Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4061/20.8T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: TERMO RESOLUTIVO
MOTIVO JUSTIFICATIVO
VALIDADE
Nº do Documento: RP202204044061/20.8T8MTS.P1
Data do Acordão: 04/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Para que se possa afirmar a validade do termo resolutivo aposto ao contrato é necessário que se explicitem no seu texto os factos que possam reconduzir ao motivo justificativo indicado e que tais factos tenham correspondência com a realidade.
II - Considera-se celebrado por tempo indeterminado o contrato a termo e respetivas renovações quando o respetivo texto não concretiza com factos os acréscimos temporários de trabalho que foram invocados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 4061/20.8T8MTS.P1
Autora: AA
: S..., Lda.
_______
Nélson Fernandes (relator)
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. AA instaurou ação declarativa, com processo comum, contra S..., Lda., pedindo que seja julgada a ação procedente e em consequência:
1) ser declarado nulo o termo resolutivo certo aposto no contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré e, consequentemente, declarar que o trabalho foi prestado pela Autora à Ré em regime de contrato de trabalho sem termo;
2) ser declarada a ilicitude do despedimento;
3) condenar a Ré na reintegração da Autora no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
4) a pagar à Autora:
a) uma indemnização no valor de € 2500,00, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados ao Autora, devidos pelo despedimento ilícito;
b) a quantia mencionada no artigo 22º, alínea c), supra, no montante de € 1195,01, a título retribuições vencidas e não pagas, nos termos do artigo 390.º, n.º 2, alínea b, Código do Trabalho;
c) todas as retribuições vincendas: remuneração base; subsídio de alimentação; subsídio de transporte; férias e respetivo subsídio; subsídio de Natal;
d) os juros de mora que se vencerem até efetivo e integral pagamento.
e) nos juros à taxa legal de 5% que acrescem aqueles a partir do trânsito em julgado da sentença que decrete a ilicitude do despedimento.
Alegou, para tanto em suma, que trabalhou por conta da ré desde 19 de julho de 2017, data em que celebraram por escrito contrato a termo certo de 10 meses, que sofreu duas renovações automáticas, até que em 26/6/2020 a autora recebeu carta de rescisão do contrato de trabalho emitida pela ré. Invoca a autora a nulidade do termo certo aposto no contrato, entendendo que a justificação que consta do contrato não permite estabelecer relação com o termo estipulado

1.1. Realizada a audiência de partes, e frustrada que se mostrou a conciliação, a Ré contestou, impugnando o alegado pela Autora, defendendo a validade do contrato a termo celebrado.

1.2. Fixado o valor da ação em €3.695,01, foi de seguida proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e regularidade da instância e se dispensou a fixação do objeto do litígio e dos temas de prova.

1.3. Realizou-se, depois, a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual a autora declarou pretender optar pela indemnização em substituição da reintegração, após o que foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Nestes termos, e com fundamento no exposto, julgo parcialmente procedente o pedido formulado nos autos, pelo que:
a) declaro a nulidade do termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre a autora e a ré, e a consequente convolação do mesmo a contrato de trabalho sem termo;
b) declaro ilícito o despedimento da autora, promovido pela ré por carta datada de 26/6/2020, e em consequência:
- condeno a ré a pagar à autora a quantia de €3.430,08 a título de indemnização em substituição da reintegração a que acrescerá a quantia de €857,52 por cada fração de antiguidade (que seja superior a 4 anos) que ocorra até ao transito em julgado da sentença.
- condeno a ré a pagar ao autor as retribuições mensais, à razão de €857,52, desde 17/8/2020 e até ao trânsito em julgado da decisão final deste processo, a liquidar posteriormente (e que até 17/7/2021 ascenderá a 11 meses de retribuição, acrescida dos subsídios de férias e de natal), descontado do valor correspondente ao montante das retribuições que a autora tenha obtido com a cessação do contrato e não obteria sem esta e do montante eventualmente recebidos pela autora a título de subsídio de desemprego (e que a ré ficará obrigada a reembolsar à Segurança Social), nos termos do disposto no art. 390.º do Código do Trabalho.
c) absolvo a ré do demais peticionado.
