Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
97/20.7T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: CONTRATO ATÍPICO
CONTRATO-PROMESSA
QUALIFICAÇÃO DO CONTRATO
BENFEITORIA
LIBERDADE CONTRATUAL
Nº do Documento: 2022102497/20.7T8PVZ.P1
Data do Acordão: 10/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não se provando o sentido da vontade real dos declarantes, a declaração valerá (artigo 236, n.º 1 do CC) com o sentido que o real declaratário lhe daria, sendo ele uma pessoa razoável, diligente e de boa-fé.
II – A obra que constitua uma verdadeira inovação há de qualificar-se como acessão e não como benfeitoria.
III – A celebração de um contrato atípico – contrato diverso de qualquer um dos legalmente previstos, modificação dos tipos previstos ou combinação desses tipos – corresponde ao exercício da liberdade contratual, inequivocamente consagrada no Direito obrigacional português.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:



1



Processo n.º 97/20.7T8PVZ.P1

Recorrente - C... Unipessoal Lda.
Recorridas - AA, BB e CC

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Mendes Coelho.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório
C... Unipessoal Lda. veio intentar a presente ação comum contra AA, BB e CC, peticionando que se: a) reconheça à autora o direito de ser indemnizada pelas benfeitorias realizadas com base no enriquecimento das rés, no valor de 387.791,70 euros, sendo as rés condenadas a pagar este valor; b) reconheça o direito de retenção da autora sobre o imóvel em causa pelo valor das benfeitorias realizadas, enquanto o mesmo não for pago; c) condene as rés no pagamento de uma indemnização pela perda de lucros decorrentes da cessação da atividade de realização de eventos que estima em 5.508,00 euros de valor anual até à integral execução do contrato.
Subsidiariamente, e com base no contrato-promessa, peticionou que lhe fosse reconhecido o direito a ser indemnizada pelas benfeitorias realizadas, no valor de 387.791,70 euros, sendo as rés condenadas a pagar tal valor, reconhecendo o seu direito de retenção sobre o imóvel enquanto o mesmo não for pago e ainda a condenação das rés a pagar-lhe a quantia definida como cláusula penal, no valor de 375.000,00 euros.

Para tanto, alega ter celebrado com a ré AA e o marido (tendo este já falecido e demandando as herdeiras, além da esposa, as duas filhas), um acordo escrito de arrendamento, firmado em documento particular, tendo como objeto os dois prédios rústicos que identifica. Considera que se tratou de um contrato-promessa de arrendamento, com entrega do bem locado. Como os imóveis não tinham as caraterísticas que permitissem o desenvolvimento da atividade pretendida, foi autorizada a realização das obras necessárias. As rés emitiram sempre os recibos de renda, desde a data da celebração do contrato-promessa (março de 2002) até à sua denúncia. Os outorgantes iniciais, DD e EE, cederam à autora a sua posição contratual. O contrato-promessa havia sido celebrado pelo prazo de 25 anos. A autora tinha a expetativa de que os senhorios tivessem em curso o processo destinado à obtenção da licença de utilização do espaço, destinado à organização de eventos, após o que seria celebrado o acordo definitivo. Alega ainda que essa licença nunca foi emitida, inviabilizando a celebração do contrato de arrendamento, tendo a autora, depois de insistir pela sua obtenção, optado por denunciar o contrato celebrado, por carta registada de 21.06.2019 e com efeitos a partir de 31.10.2019, denúncia que a primeira ré aceitou. Afirma ainda que foi agendada a entrega das chaves, mas que estas não foram entregues, pois que reclamou o pagamento das benfeitorias, o que os senhorios não reconheceram. Alega que, no imóvel, com autorização dos senhorios, aposta no próprio contrato, realizou benfeitorias no valor de 387.791,70 euros, que aumentaram o valor dos prédios, classificando-as como necessárias e úteis (e não passíveis de serem removidas), referindo um conjunto de despesas realizadas e exigindo o reembolso da correspondente quantia, com “aplicabilidade do regime do arrendamento”. Alega que a sua expectativa era que o contrato vigorasse por 25 anos e, assim, tendo um resultado líquido médio anual, nos últimos três anos, de 5.508,00 euros, alega que deixou de auferir, em 8 anos, a quantia de 44.064,00 euros. Subsidiariamente, e admitindo que estaria em causa em contrato-promessa, para além do valor das alegadas benfeitorias realizadas, peticiona que as rés sejam condenadas no pagamento da quantia fixada no acordo, a título de cláusula penal, para o caso de a licença de utilização não ser emitida por motivos imputáveis à ré e ao marido, no valor de 375.000,00 euros, uma vez que a não obtenção da licença implica a “recusa” de celebração do contrato-prometido.

Citadas, as rés vieram invocar que com a petição a autora juntou um conjunto de documentos totalmente ilegíveis e arguiram a nulidade da citação. Julgou-se verificada a nulidade e ordenou-se a notificação das rés com a remessa dos documentos em papel. E, contestando, as rés excecionaram a ilegitimidade passiva das 2.ª e 3.ª rés (filhas dos contraentes iniciais), impugnaram as despesas que a autora alega ter realizado com as alegadas benfeitorias, e alegando que todas as obras foram realizadas pela autora, colaborando apenas as rés quando tal lhes era pedido pela autora. Alegaram ainda que a legalização da construção efetuada exigia que se fizesse uma alteração ao PDM, facto que era do conhecimento da autora, desde a data da celebração do acordo escrito. As rés, formularam pedido reconvencional, alegando que a autora se recusou a entregar as chaves do imóvel e pediram a sua condenação a reconhecê-las como proprietárias do imóvel, exigindo o pagamento do valor correspondente à renda de 1.442,46 euros x 9 meses, e das rendas vincendas, considerando o gozo do imóvel que não estão a fruir, inexistindo direito de retenção, e pedindo também a responsabilização da autora pelos prejuízos decorrentes de danos e degradação decorrentes do abandono do locado.

A autora replicou e manteve o que inicialmente alegara, mas, em acrescento, informou ter procedido à entrega do imóvel no dia 3.09.2020 e, bem assim, sustentou a legitimidade das rés.

Foi realizada audiência prévia e, nesta, as rés confirmaram que o imóvel lhes havia sido entregue na data indicada pela autora. Na mesma ocasião, o tribunal apreciou a exceção de ilegitimidade, que julgou improcedente, e convidou a autora para concretizar a sua alegação inicial, perspetivando as várias soluções de direito aplicáveis [(...) Alega a autora que denunciou o contrato celebrado por carta junta como documento 31, em 21/06/2019. O Tribunal tem muitas dúvidas que o negócio jurídico que está em causa no acordo celebrado seja um contrato de arrendamento, como entendem as partes. Considerando as duas soluções plausíveis de direito, tratar-se de um contrato de arrendamento (1) ou tratar-se de um contrato-promessa de arrendamento (2), a alegação da petição inicial carece de fragilidades na sua alegação. Assim, admitindo que se trata de um contrato de arrendamento (1): a) Nenhuma das partes se pronuncia sobre a nulidade do contrato, que é de conhecimento oficioso, considerando a data em que foi elaborado, o prazo estabelecido e o fim do contrato. b) É feita uma referência à cláusula 7.ª do Capítulo II do contrato, confundindo-a com uma norma relativa a benfeitorias quando esta não tem tal natureza. O que está em causa é saber que obras seriam do conhecimento de ambos os contraentes pois que eram as despesas com estas obras que seriam pagas pelos senhorios aos arrendatários. É necessário identificar que obras foram essas (e não apenas as despesas realizadas). c) A norma em causa está estabelecida para a situação em que a licença de utilização não é obtida por motivos imputáveis aos senhorios, sendo que estes estavam obrigados a colaborar com os arrendatários na sua obtenção. Não é alegado qualquer facto de onde se retire a falta de colaboração dos senhorios em qualquer diligência realizada pelos arrendatários. d) No art. 29.º da petição inicial a autora alega ter realizado no imóvel benfeitorias necessárias e úteis. No art. 36.º alega já que as realizadas foram úteis. Deverá precisar a sua alegação. e) Reportando-se a benfeitorias úteis, invoca o regime do art. 1273.º do C. Civil sem antes se reportar ao regime legal do arrendamento (e que teve na pendência do contrato sucessivas alterações normativas) e ao que este refere sobre a indemnização das benfeitorias realizadas. Não estão alegados os pressupostos que nos normativos deste contrato permitem a indemnização de benfeitorias, não estando sequer alegadas, na sua maioria, as obras realizadas, mas apenas as despesas efetuadas (por exemplo “empreitada de construção civil”, não identifica a obra realizada). f) A autora reporta-se à indemnização das benfeitorias úteis quando o seu levantamento causa detrimento da coisa. Para além de esta indemnização ser efetuada de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (e não estar alegada a medida do enriquecimento dos senhorios), não existe alegação relativa ao levantamento da benfeitoria causar detrimento da coisa. E a coisa relevante é o bem arrendado e não a benfeitoria. Esta alegação tem de ser efetuada para cada obra e esta tem de ser descrita (a concreta obra realizada). Num segundo cenário, que é também admitido subsidiariamente pela autora., e se estivermos perante um contrato-promessa de arrendamento (2): g) Não está alegado nenhum fundamento para que o mesmo não pudesse ser cumprido (incumprimento definitivo), nem sequer a mora dos promitentes senhorios, considerando quem estava incumbido de marcar a escritura pública para a celebração do contrato prometido e o dever daqueles de apenas colaborar para a obtenção da licença de utilização, padecendo a alegação da insuficiência referida em c). h) Neste enquadramento, são ainda relevantes os pontos de alegação referidos em d) e f).
Assim, nos termos do art. 590.º do C. P. Civil, o Tribunal convida a autora a pronunciar-se sobre estas questões. Se a autora responder, os réus terão idêntico prazo para se pronunciarem sobre tais questões e a tomada de posição da autora].

A autora, em novo articulado, veio precisar o que alegara anteriormente. Sustentou que a ré e o falecido marido sempre teriam sabido da impossibilidade de legalização do imóvel, tendo criado na autora a expetativa dessa legalização e esclarecem que o valor de 375.000,00 euros correspondia ao valor das obras por si realizadas. Descreveram as obras realizadas no imóvel, invocando ainda, subsidiariamente, o instituto do enriquecimento sem causa como fundamento da sua pretensão. Em concreto e relevantemente, a autora, no novo articulado veio esclarecer, além do mais: “55. Sendo que a inquilina anuiu em custear todo o investimento no espaço no âmbito de contrato promessa de arrendamento sob condição de vir a ser celebrado o contrato de arrendamento prometido pelo prazo de 25 anos. 56. Sendo que só houve necessidade de celebrar o contrato promessa porque os proprietários não tinham licença de utilização do espaço. (...) 103. Quando a Autora se apercebe que tal nunca iria acontecer, e que já tinha confiado e corrido um risco até então ao exercer a atividade sem licença, decide resolver o contrato promessa, denunciando o mesmo – sim, a denúncia não é por estarmos perante um contrato de arrendamento, mas sim um contrato promessa de arrendamento que já tinha criado obrigações perante as partes. (...) 115. O que as partes quiseram e celebraram foi um contrato promessa de arrendamento (...) 118. Nunca se poderá concluir que o contrato celebrado entre as partes é de arrendamento pois apesar da entrega da coisa locada e do pagamento das rendas, tudo está claramente estipulado no contrato promessa de arrendamento: que iria ser o imóvel entregue, que se iriam proceder às obras, que iriam ser pagas as rendas, MAS, que o contrato definitivo estava dependente daquela licença a ser obtida pelos R.”.

As rés tomaram posição sobre o articulado antes referido, defendendo que o mesmo, porque “extenso, conclusivo e confuso”, devia ser desentranhado dos autos, pois não cumpria a finalidade do despacho proferido em sede de audiência prévia.

No prosseguimento dos autos, o tribunal proferiu despacho saneador. Aí, fixou o valor da causa [479.912,21 euros] como correspondendo ao valor indicado pela autora e ao atribuído ao pedido reconvencional. Foi identificado o objeto do processo e definidos os temas de prova. Tendo sido objeto de reclamação o despacho, veio a ser a mesma apreciada e parcialmente deferida nos termos do despacho de 14.01.2021.

Foi realizada audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais. No decurso da audiência, a autora deduziu articulado superveniente, como resulta da ata de 6.09.2021 e, tendo sido cumprido o contraditório, foi proferido em 20.09.2021 despacho que o admitiu, fixando os factos assentes e controvertidos dele resultantes. Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “a) Julgar a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolver as Rs. AA, BB e CC do pedido que contra si foi formulado pela A. C... Unipessoal Lda. b) Julgar a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência: 1 - considerar extinto por inutilidade superveniente da lide o pedido de entrega dos imóveis pois que esta já se verificou em 03/09/2020; 2 - condenar a A. reconvinda a pagar às Rs. reconvintes a quantia de 1.442,46 euros x 10 meses, num total de 14.424,60 euros (catorze mil quatrocentos e vinte e quatro euros e sessenta cêntimos), a título de privação do gozo dos imóveis de 01/11/2019 a 03/09/2020. 3 - reconhecer as Rs. reconvintes como proprietárias dos imóveis descritos na CRP, freguesia ..., Maia, sob o n.º ... e ... - absolver a A. reconvinda quanto ao demais peticionado.
As custas da ação são da responsabilidade da A. As custas da reconvenção são da responsabilidade de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento, sendo o decaimento da A. de 12.982,14 euros (considerando que, à data da apresentação da contestação, estavam apenas decorrido 9 meses desde a cessação do contrato e não os 10 que aqui se consideram, tendo em consideração que as Rs. peticionaram ainda quantias vincendas) e das Rs. de 35.074,37 euros”.

