeu ttt e aguarda observação por dermatologia, foi ao CS onde fez penso e foi medicada com antibiótico, volta quando já não necessitar de pensos para ser observada e retomar os ttt.
No dia 17.11 o mesmo médico fisiatra que a observou escreveu: acompanhamo-la à consulta de dermatologia e observamos as sequelas das queimaduras: são lesões superficiais que estão a curar decorrendo a cicatrização, aparentemente, muito bem, sem sinais de infecção. Combinamos que continuaria a fazer os pensos nesta clinica e que quando as lesões estivessem cicatrizadas e já não necessitassem de penso começaria a aplicar o creme REPAVAR prescrito por neurologia e que eu sugiro à Direcção da D… que lhe seja fornecido pela instituição.
Conjugamos a apreciação dos registos clínicos feitos pelo médico fisiatra Dr G…, com o depoimento por este prestado no dia 15 de Junho de 2020.
E feita essa reapreciação resulta deste depoimento que a testemunha Dr G… tinha um contrato com a 2ª ré (clinica), conheceu a autora por ter sido sua paciente, referiu que a autora foi a uma primeira consulta após o ato cirúrgico, tinha mal estar, edema à volta do local da cirurgia e prescreveu tratamentos.
Referiu que mais tarde numa outra consulta viu a autora na sequência de esta ter sofrido queimaduras locais e encaminhou a autora para a dermatologia, falou que o incidente (as queimaduras) terá ocorrido nas primeiras sessões de tratamentos prescritos e disse: “Imagino que foi devido à aplicação de calor” húmido”.
Ao ser instado sobre se tinha a certeza que as queimaduras tinham sido causadas devido à aplicação de calor húmido, referiu. “É difícil encontrar outra solução que não seja essa, a não ser que a autora aplicasse …”.
Referiu que o calor terá ultrapassado a resistência da pele e surgiram aquelas bolhas (flictenas), que a queimadura não era muito grave mas existia. Que é normal perder a sensibilidade no abdómen em consequência da abdominoplastia.
Assinalamos que foi colocada ao médico uma pergunta sugestiva, na medida em que colocava a hipótese de a autora estar com zona do abdómen sensível e não sentir calor:
E a essa questão o médico respondeu: “O calor húmido, toalhas fazem passar o calor, a pessoa que aplica o calor tem de estar sensível às condicionantes que vai encontrar, pode a autora ter perdido a sensibilidade em algumas zonas”.
E quando lhe foi colocada outra questão por advogado de defesa com o seguinte teor: “É normal a autora tentar aguentar o calor excessivo na barriga?” a testemunha respondeu: “que a questão estava mal colocada e que o normal é serem dadas instruções a todos pacientes para avisarem sobre aquilo que estão a sentir, se tem zonas de menos sensibilidade não avisa, que é sabido por médicos e ténicos que é preciso ter cuidado com determinadas patologias à volta de qualquer cicatriz, na abdominoplastia pode suceder , é habitual, perder a sensibilidade durante cerca de um ou dois meses porque cirurgião passa por várias áreas debaixo da pele, podendo o cirurgião afastar-se da zona da cicatriz e pode cortar parte da enervação da pele e provocar perda de sensibilidade, é natural que a autora mantivesse zonas de insensibilidade”.
Também referiu que “julga que a autora veio acompanhada por um fisioterapeuta”.
E quando lhe perguntaram: “Os fisioterapeutas disseram que a autora não perdeu sensibilidade no umbigo. Como explica?
A testemunha respondeu: “Não explico”. Não tenho de explicar!
E adiantou que existem testes para a sensibilidade, entre os quais, a picada, o beliscar.. e que na massagem percebemos se há ou não há perda de sensibilidade.
Mais. À questão colocada por advogado no sentido de saber se a testemunha garantia que queimadura foi causada por calor húmido respondeu que não estava lá, não viu.
Todavia, quanto a esta questão assinalamos que a testemunha também referiu: “Aquilo que eu observei na segunda consulta que foi marcada antes da data prevista para 2º consulta foram as tais “flictenas” e estas são resultado da aplicação de calor húmido local. Ora estando a autora a fazer tratamentos de calor húmido acho que é conclusão lógica que as flictenas foram consequência da aplicação de calor húmido”.
Afirmou que a autora não lhe transmitiu que queimadura foi resultado do aplicação de calor húmido nas sessões, que foram os “elementos da clinica que pediram para observar de novo a autora antes da data que estava marcada para a 2ª consulta”. Referiu que a 2ª consulta foi antecipada por ter surgido este “incidente”, que não se lembra se falou com técnicas que estavam a aplicar calor húmido à autora. Frisou que só viu a doente de novo e antes da data antecipadamente marcada para a segunda consulta “se parte administrava da 2ª ré aceitar”
Posto isto, da conjugação deste depoimento (totalmente isento, revelador de conhecimento directo de factos que interessam para a discussão da causa), com os registos clínicos por ele elaborados, com a perícia realizada, com o facto da autora ser utente do serviço nacional de saúde que foi encaminhada para a 2ª ré, entidade convencionada na qual foram aplicadas as terapêuticas prescritas (calor húmido), convencemo-nos que a queimadura sofrida pela autora está directamente relacionada com os tratamentos realizados na zona do abdómen, irrelevando para o caso apurar com toda a segurança se na sessão do dia 4.11.2011 a autora não tinha sensibilidade na zona do abdómen, se tinha pouca ou muita sensibilidade nessa zona.
E a propósito, convencemo-nos que após a realização de uma abdominoplastia é normal existir perda de sensibilidade na zona da cicatriz e também na zona do abdómen.
De resto, se a autora apresentava no dia 5.11.2011 a referida queimadura no abdómen, porque as queimaduras são causadas pela exposição da pele a calor excessivo, presume-se prima facie que no dia 4.11.2011 o calor húmido que foi aplicado pela 1ª ré não era adequado, e, por isso, venceu a resistência da pele da autora.
A significar que se presume que aquele tratamento aplicado no dia 4.11.2011 foi causal da queimadura.
Quanto ao depoimento da testemunha H…, empregada da 2ª ré, foi colega da 1ª ré, referiu que viu a autora uma vez, porque a 1ª ré C… a chamou, nessa altura fizeram o teste do cubo de gelo e da escova de dentes que permite verificar a sensibilidade, sendo que neste momento não visualizou queimaduras. Disse que não tinha conhecimento dos tratamentos que foram prescritos pelo médico. Tendo sido confrontada com fls. 51 disse que não viu a autora naquele estado. Explicou que a botija é posta na parte da barriga, fora da zona da cicatriz e por cima de toalhas, por 20 minutos, a 45/50 graus. Disse que o tratamento e o número de sessões é prescrito pelo médico. Mais referiu que as botijas (as que vão ser usadas nas diversas sessões) são aquecidas todas ao mesmo tempo, não tendo sido registada nenhuma queixa por parte de qualquer dos outros clientes.
Quanto a este depoimento, desde logo assinalamos que o facto da 1ª ré C… ter chamado a testemunha apos ter concluído a massagem que estava prescrita,e o facto de terem feito o teste da sensibilidade (com escova e cubo de gelo) significa para nós que “algum “problema” terá surgido na barriga da autora nessa altura que justificasse o chamamento de uma colega e a realização do teste da sensibilidade.
Quanto à circunstância relativa à falta de sensibilidade ou existência de sensibilidade no abdómen da autora aquando do tratamento realizado no dia 04.11.2011, convencemo-nos apenas que a autora nessa ocasião tinha diminuída a sensibilidade ao nível da zona abdominal, ignorando-se o grau da (in)sensibilidade sentida nessa zona.
De resto, não nos impressiona o facto desta testemunha ter dito que quando viu a autora após o fim da sessão de tratamentos em causa esta não tinha a zona do abdómen no estado que se observa a fls 51, porquanto, segundo a literatura científica, os sintomas de uma ferida de queimadura variam dependendo da profundidade e da extensão da queimadura, geralmente as queimaduras térmicas ocorrem devido ao contato de uma fonte de calor ou de substâncias químicas com parte da superfície corporal, com mais frequência, a pele. Deste modo, a pele aguenta a maior parte dos danos. No entanto, uma queimadura superficial grave pode penetrar em estruturas profundas do organismo, como a gordura, os músculos ou os ossos. As queimaduras de segundo grau afetam as camadas intermédias da pele e, por isso, além da vermelhidão e da dor, podem surgir outros sintomas como bolhas ou inchaço do local. No prazo de 24 surgem bolhas que libertam um líquido transparente. A superfície queimada pode ficar pálida com a pressão do toque.[2]
Relevaram também os depoimentos das testemunhas J…, enfermeira, que trabalhou e trabalha para a 2ª ré na parte de enfermagem, P…, enfermeira, funcionária da 2ª ré.
A testemunha J… referiu conhecer a autora, que esta apresentava lesões “ tipo queimaduras” e fez-lhe, aquando do 3ª dia de tratamento às queimaduras, um penso nas lesões das queimaduras, nos termos prescritos pelo médico fisiátrico que trabalhava na clinica da 2ª ré. Referiu que a sua colega P… tirou fotografias e ao ser confrontada com a fito de fls 51 achou que era uma das fotografias que foram tiradas na clinica.