Custas a cargo de autora e ré, na proporção de 1/4 para a primeira e de 3/4 para a segunda.
Notifique.
Registe.”

2. Não se conformando com o assim decidido, apelou a Ré, apresentando, no final das alegações, as conclusões seguintes:
“A - A cláusula terceira do contrato de trabalho estipula que o local de prestação de trabalho é na área geográfica da filial do ... da aqui recorrente.
B - A decisão recorrida parece concluir que o A. foi contratado forçosamente para prestar trabalho num dos novos clientes identificados no nº 3 da cláusula sexta do contrato de trabalho, o que não é verdade.
C - A gestão dos recursos humanos, designadamente do preenchimento com vigilantes dos postos onde a recorrente presta serviços não é feita de forma atomística.
D - Conjugando a cláusula terceira do contrato de trabalho com a cláusula sexta, nº 3, conclui-se que o local de trabalho do A. não é especificamente num determinado cliente e que a razão da sua contratação se deve ao facto de, no universo da filial do ..., onde ele presta trabalho, houve um aumento de clientes que justificam a contratação de novos elementos, sendo que se desconhece se tal aumento será permanente ou não.
E - É a própria sentença que refere que nesta área de atividade se vão naturalmente ganhando clientes e perdendo outros.
F - A razão da contratação do A. deveu-se a um aumento de clientes que exigia mais mão-de-obra, clientes esses que iniciavam contrato de prestação de serviços com a Ré, por um período limitado de tempo e que se desconhecia se se iriam manter ou não.
G - A sentença, ao considerar impercetível a excecionalidade da contratação do A., porque entende que nesta área se vão naturalmente ganhando uns clientes e perdendo outros, parece querer dizer que então todos os trabalhadores contratados pela Ré deveriam ser a tempo indeterminado.
H - A Ré tem, e sempre teve, o exato número de vigilantes necessários para satisfazer as necessidades dos seus clientes. Caso contratasse todos os seus vigilantes a termo indeterminado, ocorrendo as flutuações de clientela, correria o risco de ter vários trabalhadores em casa por não ter colocação para eles, violando assim o princípio basilar laboral da efetividade de funções.
I - A única forma que a Ré - e aliás todas as empresas do setor – tem de lograr manter os seus trabalhadores em efetividade de funções passa pela contratação a termo para aumentos de clientela, gerindo a colocação dos mesmos, as dispensas e contratações em função dessas flutuações.
J - E se é verdade que a justificação do termo deve ser concretizável, salvo o devido respeito não tem que ser concretizável ao pormenor que o Tribunal prefigura, designadamente quantos postos de trabalho decorreram dos alegados novos contratos de prestação de serviços celebrados, quantos trabalhadores da R. foram mobilizados para os ocupar, por quanto tempo se prevê que durem esses novos contratos, quando tiveram início e por que razão a sua celebração deve ser considerada excecional.
K - A cláusula justificativa do termo aposta no contrato do A. é suficientemente concreta, visto que alude à necessidade de substituir pessoal que foi alocado a novos clientes que surgiram, sendo tais clientes temporários, considerando que os contratos são limitados no tempo.
L – A sentença viola assim o disposto no art. 140º, nºs 1 e 2, al. f) do Código do Trabalho.
Termos em que, dando total provimento ao recurso, se fará a costumada Justiça!”

2.1. Não constam dos autos contra-alegações.

2.3 O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

3. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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Corridos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso – artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável “ex vi” do artigo 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, a única questão a decidir prende-se com saber se a decisão recorrida aplicou adequadamente o direito ao ter considerado, com as consequências que afirmou, que a cláusula do contrato em que se justifica o motivo para a contratação a termo não é válida.