II – Do Recurso
Inconformada, a autora veio apelar. Pretende que a sentença seja revogada e que, em consequência, se julgue procedente a ação e totalmente improcedente a reconvenção, “por violação dos arts. 754, 1074 n.ºs 2 e 5, 798, 799, 801 n.º 2 do CC E art. 5.º n.º 7 do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 8 de agosto”. Para tanto, apresenta as seguintes Conclusões:
I - A sentença não merece sustentação por se nos afigurar flagrante a violação dos artigos 216, 236, 405, n.º 1, 410, n.º 1, 487, n.º 2, 562, 564, 566, 798, 799, 801, n.º 2, 810, 1083, n.º 1, 1070, n.º 1, e 1273, n.º 1 do CC e artigos 2.º, alínea d) e 5.º n.º 1 e 7 do Decreto-Lei n.º 160/2006.
II - A decisão padece de erro na apreciação da matéria de facto e de direito.
III - Não foram tomadas em conta as provas carreadas, por via documental, por via testemunhal e de inspeção ao local e que forçosamente teriam conduzido a uma decisão oposta quanto à matéria de facto e, consequentemente, à total procedência da ação.
IV - Encontra-se incorretamente julgado o Ponto 45 dos Factos provados, onde se afirma que “na realização dessas obras, despendeu (a recorrente) quantia não apurada, mas nunca inferior a 177.622, 36 Euros”.
V - São inúmeros os documentos levados aos autos (docs. 38 a 213 juntos com a petição) suficientes e capazes de demonstrar que a quantia despendida fora substancialmente superior, bem como, em sede de prova testemunhal, por meio da transcrição supra, parcial dos depoimentos das testemunhas, que de forma mais precisa se pronunciaram sobre o tema, devendo, por conseguinte, tal ponto 45 ser dado como não provado.
VI - Equivocou-se o tribunal, certamente, por ter julgado como provado o vertido no ponto 45, bem como não provado o vertido no ponto 6 dos factos dados como não provados, porquanto, é evidente que o mesmo terá utilizado um critério deveras excludente, pois considerou apenas a existência de algumas faturas junta.
VII - Refira-se, ainda, que à data da celebração do acordo escrito, o prédio rústico estava, notoriamente, abandonado, tal como, aliás, resulta da prova testemunhal, razão pela qual não se compreende o ponto 4 dos factos dados como não provados, impugnando, aliás, a sua exclusão.
VIII - O tribunal julgou erroneamente o vertido no Ponto 47 dos Factos provados, porquanto, naturalmente, que, pelas próprias características, e pela impossibilidade material de se proceder ao seu levantamento, no âmbito do prédio rústico, a piscina, a configuração dos jardins e sua roupagem, bem como o designado “salão nobre”, casa das máquinas e lago não poderão ser levantadas sem que ocorra, inelutavelmente, o detrimento do prédio.
IX - Aliás, tal fundamentação tem por base, não só a prova testemunhal apresentada, bem como a orientação seguida pela melhor jurisprudência, sendo certo que tal fundamentação se encontra detalhadamente explanada supra.
X - Por conseguinte, impunha-se o inverso decisório daquele que se encontra explanado no referido Ponto 47.
XI - Ainda no respeita aos factos dados como provados, manifestamos total incompreensão no que se encontra vertido nos Pontos 48 e 49, porquanto daqui resulta uma convicção realizada pelo tribunal completamente desprovida de qualquer matéria probatória.
XII - No que diz respeito, particularmente, ao vertido no Ponto 49, o tribunal aderiu, em pleno, à alegação feita pelas recorridas, no âmbito do seu pedido reconvencional, o que não se concebe nem se entende, pois que, apesar de sobre elas recair o ónus da prova, em nada lograram demonstrar, seja por que via for, a existência de um efetivo impedimento de gozo dos imóveis em causa.
XIII - Desta sorte, deverão os pontos 48 e 49 dos Factos Provados ser excluídos.
XIV - Ademais, é altamente merecedor de censura a errónea apreciação pelo tribunal quanto ao facto de que não a recorrente tivesse expectativa de que a obtenção dessa licença estivesse em curso (cfr. Ponto 3 dos factos não provados), pois que, denota-se a olímpica ignorância da decisão recorrida quanto à prova testemunhal apresentada, tal como, desde logo, decorre das transcrições parciais dos depoimentos das testemunhas.
XV - Por outro lado, as recorridas (e falecido marido da recorrida AA), criaram (entre todos) a legítima expectativa de que tal licenciamento estaria mais do que garantido (cfr. ponto 8 dos factos dados como não provados), porquanto ficara, evidentemente, provado em sentido contrário.
XVI - Isto porque o tribunal enveredou num iter-cognitivo probatoriamente enviesado e paradoxal, em virtude do facto de ter dado como provado a responsabilidade da recorrida AA e falecido marido para a obtenção de tal licença de utilização, mas ainda assim ter julgado (erroneamente) como não provada a expectativa de consecução de licenciamento por parte da recorrente, em grande parte, originada pela expectativa criada pelos primeiros quanto à suposta facilidade de licenciamento, dada a existência de relações políticas de especial proximidade que o senhor AA teria no seu meio.
XVII - Impugna-se, talqualmente, o vertido no ponto 17 dos factos dados como não provados, pois que se tornou evidente pelo depoimento da testemunha FF, que existe, sem margem para dúvidas, o aproveitamento económico por parte da recorrida BB das obras realizadas pela recorrente, porquanto, lógico é o benefício económico em que aquela se encontra, a partir do momento em que, tomando como ponto de partida as obras realizadas pela recorrente, a mesma apenas procede à conservação de tais obras.
XVIII - Pelo que, podemos afirmar, de forma inelutável, que é substancialmente mais barato tratar de meros melhoramentos de uma obra inicial, do que proceder a uma construção de raiz, propriamente dita...
XIX - No âmbito do acordo escrito celebrado a 07.03.2021, “[c]onsta ainda que se os primeiros outorgantes (a recorrida AA e o marido) se recusassem a celebrar o contrato de arrendamento ora prometido pagariam aos segundos outorgantes ou à sociedade que estes constituíssem o montante de 375.000,00 Euros, montante fixado a título de cláusula penal”. – Ponto 8 dos factos provados.
XX - Ora, labora em erro o tribunal, ao ter julgado erroneamente como não provado o vertido no Ponto 10 dos factos dados como não provados, estando, por conseguinte, neste âmbito, um erro colossal na apreciação da prova testemunhal levada a cabo, porquanto, ficou, claramente, demonstrado que a fixação de tal montante de 375.000,00 Euros, a título de cláusula penal, teve por base o montante mínimo que seria despendido por parte da recorrente para a realização de tais obras.
XXI - Ora, como é por demais evidente, as benfeitorias realizadas pela recorrente levaram ao aumento exponencial do valor patrimonial dos prédios rústicos e urbanos em causa, ascendendo a um valor atual de cerca de 700.000,00 Euros.
XXII - Com efeito, é totalmente incompreensível o facto de o tribunal não ter atendido à prova testemunhal apresentada, tendo, consequentemente julgado incorretamente o vertido no ponto 5 dos factos não provados.
XXIII – Importa referir, ainda, que o tribunal julgou, errónea e incompreensivelmente, como não provado o vertido no ponto 14 dos factos não provados, porquanto, é evidente que se encontra comprovado as dimensões dos edifícios construídos pela ora recorrente, desde logo, tendo em conta os documentos 25 e 26 juntos com a petição.
XXIV - Verificou-se, ainda, uma diminuição progressiva dos eventos festivos, face ao obstáculo imposto pela inexistência de licença de utilização, sendo, por conseguinte, totalmente incompreensível o tribunal ter dado como não provado tal conjetura, de acordo com o vertido no ponto 15 dos factos dados como não provados, e atendendo à prova testemunhal apresentada em sede de audiência de julgamento.
XXV - Importa não olvidar a falta de interesse relativa à cedência de exploração do negócio, em virtude da inexistência de licença de utilização, sendo certo que, neste caso em particular, o tribunal afirma erradamente, não atendendo à prova testemunha apresentada em sede de audiência de julgamento, como não provado, o facto de que “[a] obtenção da licença fosse condição essencial para que o negócio se realizasse” – Cfr. ponto 16 dos factos dados como não provados.
XXVI - In casu, quanto à qualificação jurídica é evidente a existência de uma “união de contratos”, pois, conquanto, estejamos perante um contrato de onde conste os elementos próprios do contrato definitivo, ainda assim, a obtenção de licença de utilização era conditio sine qua non para a sua formalização propriamente dita.
XXVII - O acordo escrito celebrado pelas partes, denominado “Contrato Promessa de Arrendamento”, deverá ser interpretado considerando o disposto no artigo 236 do CC.
XXVIII - Analisadas as respetivas cláusulas, é evidente que todas elas, quer as referentes ao prazo, ao montante a ser pago pelos promitentes-arrendatários aos promitentes-senhorios, ao constituírem elementos próprios do contrato prometido, assumem uma particular especificidade no que diz respeito à sua inserção num contrato-promessa.
XXIX - Em especial pelo facto de estar a formalização do contrato-prometido dependente de obtenção da licença de utilização pelos proprietários (rés/recorridas).
XXX - Estamos assim perante a existência de uma condição suspensiva à celebração do contrato-prometido porquanto a obtenção da licença de utilização era condição sine qua non para formalização do contrato definitivo.
XXXI - Assim foi entendido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão de 06.10.2009, acima sumariado, disponível em dgsi.
XXXII - Ainda antes de outorga do contrato, a recorrente, dado o elevado grau de confiança e segurança alcançado na negociação entre as parte, ocupou o locado “com vista a serem efetuadas obras que são do conhecimento de todos, e realizadas estas, a exercerem as identificadas atividades...”, pagando a respetiva rendas e recebendo os recebidos que lhe eram emitidos pela promitente- senhoria.
XXXIII - E assim perdurou durante 17 anos, comportando-se as partes como arrendatária e senhoria, não obstante a inexistência de formalização do contrato prometido.
XXXIV - À luz do artigo 405 n.º 1 do Código Civil é evidente que estamos perante um contrato sui generis ou atípico, nos termos do qual o efeito jurídico relativo à formação do contrato estava só dependente da obtenção de licença de utilização.
XXXV - Todos os demais efeitos jurídicos próprios de um contrato de arrendamento já se tinham produzido.
XXXVI - Não obstante a designação como “Contrato-Promessa de arrendamento” a verdade é que a promessa propriamente dita subjaz única e exclusivamente à formalização do contrato definitivo que continha já todos os elementos próprios do contrato-prometido.
XXXVII - Considerando o disposto nos artigos 410 n.º 1 e 1083 n.º 1 do Código Civil, conjugado com o disposto no artigo 5.º n.ºs 1 e 7 do Decreto-Lei 160/2006 de 8 de agosto, a inobservância da obtenção de licença de utilização por causa imputável ao senhorio faculta ao arrendatário a possibilidade de resolver o contrato, com direito a indemnização nos termos gerais.
XXXVIII - Recaia assim sobre as recorridas a obrigação legal e contratual (cláusula II n.º 6 do contrato-promessa) de entregarem à recorrente a referida licença de utilização.
XXXIX - Atente-se às sucessivas “interpelações” feitas pela recorrente às recorridas no que concerne ao (inexistente) estado do processo de licenciamento: em 15.07.2004, em 23.05.2005, em 02.03.2019, em 09.03.2019.
XL - A exigência da obtenção de utilização por partes das recorridas é imposta por normativo legal – 1070 n.º 1 do CC, assim reforçando o contratualizado e provado nos presentes autos.
XLI - Neste sentido, o Tribunal da Relação de Guimarães no acórdão de 13.03.2018 e o Tribunal da Relação do Porto no de 20.06.2011, in dgsi, acima sumariados.
XLII - É indiscutível que a evidente impossibilidade definitiva e culposa de cumprimento foi causada, necessariamente, pelas recorridas, sobre quem recaía a obrigação de obter a respetiva licença de utilização para que fosse possível prosseguir com a respetiva formalização no que diz respeito ao contrato prometido.
XLIII – Percorrendo agora a matéria do não cumprimento das obrigações, cujo regime se encontra vertido nos artigos 790 a 808 do CC, o direito da recorrente à obtenção da licença de utilização (ao cumprimento), é um direito primário, em virtude de ser o próprio contrato que lhe atribui esse direito, sendo certo que tendo o cumprimento daquele obrigação de entrega ter-se tornado inexigível por manifesta falta de interesse daquela, logicamente que o seu direito primário ao cumprimento, foi, necessariamente, substituído por um direito secundário, ou seja, por uma indemnização dos danos decorrentes do não cumprimento, acrescida do exercício do direito potestativo de resolução contratual.
XLIV - O artigo 799 do CC leva-nos ao artigo 487 n.º 2 do CC para apreciação da culpa.
XLV - Segundo VAZ SERRA, “A culpa pode ser definida, como um comportamento reprovado por lei. A lei reprova o comportamento contrário ao cumprimento da obrigação, quando ele é devido à falta de diligência ou a dolo do devedor. Quer dizer, não se atende apenas ao comportamento externo do devedor, mas também à sua conduta interna. Saber quando procedeu o devedor diligentemente, é saber quando tomou o devedor as medidas que devia tomar. Ora, este problema não pode receber uma solução uniforme para as várias obrigações possíveis, pois, conforme os casos, pode o devedor estar obrigado a maior ou menor diligência, a praticar mais ou menos atos, a abster-se mais ou menos da prática deles”.
XLVI - In casu, é evidente que o facto gerador de responsabilidade obrigacional reconduz-se, naturalmente, à inexistência de licença de utilização durante um período mais do que expectável para a respetiva obtenção.
XLVII - No que respeita à ilicitude, esta consubstancia-se na não realização da prestação, sendo, aquilo a que o art. 798 do CC define como a falta de cumprimento.
XLVIII - Ora, consistindo o cumprimento na realização pelo devedor da prestação a que está adstrito, podemos dizer que o devedor atua ilicitamente, sempre que se verifique uma situação de desconformidade entre a sua conduta e o conteúdo do programa obrigacional.
XLIX - Resulta assim claro que a conduta das recorridas se revela manifestamente ilícita, porquanto, as mesmas estavam, contratual e legalmente obrigadas a obter licença de utilização, bem sabendo da elementar importância a que se encontrava subjacente o alcance formalístico de um tal documento.
L - As recorridas, pouco ou nada contribuíram para que fosse, efetivamente, atingida a finalidade deste acordo escrito denominado “Contrato-Promessa de Arrendamento”, porquanto, atentando, sobretudo, à resposta à última “interpelação”, datada de 12.03.2019, a recorrente é informada pela mandatária das primeiras de que o pedido de licenciamento, aguardaria “autorização por parte da autoridade competente – RAN”.
LI - Sendo certo que, analisando o teor do e-mail em causa, dúvidas não existem de que a submissão de um tal pedido era, à data, notoriamente recente, confirmando, assim, o estado de despreocupação em que se encontravam as recorridas, bem sabendo, de antemão, em virtude de “uma pequenina parte da parcela esta(r) abrangida pela RAN”, da impossibilidade de ser obtida uma tal licença.
LII - Dúvidas, essas, as quais, caso existissem, rapidamente se dissipariam, aquando da confissão das Recorridas, em plena sede de contestação no seu art. 55.º, no que subjaz à impossibilidade legal de lograr a obtenção de tal licença, pelo facto de “(...) o terreno rústico – onde se encontra o salão – ter uma parcela em RAN, e a Câmara Municipal ... não pode autorizar, a passagem a urbano e por consequência aprovar qualquer projeto”.
LIII - Motivo pelo qual resultou provado - Ponto 12 dos Factos Provados, “A (Recorrida) AA e o marido sabiam que a integração de parte daquele prédio em zona de RAN impedia a aprovação de qualquer projeto para o local”.
LIV - As recorridas, ao comportarem-se do modo descrito, geraram na recorrente legítimas expectativas quanto à efetiva celebração do contrato definitivo, reiteradamente reforçadas sempre que esta questionava sobre o estado do processo de licenciamento.
LV - Ademais, para que haja responsabilidade civil obrigacional, é necessário que o incumprimento da obrigação provoque danos ao credor – cf. art. 562 do CC.
LVI - Refira-se, a este propósito, que a pressuposição de danos compreende quer os emergentes quer os lucros cessantes, ao abrigo do disposto no art. 564 n.º 1 do CC, estando, talqualmente, abrangidos os danos futuros (se os mesmos forem, é certo, previsíveis), de acordo com o n.º 2 do referido preceito normativo.
LVII - Neste sentido pronunciou-se o Tribunal da Relação de Lisboa de 22.03.2018, disponível em dgsi, sumariado supra.
LVIII - É evidente que os danos resultantes da falta de licença de utilização se repercutiram em diversas consequências, nomeadamente, à considerável afetação dos exercícios fiscais de que padeceu a recorrente, porquanto nos últimos três exercícios fiscais até à comunicação da presente resolução, aquela apresentou um resultado líquido médio de 5.508,00 Euros – Cfr. docs. 216, 217 e 218 juntos com a petição.
LIX - O agendamentos dos eventos festivos na “Quinta ...” era estrategicamente realizada, segundo um modelo lógico quanto à observância de um determinado marco espácio-temporal face à data do último evento, como forma de despistar eventuais olhares fiscalizadores.
LX - A recorrente inibiu-se de fazer a devida promoção, designadamente feiras, congressos, e inclusive, a participação num programa de televisão, eventos, esses, os quais, assumem uma enorme projeção a nível publicitário, de uma Quinta exuberantemente elegante, subtil e com um investimento financeiro escrupulosamente elevado.
LXI - O último pressuposto diz respeito ao nexo de causalidade entre um facto e um dano, estando, talqualmente, preenchido no presente caso, tal como supra mencionados.
LXII - Tal como tem sufragado a melhor doutrina e jurisprudência, o incumprimento definitivo ocorre sempre que, independentemente de interpelação, o contraente manifesta de forma clara e definitiva a sua intenção de não cumprir o contrato (ou de cessar o cumprimento quando se trate de contrato de execução continuada).
LXIII - Seguindo os ensinamentos de BRANDÃO PROENÇA, o desiderato de não cumprir o programa obrigacional, “(...) traduz uma atitude de marginalidade jurídica, de arbitrariedade, ao escorar-se numa liberdade formal que contradiz a liberdade de vinculação e a fidelidade contratual. A vontade negativa do devedor pode também ser retirada de factos significantes (...) ativos ou omissivos, de natureza material ou jurídica, como sucederá nos casos em que (...) o devedor negligencie os preparativos do cumprimento. Há de tratar-se, pois, de uma conduta que inserida circunstancialmente permita afastar um mero receio/incerteza e concluir seguramente ou com muita probabilidade por um desejo inequívoco de querer fugir ao cumprimento. Como afirma MURARO, pensando basicamente no comportamento omissivo, o devedor, face ao credor, torna-se agente de uma conduta intencional, inexpressiva e passiva, tornando previsível o incumprimento”.
LXIV - Indo mais longe, considera o ilustre Autor, que a situação mais clara traduzida numa declaração voluntária de um dos promitentes de que não irá cumprir ou não o poderá fazer, traduzindo uma posição de objetiva recusa de cumprimento, que tanto a doutrina (Vaz Serra, Galvão Teles, Batista Machado, Menezes Cordeiro, etc.), como a jurisprudência fazem equivaler a uma situação antecipada de incumprimento definitivo, sem necessidade de qualquer interpelação admonitória, fixação de algum prazo adicional ou invocação de qualquer outro fator revelador da falta de interesse objetivo no prosseguimento do relacionamento contratual.
LXV –[1]
LXVI - Todavia, não deixa de adicionar o “alargamento” da casuística da recusa categoria de cumprimento a outras situações sem aquele caráter, mas que, em contrapartida, consubstancia, talqualmente uma situação de incumprimento definitivo, como é o caso da própria “inércia em preparar o cumprimento (não eliminando os encargos existentes ou não obtendo a documentação essencial)”.
LXVII - Refira-se, a este propósito, que uma tal recusa categórica, traduzida num incumprimento definitivo propriamente dito, pese embora não se exija, necessariamente, uma redução a escrito ou expressa em torno de um certo e determinado sentido, encontra-se, ainda assim, associado a uma evidente conduta ou declaração pessoal, séria, categórica e definitiva, objetivamente demonstrativo do volitivo inadimplemento contratual.
LXVIII - Neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.04.201530, na sequência do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.06.2010 (proc. 6134/05), sumariou o seguinte: “A vontade inequívoca de não cumprir, para efeitos de dispensa de interpelação admonitória, pode não ser expressa, admitindo-se que possa resultar de uma declaração negocial tácita estribada em comportamentos concludentes apreensíveis pela atuação da parte inadimplente, em função dos deveres coenvolvidos na sua prestação, sendo de atender ao grau e intensidade dos atos por si perpetrados na inexecução do contrato, desde que objetivamente revelem inquestionável censura, não sendo justo que o credor esteja adstrito à vontade lassa do devedor”.
LXIX - Também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.01.2014, acima sumariado, se pronunciou no mesmo sentido.
LXX - Na fundamentação deste acórdão encontra-se estabelecido que “[d]evemos tomar em conta que quando o devedor toma atitudes ou comportamentos que revelem inequivocamente a intenção de protelar injustificadamente o cumprimento através de atitudes que tornem justificável a perda de interesse do credor ou de não cumprir a prestação a que se obrigou, porque não quer ou não pode, não tem, nestes casos, o credor de interpelar admonitoriamente, para ter por não cumprida a obrigação”.
LXXI - Neste sentido, atendendo ao que se encontra estabelecido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.11.202031, em resultado da análise dos diversos arestos deste Tribunal, “(...) flui uma forte corrente jurisprudencial que, com base na mais conceituada doutrina, permite afirmar o relevo autónomo que deve ser atribuído às ações ou omissões de cada um dos promitentes, por forma a justificar, em determinadas circunstâncias, um efeito idêntico ao que decorreria da transformação formal de uma situação de mora em incumprimento definitivo”.
LXXII - É evidente que a recorrente, não podia permanecer ad eternum pela obtenção de uma licença de utilização, a qual já tardava há muito em chegar.
LXXIII - Ora, é certo que, in casu, a recorrente, tendo intitulado a carta registada com aviso de receção datada de 19.06.2019 como “Denúncia do contrato de arrendamento”, a verdade é que, efetivamente, o que a mesma quis dizer é que se encontra plasmado o exercício do direito potestativo resolutivo da presente união de contratos.
LXXIV - Primeiramente, porque está em causa uma verdadeira resolução contratual, sem prejuízo de nem sequer manifestar especial relevância o nomen juris que as partes tendem a indicar nos documentos.
LXXV - Ora, se é verdade que a recorrente diferiu os efeitos da presente resolução para uma data posterior àquela que fora rececionada pelo declaratário, não é menos verdade que tal protelação justifica, em grande parte, a boa-fé que a mesma se encontrava, acautelando, por conseguinte, a certeza e segurança jurídicas das próprias Recorridas.
LXXVI - Neste sentido, recorrendo às palavras de ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA, “A resolução distingue-se da denúncia, que apenas impede a continuação do contrato para o futuro e, por isso, carece de efeito retroativo, e da própria revogação, que, em regra, também só opera para o futuro. No entanto, quanto aos contratos duradouros, a resolução acaba por funcionar em regra como uma verdadeira denúncia (art. 434 n.º 2 do CC).”
LXXVII - Queremos com isto dizer que, mediante uma interpretação extensiva, se é certo que a resolução no âmbito dos contratos de execução continuada ou periódica não tem, em regra, efeitos retroativos, também é certo que, culminando os efeitos resolutivos somente para o futuro, faz todo o sentido que, no campo do Direito Privado, se considera que cabe extensivamente na letra e espírito da lei, o diferimento de um período razoável desses mesmos efeitos após a receção da comunicação pelo declaratário.
LXXVIII - Ora, para além de as recorridas se encontrarem responsabilizadas contratualmente ao pagamento de uma indemnização, em virtude de estar em causa um contrato bilateral sinalagmático, o não cumprimento pode dar (e deu) lugar à possibilidade do credor exercer o direito de resolução do contrato.
LXXIX - Ora, o direito de resolução do contrato por incumprimento imputável ao devedor encontra-se expressamente previsto e regulado nos arts. 798 ex vi art. 801 n.º 2 do CC.
LXXX - Ora, em virtude de todos os inconvenientes insuperavelmente danosos que afetaram a Recorrente, é por demais evidente que, pese embora tenham passados 17 anos depois da celebração do “Contrato-Promessa”, a verdade é que permanecer ad eternum nesta situação de impasse no que concerne à obtenção de licença de utilização, seria totalmente insustentável.
LXXXI - Reforçando aqui a ideia de que a obtenção de licença de utilização era conditio da outorga do contrato prometido, cumprindo às recorridas obtê-la, sendo, por conseguinte, de lhes imputar o respetivo atraso, perante a recorrente, ex vi n.º 1 art 799 do CC.
LXXXII - É desajustado e desadequado face à impossibilidade de sustentação de uma situação definitivamente incomportável, que a recorrente se visse impedida de proceder à respetiva desvinculação contratual, ainda que tal acontecimento tivesse sido ab initio ou, pelo contrário, já se encontrasse maduramente consolidada a relação contratual em causa.
LXXXIII - De acordo com JOANA FARRAJOTA, “nos contratos de execução duradoura, a apreciação da admissibilidade do exercício da faculdade resolutória deve ser realizada noutros moldes. O inadimplemento não deve ser valorado em função apenas do seu efeito isoladamente considerado, mas atendendo ao seu impacto na relação enquanto um todo. O que está em causa, em regra, num contrato de execução duradoura, não é a perda de interesse do credor numa concreta prestação, mas sim a perda de interesse na manutenção da relação. O juízo de avaliação do incumprimento, para efeitos do exercício do direito de resolução nos contratos de execução duradoura transcende a mera apreciação do respetivo impacte no interesse do credor na prestação incumprida, incidindo igualmente sobre o efeito daquele no interesse do credor em manter-se vinculado ao contrato. Atenta-se, para além da gravidade do incumprimento em si mesmo considerado, aos efeitos daquele na viabilidade da relação. Trata-se, pois, a final, de realizar um juízo quanto à inexigibilidade da manutenção do contrato. O contrato de execução duradoura deve poder ser resolvido sempre que de acordo com as conceções vigentes na sociedade e à luz do princípio da boa-fé, em face de determinado facto ou circunstâncias, a respetiva execução se torne inexigível”.
LXXXIV - Neste sentido, “das regras particulares sobre a resolução por justa causa em contratos de execução duradoura retira-se um princípio geral de resolução com fundamento em justa causa, aplicável a todas as relações de execução duradoura”.
LXXXV - “O conceito de justa causa é um conceito indeterminado cuja aplicação exige necessariamente uma apreciação valorativa do caso concreto. Será uma justa causa ou um fundamento importante qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual e segundo a boa-fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação... A justa causa representará, em regra, uma violação dos deveres contratuais (e, portanto, um incumprimento): será aquela violação contratual que dificulta, torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual”.
LXXXVI - Assim, tudo quanto acima se expôs, associado ao inadimplemento definitivo em virtude da autêntica inércia de que padeciam as ora Recorridas durante (tão longos) 17 anos, quanto à obtenção da licença de utilização (documento imprescindível para a formalização do contrato prometido), e estando a Recorrente, desinteressada na manutenção do contrato, depois de sucessivas interpelações de combate a tais indiligências, exerceu, assim, o direito potestativo de resolução do contrato, previsto no art. 798, 799 e 801 n.º 2 ex vi art 5.º n.º 7 do Decreto-Lei 160/2006, de 8 de agosto.
LXXXVII - Acresce que, quanto à indemnização pelo interesse contratual negativo subjacente à compensação por benfeitorias úteis, o art. 801 n.º 2 do CC estabelece que “[t]endo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro”.
LXXXVIII - In casu, a recorrente despendeu um investimento financeiro extremamente elevado, na recuperação e reabilitação do prédio urbano e na construção, de raiz, de um edifício no prédio rústico, criando uma apresentação extraordinariamente deslumbrante contemplada na criação de um salão de festas grandioso composto por um teto de fibra ótica (até então existente apenas no Casino ....), numa piscina e jardins, e desconhecida do público-alvo até então.
LXXXIX - Aumentando significativamente a capacidade do imóvel.
XC - No caso em apreço, ficou estabelecido no acordo celebrado entre a recorrente e as recorridas a 07.03.2002, que a primeira poderia desde já utilizar os imóveis antes de ser celebrado o contrato prometido, com vista a serem efetuadas as obras do conhecimento de todos e, realizadas estas, a exercerem as atividades de realização de eventos – assim respeitando o art. 1074 n.º 2 do CC.
XCI - Decorre assim da conjugação dos art. 1074 n.º 5, 1273 n.º 1 e 216 n.º 1 do CC que as obras encetadas junto dos prédios em causa, aumentaram o valor dos mesmos, em virtude da introdução de novas utilidades traduzidas na celebração de casamentos e outros eventos festivos de larga dimensão, consubstanciadas na construção de um edifício, uma piscina, uma casa das máquinas e jardins, sendo certo que, como é por demais evidente, tais benfeitorias, pela sua própria natureza e características não são passíveis de serem removidos, sem ocorrer a deterioração dos próprios prédios.
XCII - No que se refere ao edifício construído referente ao salão destinado a eventos festivos, importa afirmar que se trata de uma construção altamente inovadora, à época, em virtude, de no seu interior, existir um teto de fibra ótica, sendo, por isso, manifestamente apelativo para a celebração de casamentos, batizados e outros eventos festivos, e que, certamente, estará na memória dos que por ali passaram.
XCIII - Estando assim na esfera jurídica da recorrente o direito, paralelamente ao exercício resolutivo da união de contratos em causa, a ser ressarcida pelas benfeitorias úteis, porquanto, na sequência da autorização expressa concedida pelos senhorios, aquelas não são passíveis de levantamento sem a ocorrência da deterioração do prédio.
XCIV - Quanto à cláusula penal de acordo com artigo 810 do Código Civil “as partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível.”
XCV - Refira-se, a este propósito que a expressão “porém” supra mencionada no art. 810 n.º 1 do CC indica que a permissão de fixação de cláusulas penais funciona como uma 164 limitação à proibição do art. 809 do CC, o que significa que não é possível fixar cláusulas penais de montante meramente simbólico, porquanto tal representaria, na prática, uma derrogação da proibição estabelecida no art. 809 do CC.
XCVI - Por força do artigo 280 do CC a cláusula penal tem que ser estipulada num determinado montante pecuniário e se o montante não estiver determinado, a cláusula será nula, por indeterminabilidade do objeto.
XCVII - De acordo com BATISTA MACHADO, a cláusula resolutiva “pode ter, e tem frequentemente, em vista estabelecer que um determinado incumprimento será considerado grave e constituirá fundamento de resolução, eliminando assim de antemão qualquer dúvida ou incerteza quanto à importância de tal inadimplemento e subtraindo esse ponto a uma eventual intervenção do juiz”.
XCVIII - No caso em apreço, a recorrente e recorridas convencionaram que, se estas se recusassem “(...) a celebrar o contrato de arrendamento ora prometido, pagar(iam) a título de indemnização aos segundos outorgantes ou à sociedade que estas porventura (viessem) a constituir em montante de 375.000,00 Euros (trezentos e setenta e cinco mil euros), montante este que se fixa a título de cláusula penal”, estando tal valor relacionado com o montante que os primeiros e segundos outorgantes sabiam, de antemão, que iria ser despendido para a realização de tais obras e que foi devidamente ajustado entre ambos, tal como resulta dos depoimentos das testemunhas que se encontra supra transcrito.
XCIX - Quanto ao exercício do direito de retenção impõe-se reler os pontos 39 e 40 dos factos provados.
C - Assim, sendo o direito de retenção (cfr. arts. 754 e ss do CC), a par da exceção de não cumprimento do contrato (cfr. arts. 428 e ss CC), uma causa de exclusão da ilicitude no âmbito da responsabilidade civil obrigacional, e tendo a Recorrente exercido um tal direito, acaba por não estar preenchidos os pressupostos cumulativos para a existência de responsabilidade civil obrigacional.
CI - Por força do disposto no art. 754 do CC que “[o] devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”, a lei confere ao devedor (que, no caso em apreço se reporta à Recorrente), uma causa legítima para não cumprir a sua obrigação de entrega da coisa locada, excluindo a ilicitude que resultaria do não cumprimento.
CII - Neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.04.2020, in dgsi.
CIII - Gozava a recorrente de um direito de retenção sobre as benfeitorias realizadas, enquanto não ocorresse o pagamento pelo preço de tais valorizações da coisa, porquanto, tal como se encontra comprovado ab initio na nossa exposição, o respetivo crédito era resultante de “despesas feitas”, a que alude o art. 754 do CC e que se encontram melhor descritas supra.
CIV - Merecendo censura a decisão recorrida ao julgar a reconvenção parcialmente procedente, porquanto existe uma causa de exclusão da ilicitude, consubstanciada no exercício do direito de retenção, sendo, portanto, a “privação do uso dos imóveis de 01.11.2019 a 03.09.2020” um facto perfeitamente lícito, constituindo, antes, um verdadeiro paradoxo a responsabilização por alguém que se limitou, tão só, a respeitar as possibilidades exaradas pelos ditames da Lei.
CV - Ainda que não se entenda estarmos perante uma resolução contratual sui generis, sempre se diria que tal cessação contratual poderia configurar uma denúncia propriamente dita, nos termos do art. 1098 n.º 3 alínea a) do CC ex vi 1110 n.º 1 do CC.
CVI - Desde logo, tendo a recorrente, no âmbito do acordo escrito celebrado a 07.03.2002, expressamente sido autorizada a executar as obras supra descritas, é por demais evidente, que, em virtude da cessação do contrato, tem aquela um direito à “(...) compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa-fé”, de acordo com o disposto no art. 1074 n.ºs 2 e 5 do CC.
CVII - Acrescentando o legislador no art. 1273 n.º 1 do CC, “[t]anto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim, a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela”.
CVIII - Queremos com isto dizer que, caso assim seja entendido pelo venerando Tribunal recorrente, assente é o enriquecimento sem causa de que andam as recorridas a seu belo prazer a usufruir, desde setembro de 2020, de todas as benfeitorias realizadas à custa da Recorrente, e que haviam sido, previamente, autorizadas por aquelas.
CIX - Desde logo, estabelece o art. 1273 n.º 2 do CC que “[q]uando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa”.
CX - Norma aplicável à situação do locatário - art. 1046 do CC.
CXI - Preceitua o art. 473 n.º 1 do CC que “[a]quele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.
CXII - Neste sentido vai o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.07.2019, acima sumariado, disponível em dgsi.
CXIII - A nível doutrinário VAZ SERRA ensina que, “o enriquecimento sem causa consiste numa melhoria da situação patrimonial do obrigado a restituir, representando a diferença entre o estado atual do seu património e o estado em que ele se encontraria se não tivesse tido lugar a deslocação, sem causa, de valores”
CXIV - No caso em apreço estamos perante uma impossibilidade material de levantamento, especialmente no que diz respeito à construção da piscina e à movimentação de terras que se deu com a configuração dos jardins, sendo certo que o seu levantamento conduziria à destruição da própria coisa imóvel, nomeadamente no que concerne ao designado “salão nobre”, bem como à casa das máquinas. Nessa perspetiva, seriam talqualmente insuscetíveis de levantamento.
CXV - Também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.03.2012, acima sumariado, disponível in dgsi, se pronunciou sobre esta matéria.
CXVI - Ora, transportando tal sumário para o edifício construído sobre o prédio rústico, designado “salão nobre”, bem como para a casa das máquinas, é por demais evidente que ocorre o detrimento do prédio rústico com o levantamento de tais benfeitorias, em virtude de aqueles se encontrarem incorporados através do solo, ou seja, estarmos perante uma situação analogicamente equiparável à situação da piscina.
CXVII - Ora, a este propósito, é por demais evidente que se verifica, manifestamente, sobretudo, quanto à recorrida BB um enriquecimento injustificado correspondente a um acréscimo patrimonial relativo ao prédio rústico, porquanto, em virtude de todas as obras realizadas à custa da recorrente, aquela, devido à sua pretensão de prossecução do objeto social referente à sociedade que criou em 24.03.2021, tem procedido, tão só, a melhoramentos das obras em si realizada pela Recorrente, ao invés da criação de raiz de novos edifícios, de nova piscina, de nova casa das máquinas, enfim, de novas e dispendiosas infraestruturas. Quer isto dizer que, tem como ponto de partida todas as benfeitorias realizadas pela recorrente, tal como temos vindo a referenciar.
CXVIII - A existência de uma correlação entre o empobrecimento da recorrente e o enriquecimento das recorridas é evidente, consubstanciada no facto de a vantagem patrimonial alcançada por estas últimas resulta, claramente, do sacrifício sofrido pela primeira.
CXIX - Ora, é “esse sacrifício económico que determina a restituição do enriquecimento (...), sendo por esse motivo que se considera enriquecimento à custa de outrem”.
CXX - Neste sentido, a inexistência originária ou subsequente de causa justificativa do enriquecimento conduz à natureza do elemento constitutivo do direito à restituição.
CXXI - Nos termos do art 479 n.º 1 do CC, “[a] obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quando se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”; sendo certo que “a obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação” da citação judicial para restituição ou do conhecimento da falta de causa do enriquecimento.
CXXII - Com efeito, por tudo quanto fora previamente aduzido, tem a Recorrente o direito de lhe ser restituído o montante de valor igual ou superior ao da realização das benfeitorias melhor descritas supra, tendo, por isso o tribunal a quo violado ou não feito melhor interpretação dos arts. 1098 n.º 3 alínea c) ex vi art. 1110 n.º 1 do CC, art. 1773 n.º 1 e 2, art 473 n.º 1 e 479 do CC.
CXXIII - Neste sentido, o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão datado de 27.09.2021, sumariado supra, disponível em dgsi.
CXXIV - Por tudo quanto se expões, a recorrente tem direito, paralelamente ao exercício resolutivo da união de contratos em causa, a ser ressarcida pelas benfeitorias úteis, porquanto, na sequência da autorização expressamente concedida pelos senhorios, aquelas não são passíveis de levantamento sem a ocorrência da deterioração do referido prédio, tendo, por conseguinte o tribunal de que ora se recorre violado ou não feito melhor interpretação do disposto nos arts 798, 799 e 801 n.º 2 e art. 5.º n.º 7 do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 8 de agosto.
CXXV - Assim, gozava a recorrente de um direito de retenção sobre as benfeitorias realizadas, enquanto não ocorresse o pagamento pelo preço de tais valorizações da coisa, porquanto, tal como se encontra comprovado ab initio na nossa exposição, o respetivo crédito era resultante de “despesas feitas”, a que alude o art. 754 do CC e que se encontram melhor descritas supra.
CXXVI - Com efeito, é de impugnar veemente a reconvenção julgada parcialmente procedente pelo tribunal, porquanto existe uma causa de exclusão da ilicitude, consubstanciada no exercício do direito de retenção, sendo, portanto, a “privação do uso dos imóveis de 01.11.2019 a 03.09.2020” um facto perfeitamente lícito, constituindo, antes, um verdadeiro paradoxo a responsabilização por alguém que se limitou, tão só, a respeitar as possibilidades exaradas pelos ditames da Lei.
CXXVII - Sem prescindir, ainda que não se entenda estarmos perante uma resolução contratual suis generis, sempre se diria que tal cessação contratual poderia configurar uma denúncia propriamente dita, nos termos do art. 1098 n.º 3 alínea a) do CC ex vi art. 1110 n.º 1 do CC.
CXXVIII - Ora, tendo a recorrente, no âmbito do acordo escrito celebrado a 07.03.2002, expressamente sido autorizada a executar as obras supra descritas, com as demais despesas inerentes, talqualmente acima mencionadas, é por demais evidente, que, em virtude da cessação do contrato, tem aquela um direito à “(...) compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa- fé”, de acordo com o disposto no art 1074 n.ºs 2 e 5 do CC.
CXXIX - Tem a recorrente, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, o direito de lhe ser restituído o montante de valor igual ou superior ao da realização das benfeitorias melhor descritas supra, tendo, por isso o tribunal a quo violado ou não feito melhor interpretação dos arts. 1098 n.º 3 alínea c) do CC ex vi art. 1110 n.º 1 do CC, 1074 n.ºs 2 e 5, 1273, 473 n.º 1 e 479 do CC.