A testemunha P…, enfermeira, fez à autora os primeiros tratamentos. Disse que quando a autora deixou de lá ir ainda havia algumas crostas.
Destes depoimentos convencemo-nos que a fotografia de fls 51, com a qual estas testemunhas foram confrontadas, retrata o estado da autora após a queimadura.
Quanto à sensibilidade da autora na zona do abdómen, também a testemunha J… convenceu-nos que a autora não se queixava ao fazer penso, o que sustenta a nossa convicção no sentido de que após a cirurgia a que foi submetida (abdominoplastia) a autora mantinha zonas de insensibilidade no abdómen.
Ouvimos também o depoimento da testemunha I…, fisioterapeuta, empregado da autora há 10 anos coordenador da parte da manhã. Nesta parte, observamos que o relato feito na motivação da sentença recorrida, corresponde em parte, ao depoimento prestado. Assim, explicou que as botijas são aquecidas todas ao mesmo tempo e que a panela em que são aquecidas não apresentou qualquer anomalia, sendo que se a houver ao nível do termostato a panela desliga automaticamente. Dos pacientes que usaram as demais botijas nenhum manifestou qualquer queixa. Esclareceu que um fisioterapeuta pode começar mais que um tratamento ao mesmo tempo.
Mais constamos que esta testemunha referiu que na segunda feira seguinte ao dia 4.11.2011, que era uma sexta, a autora foi à D… da 2ª ré para reclamar que tinha ocorrido um acidente, o que, nos convenceu.
Todavia, este depoimento revelou-se parcial, porquanto, contrariamente ao que disseram as duas testemunhas anteriores que fizeram curativos à autora, esta testemunha começou por dizer que viu o abdómen da autora e que apresentava apenas manchas avermelhadas, nada mais do que isso. E ao ser confrontado com a foto de fls 51 referiu que não se recorda de estar tão avermelhada. Todavia também referiu que “aquilo” não eram manchas normais” e que chamou a enfermeira P….
Referiu que deu seguimento à queixa, falando com a enfermeira para resolver o problema da autora.
De seguida referiu-se à temperatura máxima das panelas onde são colocadas as almofadas de argila, que as almofadas são retiradas das panelas com pegas, depois são enroladas em 3 toalhas que são dobradas a que acresce uma outra toalha que é para cada doente e que só é necessária a temperatura de 45/50 graus para trabalhar a pele.
Mais referiu que é normal a clinica tirar fotografias para protecção da clinica e que no caso não se lembra se foram tiradas fotografias.
A testemunha K…, empresária, referiu ser amiga da autora. Convenceu-nos que as fotografias de fls 51e ss foram tiradas pelo marido da testemunha a pedido desta no sábado de manhã a seguir ao dia 4.11.2011 e que a autora deslocou-se ao Centro de Saúde nesse dia onde lhe foi diagnosticada queimaduras de 2º grau o que a autora comunicou à testemunha por telefone
Mais convenceu que na segunda–feira acompanhou a autora à clinica, que a autora recebeu curativos para a queimadura nas instalações da 2ª ré, que ficou convencida que a 2ª ré assumiu responsabilidade pela realização dos tratamentos dessa queimadura tendo acompanhado a autora em dois tratamentos,
No mais, esta testemunha referiu que a autora sofreu e sofre em consequência das lesões sofridas pela queimadura, referindo a baixa auto estima da autora e que a partir do momento em que autora soube que ia ficar com marcas da queimadura e colocou a hipótese de fazer nova cirurgia ninguém quis mais saber da autora, o que, segundo a testemunha determinou que a autora tivesse apresentado queixa-crime contra a 1ª Ré.
Da prova produzida convencemo-nos que antes de a autora iniciar os tratamentos de fisioterapia na clínica da segunda ré esta mantinha queixas após marchas longas, após esforços de pegar pesos, ao exame foram verificados pelo médico fisiatra pontos dolorosos à apalpação, quer superficiais, quer profundos e edemas pericicatriciais, que no dia 4.11.2011 a autora sofreu queimadura causada pela colocação de calor húmido na zona do abdómen, da qual resultaram lesões verificadas no relatório pericial feito nos presentes autos.
E no tocante ao grau de sensibilidade da zona abdominal da autora, ou falta dela, convencemo-nos que no dia 4.11.2011, no final do tratamento prescrito a autora queixou-se à 1ª ré e que a autora mantinha zonas de sensibilidade diminuída no abdómen à data em que fez o tratamento do dia 4.11.2011, condicionante que não foi atendida pela 1ª ré.
Pelo menos, alguma sensibilidade teria, sem prejuízo de estarmos convencidos que em algumas zonas do abdómen a autora tinha a sensibilidade muito diminuída.
A falta de prova da descrição da autora feita na petição inicial relativamente ao modo como a queimadura foi provocada não permite afastar a convicção segura por nós alcançada que a queimadura sofrida pela autora está directamente relacionada com a colocação de calor húmido na zona do abdómen feita no dia 4.11.2011 pela 1ª ré na clinica da 2ª ré, irrelevando para o caso apurar qual o grau de sensibilidade na zona do abdómen da autora.
Acresce que as 1ª e 2ª rés não lograram provar que a aplicação de calor húmido no abdómen da autora tenha sido feita de acordo com o tratamento prescrito e em conformidade com o estado da pele da autora nesse dia, sendo que às rés, por força do princípio da proximidade dos meios de prova, cabia demonstrar factos por si alegados para sua defesa, o que, não lograram (veja-se o alegado pela 2ª ré no artigo 29º da sua contestação onde esta coloca a hipótese de ter sido outra a causa da queimadura), revelando os autos que nesse dia 4.11.2011, a pele da zona do abdómen não estava em condições de ser tratada com o calor húmido.
Por último, importa assinalar que quem prestou depoimento de parte não foi a 1ª Ré C… como referido na motivação da sentença recorrida! Ouvidos todos os meios de prova constatamos que foi a autora quem prestou depoimento de parte, o qual, foi de curta duração e foi referenciado a uma questão, a qual, não foi confessada.
Last but not least:
Resulta para este colectivo de juízes de modo seguro que a Autora Recorrente foi queimada no abdómen no dia 4 de Novembro de 2011, numa sessão de fisioterapia ministrada pela 1ª R. C… dentro da D… 2ª R.
Afigura-se-nos que a 1ª Ré C… tinha obrigação de saber que após uma abdominoplastia a pele perde sensibilidade, conforme resulta do depoimento da testemunha Dr. G… que sugere que nestes casos se deve aplicar menos calor do que aquilo que seria normal. Logo, sabendo-se pelo que está provado (que a almofada de calor aplicada no abdómen da Autora Recorrente ia à mesma temperatura das almofadas para os restantes utentes), afigura-se-nos que não existiu o especial cuidado de se lhe aplicar menos calor, ao contrário do que é avisado e prudente.[3]
Convencemo-nos assim pela verificação de um nexo causal entre o calor aplicado pelas mãos da 1ª Ré, terapeuta e a queimadura que foi diagnosticada à autora no dia 5.11.2018, porquanto, a 1ª Ré, terapeuta, nessas funções não pode limitar-se a realizar o tratamento prescrito pelo fisiatra, devendo afastar-se dessas instruções, quando o estado da pele da paciente o desaconselhe.
Mais. As regras da experiência invocadas na sentença recorrida devem nascer apenas da observação do mundo exterior e da conduta humana, com a finalidade de explicar de forma cabal um processo cognitivo.
Posto isto, importa agora atentar nos segmentos da decisão de facto que foram impugnados e decidir em conformidade com a convicção que por nós foi alcançada.
Assim:
1.As alíneas P) e SS) repetem-se e por isso serão fundidas, o mesmo sucedendo, com as alíneas V) e OO), as quais também serão fundidas e eventualmente outras que enfermem do mesmo vício.
2.As als R) e TT) entram em contradição, porquanto uma refere que a autora foi observada por um médico fisiatra e outra refere-se que a autora foi observada por fisioterapeuta. Assim, determinamos relativamente a estas alíneas R) e TT) que as mesmas serão fundidas numa única alínea expurgada de contradições, com a seguinte redacção: Nesse dia, 27.10.2011, a A. foi observada pelo clínico fisiatra Dr. G…, na data, ao serviço e sob a direcção da 2ª R., onde se constatou que, em resultado da intervenção cirúrgica, a A. perdera a sensibilidade na zona abdominal, o que aliás é normal no pós-operatório deste tipo de cirurgia, o referido clínico prescreveu-lhe 25 sessões de fisioterapia, sessões essas que se iniciaram em Outubro de 2011 e com uma frequência de 2/3 por semana.
3.No tocante à al. AA), com fundamento no relatório pericial de de fls 174 a 177-verso e cujos esclarecimentos constam de fls 189-190, alteramos a sua redacção nos seguintes termos:
.Em resultado da queimadura de 2º grau sofrida pela autora, no dia 22-03-2018 a autora apresentava ao exame objectivo “três áreas hiperpigmentadas, duas na região peri-umbilical, à esquerda da linha média, a maior das quais com 5 por 3,5 centímetros de maiores dimensões, a terceira localiza-se na mesma região, à direita da linha média, medindo 4,5 por 2 centímetros de maiores dimensões, associadas a alterações de sensibilidade, sendo que estas áreas cicatriciais ocupavam menos de 10% da área de superfície corporal e apresentavam alteração da sensibilidade.