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III – Fundamentação
A) De facto
O tribunal recorrido considerou que resultam provados os seguintes factos (transcrição):
“1. Autora e a sociedade S... S.A. celebraram acordo escrito intitulado “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, mediante o qual a ré declarou contratar a autora “com a categoria profissional de vigilante aeroportuário, e esta aceita, para, sob sua autoridade direção, exercer as funções de vigilante de segurança privada”, constando da cláusula 10ª do mesmo que esse contrato era celebrado pelo prazo de 10 meses.
2. Estipula a cláusula 6ª, n.º 3, desse mesmo acordo: “O presente contrato de trabalho a termo certo, é celebrado nos termos do nº 1 e alínea f) do nº 2 do artigo 140º do Código do Trabalho, pois torna-se imperioso proceder à substituição de Pessoal Vigilante que foi destacado, por acréscimo temporário de serviços, consequência de novo (s) contrato (s) de prestação de vigilância com o (s) Cliente (s) A... SA. Estes contratos têm duração limitada no tempo.
3. O contrato sofreu duas renovações automáticas, no dia 19 de Maio de 2018 e no dia 19 de Março de 2019.
4. Com data de 25 de junho de 2019 autora e ré celebram (novo) acordo escrito, intitulado “Contrato de Trabalho a Termo Certo em Regime de Tempo Inteiro”, para o exercício das mesmas funções.
5. Estipula a cláusula 6ª desse documento:
1. O presente contrato de trabalho tem o seu início na primeira contraente (nova prestadora de serviços no dia 1/07/2019.
2. O presente contrato mantem em vigor os mesmos termos e condições do contrato de trabalho a termo certo celebrado entre o segundo outorgante e a prestadora de serviços cessante.
3. Nos termos do n.º 4 da Cláusula 14ª do CCT, o presente contrato de trabalho mantém a antiguidade da relação laboral que se iniciou na data 19/7/2017.
4. O termo do presente contrato é 18/1/2020, mantendo-se os motivos invocados para a celebração do contrato entre a empresa cessante e o trabalhador.
5. Ambos os contraentes declaram conhecer, concordar e dar como verdadeiros o motivo e enquadramento referidos no número anterior.
6. No dia 2 de janeiro de 2020, é assinado um “Adicional ao Contrato de Trabalho”, no qual consta que as partes acordam em renovar por mais seis meses o contrato de trabalho celebrado em 17/7/2017, acabando o respetivo termo em 1vinculo contratual.
7. Por carta datada de 26 de junho de 2020 a ré declara à autora que denuncia o contrato de trabalho com efeito à data de 18/7/2020.
8. Na sequência do contrato invocado nos autos a autora auferia uma retribuição de €857,52, acrescida de subsídio de transporte, no valor de €40,83 e de subsídio de refeição, no valor de € 127,26.”
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B) Discussão
Não resultando das conclusões do recurso que neste se impugne a matéria de facto, nem se justificando a intervenção oficiosa deste Tribunal de recurso nesse âmbito, a base factual a atender, para se dizer de direito, é a mesma que para o efeito foi considerada pelo Tribunal a quo.
Cumprindo-nos, pois, avançar na apreciação, diremos o seguinte:

1. Natureza do contrato e sua validade
1.1. Breve enquadramento
Tendo sido o contrato objeto dos autos celebrado no âmbito da sua vigência, é aplicável o Código do Trabalho de 2009 (doravante CT), assim o regime nesse estabelecido, no que ao caso importa a respeito dos requisitos de validade fornal para a celebração de contrato de trabalho a termo – que, diga-se, são no essencial similares ao que já constava do CT/2003.
Como aliás resulta da decisão recorrida, a contratação a termo tem no nosso ordenamento jurídico natureza excecional – como tinha anteriormente, seja no âmbito do pretérito DL 64-A/89 (LCCT), seja no âmbito do Código do Trabalho de 2003 –, apenas sendo admissível desde que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: um primeiro, de natureza formal, nos termos do qual o contrato terá de ser celebrado por escrito, dele devendo constar as indicações previstas no artigo 141.º, n.º 1, do CT, entre as quais, no que aqui poderá interessar, a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo [nº 1, al. e)], dispondo ainda o nº 3 que para efeitos da alínea e) do nº 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado; um segundo requisito, este de natureza material, nos termos do qual apenas é admissível a sua celebração se verificada alguma das situações previstas no artigo 140.º do CT/2009, entre as quais se conta, no que ao caso importa, o “Acréscimo excepcional de actividade da empresa” (alínea f), do seu n.º 1).