As rés/apeladas responderam ao recurso e, sustentando a improcedência da apelação, concluem, em síntese:
1 - Decidiu acertadamente a sentença na sua aplicação do Direito ao considerar a ação totalmente improcedente;
2 - A decisão de facto está cabalmente fundamentada ou motivada - art. 607 n.º 4 CPC;
3 - A motivação não se limitou a “debitar”, cuidou de “creditar” o necessário exame crítico de provas – sejam as pessoais, sejam as documentais insertas nos autos, explicando claramente as razões e por que razão, tudo conjugado, declarou uns factos provados e outros não;
4 – O tribunal não está sujeito às alegações das partes (art. 664 CPC) no que se refere à indagação, isto é, na escolha da norma jurídica que tem por adequada, quer na interpretação, ou seja, na determinação do seu conteúdo e alcance, quer na aplicação, declarando os efeitos e consequências que entende legítimas das regras de direito.
5 - A recorrente, nas conclusões, não cumpriu, minimamente sequer, os requisitos exigidos (art. 640 CPC);
6 - Especificou de forma avulsa e desorganizada, os pontos de facto considerados por ela incorretamente julgados (al. a) n.º 1), não especificando a decisão que no seu entender deveria ser proferida sobre eles (al. e) n.º 1);
7 - Não indicou com exatidão, as passagens de gravações continentes dos extratos de depoimentos, como suposto fundamento de recurso;
8 - Além disso, e à mistura com considerações teórico-académicas sobre princípios e regras, que a apreciar o caso concreto, não relevam para a discussão da solução;
9 - Limitou-se a dizer que há um “erro notório” ou “manifesto” na apreciação da prova, ora a esgrimir e a repetir que o tribunal “não valorou bem a prova produzida”;
10 - Não se vê, contudo, em que consiste tal erro, nem a recorrente mostra a sua pretensa notoriedade;
11 - Nada diz por que razão considera não ter sido feita valoração, nem em que sentido ela deveria fazer-se, nem a que factos concretos se refere, nem com que diferença eles deveriam ter sido decididos.

O recurso foi recebido nos termos legais e os autos correram Vistos, nada se observando que obste ao conhecimento do mérito da apelação. O objeto do recurso, tendo em conta as conclusões da apelante, consiste em saber se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto, e com que consequências jurídicas, estando em causa, concretamente, - a natureza do contrato celebrado a 7.03.2002; - a impossibilidade de cumprimento do mesmo, causada pelas recorridas; - a denúncia do contrato pela autora, no exercício de um direito potestativo, traduzindo-se numa renúncia contratual; - o direito da autora ao ressarcimento pelas benfeitorias realizadas, ao pagamento da cláusula penal e ao direito de retenção sobre as benfeitorias enquanto não ocorrer o pagamento das mesmas; - benfeitorias cujo valor sempre será devido à autora com fundamento no enriquecimento sem causa; - a exclusão da ilicitude da não entrega do imóvel pela autora, atento o direito de retenção, e, assim, afastando a procedência do pedido reconvencional.

III – Fundamentação
III.I – Fundamentação de facto
Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto
Como decorre do disposto no artigo 662, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

O preceito, na redação dada pelo novo CPC (em contraponto, desde logo, com o artigo 712 do CPC anterior) clarifica e reforça os poderes da Relação[2], ou alarga e melhora esses poderes[3], impondo um dever de alteração da decisão sobre a matéria de facto, reunidos que estejam os respetivos pressupostos legais, e de acordo com a sua própria convicção[4], desde que o impugnante tenha cumprido o ónus imposto pelo artigo 640 do CPC.

O normativo acabado de referir – e além deste, dos preceitos que delimitam o objeto do recurso, ou as consequências da sua omissão (cfr. 635, n.º 4 e 641, n.º 2, alínea b), ambos do CPC) - onera o impugnante da decisão relativa à matéria de facto, porquanto o recurso, no que concerne à impugnação da decisão relativa à matéria de facto será total ou parcialmente rejeitado nas situações seguintes: “a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b). b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)). c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.). d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda. e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”[5]. Ainda assim, é entendimento largamente maioritário que relativamente ao recurso da decisão sobre a matéria de facto não existe um possível despacho de aperfeiçoamento e, como referem António Santos Abrantes Geraldes/ Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa[6], tal situação, em lugar “de autorizar uma aplicação excessivamente rigorosa da lei, deve fazer pender para uma solução que se revele proporcionada relativamente à gravidade da falha verificada”. Dito de outro modo, as exigências impostas pelo artigo 640 ao recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto devem ser entendidas sem o rigor tão excessivo que de imediato e inúmeras vezes conduziria à imediata rejeição do recurso.

O que a lei processual deixa transparecer e a jurisprudência do Supremo vinca reiteradamente é a opção por um verdadeiro duplo grau de jurisdição e a consequente prevalência da substância sobre a forma. Sem embargo – e naturalmente, até por respeito aos princípios da igualdade e da legalidade -, as imposições decorrentes do artigo 640 do CPC não podem ser letra morta e ultrapassadas ou ignoradas, como se não existissem. Aqui, como sempre deve suceder, imperará uma interpretação sensata e afastada dos extremos, sejam estes a de rejeição imediata ao primeiro e minúsculo incumprimento, seja, ao invés, a aceitação de toda e qualquer impugnação, independentemente do eventual lato incumprimento do ónus que impende sobre o impugnante.

Tenha-se presente, no entanto, que não há que reapreciar a prova quando a alteração, modificação ou a ampliação pretendida não traga, uma vez ponderadas todas as soluções jurídicas plausíveis, qualquer utilidade para a decisão da ação ou do recurso. Com efeito, e como expressamente se sumaria em recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.06.2022 [Processo n.º 2239/20.3T8LRA.C1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado, dgsi]: “I - Nos recursos apenas se impõe tomar posição sobre as questões que sejam processualmente pertinentes/relevantes (suscetíveis de influir na decisão da causa), nomeadamente no âmbito da matéria de facto. II – De acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão sujeitos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte. III – Deste modo, o dever de reapreciação da prova por parte da Relação apenas existe no caso de o recorrente respeitar os ónus previstos no art. 640.º, n.º 1 do CPC, e, para além disso, a matéria em causa se afigurar relevante para a decisão final do litígio”.

Assim, como decorre e se acompanha, a reapreciação da decisão relativa à matéria de facto está dependente do cumprimento do ónus previsto no artigo 640 do CPC, mas não pode traduzir-se na prática de um ato inútil – e, porque inútil, proibido: artigo 130 do CPC -, e assim se traduziria se os factos que se pretendem ver alterados não conduzirem a decisão diferente daquela que o tribunal de recurso adota perante os concretos factos, provados e não provados que foram fixados em primeira instância.

Prosseguindo, constatamos que na sua impugnação à decisão relativa à matéria de facto, a apelante pretende, em concreto:
- que o facto provado n.º 45 [Na realização dessas obras[7] despendeu a autora quantia não apurada, mas nunca inferior a 177.622,36 euros] deve “ser dado como não provado, como expressamente refere na conclusão V do seu recurso[8]: “São inúmeros os documentos levados aos autos (docs. 38 a 213 juntos com a petição) suficientes e capazes de demonstrar que a quantia despendida fora substancialmente superior, bem como, em sede de prova testemunhal, por meio da transcrição supra, parcial dos depoimentos das testemunhas, que de forma mais precisa se pronunciaram sobre o tema, devendo, por conseguinte, tal ponto 45 ser dado como não provado.
- que seja excluído o ponto 4 dos pontos de facto dados como não provados [À data da celebração do acordo escrito, o prédio rústico estivesse abandonado], conforme resulta da sua conclusão VII: “Refira-se, ainda, que à data da celebração do acordo escrito, o prédio rústico estava, notoriamente, abandonado, tal como, aliás, resulta da prova testemunhal, razão pela qual não se compreende o ponto 4 dos factos dados como não provados, impugnando, aliás, a sua exclusão”.
- que se impunha um decisão inversa ao decidido no ponto 47 dos factos dados como provados [As obras realizadas no prédio rústico podem ser levantadas sem detrimento do prédio] como sustenta a apelante nas conclusões VIII a X do seu recurso: “O tribunal julgou erroneamente o vertido no Ponto 47 dos Factos provados, porquanto, naturalmente, que, pelas próprias características, e pela impossibilidade material de se proceder ao seu levantamento, no âmbito do prédio rústico, a piscina, a configuração dos jardins e sua roupagem, bem como o designado “salão nobre”, casa das máquinas e lago não poderão ser levantadas sem que ocorra, inelutavelmente, o detrimento do prédio. IX - Aliás, tal fundamentação tem por base, não só a prova testemunhal apresentada, bem como a orientação seguida pela melhor jurisprudência, sendo certo que tal fundamentação se encontra detalhadamente explanada supra. X - Por conseguinte, impunha-se o inverso decisório daquele que se encontra explanado no referido Ponto 47”.
- que os factos constantes dos pontos 48 e 49 dos factos dados como provados [A autora aceitou realizar as obras em causa nos imóveis pressupondo que o contrato de arrendamento que iria vigorar entre as partes tinha a duração de 25 anos. 49. A não restituição dos imóveis em 31.10.2019 impediu as rés de gozar os imóveis em causa] sejam excluídos, como resulta das conclusões XI a XIII: “Ainda no respeita aos factos dados como provados, manifestamos total incompreensão no que se encontra vertido nos Pontos 48 e 49, porquanto daqui resulta uma convicção realizada pelo tribunal completamente desprovida de qualquer matéria probatória. XII - No que diz respeito, particularmente, ao vertido no Ponto 49, o tribunal aderiu, em pleno, à alegação feita pelas recorridas, no âmbito do seu pedido reconvencional, o que não se concebe nem se entende, pois que, apesar de sobre elas recair o ónus da prova, em nada lograram demonstrar, seja por que via for, a existência de um efetivo impedimento de gozo dos imóveis em causa. XIII - Desta sorte, deverão os pontos 48 e 49 dos Factos Provados ser excluídos”[9].
- que sejam dados como provados os pontos 3 e 8 dos factos considerados não provados [A autora tivesse expetativa que a obtenção dessa licença estivesse em curso. 8 - Que a ré AA ou o marido tivessem criado na autora a expetativa que tal licenciamento seria obtido], como resulta das conclusões XIV e XV do recurso apresentado pela autora.
- Que seja dada como provada a factualidade constante dos pontos 17 e 10 dos factos não provados [17 - Que a ré BB tenha retirado dos imóveis quaisquer benefícios económicos das obras realizadas pela autora nos imóveis ou que tenha beneficiado do prestígio que aquele espaço ganhou enquanto esteve a ser utilizado pela autora. 10 - Que a cláusula de 375.000,00 euros se reporte ao valor que a ré AA e o marido sabiam que iria ser despendido pela autora na realização das obras] tal como resulta das conclusões XVII, XVIII, XIX e XX do recurso apresentado pela apelante.
- que sejam dados como provados os pontos 5, 14, 15 e 16 dos factos dados como não provados[Os imóveis tenham um valor atual de 700.000,00 euros. 14 - As dimensões dos edifícios construídos pela autora e do jardim. 15 - A autora tivesse deixado de organizar eventos pelo facto de não existir licença. 16 - A obtenção da licença fosse condição essencial para que o negócio se realizasse], atentas as conclusões XXII, XXIII, XXIV e XV[10] do recurso da apelante.

A propósito do ponto 45, a apelante, na motivação do recurso, refere fls. 8 do mesmo que “importa afirmar que se encontra incorretamente julgado o vertido no ponto 45.º dos factos provados bem como o vertido no ponto 6 dos factos dados como não provados, porquanto, recorrendo à prova documental apresentada, é por demais evidente a diversidade de documentos levados aos autos, comprovadamente demonstrativos de que o valor associado à realização das obras em causa, ascende a uma quantia substancialmente superior a 177.622,36 Euros”. De seguida, nas fls. 9 a 30 do recurso (motivação), faz referência aos documentos juntos com a petição inicial, com os números 38 a 213. Tendo concluindo que “Equivocou-se o Tribunal a quo, certamente, por ter julgado como provado o vertido no ponto 45.º dos factos provados, bem como não provado o vertido no ponto 6 dos factos dados como não provados, porquanto, é por demais evidente, que o mesmo terá utilizado um critério deveras excludente, pois que considerou apenas a existência de algumas faturas juntas com a petição inicial”, a apelante transcreve, logo após, alguns dos depoimentos (fls. 32 a 47 do recurso) para concluir: “Sendo, portanto, notoriamente evidente o facto de que na realização de tais obras, a Requerente despendeu uma quantia substancialmente maior do que os míseros 177.622,36 Euros, devendo, por isso, ser o erro gritante no Ponto 45.º dos factos provados coartado e substituído, pelo valor realmente despendido, tal como se depreende de TODAS as faturas que se encontram supra descritas, detalhada e especificadamente”.