4.A Alínea II), com base nos depoimentos das testemunhas H… e I…, deverá a passar a ter a seguinte redacção:
II) Por calor húmido entende-se uma bolsa quente constituída por argila que está mergulhada numa panela de água quente (hidrocollator) a uma temperatura de, aproximadamente, 75º/80º graus, calor que, depois de ser retirado da panela, é envolto em seis camadas de toalhas e, depois, de um plástico por forma a evitar o contacto directo das toalhas com a pele.
5..A Alínea JJ), com base nos depoimentos das testemunhas H… e I…, deverá a passar a ter a seguinte redacção:
JJ) No dia 4 de Novembro de 2011, a aqui Ré realizou o sétimo tratamento de fisioterapia à Autora, tendo em atenção o havia sido prescrito pelo médico fisiatra e depois de retirar o calor húmido da panela de água quente e de o envolver em seis camadas de toalhas, colocou o mesmo sobre o abdómen da Autora, onde esteve pelo menos cerca de vinte minutos com aquela bolsa, posto o que iniciaria a massagem, o mesmo procedimento adoptado nas seis sessões anteriores.
6. A Alínea LL), porque consiste num juízo conclusivo, que não atende às particularidades do caso concreto, nomeadamente às particularidades do estado da pele da autora na zona abdominal, não deve constar do quadro factual, pelo que, determinamos a sua eliminação. o que se impõe é que se dê por não escrita esta alínea LL) expurgando-a do probatório.
7.A Alínea NN) e a “2ª alínea PP), referem-se aos mesmos factos e com base nos depoimentos das testemunhas H… e I…, devem ser fundidas para não existir entre estas qualquer contradição, eliminando-se a referência à testemunha H… e àquilo que esta constatou, (a referência a esta testemunha deve ser feita no local adequado, isto é, a motivação da decisão de facto) passando a ser do seguinte teor a nova alínea :
(ex als NN) a “2ª alínea PP): Na sétima sessão e após retirar a almofada térmica, a pele da autora apresentava visível vermelhidão na pele, com uma laceração de cerca de um centímetro a nível superior da cicatriz e mesmo assim a fisioterapeuta, 1ª R. passou ao procedimento seguinte fazendo a massagem habitual, no fim da sessão”.
8. Relativamente à al OO) porque a prova produzida nos convenceu que a 1º ré na sessão ocorrida no dia 4.11.2011, não observou, como devia, o estado da pele do abdómen da autora por forma a assegurar que esta zona estava em condições de permitir o prosseguimento dos tratamentos prescritos, porque a redacção dessa alínea pode permitir concluir em sentido contrário, determinamos a sua eliminação.
9.Relativamente à alínea RR) porque nos convencemos que a redacção dada não reflecte a convicção por nós formada quanto aos meios de prova produzidos, na medida em que nos convencemos que ocorreu por parte da 1ª ré uma deficiente observação do estado da pele na zona abdominal, designadamente, diminuição da sensibilidade e fragilidade da pele, a implicar o dever de suspensão do tratamento após a retirada do calor húmido e o dever de avisar o médico fisiatra do sucedido e porque já está provado que a 1ª ré, após a retirada da almofada térmica passou à massagem, tal como estava prescrito, alteramos a sua redacção nos seguintes termos:
RR) A diminuição da sensibilidade e fragilidade da pele foi objecto de avaliação na consulta médica que precedeu o início dos tratamentos executados pela 1ª Ré.
10..A 2ª Alínea QQ), com base no depoimento da testemunha I…, passará a ter a seguinte redacção:
2ª Alínea QQ). O pico de temperatura máxima da almofada é atingido aos quatro/cinco minutos, a partir do momento em que sai da água quente e mantem-se nos cinco a dez minutos seguintes, começando depois a temperatura a diminuir, sendo que passados vinte minutos a temperatura da almofada é menor.
11. As alíneas 2ª Alínea SS) e 2ª Alínea TT),com base nos depoimentos das testemunhas J…, Dr. G…, nas fotografias de fls. 51 e 52 e no Relatório Médico Legal de fls. 155 e ss e respectivos esclarecimentos, devem passar a ter a seguinte redacção:
2ª Alínea SS) A perda de sensibilidade situa-se na zona da cicatriz e pode afastar-se dessa área para todas as zonas do abdómen por onde o cirurgião retirou tecidos gordos por debaixo da pele, porque pode ter ocorrido corte na parte da enervação da pele e provocar perda de sensibilidade
2ªAlínea TT) A área onde a autora sofreu queimaduras é junto ao umbigo em zona superior à cicatriz da operação, em zonas de sensibilidade diminuída no abdómen à data em que fez o tratamento do dia 4.11.2011, condicionante que não foi atendida pela 1ª ré.
12.Quanto aos pontos não provados nºs 2, 4, 5, 7, 8, 10, 12 e 13 e que foram impugnados, diremos o seguinte:
Porque existem factos não provados que não foram impugnados e não estão de acordo com a convicção formada neste tribunal da Relação impõe-se a sua alteração, sob pena de contradições da decisão de facto:
Assim:
1.O ponto 1 não provado, o qual, reproduz a alegação da autora do artigo 12º da petição inicial na totalidade, é contrariado pelos depoimentos da testemunha H…, J…, resultando para nós que a autora tinha a sensibilidade diminuída na zona abdominal e queixou-se à 1ª Ré.
Assim, este ponto 1 dos fatos não provados passará a ter a seguinte redacção: 1-Por referência ao artigo 12º da petição inicial: ‘decorridos cerca de trinta minutos’, ‘empolada’.
2.O ponto 2 não provado, é contrariado pelos depoimentos da testemunha H…, J…, resultando para nós que a autora tinha a sensibilidade diminuída na zona abdominal e queixou-se à 1ª Ré. Assim quanto a este ponto 2 , porque, dele não devem constar as conclusões feitas na autora na petição inicial, e julgamos não provados apenas os seguintes factos:
2.A A. ficou com uma almofada térmica de tratamento quente mais tempo do que deveria sobre o seu abdómen; a autora não tinha qualquer sensibilidade naquela zona; a autora não se queixou de qualquer mal estar, dor, ou sensação de desconforto provocados pela libertação de calor ao nível da sua zona abdominal, onde se encontrava a dita almofada térmica, visto que nada sentia.
3.Relativamente ao ponto 3 dos fatos não provados (“Por referência ao Facto Provado em T): ‘ainda quente’, ‘por se ter mantido por tempo e temperatura superiores aos devidos’ ‘e empolada’2) este fato deve ser eliminado porquanto o tribunal a quo na nova sentença eliminou al. T. aí referida.
4.Relativamente aos pontos 4 e 5 (Decidiu a 1ª R., passar à fase seguinte do tratamento, tendo iniciado a massagem, deste modo fazendo com que a pele, que já apresentava patente vermelhidão e empolamento na zona peri-umbilical, tivesse rasgado e rebentado, 5- Por referência ao Facto Provado em U): deste modo fazendo com que a pele, que já apresentava patente vermelhidão e empolamento na zona peri-umbilical, tivesse rasgado e rebentado”) estes fatos referem-se a factos alegados nos artigos 18º e 9º da petição inicial. Ora considerando que convicção formada por este Tribunal foi no sentido de não ser falsa a alegação da autora e porque foram julgados provados que acolhem parte da alegação da autora, decidimos, nesta parte apenas julgar não provado o seguinte:
.Que logo após a realização da massagem tivesse ocorrido empolamento na zona peri-umbilical, e, logo após a massagem a pele dessa zona tivesse rasgado e rebentado.
5.Quanto aos fatos não provados nº6, nº7 e nº8 (6. Verificando que a pele na zona afectada se encontrava cada vez mais avermelhada e empolada, e já com formação de bolhas, a nível peri-umbilical e hipogástrico; 7- No dia 7 de Novembro, a A. dirigiu-se às instalações da 2ª R. para dar parte do sucedido, tendo-lhe sido garantido que tudo se faria para minimizar os incómodos;: 8- A 2ª R. assumiu que realizaria à A. os curativos de que esta necessitasse, bem como lhe custearia os medicamentos (pomadas e antibióticos) e consultas em dermatologia)
estes factos contrariam em parte factos por nós julgados provados e por isso determinamos a eliminação desses itens dos fatos não provados e julgamos provado os seguintes fatos “Verificando que a pele se encontrava cada vez mais avermelhada e empolada, e já com formação de bolhas, a nível peri-umbilical e hipogástrico no dia 7 de Novembro, a A. dirigiu-se às instalações da 2ª R. para dar parte do sucedido, tendo a segunda ré atendido a queixa apresentada, foi antecipada para o dia 10.11.2011 a segunda consulta agendada previamente à autora e após a observação da autora na consulta de dermatologia na clinica da 2ª ré, , foram prestados na clinica desta os tratamentos prescritos para a queimadura, por forma a curar as lesões resultantes da queimadura”
E não provado que a 2ª R. executou gratuitamente os curativos prestados à A. na clinica e as consultas em dermatologia.