Também como é consabido, a lei atribui à inobservância dos requisitos de forma, bem como a celebração de contrato de trabalho a termo fora das situações legalmente previstas, a consequência de que o contrato de trabalho celebrado a termo seja considerado como sem termo (artigo 147.º, n.º 1, als. b) e c), do CT/2009), sendo que, a propósito, importa também salientar que a fundamentação formal do contrato se constitui como formalidade de natureza ad substantiam, o que é reconhecido face a ratio que a ela preside, assim a de permitir que possam ser sindicadas as razões invocadas pela empregadora para justificar a contratação a termo(1).
A respeito da exigida menção do motivo justificativo no contrato, porque melhor não o faríamos, socorrendo-nos do que a esse respeito se fez constar do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2017(2), pelo que diremos também, seguindo esse Aresto, que essa menção do motivo deve ser feita “com a menção expressa dos factos que o integram, por forma a estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, conforme estabelece o artigo 141º, nº 1, alínea e), e nº 3”, visando-se como este requisito “um duplo objectivo: a verificação externa da conformidade da situação concreta com a hipótese legal ao abrigo da qual se contratou, por um lado; e por outro, a averiguação acerca da realidade e adequação da justificação invocada face à duração estipulada, porquanto o contrato a termo – nas palavras de Monteiro Fernandes[1] – …só pode ser (validamente) celebrado para certos (tipos de) fins e na medida em que estes o justifiquem”. Daí que, como mais uma vez se refere no citado Acórdão, ocorra “a invalidade do termo se o documento escrito omite ou transcreve de forma insuficiente as referências respeitantes ao termo e ao seu motivo justificativo, face à prescrição do artigo 147º, nº 1, alínea c)”, para depois aí se concluir, no que ao caso importa, como veremos mais tarde, “que as fórmulas genéricas constantes das várias alíneas do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho têm de ser concretizadas em factos que permitam estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, por forma a permitir a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia legal e que é real a justificação invocada e adequada à duração convencionada para o contrato” – “Por isso, tal indicação deve ser feita de forma suficientemente circunstanciada para permitir o controlo da existência da necessidade temporária invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias, que se comprove que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades[3], cabendo ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo, conforme prescreve o n.º 5 do mencionado artigo 140º”.
Do exposto decorre que qualquer contrato a termo em que não seja mencionado o motivo que o justifica, do modo antes indicado para dar cumprimento aos termos prescritos na lei, deva ser considerado sem termo – sendo absolutamente irrelevantes, avance-se desde já também, os fundamentos que a entidade empregadora possa vir a invocar na ação judicial, assim como irrelevante será, do ponto de vista material, que pudesse ocorrer justificação bastante para a contratação a termo –, pelo que, ainda em conformidade, apenas o motivo justificativo que é invocado no contrato, e só ele, poderá ser considerado, sendo também irrelevante que, caso ele não se prove, outro motivo possa existir, ainda que substantivamente pudesse justificar a contratação – ainda que fosse esse o caso, não se poderia igualmente atender a esse motivo, havendo que concluir-se pela inexistência do fundamento que consta do contrato, com a consequente conversão do contrato a termo em contrato sem termo.