Como resulta do já referido, a recorrente, além de, em sede conclusiva, pretender que o facto seja dado como não provado (facto que, acrescente-se considera que a apelante despendeu “quantia não apurada”, ainda que com um montante considerado mínimo), em sede de motivação do recurso não identifica com clareza a resposta pretendida, remetendo em bloco para a prova documental (“TODAS as faturas”) ao invés de concretizar o montante gasto. Por outro lado, minimamente fundamenta a sua discordância relativamente às razões que o tribunal explicitou[11] para dar como provado, e nos precisos termos em que o deu, aquele facto, o ponto 45. Em conformidade e quanto a este ponto, entendemos que a apelante não cumpre o ónus de quem impugna a decisão relativa à matéria de facto.

O mesmo dizemos quanto ao ponto 48, não se entendendo a razão da impugnação, sendo certo que, nas conclusões ou na motivação, a recorrente não as esclarece. Mais do que isso, trata-se de um facto expressamente alegado pela recorrente.

O ponto 49, por sua vez, revela-se inútil, dado que está assente que as rés são proprietárias dos imóveis e, por outro lado, a data em que, inicialmente prevista para a restituição, a mesma não ocorreu. Deve, por isso, ser excluído.

O ponto 16 (não provado), por fim, também se revela claramente conclusivo, sendo certo que a necessidade de licença, como requisito de celebração do contrato definitivo resulta da lei e não suscita qualquer divergência nos autos. Assim, igualmente se exclui o aludido ponto.

Com as condicionantes antes referidas e considerando que (ressalvando os pontos 45 e 48) a apelante cumpre o ónus de quem impugna a decisão relativa à matéria de facto, cumpre reapreciar a prova.

Na fundamentação da decisão relativa à matéria de facto, e, agora, com especial incidência na factualidade impugnada pela recorrente, o tribunal recorrido deixou dito o que, com síntese, se transcreve e sublinha: “(...) Na análise crítica da prova começa por referir-se que a prova testemunhal e por declarações de parte foi muito pouco concreta, quando se analisa a prova documental junta aos autos. Do lado da A., o marido da sua representante legal e que assinou o documento escrito que corporiza o acordo celebrado (junto como doc. 1 e de forma legível a fls. 318) sabia muito poucos pormenores sobre o mesmo e o que nele se estabeleceu, sendo evidente o carácter não jurídico das suas diversas cláusulas, sem que ele ou a R. AA soubessem explicar quem o elaborou. Certo é que, na data em que o mesmo foi assinado, existia uma relação de confiança entre os subscritores e, do lado dos Rs., com o marido da R. AA que faleceu de forma prematura pouco tempo depois. Decorreu dos depoimentos prestados - e até da forma como estão redigidas as cláusulas do acordo - que mesmo antes da assinatura do documentos, ambas as partes perspetivavam a realização de obras de grande dimensão no imóvel - cláusula II 7 e III 1 -, sendo o acordo absolutamente omisso quanto a quem ficaria responsável pela sua legalização, apesar de a sua execução ser da responsabilidade dos antecessores da A. O acordo prevê, porém, de forma inequívoca quem seria o responsável pelo licenciamento da atividade que seria exercida nos imóveis - cláusula II 6. Com efeito, estabelecendo que a R. AA e marido se obrigavam a colaborar com DD e EE para a obtenção daquela licença, dúvidas não há que era sobre estes que incumbia tal obtenção. Esta responsabilidade foi, aliás, assumida pela testemunha DD, tal como resulta do documento por si elaborado de fls. 323 e que se reportaria a uma reunião que manteve com a R. AA já após a morte do marido desta.
no que se reporta à licença de utilização dos imóveis, numa situação em que a A. tinha realizado obras significativas sem qualquer projeto aprovado pela Câmara Municipal, perante a resposta de fls. 324 e datada de 12.03.2019, não tem o Tribunal qualquer dúvida que a mesma era da responsabilidade dos proprietários dos imóveis, que assim a assumiram, tendo resultado do depoimento da R. AA que, apesar dos contactos estabelecidos com advogados e arquitetos, nunca foi apresentado qualquer projeto que permitisse a legalização das obras realizadas e a obtenção de licença de utilização de ambos os imóveis. Certo é que nenhum problema tiveram as partes, ou o empreiteiro ouvido como testemunha, em realizar obras como as descritas nestes autos sem que existisse qualquer pedido junto da Câmara Municipal ... para a sua realização, quanto mais para que as mesmas fossem aprovadas, estando em causa, em parte, obras a realizar num prédio rústico. A testemunha DD, apesar de ser um dos outorgantes do acordo, revelou desconhecer todos os aspetos relativos ao projeto das obras que foi realizado, afirmando até não saber sequer quem seria o seu autor, já que tudo teria sido tratado com o seu sócio, com o conhecimento e intervenção do marido da R. AA. Quanto às obras realizadas, e não existindo prova das dimensões das construções a efetuar, o Tribunal considerou o que resulta inequívoco do conjunto dos depoimentos prestados e que foi afirmado tanto pelas testemunhas da A. como pela R. AA. Esta, embora discuta agora a qualidade das obras realizadas pela A., não discute que aquelas que o Tribunal deu como provadas o foram efetivamente, tendo o Tribunal considerado apenas os documentos que, de forma inequívoca, se reportam à realização daquelas. (...)
O Tribunal não tem como dar relevância ao documento junto como 26 pois que o mesmo não está sequer assinado por quem seriam os seus intervenientes. (...) Que a A. organizou durante o período em que gozou os imóveis vários eventos, resulta de toda a prova produzida, não deixando de se destacar a parca junção de prova documental atinente aos serviços prestados e que se resume, em 17 anos, a 9 eventos - fls. 301 e ss.
O receio relativo à realização de eventos em imóveis que não estavam licenciados para a atividade em causa era real, como evidencia o documento n.º 27, e bem assim o email da A. junto como documento n.º 28 (...) A forma como está prestada a informação permite admitir que a mesma não fosse já do conhecimento da A., sendo certo que nenhuma provam fizeram as Rs. no sentido de que o fosse (não existiu assim prova positiva do facto que alegaram). Este elemento foi também decisivo para que o Tribunal considerasse provado que competia à R. e ao marido (e depois da morte deste também às filhas) obter a licença de utilização dos imóveis - e que nada tem a ver com a licença para o exercício da atividade de organização de eventos (...) As fotografias de fls. 557 e ss. documentam o estado dos imóveis antes de serem entregues aos sócios iniciais da A., sendo visível a utilização que então já lhe era dada, de uma forma bem mais simples e singela, como local de eventos, ainda sem construção no imóvel rústico e com a parte de jardim cuidada, embora sem as árvores e a vedação que nela existe atualmente (veja-se o confronto, quanto ao jardim, com o que resulta das fotografias de fls. 600 e 600 verso). As fotografias de fls. 568 e ss. não documentam o estado de abandono dos imóveis, alegado pelas Rs., mas apenas o que teria de resultar de gozo dos mesmos durante 17 anos (...) A inspeção ao local permitiu concluir, sem qualquer dúvida, que os imóveis em causa não têm sido utilizados, encontrando-se os edifícios vazios e parcialmente a ser objeto de obras, apesar de a R. BB pretender vir a utilizá-los no futuro (como revela a expressão “coming soon”) para o fim da organização de eventos, como resulta do flyer de fls. 685. Quanto ao valor atual dos imóveis, nenhuma testemunha soube, com razão de ciência, explicar porque atribuía tal valor aos mesmos, sendo certo que desconheciam o valor dos mesmos antes da celebração do acordo em causa nestes autos. No que se reporta à cláusula que refere o valor de 375.000,00 euros, do acordo celebrado não existe qualquer indício que a mesma se reporte ao valor das obras que, à data, seria expetável que os sócios da A. realizassem do imóvel. Ninguém o referiu diretamente, com razão de ciência, sendo que existe uma cláusula do acordo escrito que se reporta a essas obras e à obrigação da R. e o marido suportarem o valor das mesmas se não colaborassem na obtenção da licença e, nessa, nenhum valor foi quantificado. Se estivesse pensado que as mesmas ascenderiam a tal valor de 375.000,00 euros, seria curial pensar-se que na cláusula em questão teria sido quantificada de forma expressa essa obrigação a cargo da R. e marido. Note-se que tal valor está definido para a recusa em celebrar o contrato-prometido, sendo que o pagamento das despesas com obras para a responsabilidade da R. e do marido na não obtenção da licença. Por outro lado, o facto de ficar claro no contrato que esta obrigação existiria apenas se fosse a conduta da R. e marido a impedir a obtenção da licença que a inexistência desta não era essencial para que o acordo - o contrato-promessa - fosse feito. A A. estava, como esteve, durante 17 anos disponível para fruir o gozo dos imóveis sem que os mesmos tivessem licença de utilização ou de atividade, não sendo assim a existência daquelas pressuposto das obras que realizou e que, como alegou, começaram até a ser pensadas antes da assinatura de qualquer acordo. Note-se que por muitas perguntas que se fizeram sobre os contactos que o marido da R. teria junto da Câmara Municipal ou da Junta de Freguesia, estes não resultaram de forma inequívoca demonstrados, sendo certo que todas as obras foram conduzidas pela A. sem que em momento algum se tivesse preocupado com o processo de licenciamento das próprias obras, grande parte delas feitas em prédio de natureza rústico. Certo é que o marido da R. foi por todos definido como uma pessoa séria, que ia acompanhando as obras realizadas (e daí que se desse como provado que foram entregues os projetos relativos à sua realização), não existindo prova positiva de qualquer ato por este praticado, ou pela pelas Rs., no sentido de fazer crer que existia um processo de licenciamento que efetivamente nunca existiu. No que se reporta à possibilidade de levantamento das obras realizadas, resulta da própria alegação da A. que esta se reporta ao detrimento das próprias benfeitorias e não dos imóveis onde foram realizadas, resultando os factos provados da natureza das obras realizadas. Tudo o que foram melhoramentos no edifício já existente, ao serem retiradas danificam-no, ao passo que tudo o que foi feito no prédio rústico, se for levantado, fazem-no regressar ao estado em que se encontrava, ou seja, à sua natureza rústica. No que se reporta aos demais factos não provados, nenhuma prova credível foi feita que permita a sua afirmação”.

Além da análise dos documentos juntos aos autos, tirámos da prova por declarações de parte e da prova testemunhal o apontamento que se segue.

- AA. Ré [Ficheiro n.º 20210928094035]. Referiu, em depoimento de parte, que, em parte, o contrato foi tratado pelo seu marido e a depoente também participou nas negociações, mas não totalmente. Pretendia-se que “fosse explorada” durante algum tempo, mas não havia licença. Já havia jardim, que ficou estragado com as obras, mas comprometeram-se a fazer um salão, que era o principal, e a arranjar o resto. Não faz ideia quanto custariam as obras, nem nunca foi dito, nem faz ideia a que correspondiam os 375.000 euros. Sabe que não havia licença e ficaram de colaborar, Cederam todos os papéis para a licença, “mas o resto não era connosco”. Não se lembra se, depois da morte do seu marido, lhe pediram para tratar da licença; em 2014 ou 2015 sim, [pediram] e pediu “à doutora” e ao arquiteto para verem o que era preciso, “para ajudar”, mas “ainda estamos à espera que o PDM mude”; é só uma pequena parcela, mas é o que está a impedir. Foi esta resposta que obteve da Câmara e comunicou-a por email, “ou eu ou a doutora GG”. Antes ou [logo] depois do marido ter morrido, não se lembra se o assunto da licença foi abordado (min. 10,00). A grande diferença na Quinta, antes e agora, é a construção, o salão. A cozinha tinha sido feita por si, mas foi aumentada e fizeram outras casas de banho, além das que já tinha, mas não sabe quantas são as novas. O jardim ficou muito bonito, e fizeram a piscina, e o piso à volta, os elementos de apoio à piscina. Agora, o jardim está estragado e a piscina, quando terminou o contrato “estava furada”. No lago, não faz ideia se fizeram alguma coisa diferente do que já havia. Até acabar o contrato, “nada tinham dito: fui surpreendida pela carta”, ninguém falou consigo antes. O seu marido faleceu em 2004, e não se lembra de uma reunião por causa da licença. Em 15 de julho (é-lhe mostrado o documento n.º 29 referente a essa data) o seu marido já tinha falecido. Não faz ideia de quem é a letra do documento, mas já se lembra [da reunião]. A posse dos imóveis por eles foi antes da assinatura do contrato, e para [eles] tratarem das coisas (22,30). Se iam suportar as obras se não houvesse contrato... Acha que não, isso foi só no contrato, e quem redigiu e tratou foi o Sr. DD: fizeram “o que ele apresentou”. O Sr. DD é que tratou de tudo, o seu marido acompanhou as obras, mas pouco tempo, porque trabalhava, e só um ano antes de falecer é que ficou em casa e “a obra não era nossa”. Antes das obras, já [a ré] utilizava o espaço para eventos, mas para pouca gente, 40 ou 50 pessoas, depois das obras acha que dá aí para 200 pessoas. O valor da renda era muito baixo, para que ao fim de 25 anos tirassem o valor justo para a construção. Eles cederam a quinta a outras pessoas, à D. HH, já com as obras feitas, mas não sabe por quanto. Eles queriam vender-lhe “aquilo”, passar o negócio, falou com a D. II, mas o valor era muito alto; ao certo não sabe quanto, que depois diminuiu, mas era muito dinheiro. A necessidade de alterar o PDM... soube disso, mais ou menos nessa altura, que situa em 2014/2015. A planta para o licenciamento... só agora é que viu que tinha uma planta e um desenho, que não teria sido entregue a si... foi o que apareceu nos papéis do seu marido. Ninguém lhe pediu para assinar nada. O alargamento do caminho foi feito por si e seu marido, com dinheiro emprestado por eles, mas devolvido. O prédio só está valorizado no salão e não sabe qual o valor. Levaram o balcão frigorífico e não deixaram mobiliário. O prédio ficou estragado e não está em exploração, mas está-se a fazer obras (45,00).

- II, representante da autora [Ficheiro n.º 20210928102827]. O Sr. DD é o seu marido e houve uma cessão de quotas para si. Também conhecia o Sr. EE. Enviaram uma carta porque o problema foi em 2014, quando o marido ficou acamado e não tinha tempo para se dedicar à Quinta, e era necessário arranjar uma solução. Chamou as rés e fez uma proposta: não podia trespassar, pois a Quinta não era licenciada, e seria um pagamento a 6 anos, mas não aceitaram, e a HH, que já lá trabalhava há dez anos, disse que podia continuar [a exploração] mas em parceria; continuou com o seu trabalho lá e passou a fazer o controlo de tudo. Tinham medo da fiscalização, que começaram a aparecer, e a única hipótese era “entregar a Quinta à senhoria”. A proposta era entregarem o espaço contra 300.000 euros e ficavam com tudo, incluindo os casamentos vendidos e a pagar em seis anos. Conhece o contrato que foi feito, era um contrato-promessa e tinha de haver um definitivo, o que nunca foi pedido. O espaço não tem licença, e o definitivo seria após o licenciamento. A redação do contrato foi feita por um advogado que trabalhava com o DD, e o AA [marido da 1.ª ré] levou um advogado, mas sem intervenção formal, e depois assinaram (min. 9,00). Colaborar... não é isso: nós colaborávamos em tudo, e pagávamos, mas o licenciamento era feito por eles, “como promessa do Sr. AA”. A “nossa colaboração” era em termos formais e suportar os encargos, mas “o licenciamento era pelo senhorio”. Durante dois anos, não fizeram pressão, para respeitar o luto; depois fizeram uma reunião com a D. AA, enviaram emails e ele dizia, “está a andar, está a andar”. Exploraram livremente até 2014; no início a fiscalização era separada e as câmaras só iam por denúncia. Quando a fiscalização se uniu, com a ASAE, a coisa ficou mais grave, mas nunca tiveram [fiscalização] da ASAE e o fisco/AT nunca pediu o licenciamento. A quinta foi entregue antes do contrato, e tudo o que ficou no contrato já estava antes verbalmente acordado. Fizeram toda a construção do salão, casas de banho, entrada, jardins, ligação ao salão rústico, piscina e todos os muros: tudo necessário para eventos maiores, pois antes era praticamente apenas um restaurante. Gastaram “mais do que o que está”, bastante e nem todas as faturas encontraram. Os 375.000 euros do contrato era uma penalização para as obras, não para os equipamentos e a ideia foi das duas partes (17,30). À data do contrato, ficou com a ideia que era preciso um contrato a seguir, por causa da licença. O alargamento do caminho, previsto no contrato foi feito pelo dono, a autora emprestou dinheiro, mas ele pagou. O estacionamento foi pago a outro herdeiro, a irmã do Sr. AA. Tinham receio de fiscalizações e nos eventos fechavam o portão, assim que estivessem todos lá dentro. O valor da renda... na altura não era fácil encontrar o valor, porque os espaços semelhantes eram alugados por evento. Com a HH, suportavam os encargos [do evento] e o que sobrasse dividiam pelas duas empresas e a autora é que fazia a manutenção. Quando o AA estava, corria tudo bem e até deixavam que eles utilizassem o espaço, nomeadamente a piscina. O valor do imóvel atualmente, é muito mais do que o valor que tinha... 800.000 euros, por aí e antes, o terreno, 50 ou 60.000. Antes no salão não existia nada, só o salão rústico, o apoio à cozinha e um lago, que foi reformulado. O salão e hall de entrada tem 500/540m2 com casas de banho; com o jardim, à vontade 3.000m2. Antes, onde é o jardim, não tinha nada, eram ramadas com vinha que ficou ao encargo da autora destruir e todos os anos iam inovando, foram feitos alterações e melhoramentos até ao último ano em que lá estiveram. O salão tinha um teto com fibra ótica que era único, e ficou a funcionar; o espaço foi entregue em condições funcionais, quando terminaram o contrato, pois tinham feito um evento há oito dias. A piscina estava sem água, pois só a enchiam em fevereiro ou março, mas estava funcional (38,00). No período entre o envio da carta e a entrega do imóvel o espaço não se deteriorou, pois era limpo todas as semanas, ainda que o jardim não estivesse igual, mas aquando da entrega, o jardineiro andou lá dois dias. A cozinha que já existia foi ampliada, tendo aproveitado, do existente, um fogão e uma bancada. Colocaram um exaustor e fizeram casas de banho novas para o salão. Contactou duas empresas para um eventual trespasse, mas logo lhe pediram o licenciamento. Depois das obras feitas “o Sr. AA ia entrar com os papéis”, ele é que iria à Câmara, foi o acordado, e ele também estava interessado “porque um dia ficava para ele”, e ele tinha conhecimentos na Câmara e “nós não”. Não se fez o contrato definitivo porque não houve licenciamento, mas a D. AA dizia que as coisas estavam a andar, que o licenciamento ia sair brevemente, nunca disse que não era possível ou que era preciso uma alteração do PDM... apenas estava a demorar muito tempo (56,00).

- DD. Já foi sócio da autora e é marido da legal representante da sociedade [Ficheiro n.º 20210928113058]. O acordo foi negociado consigo e o EE e, do outro lado, o Sr. AA e esposa. Foi ajustado mais que uma vez e correspondia à vontade de ambas as partes. Pensou-se na perspetiva de cessão de espaço, no tipo de contrato e ficou assim. Perceberam que tinha de haver um acordo definitivo, quando houvesse licença. A renda foi um dos aspetos muito discutidos, o Sr. AA achou por bem ligá-la ao número de serviços e acharam que podia usufruir do aumento do número de serviços. A assinatura foi realizada posteriormente à entrega do espaço. As obras foi quase refazer todo o espaço: fazer o salão e criar condições para o licenciamento da atividade (min. 10,00). Aproveitou-se a parte antiga para “salão dos frios”. Das obras iniciais tinham a noção que iriam gastar 400, 500.000 euros. A cláusula de 375.000 euros tinha a ver com o valor do investimento base, ajustado para baixo, e mais ou menos como fator de penalização, pois o licenciamento não estava garantido, mas o Sr. AA disse que se mexia bem na Junta e na Câmara. A testemunha não se dedicava a este ramo, mas o Sr. EE convenceu-o e o Sr. AA disse que tinha uma coisa pequena, mas podia ser alargado o espaço. Antes do contrato houve conversas, em 2001, mas feitas pelo Sr. EE, e o projeto foi entre ele e o Sr. AA, “a mim só me apresentaram aquilo”. Quem escolheu o empreiteiro foi o Sr. EE e “eu analisava depois os orçamentos”. O Sr. AA acompanhava a obra, “muito mais perto que eu” (25,00). Hoje, provavelmente, não o faria, por não estarem reunidas as condições de licenciamento, mas acharam que o risco era muito diminuto e o Sr. AA merecia-lhes confiança. Nunca lhe foi falada a necessidade de alteração do PDM, e havia licenciamento em 3 ou 4 anos. Entretanto o EE deixa a sociedade por razões de saúde, para o final já nem conseguia ver as pessoas, mesmo próximas dele. A questão do licenciamento foi abordada várias vezes..., devia dar-se algum tempo para as pessoas estudarem a questão, mas a partir de determinado momento foram fazendo insistências e tornou-se premente, depois da criação da ASAE (35,00). A D. AA dizia que estava em curso, estavam a tratar. O licenciamento da atividade só podia vir depois de licenciado o edifício e este tinha de ser feito pelos proprietários. O valor do espaço para arrendamento sem as obras...nunca fez o raciocínio e, se não tivessem construído não tinha utilidade “para nós”. Com as obras, a valorização, “não consigo, o raciocínio nunca foi feito”. Pensou-se no rendimento que iam ter, mas sem obras era zero e com as obras também não podia ser elevado, pois “fomos nós que fizemos o investimento”. Pensava que o valor das obras, no final do contrato, seria ressarcido e se não tivesse obras os eventos seriam reduzidos. Valia, talvez 100.000 euros e, com as obras, 700, 800.000 euros, “mas é a opinião de um não técnico” (48,00). Se tivesse de o transacionar, não o vendia por menos de 1 milhão de euros. Faziam melhoramentos constantes, pois neste tipo de eventos nunca está tudo feito. Plantaram árvores, impermeabilizaram o lago e estruturaram outros espaços. O Sr. AA tinha cópia do projeto e nunca foi solicitado qualquer elemento adicional, por ele ou pelas herdeiras. Havia o processo de licenciamento da construção e o da atividade. A cláusula que refere a colaboração tem a ver com a licença de autorização da atividade, e a colaboração deles era obterem a licença de urbanização, para poderem avançar com a licença de atividade (60,00). A planta que juntou a D. AA não a viu, mas pode ser uma para iniciar os trabalhos, não se lembra. O contrato foi desenhado... e o prazo era logo que tivessem os licenciamentos; não pensaram em quem comunicava e depois definia o prazo para celebrar o contrato, pois, “para nós” era pressuposto que em 2, 3, 4 anos teriam o licenciamento, mas não se conversou quem marcava a escritura. A cláusula “será marcado quando bem entenderem” pois [a autora] era a parte final do licenciamento. O prazo do contrato, tinha razão de ser e de não ser denunciado antes, eram 25 anos, pelo menos, para avançar na Quinta, promover e ganhar nome, havendo relação com o investimento, mas não estritamente (73,00). O valor da renda tinha de ser zero, se fossem ponderados os custos das obras. O Sr. AA estava com problemas financeiros, e foi para o ajudar, naquela fase. Não tinham qualquer interesse no espaço sem as obras. Estavam a retirar um benefício pelo investimento, mas a renda era um custo; se o investimento fosse do proprietário, teria de o repercutir na renda, evidentemente, mas a ideia era também partilhar a exploração – os rendimentos – com o proprietário (82,00). Assumiram que o contrato seria feito após a legalização, e nunca tiveram qualquer resposta de que não estavam a tratar da licença. A decisão [de fazer cessar o contrato] foi da II, que queria trespassar, mas esbarrava sempre com a questão do licenciamento. Se as deviam interpelar... não foi esse o entendimento e mandaram a carta, e não explicaram a situação de marcar a escritura. Por sua vontade, em 2009 ou 2010 tinha resolvido o contrato, pois havia tantos problemas criados pela BB (96,30).