6.Quanto ao item nº9 dos factos não provados (9 - Tendo finalizado os curativos de penso, a A. não foi mais encaminhada para nova consulta de fisioterapia. Limitando-se a fazer à A. os curativos com pensos), resultou para nós a convicção que a autora não chegou a ultimar na clinica da 2ª ré os curativos de penso e que a última consulta de fisioterapia ocorreu no dia 17.11.2011.
Assim, nesta parte do item 9 julgamos apenas não provado que a autora tenha finalizado os curativos de penso na clinica da 2ª ré.
7.Relativamente aos itens 10 e 12 dos fatos não provados (10- Como consequência directa e necessária da conduta da 1ª R., a A. foi vítima de queimaduras de 2º grau na zona abdominal); 12 -Por referência ao Facto Provado em DD): provocadas pelas lesões sofridas em resultado directo e necessário da conduta da 1ª R.)
na medida em que foram por nós julgados provado factos que contrariam estes factos não provados, determinamos a eliminação dos itens 10 e 12 dos fatos provados
8.Relativamente ao item 13 dos fatos não provados (13- Após o decurso dos vinte minutos, tempo controlado pela observação de relógio existente na parede das instalações da 2ª Ré, a aqui C… retirou o calor do abdómen da Autora) resulta que este facto não provado foi em parte julgado provado na primeira instância, pelo que, determinamos a eliminação deste item 13º dos fatos não provados).
9.Quanto ao item 17 dos fatos não provados (17- As condições gerais e particulares são as que constam dos documentos n.s 1 e 2 que acompanham a contestação da ré D…) não logramos perceber a inclusão desta afirmação nos fatos provados porque faz referência ao documentos onde se encontram as condições gerais e particulares que integram o contrato de seguro celebrado entre a 2ª Ré e a interveniente, a determinar que seja eliminado este item dos factos provados.
Não se provaram outros factos com interesse para a apreciação da causa.
Feita a reapreciação da impugnação da decisão de facto nos termos atrás expendidos, na decisão definitiva sobre a questão de facto naturalmente serão eliminados fatos que se repetem nas alíneas (melhor, cuja repetição se manteve), designadamente, as alíneas P) e SS) repetem-se e por isso serão fundidas numa única alínea, o mesmo sucedendo com as alíneas Q) e S)) dos fatos provados, e serão eliminadas contradições verificadas entre várias alíneas, concretamente, entre as R) e TT, porquanto uma refere que a autora foi observada por um médico fisiatra e outra refere-se que a autora foi observada por fisioterapeuta.
Assim, determinamos relativamente a estas alíneas R) e TT) que serão fundidas numa única alínea expurgada de contradições, com a seguinte redacção:
(R) e SS) -Nesse dia, 27.10.2011, a A. foi observada pelo clínico fisiatra Dr. G…, na data, ao serviço e sob a direcção da 2ª R., onde se constatou que, em resultado da intervenção cirúrgica, a A. perdera a sensibilidade na zona abdominal, o que aliás é normal no pós-operatório deste tipo de cirurgia, o referido clínico prescreveu-lhe 25 sessões de fisioterapia, sessões essas que se iniciaram em Outubro de 2011 e com uma frequência de 2/3 por semana.
Relativamente à al HH) afigura-se-nos, em face da prova produzida, porque não foi produzida prova relativamente às sessões de fisioterapia ocorridas antes da sétima sessão, que a redacção da mesma deve ser alterada no sentido de retractar fielmente o que foi por nós percepcionado, e, assim, a al HH) passa a ter a seguinte redacção:
HH) A Ré C… procedeu à análise da ficha da consulta havida com o médico fisiatra da qual constava o diagnóstico — abdominoplastia 30 de Agosto de 2011 bem como o tratamento indicado: calor húmido da parede abdominal anterior, massagem desfibrosante dos pontos aderentes e drenagem e pericicatricial, e em cada sessão de fisioterapia da autora executou o tratamento prescrito pelo médico fisiatra.

3.2.2.Decisão de facto definitiva. (na qual foi feito uma distinta enunciação e numeração dos fatos provados e não provados, fundindo o conteúdo de algumas alíneas repetidas na decisão de fato da sentença recorrida, por forma a permitir o encadeamento lógico dos fatos)
1.No dia 30 de Agosto de 2011, a A. foi sujeita a uma intervenção cirúrgica, na especialidade de cirurgia plástica, na M…, estabelecimento hospitalar situado na Rua …, .., nesta Comarca do Porto.(anterior al. N)
2.A intervenção cirúrgica consistiu numa abdominoplastia, procedimento que se destina a remover o excesso de pele e gordura do abdómen e para reposicionar os músculos da parede abdominal. (anterior al. O).
3.Assim, após a realização da abdominoplastia, terminados os curativos de penso pós-operatório, a A. foi orientada para tratamentos fisiátricos e dirigiu-se às instalações da ré, na posse de uma requisição/credencial modelo 330.10, vulgarmente denominado como “P1” emitido pelo seu Centro de Saúde, para a realização de sessões de fisioterapia. (anteriores als P) e SS).
4. A autora dirigiu-se à clínica ré porque esta tem uma convenção com a Serviço Nacional de Saúde e realiza o serviço ao abrigo dessa convenção e por causa dela, foi o Estado, no caso em apreço, Ministério da Saúde, que estabeleceu com certas entidades privadas, através de convenção/protocolo, que as mesmas, o substituiriam na realização de atos médicos, com o objectivo de diminuir o tempo de espera de tratamentos e intervenções cirúrgicas, dos seus (Serviço Nacional de Saúde) utentes, tendo sido neste contexto, que a autora se dirigiu ao estabelecimento, da ora ré, para a realização de sessões de fisioterapia, após ter realizado uma intervenção cirúrgica, denominada por abdominoplastia, noutro local e pelo mesmo sistema. (anterior al. XX).
5. No dia 27.10.2011 a autora foi observada pelo clínico fisiatra Dr. G…, na data, ao serviço e sob a direcção da 2ª R., onde se constatou que, em resultado da intervenção cirúrgica, a A. perdera a sensibilidade na zona abdominal, o que aliás é normal no pós-operatório deste tipo de cirurgia, o referido clínico prescreveu-lhe 25 sessões de fisioterapia.
6.As sessões de fisioterapia prescritas à autora, traduziam-se em ministrar à A. tratamentos com calor húmido (uma almofada térmica, composta de argila previamente aquecida em panela de água quente e envolta em toalhas, sobre a zona abdominal da A., durante cerca de 20 minutos por sessão) e massagem na mesa zona do corpo, adequados à sua recuperação clínica. (ex. al. A e ex al B)).
7.(ex. al II) Por calor húmido entende-se uma bolsa quente constituída por argila que está mergulhada numa panela de água quente (hidrocollator) a uma temperatura de, aproximadamente, 75º/80º graus, calor que, depois de ser retirado da panela, é envolto em seis camadas de toalhas e, depois, de um plástico por forma a evitar o contacto directo das toalhas com a pele.
8.(2ª Alínea QQ). O pico de temperatura máxima da almofada é atingido aos quatro/cinco minutos, a partir do momento em que sai da água quente e mantem-se nos cinco a dez minutos seguintes, começando depois a temperatura a diminuir, sendo que passados vinte minutos a temperatura da almofada é menor.
9. A diminuição da sensibilidade e fragilidade da pele foi objecto de avaliação na consulta médica que precedeu o início dos tratamentos executados pela 1ª Ré.
10.(ex al.C)Foi a 1ª R., na qualidade de fisioterapeuta, ao serviço e sob a direcção da 2ª R., quem foi incumbida de ministrar e executar os descritos tratamentos à A.
11. Assim, a 1ª ré procedeu à análise da ficha da consulta havida com o médico fisiatra da qual constava o diagnóstico — abdominoplastia 30 de Agosto de 2011 bem como o tratamento indicado: calor húmido da parede abdominal anterior, massagem desfibrosante dos pontos aderentes e drenagem e pericicatricia e em cada sessão de fisioterapia da autora executou o tratamento prescrito pelo médico fisiatra.
12..(ex al.D)No dia 4 de Novembro de 2011, a 1ª R. colocou a almofada térmica, que estava quente, no abdómen da A., para ali se manter durante cerca de vinte minutos, como já vinha fazendo em sessões anteriores.
13. (ex al. E)Após a colocação da almofada térmica, a 1ª R. disse à A. que iria estar consigo dentro de alguns minutos, pois nesse momento tinha de assistir uma outra utente, tendo-se ausentado do local onde a atendia.
14.(ex al.JJ) No dia 4 de Novembro de 2011, a aqui 1ª Ré realizou o sétimo tratamento de fisioterapia à Autora e assim depois de retirar o calor húmido da panela de água quente e de o envolver em seis camadas de toalhas, colocou o mesmo sobre o abdómen da Autora, onde estaria cerca de vinte minutos com aquela bolsa, posto o que iniciaria a massagem o mesmo procedimento adoptado nas seis sessões anteriores.