1.2. O Direito aplicado ao caso
Importando descer ao caso concreto que se decide, dizendo que a sentença recorrida viola o disposto no artigo 140.º, n.ºs 1 e 2, alínea f), do CT, pelo que deve ser revogada, sustenta a Recorrente como argumentos, nas suas conclusões, com relevância, o seguinte:
- conjugando a cláusula terceira do contrato de trabalho com a cláusula sexta, nº 3, conclui-se que o local de trabalho do Autor não é especificamente num determinado cliente e que a razão da sua contratação se deve ao facto de, no universo da filial do ..., onde ele presta trabalho, houve um aumento de clientes que justificam a contratação de novos elementos, sendo que se desconhece se tal aumento será permanente ou não – a razão da contratação deveu-se a um aumento de clientes que exigia mais mão-de-obra, clientes esses que iniciavam contrato de prestação de serviços com a Ré, por um período limitado de tempo e que se desconhecia se se iriam manter ou não;
- parecendo que a sentença, ao considerar impercetível a excecionalidade da contratação do Autor, porque entende que nesta área se vão naturalmente ganhando uns clientes e perdendo outros, parece querer dizer que então todos os trabalhadores contratados pela Ré deveriam ser a tempo indeterminado, no entanto, diz, tem e teve sempre o exato número de vigilantes necessários para satisfazer as necessidades dos seus clientes, sendo que, caso contratasse todos os seus vigilantes a termo indeterminado, ocorrendo as flutuações de clientela, correria o risco de ter vários trabalhadores em casa por não ter colocação para eles, violando assim o princípio basilar laboral da efetividade de funções, pelo que a única forma que tem - e aliás todas as empresas do setor – de lograr manter os seus trabalhadores em efetividade de funções passa pela contratação a termo para aumentos de clientela, gerindo a colocação dos mesmos, as dispensas e contratações em função dessas flutuações;
- se é verdade que a justificação do termo deve ser concretizável, no entanto, diz, não tem que ser concretizável ao pormenor que o Tribunal prefigura, designadamente quantos postos de trabalho decorreram dos alegados novos contratos de prestação de serviços celebrados, quantos trabalhadores da Ré foram mobilizados para os ocupar, por quanto tempo se prevê que durem esses novos contratos, quando tiveram início e por que razão a sua celebração deve ser considerada excecional, razão pela qual conclui que a cláusula justificativa do termo aposta no contrato do Autor é suficientemente concreta, visto que alude à necessidade de substituir pessoal que foi alocado a novos clientes que surgiram, sendo tais clientes temporários, considerando que os contratos são limitados no tempo.
Pronunciando-se o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu, pela improcedência do recurso, cumprindo-nos apreciar, constata-se que o Tribunal recorrido fez constar da sentença a seguinte fundamentação para sustentar o decidido (transcrição):
“(…) Ora, perante o que antecede, a nosso ver é de concluir que a razão ou motivo justificativo indicado para a aposição do termo resolutivo no contrato versado nos autos são manifestamente insuficientes para dar como preenchido o requisito prescrito na al. f) do n.º 2 do art. 140º.
Com efeito, o motivo indicado no contrato outorgado entre as partes – no qual (por remissão do n.º 4 da cláusula 6ª para o contrato originário celebrado entre a autora e a sociedade S..., S.A.) é feita referência à necessidade de “proceder à substituição de Pessoal Vigilante que foi destacado, por acréscimo temporário de serviços, consequência de novo (s) contrato (s) de prestação de vigilância com o (s) Cliente (s) A... SA. Estes contratos têm duração limitada no tempo” -, não cumpre o ónus da descrição dos concretos factos e circunstâncias relativos a um qualquer aumento temporário de atividade, por forma a que se pudesse verificar se se justificava ou não o recurso ao contrato de trabalho a termo e com a duração indicada, pois tal tipo de contratação, na definição da lei, é excecional.
Limitando-se o motivo justificativo a reproduzir uma afirmação vaga e descontextualizada, dada a sua generalidade e abstração, é o mesmo insuscetível de dar satisfação aos fins visados pela lei. Na verdade, e sendo evidente que a atividade da ré se centra na prestação de serviços, não se compreende (do texto da cláusula) que acréscimo excecional da sua atividade ocorreu que motivasse a celebração do contrato de trabalho a termo. A ré há de ter uma carteira de clientes, que se admite não ser composta sempre pelos mesmos, mas que certamente terá uma média constante de trabalho, e para tanto necessitará de um quadro de pessoal.
Por outro lado, do texto da cláusula não se sabe que pessoal foi destacado, o porquê desse destacamento, e qual a sua relação com o contrato celebrado com a A....