- JJ. Fazia limpezas no espaço, de 2002 a 2012; depois parou durante dois anos e passou a ir quando necessitavam (Ficheiro n.º 20210928141448]. Quando começou a trabalhar “foi na parte” que as obras estavam de meio para a frente e a última vez foi quando entregaram a chave: foi a testemunha quem a entregou, a mando da D. II. Na primeira entrega, tinham acabado um serviço 15 dias antes, mas não aceitaram a chave e depois entregaram num outro dia, que foi a entrega definitiva. O salão estava bom e limpo. Os jardins, na primeira entrega estavam tratados pelo jardineiro e, na segundo, “nós é que íamos tratando”. A piscina estava sem água, mas funcional. Trabalhou lá até 2012. Ao princípio sabia que o espaço não tinha licença e falava-se que “era o senhorio que fazia”, mas depois disso não sabe. Era habitual fecharem a porta depois de os convidados entrarem, porque se começou a falar da ASAE e também porque havia crianças e era próximo da estrada (min. 10,30). No jardim foi feito um muro e foi feita a piscina. Conhecia o marido da D. AA e ouviu falar que ele tinha um cargo na Junta, mas não pode precisar (13,00).

- KK. Foi contratado para fazer as obras no local através da sua empresa de construção civil [Ficheiro n.º 20210928142954]. Quando entrou no local para dar preço conheceu o Sr. AA, mas não sabe se o contrato escrito já estava feito, nem o conhece. Teria ido lá pela primeira vez em novembro, dezembro de 2001, e a obra começou por esse dezembro e demorou, da sua parte, meio ano, sete meses. A sua parte foi pedreiro, trolha e pintura. A seguir houve jardinagem e plantação de árvores, pensa que mais um mês ou talvez dois (min. 5,00). O valor da sua obra pode estimá-la em 140, 160.000 euros, mas há artes que a si não foram pagas. O Sr. AA estava lá permanentemente e esclarecia onde eram os poços e como podiam fazer melhor a obra. Ele estava reformado, e lidava com os da terra, devido à política, pois lidava bem com as pessoas da Junta. A obra foi executada com base num projeto que lhe foi apresentado. Vê as plantas e projetos (que confirma): houve implantação do salão, a parte estrutural em betão, saneamento e águas pluviais, telhado, traves, a cozinha, casas de banho, escadarias, alpendre e duas entradas e um “teto caríssimo, em fibra ótica”. Começaram a obra sem estar licenciada e mais tarde percebeu, em conversa com o Sr. AA, o que se estava a passar: estava-se à vontade, politicamente, e mais tarde ele iria licenciar a obra, tinha conhecimentos com o falecido LL. O valor global da obra, com todas as artes e com tudo, piscina, ar condicionado, talvez 500, 600.000 euros, por aí. Antes de executar a obra, não sabe o negócio que foi feito e, do que havia, cozinha, sala rústica, não sabe o valor, nem sabe se o Sr. AA sabia o valor da obra, mas dava para perceber que iria para valores bastante altos (21,00). Retirar as obras feitas... o que se põe nada ou quase tem aproveitamento para outro lado. O valor do imóvel ficou aumentado. Era “só terra” e o valor atual no mercado, como estava, seria 800, 900 mil, 1 milhão de euros (23,00). Neste momento não sabe se o espaço funciona, foi lá há 2 anos, mas também não estava ninguém e já precisava de manutenção; nem sabe se a autora ainda explora o espaço. Vê a planta que estava na posse da D. AA: é uma planta da obra “e a letra é a sua” Lê o orçamento. O que fez mais foi um muro em tijolo, o chão afagado, fossa e saneamento pluvial, pladur no teto do salão, casa das máquinas e instalação do gás, além de pintura e envernizamento geral. O orçamento de picheleiro não recebeu, mas a piscina fez, com orçamento de março de 2002 (32,00). Não sabe o que dificultava o licenciamento e se era por causa do PDM. O Sr. AA atuava como se fosse o dono da obra e colaborava a cem por cento, mas não decidiu ou então, decidia em conjunto com o Sr. DD. Quando lá foi ver, “aquilo não era jardim” (43,30).

- MM. Teve uma empresa de decoração e prestou serviços para aquele espaço, numa ligação que começou em 2008 [Ficheiro n.º 20210928151504]. Os eventos realizados no local eram mais casamentos e batizados e, em 2014, também já eventos empresariais, nomeadamente jantares de natal. A testemunha “regressa em 2013 e até 2019”. Há uma fase em que a D. II lhe pede para “pegar um pouco mais naquilo” e a testemunha geria, angariava clientes e fazia serviços naquele espaço. A D. II queria um trespasse, mas a testemunha não quis assumir, porque não tinha licenciamento e temia uma fiscalização. Era um local que criou uma marca pelo teto em fibra ótica e era vendido bem (min. 7,00). A D. II informou-a que o senhorio estava a tratar do licenciamento, mas que não estava finalizado... a relação com a filha BB era mais complicada. Inicialmente não se ligava muito a fiscalização, depois, com receio, fechavam a porta. Entregou o espaço em 2019 e o último evento foi em 16.10.2019. Estava em perfeitas condições. A ideia de um acordo era ficar a testemunha com o espaço, mas com a falta de licenciamento acedeu a fazer os eventos, dividiam as despesas e os lucros, se houvesse, iam investindo no espaço, com atualização e renovação. O valor do trespasse era 289.000, 300.000 euros, pela empresa. O volume de eventos era variável de ano para ano. A testemunha contratava com os noivos e autora faturava-lhe a cedência do espaço, sem exclusividade (17,00), e ficava ela com as despesas fixas do espaço, enquanto a testemunha com as despesas do evento. Continuou a atividade no local porque se os noivos a processassem por haver algum problema “podia processar o espaço”. Não vendeu eventos para 2020, pois tomou a decisão de não continuar. Falaram e como não houve pressa de avançar com o licenciamento, aí em março de 2019, talvez, decidiu não prosseguir, porque nessa altura aumentou o risco de fiscalização (30,00).

- FF. Tem uma sociedade unipessoal que teve intervenção no local em fevereiro, março do corrente ano e foi contactado pela D. BB [Ficheiro n.º 20211027094316]. Houve necessidade de intervenção na cozinha, com alteração de esgotos e águas. O salão nobre tinha humidades por falta de grelha na parte exterior e uma fissura a todo o comprimento do salão. Repararam na parte exterior a fissura do salão (capoto), substituíram tijoleira fissurada e tetos falsos entre os dois salões. O trabalho foi-lhe pago e o valor total de 8.116,56€. Na sua apreciação, não havia condições mínimas para fazer qualquer evento, e havia situações de tubagens de esgotos para o exterior e tomadas cheias de gordura. Situações em que o pavimento nem permitia lavar a cozinha. No exterior, os muros de vedação estavam desaprumados e fissurados, tal como a casa de apoio à piscina; não havia manutenção do lago e a tela do lago foi substituída (min. 11,00). Substituíram o material cerâmico fissurado. Pensa que o espaço terá 15 ou 20 anos e a cozinha 40 ou 50 anos. No local da cozinha devia ter havido uma remodelação anterior, mas não sabe há quanto tempo o espaço estava inativo. A única coisa de novo que fizeram foi uma vedação em rede na delimitação do terreno. A indicação que tem é que o espaço será destinado a eventos. O salão é bastante grande, 20/30 metros por 10 e agora está em condições de ser usado. Estiveram lá semana e meia a duas semanas. O valor do imóvel... não sabe a área total, mas edificado e espaço exterior, 500, 600.000 euros (26,30).

- NN. Conhece a ré BB, que foi quem o chamou para intervir na obra, na parte elétrica [Ficheiro n.º 20211027101128]. Não fez orçamento, porque havia muitas anomalias e “foram fazendo”; foi já este ano, salvo erro que entraram em obra. Havia anomalias nos fios de terra. A cozinha tinha uma anomalia grande, não tinha as partes metálicas ligadas à terra e havia falta de detetor de incêndios na cozinha e em todo o edifício. As ligações elétricas não estavam corretas. No salão havia fios de terra não ligados e “as partes de ligação estavam um bocado abandalhadas” (min. 9,30). Houve coisas que teve de fazer de raiz. Quem lhe pagou foi a D. BB, mas a obra ainda não está concluída; já recebeu cerca de 5.000,00€, mas falta reparar o quadro geral, colocar um projetor e iluminação das árvores, no exterior. Não sabe bem a idade dos edifícios, mas a cozinha era o que estava pior, bem como as casas de banho junto à cozinha. Não viu o projeto de instalação elétrica. Acha que o espaço irá ser usado para eventos, pelas caraterísticas que tem a casa (17,00).

- OO. Conhece a D. BB e a mãe, pelas obras de restauração de pichelaria que fez [Ficheiro n.º 202110227103213]. A primeira vez [que foi reparar] terá sido no princípio do ano. Fez a reforma da cozinha, de uma casa de banho, e a parte da rega, e faturou a uma empresa. O valor global, andou lá com empregados, foi entre 5.000 e 10.000 euros. Não fez qualquer intervenção no salão nobre. Não sabe desde quando a rega não estava a funcionar. Não lhe apresentaram nenhum projeto. Em princípio, o local será para fazer eventos, foi o que a D. BB lhe disse (min. 17,30)

Dos documentos tivemos em especial atenção os constantes de fls. 218/219 (contrato-promessa de arrendamento); fls. 310/317 (condições referentes à empreitada – não assinados); fls. 322 (n.º 28: email trocado com a 1.ª ré); fls. 323 (n.º 29: apontamento de uma reunião); fls. 324 (email); fls. 325 (carta de denúncia); fls. 327/330 (troca de correspondência entre as partes relativa à entrada dos imóveis); fls. 641 (orçamento); fls. 646 (orçamento da piscina) fls. 654/664 (projetos); fls. 716/717 (projeto de execução em obra) e, bem assim, as fotografias (fls. 750 e ss.) da inspeção ao local.

Numa análise crítica da prova, importa dizer o que segue. No entendimento deste tribunal, não está provado que o prédio rústico estivesse abandonado, aquando da celebração do acordo, em 2002, pois a própria representante da recorrente reconheceu que o prédio tinha vinha, que tiveram de arrancar (ponto 4, não provado). Não está provado que o valor dos imóveis seja atualmente de 700.000 euros, porquanto os depoimentos que referiram o valor foram muito díspares e sem nenhum suporte objetivo, sendo certo que tal valor não é conciliável com o valor pedido pelo trespasse e resultante do depoimento da legal representante da recorrente e da testemunha HH (ponto 5, não provado). Nenhuma prova consistente foi demonstrativa de que o valor da cláusula penal era o valor correspondente ao custo das obras (ponto 10, não provado). As dimensões dos edifícios, baseia-as a recorrente nos documentos juntos aos autos com os n.ºs 25 e 26: trata-se de documentos impugnados e não assinados (ponto 14, não provado). A expetativa da autora quanto à circunstância de a obtenção da licença estar em curso não se mostra temporalmente demonstrada, resultando dos autos que estaria em curso precisamente quando a autora decidiu denunciar o contrato-promessa (ponto 3, não provado). Do depoimento da testemunha HH resulta que foram realizados eventos até outubro de 2019, não havendo outros elementos objetivos que revelem a dimensão de uma eventual diminuição dos eventos que, conforme referiu a mesma testemunha, eram variáveis de ano para ano (facto 15, não provado). Embora se reconheça que a ré BB, através da empresa que criou realizou obras na parte urbana e inclusivamente no salão, não pode concluir-se que tenha aproveitado, pelo menos por enquanto, as obras que a autora levou a cabo: o que ficou demonstrado foram diversas despesas que fez ou continuará a fazer (facto 17, não provado). Finalmente (ponto 8, não provado) do conjunto dos depoimentos (incluindo o da própria ré AA) e dos demais factos dados como provados, sem esquecer o documento que constitui o contrato promessa, é de concluir que “A ré AA e o marido criaram na autora a expetativa que o licenciamento seria obtido”. Relativamente ao ponto 47 dos factos provados, a natureza do prédio e das obras levadas a cabo impõe que seja mantido.

Assim, deferindo parcialmente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, considera-se o seguinte:

Factos que consideramos assentes, provados e não provados:
Assentes:
1 - PP e AA, como primeiros outorgantes e DD e EE, como segundos outorgantes, assinaram documento escrito denominado “contrato promessa de arrendamento”, datado de 7.03.2002, que consta dos autos a fls. 218 e cujo teor aqui se considera reproduzido, através do qual os primeiros se declararam donos e possuidores dos prédios descritos na CRP sob os n.ºs ... (rústico) e ... (urbano) e prometeram dar de arrendamento ao segundos outorgantes ou à sociedade que estes viessem a constituir as partes do referido prédio identificadas em anexo, sombreadas a amarelo e que faziam parte integrante do acordo, e os segundos outorgantes prometiam tomar de arrendamento para si ou para a sociedade que viessem a constituir, os bens em causa para neles exercerem a atividade de realização de eventos festivos.
2 - O contrato seria celebrado pelo prazo de 25 anos, renovando-se automaticamente por períodos de 5 anos.
3 - Mais ficou estipulado que o contrato de arrendamento prometido seria marcado pelos segundos outorgantes ou pela sociedade que estes viessem a constituir, quando bem entendessem, devendo avisar os primeiros outorgantes com a antecedência mínima de 10 dias.
4 - Os primeiros outorgantes obrigaram-se ainda a colaborar com os segundos outorgantes ou com a sociedade que estes viessem a constituir no sentido de ser obtida a competente licença de utilização com vista aos segundos outorgantes ou a sociedade que estes viessem a constituir pudessem exercer a pretendida atividade de realização de eventos.
5 - Mais se estabeleceu que se a referida licença não fosse emitida por motivos imputáveis aos primeiros outorgantes (a ré AA e o marido) impedindo assim os segundos outorgantes ou a sociedade que estes constituíssem de exercer aquela atividade, os primeiros outorgantes pagariam aos segundos ou à sociedade que constituíssem as quantias que estes tiverem despendido nas obras que iriam levar a cabo nos identificados imóveis e que eram do conhecimento de todos os contraentes.
6 - No acordo ficou ainda estabelecido que os segundos outorgantes ou a sociedade que estes viessem a constituir poderiam desde já utilizar os imóveis, antes de ser celebrado o contrato prometido, com vista a serem efetuadas as obras do conhecimento de todos e, realizadas estas, a exercerem as atividades supra mencionadas.
7 - Consta do referido acordo que a título de indemnização/compensação pela ocupação pagariam os segundos outorgantes ou a sociedade que estes viessem a constituir a verba mensal determinada nos termos das condições particulares em anexo e cláusula II3.
8 - Consta ainda que se os primeiros outorgantes (a ré AA e o marido) se recusassem a celebrar o contrato de arrendamento prometido pagariam aos segundos outorgantes ou à sociedade que estes constituíssem o montante de 375.000,00 euros, montante fixado a título de cláusula penal.
9 - Refere-se ainda que os primeiros outorgantes obrigaram-se a facultar o gozo de parte do prédio identificado para aparcamento de viaturas, no prazo de dois meses a contar da receção da carta que fosse remetida, sob pena de terem de indemnizar os segundos outorgantes ou a sociedade por si constituída em 50.000,00 euros, quantia essa fixada a título de cláusula penal.
10 - E ainda que os primeiros outorgantes obrigaram-se a alargar, a expensas suas, um caminho, sob pena de terem de indemnizar os segundos outorgantes ou a empresa que estes viessem a constituir no montante de 50.000,00 euros, montante fixado a título de cláusula penal.
11 - O prédio onde foi edificado o salão tinha natureza rústica quando foi outorgado o acordo.
12 - A ré AA e o marido sabiam que a integração de parte daquele prédio em zona de RAN impedia a aprovação de qualquer projeto para o local.
13 - Por carta datada de 21.06.2019, a autora declarou à ré AA denunciar “o contrato de arrendamento celebrado em 07 de Março de 2002”, nos termos que constam de fls. 83 e cujo teor aqui se considera reproduzido, indicando que o imóvel seria desocupado no final do mês de outubro desse ano.
14 - O imóvel foi entregue às rés em 03.09.2020.
15 - A autora foi constituída como sociedade por quotas em 18.07.2002, tendo então como sócios DD e EE, e sendo então ambos gerentes.
16 - EE transmitiu a sua quota a II, esposa de DD, ficando II como gerente.
17 - A sociedade autora alterou a sua natureza para sociedade unipessoal, alterando em conformidade a sua denominação, tendo como sócia apenas a referida II, a partir de 31.07.2014.
18 - À data da cessação do acordo, a autora pagava às rés o valor mensal de 1.442,46 euros.
19 - Está registada a favor das rés, desde 30.06.2005, a aquisição dos imóveis descritos na CRP freguesia ... Maia, sob os n.ºs ... e ....
20 - A ré BB constituiu a sociedade unipessoal P... Unipessoal Lda., com sede na rua ..., ..., Maia, em 24.03.2021, tendo como objeto social: restaurante com espaço de dança, confeção de refeições prontas a levar para casa, fornecimento de refeições para eventos, organização de feiras, congressos e outros eventos similares, outras atividades de serviços de apoio prestado às empresas, com a possibilidade de prestar o serviço de aluguer do espaço.