15(ex als NN) a “2ª alínea PP): Na sétima sessão e após retirar a almofada térmica, a pele da autora apresentava visível vermelhidão na pele, com uma laceração de cerca de um centímetro a nível superior da cicatriz e , mesmo assim, a fisioterapeuta, 1ª R. passou ao procedimento seguinte fazendo a massagem habitual, no fim da sessão”.
16. A 1ª R. aconselhou a A. a, em casa, aplicar um creme gordo naquela zona abdominal.
17.Após realização de uma abdominoplastia a perda de sensibilidade situava-se na zona da cicatriz e pode afastar-se dessa área para todas as zonas do abdómen por onde o cirurgião retirou tecidos gordos por debaixo da pele, porque pode ter ocorrido qualquer corte na parte da enervação da pele e provocar perda de sensibilidade
18.(2ªAlínea TT) A área onde a autora sofreu queimaduras é junto ao umbigo em zona superior à cicatriz da operação, em zonas de sensibilidade diminuída do abdómen à data em que fez o tratamento do dia 4.11.2011, condicionante que não foi atendida pela 1ª ré.
19“ Verificando que a pele se encontrava cada vez mais avermelhada e empolada, e já com formação de bolhas, a nível peri-umbilical e hipogástrico no dia dia 7 de Novembro, a A. dirigiu-se às instalações da 2ª R. para dar parte do sucedido, tendo a segunda ré atendido a queixa apresentada, foi antecipada para o dia 10.11.2011 a segunda consulta agendada previamente à autora e após a observação da autora na consulta de dermatologia na clinica da 2ª ré, foram aí prestados os tratamentos prescritos para a queimadura, por forma a curar as lesões resultantes da queimadura.
20.(ex. al F)A Autora registou uma reclamação no livro de reclamações, nos termos que constam de folhas 28, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
21 (ex al.G)Reclamação que resultou em decisão de arquivamento de processo disciplinar, de 2 de Abril de 2013, do Conselho Disciplinar Regional do Norte da Ordem dos Médicos, que se reproduz no Doc. 5 junto aos autos e que aqui se tem por integrada.
22. (ex alH)) A A. apresentou uma participação criminal contra a 1ª R., que deu origem ao processo nº 2055/11.3PAVNG, que corre termos ainda pela Secção Criminal da Instância Local de Vila Nova de Gaia, nesta Comarca (extinto 3º Juízo Criminal) em que foi proferida, com trânsito em julgado, sentença a homologar a desistência de queixa aí apresentada pela aqui Autora.
23.(ex al.I)A Autora nasceu a 12/1/1974.
24.(ex al.J)A ré é uma sociedade por quotas, cujo objecto principal é a prestação de serviços no âmbito da actividade de reabilitação fisiátrica.
25.(ex al.L)A ré D…, Lda. celebrou com a Interveniente E…- Companhia de Seguros, S.A. um contrato de seguro titulado pela apólice n.º ……., cujas condições gerais, particulares e especiais se mostram juntas aos autos.
26.(ex alM)Tal apólice tinha por objecto a responsabilidade civil emergente do estabelecimento de “Clínica Médica” por danos corporais e/ou materiais causados a terceiros no âmbito das coberturas contratadas do ramo em questão com o valor máximo por período seguro e sinistro de € 150.000,00.
27.(exQQ) Não cabe à 1ª Ré proceder à regulação da temperatura da panela de água quente na qual os calores são submergidos.
28. (ex. al.RR) O mesmo procedimento é efectuado diversas vezes ao dia, em vários pacientes, sem qualquer lesão, sendo que na clínica ré realizaram-se milhares destas aplicações, sem qualquer lesão, nomeadamente no dia em que a autora fez a sexta sessão, nenhum outro paciente atendido (ou no dia anterior ou no dia seguinte) manifestou qualquer queixa ou alegou ter sofrido qualquer lesão, não tendo havido qualquer alteração da temperatura dos materiais usados.
29. (ex. al.UU) O aquecimento da argila nas instalações da ré é sempre controlado por profissionais experientes, tratamentos iguais e similares são realizados diariamente pelos funcionários da ré, também em crianças e idosos, nunca tendo acontecido ocorrência semelhante à ocorrida com a autora.
30 (ex al.VV) Os equipamentos não tiveram qualquer avaria.
31 (ex al.ZZ) As condições particulares da apólice n.º ……. em vigor são as que vêm a instruir o articulado da interveniente, sendo que as CPA as condições gerais aplicáveis são as nº 22, que vêm a instruir o articulado da interveniente.
32 (ex al.AA) O alegado sinistro não foi participado à chamada senão após a propositura da presente acção.
33. A queimadura abdominal de 2º grau diagnosticada à autora no dia 5 de Novembro de 2011 foi causada pela atuação da 1ª ré descrita nos itens 10º a 18º dos fatos provados.
34. .Em resultado da queimadura de 2º grau sofrida pela autora, no dia 22-03-2018 a autora apresentava ao exame objectivo “três áreas hiperpigmentadas, duas na região peri-umbilical, à esquerda da linha média, a maior das quais com 5 por 3,5 centímetros de maiores dimensões, a terceira localiza-se na mesma região, à direita da linha média, medindo 4,5 por 2 centímetros de maiores dimensões, associadas a alterações de sensibilidade, sendo que estas áreas cicatriciais ocupavam menos de 10% da área de superfície corporal e apresentavam alteração da sensibilidade.
35. As descritas lesões determinaram à A. 60 dias para a consolidação médico-legal, com afectação parcial da capacidade de trabalho geral, face à necessidade de prosseguir com tratamentos de enfermagem, pelo período de sessenta dias, causaram-lhe sequelas permanentes, as quais, sob o ponto de vista médico-legal, se traduzem nas cicatrizes já mencionadas a nível da região peri-umbilical, que condicionam ainda sequelas funcionais e situacionais e determinaram à A. a impossibilidade de ser sujeita a qualquer outra cirurgia que lhe permita recuperar a sensibilidade abdominal ou outra qualquer que lhe permita obter resultados acrescidos àquela que foi realizada em 30 de agosto de 2011, pois que, em resultado das descritas cicatrizes, a A. não tem tecido com capacidade regeneradora na zona afectada.
36. À data dos factos a A. tinha 37 anos de idade, e tinha iniciado um tratamento que visava corrigir a deformidade da parede abdominal resultante de cirurgias prévias, correcção com que se pretendia, essencialmente, para minimizar os riscos para a saúde cardiovascular decorrentes da acumulação de massa gorda na zona abdominal, representava, também, para a A., uma melhoria estética, determinante para a sua autoestima, estando a A. confiante e optimista e com grandes expectativas em relação à cirurgia e aos tratamentos subsequentes.
37. Por força das cicatrizes a A. ficou profundamente decepcionada, triste, angustiada e infeliz, sofre de crises de ansiedade, desde então, baixou patentemente a sua autoestima, o que se reflecte negativamente nas suas relações familiares e pessoais, tem vergonha das sequelas e cicatrizes que apresenta na zona abdominal, o aspecto da barriga influencia a sua autoestima e forma como interage socialmente, condiciona-lhe decisões simples, como por exemplo a escolha de roupa, o evitar ir à praia, sendo certo que, durante o primeiro ano foi mesmo desaconselhada, por indicação médica, a expor-se ao sol.
38. A A. sofreu ainda incómodos, preocupações, sacrifícios, aborrecimentos e angústias, quer no decurso da agressão, quer durante o período que se manteve em tratamento, quer ainda actualmente com as cicatrizes que a impedem de ter uma vida social normal, e de, mais grave, ser submetida a nova intervenção cirúrgica.
39.Acresce a dor psicológica e o desgosto que sente diariamente pela desfiguração inerente às cicatrizes e ao sentimento de vergonha e angústia que a vão acompanhar para o resto da vida.
FACTOS NÃO PROVADOS
1-Por referência ao artigo 12º da petição inicial: ‘decorridos cerca de trinta minutos’, ‘empolada’.
2.A A. ficou com uma almofada térmica de tratamento quente mais tempo do que deveria sobre o seu abdómen; a autora não tinha qualquer sensibilidade naquela zona; a autora não se queixou de qualquer mal estar, dor, ou sensação de desconforto provocados pela libertação de calor ao nível da sua zona abdominal, onde se encontrava a dita almofada térmica, visto que nada sentia.
3.Que logo após a realização da massagem tivesse ocorrido empolamento na zona peri-umbilical, e, logo após a massagem a pele dessa zona tivesse rasgado e rebentado.
4.Que a 2ª R. executou gratuitamente os curativos prestados à A. na clinica e as consultas em dermatologia.
5.Que a autora tenha finalizado os curativos de penso na clinica da 2ª ré.
6. A A. sempre foi uma pessoa alegre, empenhada e dedicada à sua família, com a qual sempre gostou de passar férias e fazer praia.
7. No início do tratamento, nas duas primeiras sessões, a fisioterapeuta assegurou se cuidadosamente que não havia qualquer reacção da autora ao calor.
8. A falta de sensibilidade daquela zona, aliado ao tempo entretanto decorrido, inculca que tenha havido uma qualquer intervenção nessa zona que não foi transmitida aos técnicos da contestante, como seja fortes massagens para drenagem linfática ou mesoterapia e que tenha sensibilizado a pele naquela zona.
Não se provaram outros factos com interesse para a apreciação da causa.