Acresce ainda que nada é referido que relacione a duração do contrato de trabalho com o contrato de prestação de serviços invocado como fundamento (ou um dos) da contratação precária.
A omissão de tal circunstancialismo impede-nos de poder aquilatar da (real) necessidade da ré em reforçar temporariamente o pessoal ao seu serviço.
O motivo mencionado não permite, assim, a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia do art. 140°, porque se trata da menção de indicação genérica e vaga, insuficientemente particularizada, capaz de suportar em si diversas situações concretas, que não satisfazem o objetivo pretendido pelo legislador.
Como se escreveu no acórdão da Relação do Porto de 8/11/2018 (processo n.º 2178/17.5T8VLG.P1, in www.dgsi.pt), e com inteira pertinência para a situação em apreço ainda que a prestação de serviços a que a ali ré se dedicasse fosse de diferente natureza, “a celebração de contratos de prestação de serviços de natureza temporária pela empresa não constitui razão, nem pode fundamentar, por si só, a contratação a termo certo de um trabalhador, ainda que pelo mesmo período daquele contrato de prestação de serviço ou com termo aquando do termo desse contrato. Se assim fosse entendido, então, a Ré, que presta serviços a terceiros, bem poderia celebrar apenas contratos de trabalho a termo certo, ficando dispensada de celebrar contratos de trabalho por tempo indeterminado, o que, e salvo o devido respeito, constituiria fraude à lei [concretamente às disposições que regem a contratação por tempo indeterminado] e violaria o direito à segurança no emprego consagrado no artigo 53º da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, e em face da matéria provada, resulta que a Ré recorreu à contratação a termo para satisfazer os seus serviços «concretamente definidos nos contratos de prestação de serviços», que executa, com o fundamento de que eles não são duradouros. Só que esses mesmos serviços, que ela diz não serem duradouros, constituem o seu escopo social, a sua actividade, que de nada tem de precário, a não ser que ela, Ré, seja extinta.
Desta forma, não é possível concluir que a circunstância de facto em que ocorreu a contratação da autora se tratava de uma situação nova excecional e temporária.
Daí que se possa concluir que não resulta concretizado em que termos o (não) invocado acréscimo da atividade da empresa (ré) revestia natureza temporária ou precária.
Em suma, os fundamentos constantes do contrato em causa não se encontram suficientemente concretizados em termos fácticos de modo a que se possa concluir, com segurança, pela necessidade da contratação a termo, nem tão pouco conexionar a justificação invocada e o termo estipulado.
Daí que se conclua no sentido de o contrato estar convertido num contrato de trabalho por tempo indeterminado, face à nulidade da estipulação do termo, atento o disposto no art. 147º, n.º 1, al. c) do Código do Trabalho. (…)”

Por referência à citada fundamentação, desde já adiantamos que, salvo o devido respeito pela divergência manifestada pela Apelante no presente recurso, aquela fundamentação e decisão acompanhamos, sendo que, assim o entendemos também, a mesma não careceria sequer, para justificar o julgado, na nossa ótica de maiores considerações.
Não obstante, diremos ainda o seguinte:
A divergência da Recorrente parece assentar na afirmação Tribunal a quo de que o motivo da contratação que se fez constar não se encontra suficientemente concretizado em termos fácticos de modo a que se possa concluir, com segurança, pela necessidade da contratação a termo, nem tão pouco conexionar a justificação invocada e o termo estipulado.
Mas sem razão, assim o consideramos também.