Provados:
21 - DD e EE constituíram a sociedade autora, passando esta a assumir o deveres e direitos que àqueles assistia no acordo escrito celebrado.
22 - Foi efetuada a participação à Autoridade Tributária do acordo celebrado, identificando a ré AA como promitente locadora e a autora como promitente locatária.
23 - A ré AA e o marido e, depois da morte deste, a ré AA e as demais rés, suas filhas, sempre emitiram recibos relativos ao recebimento da quantia mensal que foi acordada com DD e EE, em nome da sociedade autora, deles constando a menção “recibos de renda”.
24 - Esta quantia mensal que era paga pela autora foi sendo atualizada de acordo com o coeficiente de atualização do arrendamento.
25 - Os imóveis não possuíam licença de utilização.
26 - Nos termos previstos no acordo escrito celebrado, os imóveis foram entregues aos sócios da autora antes da outorga do acordo que prometeram celebrar, tendo a autora efetuado obras no imóvel, suportando os respetivos custos, para de seguida iniciar, como iniciou, a atividade de organização de eventos.
27 - A autora organizou diversos eventos naquele local até à data indicada na carta de 21.06.2019.
28 - À data da celebração do acordo escrito existia no prédio urbano uma cozinha e uma sala rústica.
29 - A licença de utilização nunca foi obtida.
30 - As obras realizadas pela autora nunca foram objeto de legalização.
31 - A autora facultou à ré e ao marido todas plantas e projetos relativos às obras que realizou.
32 - A ré e o marido assumiram a responsabilidade de obter a licença de utilização dos imóveis.
33 - A autora assumiu a responsabilidade de obter a licença de atividade para utilização dos imóveis para a organização de eventos, a solicitar depois de obtida a licença de utilização dos imóveis.
34 - A autora temia que pudesse verificar-se uma ação fiscalizadora no momento em que estivesse a realizar eventos.
35 - Por email de 23.05.2005, dirigido à ré BB, o sócio da autora DD relembrava aspetos relativamente aos quais teria de ser dado andamento, constando do ponto 4 “legalização do espaço para se poderem tirar as respetivas licenças e alvarás, De notar que este assunto se tornou mais urgente pela fiscalização que está a ser feita nos mais diversos espaços”. [É do seguinte teor o aludido email, com cópia a fls. 81 v.: “No seguimento da n/ reunião de 17/0372005 e já passados mais de 2 meses, venho relembrar o que ficou de ser dado andamento: 1. Elaboração de proposta de alteração ao contrato-promessa em vigor (a ser feita pela BB); 2. Obtenção de proposta para portão de entrada (a ser feito pela BB); 3. Novo espaço de estacionamento a ser utilizado para jardim. Estamos a aguardar a sua entrega com a limpeza e preparação do mesmo; 4. Legalização do espaço para se poderem tirar as respetivas licenças e alvarás. De notar que este assunto se tornou mais urgente pela fiscalização que está a ser feita nos mais diversos espaços. Porque os pontos 2, 3 e 4 são de extrema importância, dada a dificuldade que começa a surgir pela desvantagem de uma entrada pouco atraente e pelo espaço reduzido do jardim atual, somos a solicitar a V/ melhor atenção para darmos andamento às alterações”].
36 - Por email de 12.03.2019, e respondendo a um pedido de informação da legal representante da autora, a mandatária das rés informou que em relação ao “assunto referente ao pedido de licenciamento, aguardo autorização por parte da autoridade competente - RAN (pois uma pequenina parte da parcela está abrangia por RAN). Nesse sentido, tenho diligenciado no sentido de agilizar o mais rápido possível. A par desta situação, o arquiteto aguarda esta autorização para apresentarmos o processo devidamente instruído na CM .... Creia que da m/ parte como da D. AA tem havido o maior empenho para concluir todo o processo. Qualquer desenvolvimento, informarei a D. II de imediato”.
37 - A este email, e em resposta, respondeu aquela legal representante “muito obrigada”.
38 - A autora fez cessar o gozo relativo à utilização dos imóveis com o envio da carta referida de 21.06.2019, alegando que “o decurso destes anos consubstancia um incumprimento definitivo pela impossibilidade legal decorrente da não obtenção do licenciamento do espaço por parte de V. Exas.” [É o seguinte o teor da referida carta da autora, dirigida a AA: “Venho por este meio comunicar-lhe, respeitando a antecedência prevista na lei, que pretendo denunciar o contrato de arrendamento que celebrámos em 7 de março de 2002, relativo aos seguintes imóveis (...) Nesse sentido, desocuparei o locado no final do mês de outubro do corrente ano. Não obstante a desnecessidade de invocação de motivo para a presente denúncia, a verdade é que o decurso destes anos consubstancia um incumprimento definitivo pela impossibilidade legal decorrente da não obtenção de licenciamento do espaço por parte de V. Exas. Decorre do disposto no Ponto 7 do contrato, assim como da lei geral, o direito da C... a ser ressarcida pelo valor despendido com realização de obras nos imóveis acima identificados, as quais se cifram em montante nunca inferior a 375.000,00€, interpelando desde já V. Exa. ao pagamento deste valor na data da cessação do contrato. Sem outro assunto (...)”].
39 - Na sequência do envio desta carta, foi agendada data para a entrega dos imóveis mas, tendo a autora exigido o pagamento da quantia de 375.000,00 euros a título de benfeitorias, por carta de 21.10.2019, e recusando-se as rés a efetuar tal pagamento, por carta de 28.10.2019, a autora, por carta de 30.10.2019, interpelou as rés ao pagamento da quantia de 295.177,21 euros a título de benfeitorias, nos termos do documento que então anexou, ressalvando a possibilidade de o valor ser superior pois que estava ainda a reunir a documentação que suportasse as despesas pagas, invocando o direito de retenção de que beneficiaria o inquilino.
40 - Na data de 31/10 não foram entregues os imóveis, perante a recusa das rés de efetuar qualquer pagamento e a invocação pela autora do direito de retenção sobre os imóveis.
41 - Conforme autorizado no acordo escrito celebrado, a autora realizou nos imóveis, com autorização da ré e do marido, diversas obras, suportando os custos de construção do edifício instalado no prédio rústico, hall de entrada e casas de banho, aumento da cozinha pré-existente no prédio urbano, de uma piscina e anexos de apoio, casa de máquinas, incluindo obras de pichelaria, carpinteiro e eletricidade, bem como infraestruturas no jardim, como sistema de rega e colocação de relva, planta e árvores e procedendo ainda à realização de passeios exteriores, muros de vedação dos imóveis e colocação de portões.
42 - As obras começaram a ser pensadas e foram debatidas entre os seus outorgantes, ainda antes da assinatura do acordo escrito.
43 - Estas obras realizadas pela autora aumentaram o valor dos imóveis.
44 - A atividade da autora criou nos imóveis em causa um local conhecido no mercado para a realização de eventos conhecido como Quinta ....
45 - Na realização dessas obras despendeu a autora quantia não apurada, mas nunca inferior a 177.622,36 euros.
46 - As obras que foram realizadas no edifício já existente no prédio urbano não podem ser levantadas sem detrimento daquele.
47 - As obras realizadas no prédio rústico podem ser levantadas sem detrimento do prédio.
48 - A autora aceitou realizar as obras em causa nos imóveis pressupondo que o contrato de arrendamento que iria vigorar entre as partes tinha a duração de 25 anos.
49 - A não restituição dos imóveis em 31.10.2019 impediu as rés de gozar os imóveis em causa. (eliminado).
50 - Antes da celebração do acordo em causa nestes autos, as rés organizavam no prédio urbano existente eventos de pequena dimensão, utilizando a cozinha e sala rústica nele existente.
51 - No ano de 2016, a autora teve um resultado líquido de 7.225,00 euros.
52 - No ano de 2017, a autora teve um resultado líquido de 6.318,77 euros.
53 - No ano de 2018, a autora teve um resultado líquido de 2.979,08 euros.
54 - A autora apenas tinha como atividade a organização de eventos nos imóveis em causa.
55 - As rés BB e CC são filhas da ré AA e do marido.
56 - A ré BB pretende utilizar, no futuro, os referidos imóveis para a organização de eventos, tendo para o efeito constituído a sociedade acima referida.
57 (8) - A ré AA e o marido criaram na autora a expetativa que o licenciamento seria obtido.

Não provados:
1 - Que o prédio descrito na CRP sob o art. ... tivesse natureza rústica.
3 - A autora tivesse expetativa que a obtenção dessa licença estivesse em curso.
4 - À data da celebração do acordo escrito, o prédio rústico estivesse abandonado.
5 - Os imóveis tenham um valor atual de 700.000,00 euros.
6 - Que as demais despesas alegadas pela autora tenham sido efetuadas na realização das obras dadas como provadas.
7 - A autora soubesse desde o início do acordo celebrado que parte do prédio rústico se
encontrava em zona de RAN e que, por isso, a aprovação de qualquer pedido de licenciamento exigia a alteração do PDM.
9 - Que a ré AA ou o marido tivessem assumido qualquer obrigação de restituição do valor investido pela autora, para além das obrigações assumidas no acordo celebrado.
10 - Que a cláusula de 375.000,00 euros se reporte ao valor que a ré AA e o marido sabiam que iria ser despendido pela autora na realização das obras.
11 - Que a renda tivesse sido fixada abaixo do valor de mercado tendo em conta as obras que seriam realizadas.
12 - Que a autora tenha cedido a exploração da Quinta a terceiros.
13 - Qual o estado dos imóveis quando foram entregues pela ré AA e marido à sociedade acima referida, e que os mesmos estivessem em estado de abandono quando foram restituídos pela autora.
14 - As dimensões dos edifícios construídos pela autora e do jardim.
15 - A autora tivesse deixado de organizar eventos pelo facto de não existir licença.
16 - A obtenção da licença fosse condição essencial para que o negócio se realizasse. (eliminado).
17 - Que a ré BB tenha retirado dos imóveis quaisquer benefícios económicos das obras realizadas pela autora nos imóveis ou que tenha beneficiado do prestígio que aquele espaço ganhou enquanto esteve a ser utilizado pela autora.

III.II – Fundamentação de Direito
Antes de apreciamos os fundamentos jurídicos trazidos pela apelante e razão para, no seu entendimento, proceder o recurso, vejamos, com síntese, o que ficou dito pelo tribunal recorrido e conduziu ao dispositivo da sentença, sublinhando os aspetos que temos por mais significativos: “(...) não temos qualquer dúvida que qualquer declaratário entenderia que o acordo celebrado era um contrato-promessa de arrendamento, pois que assim foi denominado, resultando claro da posição das partes que assim foi celebrado pois não existia licença de utilização do prédio urbano, nem as obras que seriam realizadas pelos promitentes arrendatários no imóvel rústico nem a atividade que em ambos os prédios se pretendia desenvolver se encontravam, à data, legalizadas. O acordo estabelece algumas das cláusulas do contrato de arrendamento que seria celebrado, nomeadamente o valor da renda e a forma da sua atualização bem como a duração deste, mas também quem teria ónus de marcar data para a realização do contrato-prometido (...) o próprio acordo reconheceu o direito dos promitentes arrendatários puderem de imediato utilizar os imóveis (...) o próprio acordo prevê em que termos é que se faz a imediata entrega dos imóveis e se permite o seu gozo, ainda que se esteja apenas a prometer arrendar, sendo que tal entrega visava permitir precisamente que fossem realizadas as obras que os promitentes arrendatários pretendem executar nos imóveis em causa (...) A falta de cumprimento do contrato-promessa pelo promitente-senhorio consiste na não realização do contrato prometido, aqui de arrendamento, com carácter definitivo, assim se distinguindo da simples mora, ou seja, do atraso nesse cumprimento (...) A A. fundamenta a sua pretensão no direito de resolver o contrato pela falta de obtenção de licença de utilização dos imóveis que, na sua versão dos factos, recairia sobre os proprietários do imóvel e, estando o contrato em vigor há 17 anos, não teria sido obtida. É certo que, decorridos 17 anos desde que foi celebrado, não existia licença de utilização, nem as obras realizadas pela A. estavam legalizadas, nem a atividade exercida nos imóveis estava licenciada. Como todos sabiam na data em que celebraram o acordo escrito, tais licenças não existiam, pois que, quanto às obras estas seriam ainda realizadas (e pelos promitentes arrendatários), estando expressamente previsto no acordo, quanto à atividade, que os promitentes senhorios se obrigavam a prestar toda a colaboração que fosse necessária para que os promitentes arrendatários obtivessem o seu licenciamento, estabelecendo sanção contratual para o caso de a licença não ser emitida por facto imputável aos promitentes senhorios: estes ficariam obrigados a pagar aos promitentes arrendatários as quantias que estes despendessem nas obras que iriam levar a cabo e que eram do conhecimento de todos. Tal situação, porém, relativa à inexistência das licenças, não permitia à A., sem mais e sem prévia interpelação, resolver o contrato-promessa celebrado (...) a A. exercia aquela atividade, nas mesmas circunstâncias, há 17 anos quando, sem prévia interpelação, comunicou às Rs. a cessação do contrato. Estando definido no acordo celebrado que lhe incumbia a si marcar a data para a realização do contrato-prometido, teria previamente de interpelar as Rs. para a sua celebração e, apenas se este não fosse celebrado, incorreriam a Rs. em mora que a A. poderia converter em incumprimento definitivo que legitimasse a resolução do contrato. No momento em que a A. enviou a carta a fazer cessar o acordo celebrado, não existia sequer mora das Rs., no que se reporta à celebração do contrato prometido, não sendo, por isso, legítima tal resolução.
Vejamos, porém, se ainda assim, tem a A. o direito a ser indemnizada pelas alegadas benfeitorias (...) A A., porém, não era possuidora do imóvel, mas apenas promitente arrendatária.(...) a promitente arrendatária sabe que tem o gozo da coisa de forma precária e não com animus de proprietária, em nome daquele que lhe entregou o gozo da coisa e que também não age como proprietário, pelo que não pode afirmar-se a sua posse, não sendo assim convocável o regime estabelecido no art. 1273.º do C. Civil. Como se disse, aplicam-se ao contrato-promessa as disposições legais relativas ao contrato prometido, que se mostrem compatíveis com o regime do contrato-promessa, sendo que aqui estava em causa um contrato de arrendamento. A cedência imediata do gozo dos imóveis resulta do próprio contrato-promessa, precisamente para permitir a realização das obras que ambas as partes sabiam que iam ser realizadas pelos promitentes arrendatários. Se a não realização do contrato prometido de arrendamento não é imputável às Rs., mas à A. que, ao resolve-lo sem fundamento, recusa o seu cumprimento, não vemos fundamento para aplicar as regras previstas precisamente no contrato de arrendamento para a cessação do gozo dos imóveis. Tal aplicação pressuporia que a cessação do contrato-promessa não fosse imputável, como é, à A. (...)
Mas ainda que fossem aplicáveis, não assistiria à A. o direito a que esta se arroga (...) Especificamente para os arrendamentos para fins não habitacionais, estabelece o art. 1111.º do C. Civil que “as regras relativas à responsabilidade pela realização das obras de conservação ordinária ou extraordinária, requeridas por lei ou pelo fim do contrato, são livremente estabelecidas pelas partes” e que “se as partes nada convencionarem, cabe ao senhorio executar as obras de conservação, considerando-se o arrendatário autorizado a realizar as obras exigidas por lei ou requeridas pelo fim do contrato”. Na situação dos autos, como se disse já, a realização de obras pelo promitente arrendatário estava pressuposta por ambas as partes e, por isso, autorizada pelo promitente senhorio. Temos assim que concluir que todas as obras realizadas pela A. foram lícitas, porque autorizadas pelo promitente senhorio. Assim, por força da remissão do citado art. 1074.º, seria aplicável o disposto no art. 1273.º do C. Civil (...) Atenta a natureza das obras realizadas, não temos dúvidas que estão em causa benfeitorias úteis pois que, não tendo a A. alegado e demonstrado a sua necessidade para a conservação dos imóveis, vieram de facto aumentar-lhes o seu valor. Ora, estando em causa benfeitorias úteis, a A. tem direito ao seu levantamento se o puder fazer sem detrimento da coisa. Apenas as obras realizadas no edifício já existente, a serem levantadas, provocariam o detrimento do imóvel. Todas as demais, realizadas num prédio rústico, poderiam ser levantadas sem que houvesse detrimento do prédio rústico. O que esta aqui em causa é o detrimento do imóvel e não a destruição das benfeitorias realizadas (...) Quanto às obras realizadas no edifício já existente, não logrou a A. demonstrar as quantias despendidas na sua realização e, muito menos, a medida do enriquecimento das Rs., como lhe competia, quando estaria em causa o cálculo da indemnização devida. As regras do enriquecimento sem causa que a A. convoca obrigam-na a demonstrar não só o que despendeu nas obras, mas também o enriquecimento gerado com a sua realização, para as aqui Rs., alegação que não existe, limitando-se a A. a alegar, sem o demonstrar, que os imóveis teriam agora cerca de 700.000,00 euros. Não é também convocável, de per si, o instituto do enriquecimento sem causa (...) admitir-se (facto que não foi alegado efetivamente, apesar de as obras realizadas terem aumentado o valor dos imoveis) a existência do enriquecimento dos Rs. à custa do empobrecimento da A., este tem uma causa: o contrato-promessa celebrado e que permitia à A. realizar obras em imóvel que não era seu, tendo em vista a realização de um contrato de arrendamento que não se realizou por facto imputável à A. que o resolveu sem que existisse mora das Rs. (...) Não sendo a A. credora das Rs., não lhe assistia o direito de retenção que invocou para não entregar o imóvel (...) Resta apreciar o último pedido formulado e que se relaciona com a cláusula do contrato que estabelece que se os primeiros outorgantes se recusassem a celebrar o contrato de arrendamento ora prometido pagariam aos segundos outorgantes ou à sociedade que estes constituíssem o montante de 375.000,00 euros, montante fixado a título de cláusula penal. Em primeiro lugar, não deixa de ser surpreendente que a A. entenda que, com base no contrato-promessa celebrado, lhe assistiria o direito a ser compensada pelas benfeitorias que realizou, mas também ao montante fixado a título de cláusula penal. (...) tal cláusula penal seria devida se as Rs. se recusassem a celebrar o contrato prometido. Ora, estas nunca recusaram celebrar o contrato prometido, porque nunca foram interpeladas por quem poderia fazê-lo, para a sua celebração. É certo que, inexistindo licença de construção das obras realizadas pela A., a atividade que era exercida também no prédio rústico não podia ser licenciada, mas quem durante 17 anos assim trabalhou, na mesma situação que existia desde que celebrou o acordo com a R. e o marido, não tinha fundamento para, sem mais, e depois da troca de correspondência de 12/03/2019 fazer cessar unilateralmente o contrato (...) Quanto à reconvenção (...) As Rs. estiveram assim ilegitimamente privadas do gozo dos imóveis, assistindo-lhe o direito de exigir da A. uma compensação pelo período em causa, ou seja, 10 meses. Ora, pagando a A. às Rs. a quantia mensal de 1.442,46 euros, tal compensação deverá naturalmente ser fixada nesse valor, precisamente por aplicação do que dispõe o art. 410.º do C. Civil, ou seja, aplicação ao contrato-promessa das disposições legais do contrato prometido e, por esta via, do disposto no art. 1045.º do C. Civil (...)”.

Da qualificação do contrato celebrado a 7.03.2002
Importa apreciar as questões que o recurso reclama, tendo presente toda a factualidade apurada, e nos termos que nesta sede recursória ficou definida. A primeira questão, prende-se com a natureza/qualificação do contrato celebrado a 7.03.2002, e que a primeira instância considerou ser um inequívoco contrato-promessa, enquanto a recorrente entende ter outra natureza (contrato atípico, união de contratos, contrato de arrendamento), muito embora, pelo menos subsidiariamente, não deixe de aceitar aquela primeira qualificação e os efeitos que daí decorrentes, em benefício (subsidiário) da sua pretensão na ação e, agora, no recurso.

A questão do “contrato-promessa de arrendamento versus contrato de arrendamento” não tem um entendimento jurisprudencial uniforme, desde logo em razão de a mesma implicar uma concreta apreciação da factualidade relevante apurada em cada processo,
e de essa factualidade não poder deixar de contribuir diretamente para a caraterização do negócio jurídico que esteja em causa.

A título exemplificativo, consideremos as decisões jurisprudenciais que ora citamos:
- Vem dito no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.11.2020 [Relator, Conselheiro Ricardo Costa, Processo n.º 51/18.9T8BGC-A.G1.S1, dgsi], além do mais, que “III) A promessa de arrendamento é convolada em arrendamento definitivo por força da interpretação das declarações negociais independentemente da celebração do contrato de arrendamento definitivo, desde que as cláusulas constantes da promessa e a subsequente execução do contrato-promessa celebrado correspondam, pelo menos, aos elementos típicos da locação prometida: o promitente arrendatário ocupe – isto é, usufrua efetivamente do gozo – o imóvel prometido arrendar; o pagamento da retribuição típica do arrendamento (art. 1022º do CCiv.); a utilização para o fim a que se destina, tendo em conta a identificação da sua natureza. Mais rigorosamente estaremos perante a qualificação do contrato de promessa como arrendamento a título definitivo, em que a verificação da existência no negócio de todos os elementos essenciais do tipo determina a qualificação e esta, por sua vez, a vigência dos elementos naturais, fazendo, portanto, a correspondência a um tipo negocial legal de acordo com a interpretação das declarações negociais em confronto com a disciplina que constitui o modelo regulativo desse tipo. Para este efeito, a natureza material da vontade das partes deve sobrepor-se à omissão da forma exigida à data da celebração do contrato qualificado. IV) A falta de outorga de escritura pública entre a data de início de produção de efeitos do arrendamento convolado/qualificado por interpretação – 1 de Março de 1999 – e 30 de Abril de 2000 (a partir de 1 de Maio os contratos de arrendamento para fins comerciais ficaram sujeitos à forma escrita traduzida em documento particular: art. 7º, 1, do RAU, aprovado pelo DL 321-B/90, de 15 de Outubro, alterado pelo DL 64-A/2000), sendo causa de nulidade do contrato por força do art. 220º do CCiv., não contamina a exequibilidade do contrato de arrendamento convolado/qualificado como título executivo (pela falta de produção de efeitos estatuída pelo art. 286º do CCiv.) por ser excluída essa alegação de invalidade em situações de tutela da confiança juridicamente justificada que ambas as partes depositaram na validade do contrato locatício celebrado, traduzida em conformação bilateral sobre a falta de forma até à mudança legal de 2000 e em omissão de invocação posterior do vício formal, inequívocas sobre a execução do contrato celebrado, e geradoras para ambas as partes de uma autovinculação a comportamento futuro, inibitório da alegação da nulidade do arrendamento, ao abrigo da proibição de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium (art. 334º do CCiv.)”.
- Refere-se no sumário do acórdão da Relação de Lisboa de 11.02.2003 [Relator, Desembargador Abrantes Geraldes, Processo n.º 188/2003-7, dgsi] que “Celebrado um acordo que as partes qualificaram de "contrato de promessa de arrendamento" comercial, mas cujo clausulado corresponde a um verdadeiro arrendamento comercial, não está afastada a possibilidade de se operar a conversão num contrato-promessa de arrendamento, verificados que sejam os requisitos previstos no art. 293º do CC”.
- Do mesmo ano e do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, consta do acórdão proferido a 3 de julho [Relator, Desembargador Urbano Dias, Processo n.º 5429/2003-6, dgsi] o seguinte sumário: “A celebração de um contrato-promessa de arrendamento comercial, com a entrega da coisa e o consequente pagamento de rendas, consubstancia um verdadeiro contrato de arrendamento, ainda que seja nulo por falta de forma. Deve aplicar-se a tal contrato celebrado o regime jurídico que resultar da interpretação das declarações negociais, independentemente da designação que as partes lhe atribuíram”.
- No acórdão do mesmo Tribunal de 6.10.2009 [Relatora, Desembargadora Rosa Ribeiro Coelho, Processo n.º 4956/07.4TVLSB.L1-7, dgsi], ficou referido no respetivo sumário: “I – A busca do significado daquilo que as partes terão querido, ao emitirem a declaração negocial, deve nortear-se pela regra geral enunciada no nº 1 do art. 236º do C. Civil, valendo, decisivamente, o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, teria deduzido do comportamento do declarante. II – Só não será assim se o declarante, em termos de razoabilidade, não puder contar com a atribuição de tal sentido à sua declaração ou se o declaratário conhecer o sentido que o declarante pretendeu exprimir através da declaração, caso em que o negócio valerá de acordo com a vontade real comum das partes. III – Esta vontade real nunca poderá resultar demonstrada se nada foi alegado pelas partes acerca do sentido subjacente às declarações negociais emitidas. IV – Apesar de qualificado de contrato-promessa de arrendamento pelas partes, deve ser qualificado como contrato de arrendamento aquele em que, definindo-se o local cuja fruição seria cedida no contrato prometido e a contrapartida a pagar pelo arrendatário, este último passa, desde a sua celebração, a utilizar o espaço em causa e a pagar à outra parte as compensações mensais estipuladas. V – Porém, neste caso, a existência de recíproca vinculação das partes à celebração do contrato definitivo, embora subordinando a condição suspensiva a produção dos correspondentes efeitos jurídicos, configura ainda um contrato-promessa, formando com o contrato de arrendamento uma união de contratos”[12].
- Do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, mas datado de 24.04.2014 [Relatora, Desembargadora Maria Amélia Ameixoeira, Processo n.º 782/12.9TCLRS.L1-8, dgsi], sumaria-se o seguinte: “I) Na qualificação do contrato importa interpretar as suas cláusulas, independentemente da denominação escolhida pelas partes; sendo o clausulado típico do arrendamento, nele se acordando todos os seus elementos caracterizadores, em nada importa que as partes o tenham denominado como contrato de promessa de arrendamento, sendo irrelevante a formalização posterior do mesmo acordo sob a denominação de contrato de arrendamento. II) Exigindo a lei licença de utilização, a sua falta na data da outorga do contrato não torna o arrendamento comercial inválido, apenas dando causa a sanções. IV) O senhorio que autoriza obras para adequação do arrendado à atividade do inquilino na vigência do denominado contrato-promessa, não pode exigir indemnização para reposição da fração no estado anterior, com fundamento no escrito posteriormente celebrado para contornar a prévia inexistência de licença de utilização; tal sempre constituiria abuso do direito”.
- No sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28.08.2008 [Relator, Desembargador Mário Serrano, Processo n.º 48/08-3, dgsi] deixou-se escrito: “I - Um contrato-promessa de arrendamento, não deixa de o ser ou seja não perde a natureza de contrato promessa para ser havido como verdadeiro contrato de arrendamento, pelo simples facto de dele constarem as cláusulas relativas ao pagamento de renda ou à transmissão da “posse” com efeitos anteriores à data prevista para a celebração do contrato definitivo, pois essas cláusulas são ainda compatíveis com a existência de uma promessa de arrendamento. II – Não tendo chegado a formalizar-se o contrato definitivo e embora as partes se tenham comportado como se ele existisse ou como se o contrato-promessa fosse já o contrato-prometido, não pode ao promitente arrendatário ser reconhecida a qualidade de arrendatário para efeitos de indemnização por expropriação do terreno, porquanto, face ao regime vigente à data da sua celebração, tal contrato de arrendamento estaria sujeito a escritura publica e como tal a falta desta formalidade acarretava a sua nulidade (cfr. artº 220º do C.Civil), necessariamente não convalidável. III – «Trata-se de uma formalidade ad substantiam, que, no regime do Decreto-Lei nº 394/88, só pode ser suprida por decisão judicial, por via de acção ou reconvenção, nos termos do seu artº 5º, nos 1 e 2»”.
- Escreveu-se no sumário do acórdão do Tribunal da relação de Guimarães de 31.10.2019 [Relator, Desembargador Fernando Fernandes Freitas, processo n.º 51/18.9T8BGC-A.G1, dgsi]: “II- Apesar das partes terem denominado o contrato que celebraram como “contrato-promessa de arrendamento”, se nele acordaram as cláusulas típicas do contrato de arrendamento, designadamente: o prazo de vigência do contrato, o montante mensal das rendas, o regime de atualização, o regime das benfeitorias, e se o “promitente arrendatário” entra de imediato no gozo do imóvel prometido dar de arrendamento, ficando apenas a faltar a formalização do contrato pela escritura pública, tem de considerar-se estar perante um contrato de arrendamento e não perante um contrato-promessa de arrendamento já que o escrito contém todos os elementos essenciais do contrato de arrendamento”.
- Por último, deste Tribunal da Relação do Porto, no acórdão proferido a 13.09.2011 [Relator, Desembargador Vieira e Cunha, Processo n.º 3802/10.6YYPRT-A.P1, dgsi] consta o seguinte sumário: “I - A entrada no gozo do imóvel não caracteriza irreversivelmente o contrato como um verdadeiro contrato definitivo de arrendamento, da mesma forma que, se um promitente comprador, entra no gozo do imóvel prometido vender, não se poderá concluir que o passou a possuir em nome próprio, à semelhança do proprietário. II - Se as partes previram a “necessidade de obtenção da licença a que alude o art° 5° do D.-L. n° 160/2006 de 8 de Agosto”, só após a obtenção de tal licença, se podendo celebrar, no prazo de 15 dias, o contrato de arrendamento, tal elemento mostra-se decisivo para o declaratário normal visse na vontade de vinculação a referência a um contrato-promessa”.