3.3. Do Mérito da Sentença recorrida.
3.3.1.Alterada que foi a factualidade julgada provada e não provada importa enquadrar juridicamente a factualidade apurada e convocar o regime da responsabilidade civil extracontratual aos autos.
Efectivamente, da factualidade apurada resulta a natureza extracontratual da responsabilidade civil inerente, uma vez que os tratamentos de fisioterapia foram executados no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, inexistindo qualquer contrato entre a autora-recorrente e qualquer das rés.
Assim, porque resulta provado que a 2ª ré é uma entidade convencionada que celebrou convenção com o Estado destinada a regular a prestação de cuidados de reabilitação e fisioterapia no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, porque as entidades convencionadas assumem-se, indiscutivelmente, como parceiros do Estado na prossecução do interesse colectivo de acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, desempenhando, pois, enquanto tal, uma verdadeira função administrativa. Tais convenções - verdadeiras parcerias público privadas - configuram verdadeiros contratos administrativos, estando os procedimentos adoptados por tais entidades, na execução das funções públicas que lhes foram confiadas, sujeitos aos “processos de garantia de qualidade definidos pelas entidades competentes do Ministério da Saúde.
Assim, igualmente se impõe à 2ª ré a observância do Estatuto do SNS, por o mesmo se aplicar às “entidades particulares e profissionais em regime liberal integradas na rede nacional de prestação de cuidados de saúde, quando – como no presente caso, as mesmas se encontram – articuladas com o Serviço Nacional de Saúde”.
Concluindo. Inexiste um vinculo contratual privado entre a 2ª ré e a autora, irrelevando, no caso, que o Estado não seja o empregador da 1ª ré, sendo a 2ª ré um estabelecimento privado que prestou cuidados de saúde à autora, utente do SNS.
E é indubitável o enquadramento da responsabilidade pela prestação de cuidados de saúde em estabelecimentos privados convencionados no domínio da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, incumbindo ao lesado o ónus de alegar e provar os factos integradores dos pressupostos dessa responsabilidade, o que é afirmado quer doutrinal quer jurisprudencialmente, a saber: o fato voluntário do agente; ilicitude do facto do agente; um nexo de imputação do afto ao agente; depois, que à violação do direito subjectivo ou da lei sobrevenha um dano; por último, que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vitima, de modo a poder afirmar –se, à luz do direito, que o dano é resultante da violação.
A responsabilidade extracontratual surge como consequência da violação de direitos absolutos, que se encontram desligados de qualquer relação pré-existente entre o lesante e o lesado (obrigação de indemnizar em consequência de um acidente de viação, por exemplo).
E no que concerne ao nexo de causalidade exigível entre o acto ilícito do agente e o dano sofrido pelo lesado, sempre se dirá.
O art.º 563 do CC consagrou, quanto ao nexo de causalidade, a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa de Enneccerus-Lehman, nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias.
Para a verificação do nexo, não é necessária uma causalidade directa (do tipo causa-efeito), bastando-se a nossa lei com uma causalidade indirecta (o autor da lesão é responsável por todos os danos ulteriores que eram de esperar segundo o curso normal das coisas, ou foram especialmente favorecidos pela conduta do agente quer na sua própria verificação quer na sua actuação concreta em relação ao dano de que se trata).
Portanto, o facto será causa adequada do dano quando se mostre idóneo e capaz, tendo em conta as circunstâncias conhecidas do agente, de produzir um determinado prejuízo. Esta teoria baseia-se numa vertente naturalística, na medida em que se impõe ao julgador apreciar os factos deram origem ao dano, e numa vertente jurídica, que consiste em averiguar se o facto em concreto é idóneo a subsumir-se na previsão normativa que impõe o dever de indemnizar. Assim, não basta que o facto praticado pelo agente tenha sido, em concreto, condição de produção do dano (conditio sine qua non), pois o dano, em abstrato deve também ser uma causa normal ou típica do facto (artigo 563.º do Código Civil). Nesta medida, deve averiguar-se se, de acordo com um juízo de probabilidade, a prática do facto lesivo era idóneo a originar aqueles danos, de forma a poder afirmar-se que o dano seria um efeito provável da sua atuação. Para se proceder a esse juízo de prognose deve atentar-se não só nas circunstâncias que o agente efetivamente conhecia mas também naquelas que ele poderia ter conhecimento. Estes juízos de probabilidade deverão ser fundados nos conhecimentos médios, na experiência comum e nas circunstâncias do caso pelo que cabe ao julgador, colocado no momento da prática do facto lesivo, decidir, através de um juízo de prognose, se os prejuízos que se verificaram eram prováveis e naturais consequências daquele ou se, pelo contrário, foram o resultado de uma evolução extraordinária, imprevisível e portanto improvável do facto alegadamente lesivo.
A responsabilidade contratual pressupõe a existência duma relação inter-subjectiva, que atribuía ao lesado um direito à prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente dessa mesma relação (caso típico da violação de um contrato).
E pese embora a responsabilidade civil dos profissionais de saúde admita ambas as formas de responsabilidade, pois o mesmo facto poderá, ao mesmo tempo, representar a violação de um contrato e um facto ilícito extracontratual, no domínio da responsabilidade aquiliana, a responsabilidade civil delitual (extracontratual) da 1ª ré decorrerá da alegada violação de direito de outrem ou de normas destinadas a proteger interesses alheios (art.º 483º do CCiv). Que no caso da actividade dos fisioterapeutas são, designadamente, o direito à vida, à dignidade e integridade pessoal (artigos 24º, 25º e 26º da Constituição e 70º do CCiv) e a obrigação de exercer a sua profissão de acordo com as ‘leges artis’ prestando os melhores cuidados ao seu alcance.
Por isso, temos por adequado a aplicação ao caso dos autos do regime da responsabilidade civil extra contratual regulado nos artigos 483º a 510º, do Código Civil e assim, incumbia à autora lesada a prova dos requisitos da responsabilidade civil extra-contratual.

3.3.2. No caso dos presentes autos, estando em causa o apuramento da ilicitude de atos praticados por profissionais de saúde, concretamente de uma fisioterapeuta que trabalhava para a 2ª ré, impõe-se averiguar se estão provados os factos integradores da ilicitude e da culpa, aqui consubstanciados na violação das leges artis, por parte da 1ª ré, fisioterapeuta que prestou à autora tratamentos de fisioterapia prescritos por um médico fisiatra que prestava serviços para a 2ª ré, sua comitente, sendo que a responsabilidade desta é modelada de acordo com o estatuído no art 500º do CCivil.
Importa depois verificar se tais atos, ou eventuais omissões, foram também os diretos causadores dos danos peticionados pela Autora.
Por isso, é determinante apurar se as leges artis que se impunham seguir no caso concreto foram efetivamente violadas pela 1ª ré demandada nos presentes autos, ou seja, se foi ou não cumprida a praxis que era exigível adotar nos referidos atos de fisioterapia, traduzidos na aplicação de calor húmido na zona abdominal da autora.
A propósito, e como refere Luís Filipe Pires de Sousa [4]: No que tange à definição do conteúdo material das legis artis, realce-se o contributo da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina (vigente em Portugal desde 1.12.2001) que veio dispor no seu Artigo 4º que “Qualquer intervenção na área da saúde, incluindo a investigação, deve ser efetuada na observância das normas e obrigações profissionais, bem como as regras de conduta aplicáveis ao caso concreto”. Daqui decorre o reforço do valor jurídico dos “Protocolos”, “Guidelines” e das “Reuniões de consenso”, os quais consubstanciam documentos criados pelos médicos que contribuem diretamente para a definição das regras de conduta a que se deverá subordinar a sua atividade. Deste modo, tais documentos colhem uma aplicação indireta. A respetiva violação faz presumir uma violação das legis artis”.
Avançando, impõe-se no caso dos autos apurar se a actuação provada da 1ª ré é desconforme daquele padrão de conduta profissional que um fisioterapeuta medianamente competente, prudente e sensato, teria tido em circunstâncias semelhantes àquelas dos autos.
É que nesta área da prestação de cuidados de saúde, o fisioterapeuta deve atuar de acordo com o cuidado, a perícia e os conhecimentos compatíveis com os padrões por que se regem os fisioterapeutas sensatos, razoáveis e competentes do seu tempo, a implicar que se pressupõe que o fisioterapeuta se mantem razoavelmente atualizado sobre a evolução dos conhecimentos na respectiva área. Ou seja, exige-se ao fisioterapeuta que atue com aquele grau de cuidado e competência que é razoável esperar de um profissional da mesma especialidade, agindo em circunstâncias semelhantes. Desta forma e no âmbito da responsabilidade profissional, o critério do bom pai de família é substituído pelo critério do bom profissional da categoria e especialidade do devedor à data da prática do facto. [5]
Acresce que na actividade probatória que incumbe ao autor assume particular importância a prova de primeira aparência ou prima facie que se baseia no decurso típico dos acontecimentos, assentando numa presunção judicial ou natural: é do que, segundo a experiência da vida, acontece normalmente, que é possível inferir a veracidade do facto presumido. Ou seja, existe uma relação de probabilidade típica, assente em regras da experiência comum ou regras técnicas, entre um facto e a sua causa. Parte-se de um resultado verificado e, de acordo com uma ideia de verosimilhança, considera-se verificado o curso normal típico que a ele conduz. [6]
E essa prova de primeira aparência foi por nós valorada na motivação da decisão sobre a impugnação dos fatos.