É que, sendo exigido que a indicação desse motivo seja feita de forma suficientemente circunstanciada(3), sem esquecermos, ainda, conforme decorre do n.º 5 do artigo 140.º do CT/2009, que cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo, tal exigência não temos por cumprida no caso, pois que, diversamente do que sustenta a Recorrente, também consideramos que o que se fez constar do contrato, assim, apenas, que “torna-se imperioso proceder à substituição de Pessoal Vigilante que foi destacado, por acréscimo temporário de serviços, consequência de novo (s) contrato (s) de prestação de vigilância com o (s) Cliente (s) A... SA” e que “estes contratos têm duração limitada no tempo”, não evidencia, como bem o refere o Tribunal a quo, até porque a atividade da Ré aqui recorrente se centra na prestação de serviços a várias empresas e no âmbito de contratos temporários – aliás, como o diz afinal a própria Recorrente –, que acréscimo excecional da sua atividade ocorreu no caso que motivasse a celebração do contrato de trabalho a termo. Melhor esclarecendo, tendo certamente a Recorrente uma carteira de clientes, que como se refere também na sentença se admite não ser composta sempre pelos mesmos, variando só por essa razão as necessidades de contratação de trabalhadores, a ser como aquela o defende, então poderia afinal estar sempre justificada, com o argumento da natureza e modo como é exercida aquela atividade, a contratação a termo, quando, salvo o decido respeito, entendemos que não é propriamente assim, valendo aqui, contrariando esse seu entendimento, o que se escreveu no acórdão desta Relação de 8 de novembro de 2018, nos termos assinalados mais uma vez na sentença e que merece a nossa concordância. Aliás, mais uma vez no que ao caso importa, do que resulta expressamente do contrato, a verdade é que o único fundamento invocado e que se diz que torna imperiosa a contratação a termo é a necessidade de se proceder à substituição de Pessoal Vigilante que foi destacado, por acréscimo temporário de serviços, consequência de novo (s) contrato (s) de prestação de vigilância com o (s) Cliente (s) A... SA”, sendo que, acrescentando-se aliás que “estes contratos têm duração limitada no tempo”, então, para justificar o acréscimo excecional que está subjacente na norma que se invoca, importaria que se conseguisse perceber por que razão esse novo contrato e já agora por quanto tempo imporia aquele acréscimo. De resto, mantendo-se o mesmo motivo para se justificarem posteriormente as renovações que ocorreram na contratação a termo da Autora, mais se justificará perceber, pois que o texto não o evidencia minimamente, em que residiu afinal tal invocado acréscimo e, ainda, do mesmo modo, já agora, se se manteve afinal durante todo esse período.
Trata-se, pois, como bem o disse o Tribunal recorrido, de uma indicação insuficiente, pois que não permite alcançar a razão de ser do estipulado um prazo, ao não estar suficientemente concretizado que aumento de necessidades se verificaram. Ou seja, estamos perante uma referência genérica a um aumento de atividade, por não estar devidamente concretizada em termos de se poder dizer que fosse pontual.
Assim, sem necessidade de outras considerações, porque as referências ao motivo justificativo da contratação da Autora com termo certo são insuficientes, concluímos, tal como o Tribunal a quo, que o contrato de trabalho celebrado entre Autora e Ré se considera sem termo, não nos merecendo assim censura a decisão recorrida.
Em face do exposto, sendo a analisada questão a única que foi colocada à nossa apreciação – sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões, a Recorrente não dirige qualquer dessas ao mais decidido na sentença –, resta-nos concluir, claudicando os argumentos da Recorrente, pela improcedência do presente recurso.

As custas do recurso são da responsabilidade da Recorrente (artigo 527.º do CPC)
*
Sumário – artigo 663.º, n.º 7, do CPC –, da responsabilidade exclusiva do relator:
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IV - DECISÃO
Acordam os juízes que integram esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em declarar totalmente improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 4 de abril de 2022
(assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
______________
[1] Entre outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2017 – Processo n.º 2236/15.0T8AVR.P1.S1, Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt.:
“(…) Assim, e conforme se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 2/12/2013, Processo n.º 273/12.6T4AVR.C1.S1, 4ª Secção, consultável em www.dgsi.pt, a indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade “ad substantiam”, tendo que integrar, forçosamente, o texto do contrato, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova.[2]
[2] Já antes identificado.
[3] De modo a permitir, afinal, precisamente o controlo da existência ou não da necessidade temporária que é invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias, a comprovação de que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades, sem esquecermos, ainda, conforme decorre do n.º 5 do artigo 140º do CT, que cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo - veja-se Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, 599.