Relevante à natureza do contrato aqui em causa ou, dito de outro modo, à qualificação jurídica do negócio ou acordo estabelecido em 2002 é, e previamente, a questão da interpretação[13] da declaração negocial, prevista nos artigos 236 a 238 do Código Civil (CC) e, especialmente, no primeiro dos preceitos citados, o qual estipula: “1 – A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2 – Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.

Ainda que Pedro Pais de Vasconcelos/Pedro Leitão Pais de Vasconcelos[14] não deixem de referir que “O critério primeiro é o da vontade real comum, do sentido subjetivo comum” (os autores entendem não “dever concluir-se que a lei portuguesa tenha tomado partido pela doutrina objetivista da interpretação”) e que “Para que o sentido objetivo prevaleça sobre o sentido subjetivo da declaração, é necessário, em primeiro lugar, que sejam divergentes; em segundo, que o declaratário desconheça a vontade real do declarante; e em terceiro, que o sentido objetivo não contrarie a expetativa razoável do autor da declaração”, não deve deixar de ser dito que o preceito citado consagra a chamada teoria da impressão do destinatário, segundo a qual, o sentido da declaração é o sentido que lhe teria atribuído um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real. “Releva, portanto, o sentido que seria dado por uma pessoa medianamente sagaz, medianamente diligente, medianamente experiente em face dos termos da declaração e de todas as demais circunstâncias situadas no horizonte de referência do declaratário”, mas exige-se que “o sentido que lhe corresponde possa ser imputável ao declarante”[15].

Consagra-se na nossa lei, assim, e tal como refere Paulo Mota Pinto[16] uma “teoria objetivista” [cfr., no entanto, a nota 15] na interpretação do negócio jurídico, pois “o “ponto de vista hermenêutico” decisivo é o do destinatário (nos termos da “impressão do destinatário”, a reconstruir interpretativamente), o qual deve esforçar-se por compreender o sentido do comportamento do declarante. Não se impõe àquele verdadeiramente uma investigação sobre o que o declarante pretendeu significar com esse comportamento, mas antes relativamente ao sentido objetivo que dele resulta, sendo certo, contudo, que a cognoscibilidade – ou até o mero conhecimento causal – daquela intenção do agente não pode deixar de afetar a “impressão do destinatário” juridicamente relevante. Esta orientação, como se vê, inspirada pela tutela das expetativas e da segurança do comércio jurídico, está presente igualmente no n.º 2 do artigo 236.º, o qual não importa desvios em relação .ao n.º 1, mas constituindo antes sobretudo uma sua concretização. Na verdade, quando o declaratário conhece a vontade real, o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, depreenderia do comportamento do declarante, seria igualmente o correspondente àquela vontade”[17].
Na questão da interpretação da declaração negocial, António Menezes Cordeiro[18] encontra e isola três diretrizes, concretamente, “o sentido da impressão do declaratário normal (236.º/1, 1.ª parte); - o qual razoavelmente, possa ser imputado ao declarante (236/1, 2.ª parte); - a vontade real do declarante (236/2)”. Na primeira diretriz, o autor dá nota da relevância, para efeitos interpretativos, de “todas as circunstâncias que acompanhem a conclusão do contrato e possam, objetivamente, inculcar num declaratário hipotético, razoável e cuidadoso, colocado na posição do declaratário real, um determinado sentido para a declaração”. Através da segunda diretriz, compensa-se “a prevalência dada à teoria da declaração, em detrimento da vontade: afasta a interpretação que, de todo, não tenha a ver com a vontade do declarante”. Por fim, a regra estabelecida no n.º 2 do artigo 236 do CC, mas previamente precisada (“- deve haver uma declaração; - ambas as partes devem concordar com o que irá integrar o futuro negócio”) vai permitir enquadrar “duas fórmulas tradicionais, expressas pelas locuções latinas respetivas: - falsa demonstratio non nocet (a designação errada não prejudica)[19]; - protestatio facto contraria non valet (a afirmação contrária ao facto não é eficaz)[20]”. Por fim, o autor conclui que “O Direito lusófono consagra assim, no essencial, uma doutrina objetivista da interpretação, baseada na impressão do declaratário e mitigada, em termos negativos, pela possibilidade de imputar a declaração a interpretar a quem a tenha feito, pela regra falsa demonstratio non nocet e pela necessidade de ponderar globalmente o que tenha sido declarado”[21].

Podemos dizer, conclusivamente, e assumindo o risco da síntese que “Não se provando o sentido da vontade real do declarante, na data relevante, ou não se provando o seu conhecimento efetivo pelo declaratário, aplica-se o critério normativo objetivo do n.º 1 do artigo 236.º: em princípio, a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, poderia deduzir do comportamento do declarante; ou, numa formulação próxima, vale com o sentido que o declaratário real lhe daria se fosse uma pessoa razoável, diligente e de boa-fé”[22].

Entendeu a primeira instância que os outorgantes do contrato celebrado em março de 2002 celebraram um contrato-promessa ou, dito de outra forma, que o contrato entre eles celebrado deve ser qualificado como contrato-promessa.

O artigo 1548 do Código de Seabra dispunha que “a simples promessa recíproca de compra e venda, sendo acompanhada da determinação de preço e especificação da coisa, constitui uma mera convenção da prestação de facto, que será regulada nos termos gerais dos contratos; com a diferença, porém, de que, se houver sinal passado, a perda dele ou a sua restituição em dobro valerá como compensação de perdas e danos”, resultando deste normativo[23], pelo menos, e sem qualquer análise exaustiva, que o contrato-promessa não tem o seu nascimento no Código Civil de 1966 (CC), ainda que neste diploma venha a adquirir um relevo e uma autonomia, desde logo por não se limitar à compra e venda, que o afastam da previsão exígua precedente.

Como decorre do artigo 410 do CC[24], “1 - À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa. 2 - Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral. 3 - No caso de promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fração autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respetiva licença de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte”.

Na singeleza, mas suficiência, que se revela da primeira parte do disposto no n.º 1 do artigo 410 do CC, antes transcrito, podia dizer-se que o contrato-promessa é a obrigação de celebrar outro contrato. Como refere Ana Prata, “não constitui um contrato em especial, pois consiste num contrato que não se basta a si mesmo, antes tendo de forçosamente caraterizar-se pela referência a outro contrato, aquele de que constitui ato preparatório ou instrumental”[25].

O contrato-promessa, atenta a clareza do citado n.º 1 do artigo 410 do CC (e não importando ao caso presente as dificuldades inerentes aos seus números 2 – o acordo aqui em causa foi celebrado por escrito – e 3 – não respeita a promessa de celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fração autónoma dele) é, na sua essência, consensualmente definido pela doutrina: - “a convenção pela qual um ou ambos os contraentes se obrigam a celebrar determinado contrato, dentro de certo prazo ou verificadas certas condições”[26]; - “o contrato promessa identifica-se pela peculiaridade do vínculo que origina: trata-se de um contrato (verdadeiro contrato e não mero acordo preparatório ou preliminar) que obriga à futura celebração de um outro contrato determinado”[27]; - “A obrigação dele emergente é a de celebrar um contrato – dito definitivo ou prometido por contraposição ao contrato-promessa -, sem restrições, à partida, de qualquer ordem. O contrato (definitivo), a concluir no futuro, a que textualmente se alude, pode ser, por sua vez, unilateral, bilateral ou até plurilateral”[28]; - “Estamos assim perante um contrato preliminar de outro contrato que, por sua vez, se designa de contrato definitivo. O contrato-promessa carateriza-se especificamente pelo seu objeto, uma obrigação de contratar, a qual pode ser relativa a qualquer outro contrato”[29].

Feitas as considerações precedentes, acrescentamos três notas sobre o contrato definitivo previsto no contrato celebrado em 7.03.2002, ainda sem este qualificarmos, mas percecionando-o objetiva e textualmente: - A locação (arrendamento, se versa sobre coisa imóvel) é um contrato nominado e típico, sinalagmático, oneroso, bilateral, duradouro e definitivo “por exprimir a composição final de interesses pretendida pelas partes e não, simplesmente, uma atuação preliminar”[30] e, por ele, como hoje decorre do disposto no artigo 1022 do CC, uma das partes obriga-se a proporcionar à outra, mediante retribuição, o gozo temporário de uma coisa. - De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 2 artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro (RAU ou RAU/1990), devem ser reduzidos a escritura pública “Os arrendamentos para comércio, indústria ou exercício e profissão liberal” e, na falta de forma, como resulta do disposto no artigo 220 do CC, o contrato é nulo. – Como contrato sinalagmático que é, a locação implica, da parte do locatário, o pagamento de uma contraprestação, uma retribuição ou remuneração, que a lei designa como renda. A renda, ainda que possa ser escalonada, deve corresponder a um valor fixo[31], naturalmente sem prejuízo das eventuais atualizações.

Volvendo ao caso em apreciação, renovemos a factualidade dada como assente que revela o acordado em 7.03.2002: “(...) assinaram documento denominado “contrato promessa de arrendamento”, através do qual os primeiros se declararam donos dos prédios ... (rústico) e ... (urbano) e prometeram dar de arrendamento ao segundos ou à sociedade que estes viessem a constituir as partes do referido prédio identificadas em anexo, que faziam parte integrante do acordo, e os segundos outorgantes prometiam tomar de arrendamento para si ou para a sociedade que viessem a constituir, os bens em causa para neles exercerem a atividade de realização de eventos festivos. O contrato seria celebrado pelo prazo de 25 anos, renovando-se automaticamente por períodos de 5 anos. Ficou estipulado que o contrato de arrendamento prometido seria marcado pelos segundos outorgantes ou pela sociedade que estes viessem a constituir, quando bem entendessem, devendo avisar os primeiros outorgantes com a antecedência mínima de 10 dias. Os primeiros obrigaram-se ainda a colaborar com os segundos outorgantes ou com a sociedade que estes viessem a constituir no sentido de ser obtida a competente licença de utilização com vista aos segundos ou a sociedade que estes viessem a constituir pudessem exercer a pretendida atividade de realização de eventos. Estabeleceu-se que se a referida licença não fosse emitida por motivos imputáveis aos primeiros outorgantes, impedindo assim os segundos outorgantes ou a sociedade que estes constituíssem de exercer aquela atividade, os primeiros pagariam aos segundos ou à sociedade que constituíssem as quantias que estes tiverem despendido nas obras que iriam levar a cabo nos imóveis e que eram do conhecimento de todos os contraentes. Ficou ainda estabelecido que os segundos ou a sociedade que estes viessem a constituir poderiam desde já utilizar os imóveis, antes de ser celebrado o contrato prometido, com vista a serem efetuadas as obras do conhecimento de todos e, realizadas estas, a exercerem as atividades supra mencionadas. Consta do referido acordo que a título de indemnização/compensação pela ocupação pagariam os segundos outorgantes ou a sociedade que estes viessem a constituir a verba mensal determinada nos termos das condições particulares em anexo e cláusula II3[32]. Consta ainda que se os primeiros outorgantes se recusassem a celebrar o contrato de arrendamento prometido pagariam aos segundos outorgantes ou à sociedade que estes constituíssem o montante de 375.000,00 euros, montante fixado a título de cláusula penal. Os primeiros outorgantes obrigaram-se a facultar o gozo de parte do prédio identificado para aparcamento de viaturas, no prazo de dois meses a contar da receção da carta que fosse remetida, sob pena de terem de indemnizar os segundos outorgantes ou a sociedade por si constituída em 50.000,00 euros, quantia essa fixada a título de cláusula penal. E obrigaram-se a alargar, a expensas suas, um caminho, sob pena de terem de indemnizar os segundos outorgantes ou a empresa que estes viessem a constituir no montante de 50.000,00 euros, montante fixado a título de cláusula penal” (sublinhados nossos).

A primeira consideração no sentido de estarmos perante um contrato (definitivo) de arrendamento resulta de ter ficado acordada uma contraprestação pelo gozo (utilização) dos imóveis, gozo esse que foi logo permitido aos segundos outorgantes, mas importa ter presente, como se referiu em nota anterior, que essa contraprestação incluía uma componente variável, em função dos resultados da atividade. Olhando mais pormenorizadamente aos termos do que foi acordado, constamos, por outro lado, que o contrato, se pensado como definitivo contrato de arrendamento, não foi celebrado por escritura pública e, por isso, sempre seria um contrato nulo. Em segundo lugar, as partes nomearam o acordo como contrato-promessa de arrendamento e acordaram que o contrato definitivo seria celebrado quando os segundos outorgantes assim o entendessem. Revela-se, igualmente, que a permissão de imediata utilização dos imóveis teve por finalidade a realização de obras pelos segundos outorgantes (ou pela sociedade que estes viessem a constituir), condição necessária ou prévia ao posterior exercício da atividade (indústria hoteleira ou similar) que pretendiam levar a cabo e que também se mostra autorizada. Denota aquele acordo, em quarto lugar, a estipulação de uma cláusula penal para o caso de recusa dos primeiros outorgantes na celebração do contrato (prometido) de arrendamento e, por último, os primeiros outorgantes igualmente se obrigaram a colaborar na obtenção da licença de utilização, significando, obvia e necessariamente, que, então, a mesma não existia, e, bem assim, obrigaram-se à cedência de parte do prédio para aparcamento de viaturas e ao alargamento de um caminho a expensas suas.

Das considerações anteriores, diretamente retiradas do texto do acordo celebrado, poderíamos ser levados a concluir que os outorgantes celebraram um contrato-promessa de arrendamento no qual inseriram diversas cláusulas acessórias ou complementares, mas não celebraram, ainda e então, um definitivo contrato de arrendamento, no caso um arrendamento para o exercício do comércio ou indústria, atendendo especialmente ao facto de, no momento da celebração daquele contrato, os imóveis não tinham ainda as condições legais (licença) e materiais (necessidade de obras) que permitisse o gozo pleno, efetivamente pretendido pelos segundos outorgantes e, por outro lado, a estipulação de uma cláusula penal, precisamente para o caso de não celebração de um contrato de arrendamento.
Só que, não obstante a denominação dada pelos contraentes ao contrato de 2002, o que se verifica, perspetivando a “real vontade” das mesmas é que – para além das obrigações especificadas à 1.º ré e ao seu marido: colaboração na obtenção da licença, cedência de aparcamento, alargamento de um caminho – os segundos outorgantes (entretanto, a autora/recorrente) passaram a ter o gozo pleno da coisa que foi prometida arrendar, pagando, já se disse uma remuneração escalonada, mas com uma componente variável. A recorrente passou a ter, por força do contrato, todas as condições reais para exercer o seu interesse e fim contratuais, concretamente, pôde fazer as abras que entendeu fazer e explorar a atividade que pretendia explorar e, efetivamente, fez as obras e explorou a atividade. Acresce, por outro lado, que o contrato celebrado em 2002 deixava à vontade dos segundos outorgantes a fixação do prazo para a realização do contrato definitivo, ou seja, ficou integralmente do lado destes toda a iniciativa para a celebração do outro contrato previsto, estabelecendo-se assim uma verdadeira cláusula “cum voluerit” (artigo 778, n.º 2 do CC).

É certo que ficou em falta a obtenção das licenças administrativas, que não existiam aquando da celebração daquele contrato, mas que não impediram a autora, precisamente, de executar o contrato, repetimos, fazendo as obras e explorando a atividade, e ao longo de vários anos (mais que dezena e meia de anos), sem que, em todo esse tempo a recorrente tenha revelado uma inequívoca vontade de celebrar o contrato que entendeu ser o definitivo. Dito de outro modo, não podemos falar em contrato-promessa quando todo o interesse económico e negocial que o contrato prometido pretendia assegurar se mostra já satisfeito.

E, não havendo que concluir, também, que estamos perante um definitivo contrato de arrendamento, o que as partes celebraram foi um contrato atípico, facultado, desde logo, pelo princípio da autonomia contratual, que o artigo 405 do CC “não institui, mas reconhece”[33] e a jurisprudência aceita. A título exemplificativo, citamos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.11.1994 (mas mantendo toda a atualidade) [Relator, Conselheiro Miranda Gusmão, Processo n.º 085768, dgsi[34]], onde se escreveu, além do mais e ora em síntese: “O preceito basilar que serve de trave-mestra da teoria dos contratos é o da liberdade contratual, que consiste na faculdade que as partes têm, dentro dos limites da lei, de fixar, de acordo com a sua vontade, o conteúdo dos contratos que analisaram, celebrar contratos diferentes dos prescritos no Código ou incluir nestes cláusulas que lhes aprouver - artigo 405 n.º 1, do Código Civil (...) Tais cláusulas apontam que as partes pretendem celebrar um contrato não sujeito ao regime dos contratos de arrendamento, ou seja, pretenderam celebrar um contrato (atípico, inominado, que intitularam, contrato de cedência temporária), com um regime especifico: o fixado pelas cláusulas validamente queridas. Que as partes celebraram um contrato atípico, inominado, sujeito ao regime das cláusulas que validamente inseriram (cessão de um escritório por um ano, não renovável, a ser utilizado no período de funcionamento das instalações onde se integrava), resulta de estar conforme o sentido que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição de declaratário efetivo (a Autora) daria à declaração da vontade da Ré, tendo em vista os termos do contrato, conjugado com as circunstâncias em que o mesmo foi celebrado”.

Qualificado o contrato de 2002 como acabámos de fazer, cumpre acrescentar uma nota, ainda que antecipatória: A qualificação diversa da que foi feita na primeira instância não altera, como melhor se verá, a decisão do mérito do recurso, como não alteraria, assim fosse, a decisão recorrida.