Atente-se que a execução pelos técnicos de fisioterapia de tratamento prescrito aos pacientes por médico fisiatra consubstancia um processo dinâmico, porquanto nessa execução podem existir reacções adversas não previstas por parte daquele doente, as quais, exigem que aqueles técnicos monitorizem os doentes para ver se a execução do tratamento se revela adequada e em caso negativo, devem avisar o médico fisiatra.
No caso dos presentes autos a Autora imputa os danos não patrimoniais por si sofridos à concreta actuação da 1ª ré.
Ora, ficaram provados os seguintes fatos:
10.(ex al.C)Foi a 1ª R., na qualidade de fisioterapeuta, ao serviço e sob a direcção da 2ª R., quem foi incumbida de ministrar e executar os descritos tratamentos à A..
11.(ex al.D)No dia 4 de Novembro de 2011, a 1ª R. colocou a almofada térmica, que estava quente, no abdómen da A., para ali se manter durante cerca de vinte minutos, como já vinha fazendo em sessões anteriores.
12. (ex al. E)Após a colocação da almofada térmica, a 1ª R. disse à A. que iria estar consigo dentro de alguns minutos, pois nesse momento tinha de assistir uma outra utente, tendo-se ausentado do local onde a atendia.
13.(ex al.JJ) No dia 4 de Novembro de 2011, a aqui 1ª Ré realizou o sétimo tratamento de fisioterapia à Autora e assim depois de retirar o calor húmido da panela de água quente e de o envolver em seis camadas de toalhas, colocou o mesmo sobre o abdómen da Autora, onde estaria cerca de vinte minutos com aquela bolsa, posto o que iniciaria a massagem o mesmo procedimento adoptado nas seis sessões anteriores.
14(ex als NN) a “2ª alínea PP): Na sétima sessão e após retirar a almofada térmica, a pele da autora apresentava visível vermelhidão na pele, com uma laceração de cerca de um centímetro a nível superior da cicatriz e mesmo assim a fisioterapeuta, 1ª R. passou ao procedimento seguinte fazendo a massagem habitual, no fim da sessão”.
15. A 1ª R. aconselhou a A. a, em casa, aplicar um creme gordo naquela zona abdominal.
16. O pico de temperatura máxima da almofada é atingido aos quatro/cinco minutos, a partir do momento em que sai da água quente e mantem-se nos cinco a dez minutos seguintes, começando depois a temperatura a diminuir, sendo que passados vinte minutos a temperatura da almofada é menor.
17.(2ªAlínea TT) A área onde a autora sofreu queimaduras é junto ao umbigo em zona superior à cicatriz da operação, em zonas de sensibilidade diminuída do abdómen à data em que fez o tratamento do dia 4.11.2011, condicionante que não foi atendida pela 1ª ré.
18.“ Verificando que a pele se encontrava cada vez mais avermelhada e empolada, e já com formação de bolhas, a nível peri-umbilical e hipogástrico; no dia dia 7 de Novembro, a A. dirigiu-se às instalações da 2ª R. para dar parte do sucedido, tendo a segunda ré atendido a queixa apresentada, foi antecipada para o dia 10.11.2011 a segunda consulta agendada previamente à autora e após a observação da autora na consulta de dermatologia na clinica da 2ª ré, foram aí prestados os tratamentos prescritos para a queimadura, por forma a curar as lesões resultantes da queimadura.
Desta factualidade resulta para nós que a 1ª ré, quando detectou que a pele do abdómen da autora estava avermelhada e que existia uma laceração na cicatriz, deveria ter suspendido o tratamento e não realizar a massagem, porquanto tudo indicava que a pele da autora não estava em condições de suportar a massagem e que se impunha, de acordo as leges artis dos técnicos de fisioterapia, a interrupção da terapêutica prescrita, ao contrário da generalidade dos doentes que nesse dia ultimaram os tratamentos com calor húmido.
Esta afirmação não colide com a qualificação da prestação da 1ª ré, como sendo uma obrigação de meios, sabido que a responsabilidade pelo resultado não atende às idiossincrasias próprias de cada doente.
O que releva para o caso em apreço é que a 1º ré não actuou de acordo com o padrão de conduta que era exigível pelas referidas regras de conduta a um fisioterapeuta medianamente competente, prudente e sensato, em circunstâncias semelhantes àquelas dos autos.
E a responsabilidade da 1ª ré traduz-se na sua actuação desconforme com o padrão de conduta que era exigível pelas referidas regras de conduta a um fisioterapeuta medianamente competente, prudente e sensato, em circunstâncias semelhantes àquelas dos autos.
Logo, não existindo fatos para ser discutida a bondade da terapêutica instituída, afigura-se-nos que a factualidade prova preenche os requisitos da responsabilidade civil extra-contratual da 2º ré, na medida em que está apurado que a actuação da 1ª ré, que actuou como comissária da 2ª ré, comitente, integra o conceito de ilicitude por contrária às leges artis aplicáveis ao caso concreto, revelando os autos que dessa actuação resultaram lesões para a autora, as quais, foram causa adequada dos danos por esta sofridos.
Concluindo: Verifica-se o pressuposto da ilicitude e da culpa em relação à atuação da 1ª ré.
Por fim, no que concerne ao nexo causal concluímos que a factualidade apurada revela estar provado o nexo de causalidade natural, entre a atuação da 1ª ré, acima descrita, e os danos não patrimoniais sofridos pela autora resultantes das lesões por esta sofridas e que tiveram como causa aquela actuação.
E no tocante à responsabilidade da 2ª ré, que aqui foi demandada na qualidade de comitente e por conta de quem a 1ª ré agiu, porque resultou provado que a actuação da 1ª ré foi realizada por conta e sob direcção da 2ª ré, não poderá deixar de ser responsabilizada com aquela a título solidário, sendo aqui aplicável o disposto no artigo 500º do CCivil.
Assim, porque a actuação da 1ª ré que foi considerada ilícita foi praticada no exercício da função que lhe foi confiada pela 2ª ré afigura-se-nos que a 1ª ré se encontrava numa posição especialmente adequada à prática do facto, o que, permite concluir pela responsabilidade da 2ª ré, comitente, pelos danos sofridos pela autora resultantes da actuação da 1ª ré, sem prejuízo do direito de regresso a que alude o nº3 do artigo 500º do CCivil.
3.3.3.Da medida da compensação devida à autora pelos danos não patrimoniais por esta sofridos.
Nesta parte apuraram-se os factos seguintes:
“34. .Em resultado da queimadura de 2º grau sofrida pela autora, no dia 22-03-2018 a autora apresentava ao exame objectivo “três áreas hiperpigmentadas, duas na região peri-umbilical, à esquerda da linha média, a maior das quais com 5 por 3,5 centímetros de maiores dimensões, a terceira localiza-se na mesma região, à direita da linha média, medindo 4,5 por 2 centímetros de maiores dimensões, associadas a alterações de sensibilidade, sendo que estas áreas cicatriciais ocupavam menos de 10% da área de superfície corporal e apresentavam alteração da sensibilidade.
35. As descritas lesões determinaram à A. 60 dias para a consolidação médico-legal, com afectação parcial da capacidade de trabalho geral, face à necessidade de prosseguir com tratamentos de enfermagem, pelo período de sessenta dias, causaram-lhe sequelas permanentes, as quais, sob o ponto de vista médico-legal, se traduzem nas cicatrizes já mencionadas a nível da região peri-umbilical, que condicionam ainda sequelas funcionais e situacionais e determinaram à A. a impossibilidade de ser sujeita a qualquer outra cirurgia que lhe permita recuperar a sensibilidade abdominal ou outra qualquer que lhe permita obter resultados acrescidos àquela que foi realizada em 30 de agosto de 2011, pois que, em resultado das descritas cicatrizes, a A. não tem tecido com capacidade regeneradora na zona afectada.
36.À data dos factos a A. tinha 37 anos de idade, e tinha iniciado um tratamento que visava corrigir a deformidade da parede abdominal resultante de cirurgias prévias, correcção com que se pretendia, essencialmente, para minimizar os riscos para a saúde cardiovascular decorrentes da acumulação de massa gorda na zona abdominal, representava, também, para a A., uma melhoria estética, determinante para a sua autoestima, estando a A. confiante e optimista e com grandes expectativas em relação à cirurgia e aos tratamentos subsequentes.
37.Por força das cicatrizes a A. ficou profundamente decepcionada, triste, angustiada e infeliz, sofre de crises de ansiedade, desde então, baixou patentemente a sua autoestima, o que se reflecte negativamente nas suas relações familiares e pessoais, tem vergonha das sequelas e cicatrizes que apresenta na zona abdominal, o aspecto da barriga influencia a sua autoestima e forma como interage socialmente, condiciona-lhe decisões simples, como por exemplo a escolha de roupa, o evitar ir à praia, sendo certo que, durante o primeiro ano foi mesmo desaconselhada, por indicação médica, a expor-se ao sol.
38. A A. sofreu ainda incómodos, preocupações, sacrifícios, aborrecimentos e angústias, quer no decurso da agressão, quer durante o período que se manteve em tratamento, quer ainda actualmente com as cicatrizes que a impedem de ter uma vida social normal, e de, mais grave, ser submetida a nova intervenção cirúrgica.
39. Acresce a dor psicológica e o desgosto que sente diariamente pela desfiguração inerente às cicatrizes e ao sentimento de vergonha e angústia que a vão acompanhar para o resto da vida.”
Analisada esta factualidade, é seguro para nós que no caso, estão provados danos com gravidade suficiente para serem indemnizáveis (nº 2 do artigo 496º do Código Civil).
Nesta conformidade, considerando a idade da autora e os factos acima referidos, parece-nos ajustada nesta data a indemnização 6 000,00 euros, sendo que a partir desta data serão contados os juros de mora.
Por último, porque a recorrente nas suas alegações e conclusões recursórias não questionou, nem impugnou a sentença recorrida na parte em que julgou improcedente a acção relativamente à interveniente, com fundamento no facto do contrato de seguro vigente à data dos factos ter apenas cobertura para a responsabilidade civil emergente da exploração do estabelecimento de clinica médica por danos corporais e/ou matérias causados a terceiros com exclusão dos danos resultantes dos danos decorrentes de responsabilidade civil profissional, independentemente da (im) procedência da acção, nada se nos oferece acrescentar a esse respeito.
Sumário.
………………………………
………………………………
………………………………
IV. DISPOSTIVO.
Nestes termos, acordam os juízes deste tribunal da Relação do Porto, em julgar parcialmente procedente a apelação e, e em consequência, revogam parcialmente a sentença recorrida e condenam as 1ª e 2ª Rés a pagarem à autora a quantia de 6 000,00, euros a título de danos não patrimoniais, à qual, acrescem juros de mora desde esta data, absolvendo as rés do restante pedido.
Custas por A e RR na proporção do vencido.

Porto, 1.07.2021
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
João Venade
_____________
[1] Neste sentido, ver Ac Relação de Lisboa de 28-04-2020, disponível em www.dgsi.pt
[2] Neste sentido pode consultar-se https://www.msdmanuals.com/pt-pt/casa/les%C3%B5es-e-envenenamentos/queimaduras/queimaduras; https://www.tuasaude.com/primeiros-socorros-para-queimaduras/; https://www.inem.pt/2017/05/29/queimaduras/
Pode consultar-se o endereço https://www.mdsaude.com/dermatologia/queimaduras/ onde se refere:
“As queimaduras de segundo grau são atualmente divididas em 2º grau superficial e 2º grau profundo.
A queimadura de 2º grau superficial é aquela que envolve a epiderme e a porção mais superficial da derme.
Os sintomas são os mesmos da queimadura de 1º grau incluindo ainda o aparecimento de bolhas e uma aparência húmida da lesão. A cura é mais demorada podendo levar até 3 semanas.
As queimaduras de 2º grau profundas são aquelas que acometem toda a derme, sendo semelhantes às queimaduras de 3º grau. Como há risco de destruição das terminações nervosas da pele, este tipo de queimadura, que é bem mais grave, pode até ser menos doloroso que as queimaduras mais superficiais. As glândulas sudoríparas e os folículos capilares também podem ser destruídos, fazendo com a pele fique seca e perca seus pelos. A cicatrização demora mais que 3 semanas e costuma deixar cicatrizes
[3] A propósito, reproduzimos aqui um segmento do endereço: http://www.apfisio.pt/autonomia-profissional-do-fisioterapeuta-esclarecimento/ Associação Portuguesa de Fisioterapeutas, do qual resulta a autonomia profissional do fisioterapeuta :
(…)O Fisioterapeuta é um profissional de saúde, dotado de autonomia profissional, nos termos da lei. Esta afirmação é fundamentada, a nível internacional, pelo reconhecimento da European Skills, Competences, Qualifications and Occupations (ESCO) do Fisioterapeuta como um profissional de saúde autónomo, responsável pelos atos de Fisioterapia que pratica junto dos seus clientes, com o código 226.4 da Classificação Internacional das Ocupações – ISCO-08, à qual, no âmbito da prestação de serviços de saúde, compete a avaliação, o planeamento, a interpretação, a tomada de decisão clínica, o tratamento e a avaliação dos resultados da sua intervenção.Também a nível nacional, a autonomia do Fisioterapeuta é referida pelo Decreto-Lei n.º 111/2017, de 31 de agosto, que estabelece o regime da carreira especial de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, onde a Fisioterapia se insere, no pressuposto legal de carreira especial da Saúde, tal como outras, nomeadamente médica e de enfermagem, conferindo-lhes a carreira uma total autonomia profissional, técnica e funcional, numa linha própria identitária. Segundo este documento, que revoga o anterior Decreto-Lei nº 564/99, de 21 de dezembro, as profissões abrangidas “devem ser exercidas com plena responsabilidade profissional e autonomia técnico-científica, sem prejuízo da intercomplementaridade funcional com os outros profissionais de saúde também integrados em equipas multidisciplinares”. Importa ainda referir que a carreira destes profissionais se organiza “por áreas da prestação de cuidados de saúde, nomeadamente, hospitalar, saúde pública, cuidados de saúde primários, continuados e paliativos, docência e investigação, podendo, no futuro, vir a ser integradas outras áreas”. No âmbito da sua atuação, segundo o n.º 2 do artigo 5.º, do mesmo Decreto, os profissionais integrantes da carreira dos TSDT, no que ao caso interessa, o Fisioterapeuta deve: “a) Conceber, planear, organizar, aplicar, avaliar e validar o processo de trabalho no âmbito da respetiva profissão, com o objetivo da promoção da saúde, da prevenção, do diagnóstico, do tratamento, da reabilitação e da reinserção”; “b) validar, ponderar e avaliar criticamente o resultado do seu trabalho, assumindo a responsabilidade pelos cuidados de saúde prestados, e assessorar as instituições, serviços e estabelecimentos de saúde emitindo pareceres, de acordo com as qualificações detidas”; “c) prestar cuidados e intervir sobre indivíduos, conjunto de indivíduos ou grupos populacionais, doentes ou saudáveis, tendo em vista a proteção, melhora ou manutenção do seu estado e nível de saúde”; “d) Assumir responsabilidades de gestão e promover o desenvolvimento profissional, bem como participar em auditorias clínicas e de investigação para o desenvolvimento da prática profissional e da sua base científica”; “e) Participar em processos de licenciamento de equipamentos e infraestruturas na área da respetiva profissão”. Não pode, assim, neste âmbito, a autonomia do Fisioterapeuta ser delimitada por regulamentos internos de outras profissões, que definem os respetivos atos profissionais próprios, mas não no âmbito da fisioterapia. Tratando-se de regulamentos internos delimitados às respetivas outras profissões, só vinculam aqueles profissionais, e não outros, com os quais devem atuar no seio de verdadeiras equipas multidisciplinares. No âmbito da complementaridade funcional e da defesa dos interesses dos seus utentes, os Fisioterapeutas devem sempre assegurar que, em cada caso específico, não existem razões clínicas que contraindiquem, ou condicionem, a utilização dos meios terapêuticos que tencionam utilizar. Nesse sentido, sem prejuízo da organização interna de cada instituição/serviço, quando o utente procura o Fisioterapeuta, para fins terapêuticos, sem indicação expressa (escrita ou verbal) de um médico, é exigido, em termos éticos, que o Fisioterapeuta, depois de avaliar a situação e identificar os problemas a resolver, contacte com o médico responsável pelo utente, no sentido de o informar sobre a sua proposta de intervenção, compreender melhor a situação clínica do utente e identificar a existência de qualquer contraindicação, que imponha limitações à sua intervenção, devendo tal aferição ser enquadrada no respetivo consentimento informado. É assim, em nome destes postulados, que se passou a reconhecer o direito ao registo das Unidades de Fisioterapia obrigando à existência de um responsável técnico Fisioterapeuta, sem necessidade de direção clínica, desde que a atividade seja precedida de uma indicação clínica, que pode ser efetuada por qualquer especialidade médica. Aliás, esta é uma realidade transversal nos Estados-membros da União Europeia.Fica claro que, seja em contexto previsto pelo Decreto-Lei n.º 111/2017, seja em contexto privado, o Fisioterapeuta é um profissional dotado de autonomia, responsável pelos atos de Fisioterapia que pratica, a quem compete a avaliação, o planeamento, a interpretação, a tomada de decisão de fisioterapia, o tratamento e a avaliação de resultados junto dos seus clientes, sem prejuízo da multi e interdisciplinaridade, bem como das diretrizes emanáveis em estruturas orgânicas que determinem necessárias adaptações.
[4] O ónus de prova na responsabilidade civil médica, in Data Venia, Revista Jurídica Digital, Ano 6, 8 Junho 2008 8 pp.5-24)
[5] Neste sentido, e no tocante a atos médicos, p. 11 do texto referido na nota anterior.
[6] Neste sentido, e no tocante a atos médicos, p. 14 do texto referido na nota anterior.