Da denúncia/resolução do contrato pela autora
Resulta da factualidade provada que a autora realizou diversas obras nos prédios, rústico e urbano, propriedade das rés. E também que aí levou a cabo a sua atividade de realização de eventos. Mas igualmente resulta que, a dada altura, vários anos depois da sua celebração, e sem que outro contrato haja sido celebrado, cessou a relação jurídica estabelecida entre as partes. Efetivamente, e como os autos revelam:
- A autora temia que pudesse verificar-se uma ação fiscalizadora no momento em que estivesse a realizar eventos.
- Por email de 23.05.2005, dirigido à ré BB, o sócio da autora DD relembrava aspetos relativamente aos quais teria de ser dado andamento, constando do ponto 4 “legalização do espaço para se poderem tirar as respetivas licenças e alvarás, De notar que este assunto se tornou mais urgente pela fiscalização que está a ser feita nos mais diversos espaços”. [É do seguinte teor o aludido email, com cópia a fls. 81 v.: “No seguimento da n/ reunião de 17/03/2005 e já passados mais de 2 meses, venho relembrar o que ficou de ser dado andamento: 1. Elaboração de proposta de alteração ao contrato-promessa em vigor (a ser feita pela BB); 2. Obtenção de proposta para portão de entrada (a ser feito pela BB); 3. Novo espaço de estacionamento a ser utilizado para jardim. Estamos a aguardar a sua entrega com a limpeza e preparação do mesmo; 4. Legalização do espaço para se poderem tirar as respetivas licenças e alvarás. De notar que este assunto se tornou mais urgente pela fiscalização que está a ser feita nos mais diversos espaços. Porque os pontos 2, 3 e 4 são de extrema importância, dada a dificuldade que começa a surgir pela desvantagem de uma entrada pouco atraente e pelo espaço reduzido do jardim atual, somos a solicitar a V/ melhor atenção para darmos andamento às alterações”].
- Por email de 12.03.2019, e respondendo a um pedido de informação da legal representante da autora, a mandatária das rés informou que em relação ao “assunto referente ao pedido de licenciamento, aguardo autorização por parte da autoridade competente - RAN (pois uma pequenina parte da parcela está abrangia por RAN). Nesse sentido, tenho diligenciado no sentido de agilizar o mais rápido possível. A par desta situação, o arquiteto aguarda esta autorização para apresentarmos o processo devidamente instruído na CM .... Creia que da m/ parte como da D. AA tem havido o maior empenho para concluir todo o processo. Qualquer desenvolvimento, informarei a D. II de imediato”.
- A este email, e em resposta, respondeu aquela legal representante “muito obrigada”.
- A autora fez cessar o gozo relativo à utilização dos imóveis com o envio da carta referida de 21.06.2019, alegando que “o decurso destes anos consubstancia um incumprimento definitivo pela impossibilidade legal decorrente da não obtenção do licenciamento do espaço por parte de V. Exas.” [É o seguinte o teor da referida carta da autora, dirigida a AA: “Venho por este meio comunicar-lhe, respeitando a antecedência prevista na lei, que pretendo denunciar o contrato de arrendamento que celebrámos em 7 de março de 2002, relativo aos seguintes imóveis (...) Nesse sentido, desocuparei o locado no final do mês de outubro do corrente ano. Não obstante a desnecessidade de invocação de motivo para a presente denúncia, a verdade é que o decurso destes anos consubstancia um incumprimento definitivo pela impossibilidade legal decorrente da não obtenção de licenciamento do espaço por parte de V. Exas. Decorre do disposto no Ponto 7 do contrato, assim como da lei geral, o direito da C... a ser ressarcida pelo valor despendido com realização de obras nos imóveis acima identificados, as quais se cifram em montante nunca inferior a 375.000,00€, interpelando desde já V. Exa. ao pagamento deste valor na data da cessação do contrato. Sem outro assunto (...)”].

A sentença entendeu que a resolução operada pela recorrente não foi legítima, considerando, ora em síntese que a mesma “teria previamente de interpelar as Rs. para a sua [do contrato definitivo] celebração e, apenas se este não fosse celebrado, incorreriam a Rs. em mora que a A. poderia converter em incumprimento definitivo que legitimasse a resolução do contrato. No momento em que a A. enviou a carta a fazer cessar o acordo celebrado, não existia sequer mora das Rs., no que se reporta à celebração do contrato prometido, não sendo, por isso, legítima tal resolução”.

Nas suas conclusões, a autora imputa às rés o incumprimento contratual definitivo, que justifica a resolução que fez operar com a carta de 21.06.2019. Refere, ora em síntese:
- Considerando o disposto nos artigos 410 n.º 1 e 1083 n.º 1 do CC, conjugado com o disposto no artigo 5.º n.ºs 1 e 7 do DL. 160/2006, a inobservância da obtenção de licença de utilização por causa imputável ao senhorio faculta ao arrendatário a possibilidade de resolver o contrato.
- Recaia sobre as recorridas a obrigação legal e contratual (cláusula II n.º 6 do contrato-promessa de arrendamento) de entregarem à recorrente a licença de utilização.
- Atente-se às sucessivas “interpelações” feitas às recorridas no que concerne ao (inexistente) estado do processo de licenciamento: 15.07.2004, 23.05.2005, 2.03.2019, 9.03.2019.
- A evidente impossibilidade definitiva e culposa de cumprimento foi causada, necessariamente, pelas recorridas, sobre quem recaía a obrigação de obter a licença de utilização para que fosse possível prosseguir com a respetiva formalização no que diz respeito ao contrato prometido.
– O direito da recorrente à obtenção da licença de utilização (ao cumprimento), é um direito primário, em virtude de ser o próprio contrato que lhe atribui esse direito, sendo certo que tendo o cumprimento daquela obrigação de entrega ter-se tornado inexigível por manifesta falta de interesse daquela, logicamente que o seu direito primário ao cumprimento, foi, substituído por um direito secundário, ou seja, por uma indemnização dos danos decorrentes do não cumprimento, acrescida do exercício do direito potestativo de resolução contratual.
- Resulta claro que a conduta das recorridas se revela manifestamente ilícita, porquanto, as mesmas estavam, contratual e legalmente, obrigadas a obter licença, sabendo da elementar importância a que se encontrava subjacente o alcance formalístico de um tal documento.
- As recorridas, pouco ou nada contribuíram para que fosse, efetivamente, atingida a finalidade deste acordo denominado “Contrato-Promessa de Arrendamento”, porquanto, atentando, sobretudo, à resposta à última “interpelação”, datada de 12.03.2019, a recorrente é informada pela mandatária das primeiras de que o pedido de licenciamento, aguardaria “autorização por parte da autoridade competente – RAN”, sendo certo que, analisando o teor do e-mail em causa, dúvidas não existem de que a submissão de um tal pedido era, à data, notoriamente recente, confirmando, assim, o estado de despreocupação em que se encontravam as recorridas.
- As recorridas, ao comportarem-se do modo descrito, geraram na recorrente legítimas expectativas quanto à efetiva celebração do contrato definitivo, reiteradamente reforçadas sempre que esta questionava sobre o estado do processo de licenciamento.
- Refira-se, a este propósito, que uma tal recusa categórica, traduzida num incumprimento definitivo propriamente dito, pese embora não se exija, necessariamente, uma redução a escrito ou expressa em torno de um certo e determinado sentido, encontra-se, ainda assim, associado a uma evidente conduta ou declaração pessoal, séria, categórica e definitiva, objetivamente demonstrativo do volitivo inadimplemento contratual. Neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.04.201530, na sequência do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.06.2010 (proc. 6134/05), sumariou o seguinte: “A vontade inequívoca de não cumprir, para efeitos de dispensa de interpelação admonitória, pode não ser expressa, admitindo-se que possa resultar de uma declaração negocial tácita estribada em comportamentos concludentes apreensíveis pela atuação da parte inadimplente, em função dos deveres coenvolvidos na sua prestação, sendo de atender ao grau e intensidade dos atos por si perpetrados na inexecução do contrato, desde que objetivamente revelem inquestionável censura, não sendo justo que o credor esteja adstrito à vontade lassa do devedor”.
- A recorrente, não podia permanecer ad eternum pela obtenção de uma licença de utilização, a qual já tardava há muito em chegar. Ora, é certo que, in casu, a recorrente, tendo intitulado a carta registada com aviso de receção datada de 19.06.2019 como “Denúncia do contrato de arrendamento”, a verdade é que, efetivamente, o que a mesma quis dizer é que se encontra plasmado o exercício do direito potestativo resolutivo da presente união de contratos.
- Se é verdade que diferiu os efeitos da resolução para data posterior àquela, não é menos verdade que tal protelação justifica, em grande parte, a boa-fé que a mesma se encontrava, acautelando, por conseguinte, a certeza e segurança jurídicas das próprias recorridas.
- Queremos com isto dizer que, mediante uma interpretação extensiva, se é certo que a resolução no âmbito dos contratos de execução continuada ou periódica não tem, em regra, efeitos retroativos, também é certo que, culminando os efeitos resolutivos somente para o futuro, faz todo o sentido que, no campo do Direito Privado, se considera que cabe extensivamente na letra e espírito da lei, o diferimento de um período razoável desses mesmos efeitos após a receção da comunicação pelo declaratário.
- Em virtude de todos os inconvenientes insuperavelmente danosos que afetaram a recorrente, é por demais evidente que, pese embora tenham passados 17 anos depois da celebração do “Contrato-Promessa”, a verdade é que permanecer ad eternum nesta situação de impasse no que concerne à obtenção de licença de utilização, seria totalmente insustentável.
- Reforçando aqui a ideia de que a obtenção de licença de utilização era conditio da outorga do contrato prometido, cumprindo às recorridas obtê-la, sendo, por conseguinte, de lhes imputar o respetivo atraso, perante a recorrente, ex vi n.º 1 art 799 do CC.
- Tudo quanto se expôs, associado ao inadimplemento definitivo em virtude da autêntica inércia de que padeciam as recorridas durante (tão longos) 17 anos, quanto à obtenção da licença de utilização (documento imprescindível para a formalização do contrato prometido), e estando a recorrente, desinteressada na manutenção do contrato, depois de sucessivas interpelações de combate a tais indiligências, exerceu, assim, o direito potestativo de resolução do contrato, previsto no art. 798, 799 e 801 n.º 2 ex vi art 5.º n.º 7 do Decreto-Lei 160/2006, de 8 de agosto.

Pode dizer-se, em termos necessariamente sucintos, que sendo o cumprimento das respetivas obrigações a causa natural e mais comum de cessação de um contrato, não ocorrendo esse cumprimento, o contrato extinguir-se-á (não cuidando agora da sua eventual caducidade nem das causas da sua eventual invalidade[35]) por denúncia, por revogação ou por resolução. A primeira e a terceira resultam de declaração dirigida por uma das partes à outra parte e a revogação baseia-se num acordo das partes.

Não estando em causa, no caso em apreço, a revogação do contrato, importa dizer que a denúncia é um modo de cessação “de vínculos obrigacionais de duração indeterminada” e é, em regra, “de exercício discricionário, não sendo necessário invocar qualquer motivo. Salvo raras exceções, não se admite que as partes fiquem vinculadas por um longo período contra a sua vontade” e se há exceções, como sucede nos contratos de arrendamento e de trabalho, nos quais a denúncia está condicionada, mesmo nestes “subsistem situações de liberdade de denúncia, invocáveis por qualquer das partes”[36].

Diferentemente da denúncia, a resolução (que, contrariamente à primeira dos referidos modos de cessação do contrato, encontra previsão na parte geral das obrigações – artigos 432 a 436 do CC[37]) “é um meio de extinção do vínculo contratual por declaração unilateral e encontra-se condicionada por um motivo previsto na lei ou depende de convenção das partes”. Esta última, “funda-se na liberdade contratual, podendo apresentar múltiplas facetas e depender de diferentes requisitos; seguindo os termos acordados pelas partes. Relativamente à resolução legal, cabe aludir a três situações: resolução por incumprimento; resolução por quebra do equilíbrio contratual e outros casos de resolução, nomeadamente em que, independentemente da qualificação, se aplica este meio de extinção do vínculo”[38]. Como refere José Carlos Brandão Proença a resolução surge “como a extinção unilateral (com base na lei ou no contrato), por meio normal de uma normal declaração extrajudicial e com uma eficácia ex tunc ou ex nunc, de uma relação contratual, total ou parcialmente “alterada” ou “perturbada” ou “como o poder unilateral de extinguir um contrato (maxime bilateral) válido, em virtude de circunstâncias posteriores à sua conclusão e frustrantes (o facto subjetivo de um certo incumprimento) do interesse na execução contratual ou desequilibradoras (o facto objetivo de uma anómala alteração ou a não verificação das condições contratuais pressupostas) da relação de equivalência económica entre as prestações e desencadeando uma normal “liquidação” retroativa”[39].

No caso presente, a autora, com a comunicação feita às rés a 21.06.2019, fez cessar o contrato que a ambas vinculava. Nomeou o modo de o fazer como tratando-se de uma denúncia, embora não deixe de fundamentar a pretendida cessação do vínculo obrigacional: “a verdade é que o decurso destes anos consubstancia um incumprimento definitivo pela impossibilidade legal decorrente da não obtenção de licenciamento do espaço por parte de V. Exas.”[40]. Ou seja, a recorrente, ainda que fazendo referência à figura da denúncia, acrescenta na sua comunicação as razões da rutura contratual e estas só verdadeiramente se entendem perante a figura resolutiva.

Mas, tomando como resolução, ou melhor, como exercício do direito de resolução a comunicação de 21 de junho o que importa esclarecer, desde logo, é de que contrato a autora estava a desvincular-se. A resposta, no entanto, emerge muito clara dos autos. Efetivamente, para lá do que já considerámos relativamente à interpretação e consequente qualificação do acordo celebrado em março de 2002, a autora é complemente esclarecedora no seu articulado subsequente ao despacho de aperfeiçoamento, quando refere que decidiu “resolver o contrato-promessa, denunciando o mesmo – sim, a denúncia não é por estarmos perante um contrato de arrendamento, mas sim um contrato-promessa de arrendamento que já tinha criado obrigações perante as partes” (sublinhado nosso). O contrato que a autora decidiu resolver é o contrato celebrado em 2002 – pois outro não existe – que qualificámos como um contrato atípico.

Tendo em conta a factualidade revela nos autos, podemos dizer, com a segurança transmitida pelos factos provados, que a autora, por si e por quem a antecedeu realizou diversas obras nos imóveis (sem licença) e que explorou a sua indústria/comércio durante cerca de dezassete anos (sem licença). Aceitando-se a responsabilidade dos primeiros outorgantes na obtenção da licença (ou, em rigor, nos termos do contrato, na colaboração para a sua obtenção), o que se revela é que a recorrente, em maio de 2005, comunicou a necessidade e a urgência da licença (em rigor, a explicação da urgência, naquela comunicação, refere-se à entrada pouco atraente e ao jardim); em (presumivelmente) março de 2019, ou seja, cerca de catorze anos depois, a recorrente questiona o [estado do] pedido de licenciamento e recebe como resposta (a 12.03.2019) que “aguardo autorização por parte da autoridade competente - RAN (pois uma pequenina parte da parcela está abrangia por RAN). Nesse sentido, tenho diligenciado no sentido de agilizar o mais rápido possível. A par desta situação, o arquiteto aguarda esta autorização para apresentarmos o processo devidamente instruído na CM ...”, respondendo “muito obrigada”. Posteriormente, mas mais de três meses depois, a ré denuncia o contrato-promessa (entendendo que o resolve), uma vez que “o decurso destes anos consubstancia um incumprimento definitivo pela impossibilidade legal decorrente da não obtenção do licenciamento”.

Se bem lemos o entendimento da recorrente, a mesma constatou em 2019 que só nesta data as recorridas diligenciaram, ou melhor, começaram a diligenciar pela obtenção da licença e daí retirou que tinha havido um incumprimento definitivo do contrato celebrado em 2002. Tomando como incumprimento pretérito (e definitivo) a revelação, em 2019, do início do cumprimento (diligência para obtenção da licença) a recorrente fundou-se no “decurso destes anos” de inação (anos em que fez obras sem licença e explorou, sem licença, a sua atividade) para daí concluir a impossibilidade de realização do contrato que fora previsto em 2002. No entanto, a recorrente (a quem competia fazê-lo) não estabeleceu qualquer prazo às recorridas para a obtenção da aludida licença, desconhecendo-se, com rigor, se a mesma ainda demoraria meses ou anos, mas não estando demonstrado que a sua obtenção fosse impossível.

Assim, e tal como entendeu a sentença recorrida, ainda que na perspetiva de um contrato-promessa, pensamos que os factos dados como provados não revelam que tenha havido um incumprimento definitivo por parte das demandadas, mas apenas, se tanto, que nos encontraríamos perante uma situação de mora. Efetivamente não pode falar-se de incumprimento definitivo decorrente de uma conduta do devedor que impossibilita o cumprimento; de uma conduta (omissiva) “em que o devedor falta ao cumprimento com a consequente perda de interesse do credor ou sem aproveitar uma última oportunidade através do mecanismo da chamada interpelação cominatória”.[41] Como se sumaria no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.05.2007 [Relator, Conselheiro Sebastião Póvoas, dgsi], “1) A translação da mora em incumprimento no negócio fixo não absoluto impõe uma interpelação admonitória, com fixação de um prazo suplementar cominatório (perentório) para a outorga do contrato prometido. 2) O novo prazo deve ser razoável, permitindo ao promitente faltoso algum tempo suplementar e deve ser avaliado de acordo com os princípios da boa fé, da cooperação e do não exercício abusivo do direito. 3) A interpelação admonitória só produz o efeito do nº1 do artigo 808º do Código Civil se intimar à outorga do contrato prometido dentro do prazo fixado, sob pena de se verificar o incumprimento definitivo e a consequente resolução, mas não se basta com a mera intimação para cumprir uma obrigação secundária, acessória ou complementar. 4) A perda do interesse na prestação, sendo também consequência da mora, independe de interpelação cominatória, gerando-se – verificada objetivamente, com base em elementos suscetíveis de valoração “a se” e percetíveis por qualquer pessoa – o incumprimento definitivo”. E, com sentido semelhante, sumaria-se em acórdão mais recente, de 21.01.2021, do mesmo Tribunal [Relatora, Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 109/19.T8MAI.P1.S1, dgsi]: “I. Se num contrato-promessa de compra e venda não foi convencionado prazo para o efeito, o cumprimento pode ser exigido a todo o tempo, pela forma convencionada; cumprida esse forma, torna-se exigível a outorga da compra e venda e o contraente faltoso fica constituído em mora. II. A mora converte-se em incumprimento definitivo se o contraente faltoso não se presta a cumprir, não obstante ter-lhe sido fixado um prazo adicional para o efeito, resultando da interpelação que o desrespeito desse prazo o faz entrar em incumprimento, e ainda se o outro contraente perder objetivamente o interesse na celebração do contrato definitivo. III. Importa ainda incumprimento definitivo a atitude do contraente da qual resulta, expressa ou tacitamente, a intenção de não cumprir o contrato-promessa. IV. O incumprimento definitivo por parte do promitente-vendedor confere à parte contrária o direito a resolver o contrato, bem como a fazer sua a quantia entregue a título de sinal. V. A falta da interpelação admonitória ou da prova de factos que revelem a intenção de não cumprir impede que se dê como verificada a conversão da mora em incumprimento definitivo. VI. A venda a terceiros torna objetivamente impossível o cumprimento do contrato-promessa; mas vindo definitivamente decidido que não pode ser considerada no presente processo, não pode constituir motivo de reconhecimento do direito de resolução”. Sequer se trata de uma “recusa antecipada, categórica e ilegítima de cumprimento”[42], ainda que se admitisse[43] que este tipo de recusa corresponde – ou pode ter efeitos semelhantes – ao incumprimento definitivo.[44]

Em suma, e citamos, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão[45], só se verifica “o incumprimento definitivo da obrigação quando o devedor não a realiza no tempo devido por facto que lhe é imputável, mas já não lhe é permitida a sua realização posterior, em virtude de o credor ter perdido o interesse na prestação ou ter fixado, após a mora, um prazo suplementar de cumprimento que o devedor desrespeitou (art. 808.º)”. O que se verifica, assim, é uma situação de mora do devedor, pela qual se “designa o atraso no cumprimento de uma obrigação validamente constituída (...), sob a exigência legal de que o incumprimento seja ilícito (...) e culposo (...) e o devedor continue com a possibilidade de cumprir de forma a satisfazer o existente interesse do credor[46].

Tendo em conta a conclusão precedente, falece a justa causa resolutiva e, consequentemente, o pedido indemnizatório formulado pela autora no pedido principal, que a pressupunha.

Das benfeitorias
Resulta dos factos, ora sumariamente repetidos, que a recorrente realizou diversas obras, e suportou os inerentes custos, nos imóveis propriedade das recorridas. Tais obras realizadas pela apelante [“construção do edifício instalado no prédio rústico, hall de entrada e casas de banho, aumento da cozinha pré-existente no prédio urbano, de uma piscina e anexos de apoio, casa de máquinas, incluindo obras de pichelaria, carpinteiro e eletricidade, bem como infraestruturas no jardim, como sistema de rega e colocação de relva, planta e árvores e procedendo ainda à realização de passeios exteriores, muros de vedação dos imóveis e colocação de portões” – facto n.º 41], quando, à data do acordo escrito “existia no prédio urbano uma cozinha e uma sala rústica” (facto n.º 28), foram autorizadas pelos primeiros outorgantes do contrato-promessa celebrado em 2002 e, aliás, “começaram a ser pensadas e foram debatidas entre os seus outorgantes, ainda antes da assinatura do acordo escrito” (facto n.º 42). As obras “realizadas pela autora aumentaram o valor dos imóveis” (facto n.º 43).

A propósito da pretensão da recorrente em ser indemnizada pelas despesas (benfeitorias) por si feita nos imóveis das recorridas, a sentença, considerando tal pretensão improcedente, fundamentou-se nas seguintes razões:
- A autora não era possuidora do imóvel, mas apenas promitente arrendatária, sabendo que tem o gozo da coisa de forma precária e não com animus de proprietária, pelo que não pode afirmar-se a sua posse, não sendo assim convocável o regime estabelecido no art. 1273.º do CC.
- Aplicam-se ao contrato-promessa as disposições relativas ao contrato-prometido compatíveis com o regime daquele, sendo que estava em causa um arrendamento. A cedência imediata do gozo dos imóveis resulta do próprio contrato-promessa, precisamente para permitir a realização das obras. Se a não realização do contrato-prometido não é imputável às rés, mas à autora, ao resolvê-lo sem fundamento, não vemos fundamento para aplicar as regras previstas precisamente no arrendamento para a cessação do gozo dos imóveis.
- Ainda que fossem aplicáveis, não assistiria à autora o direito a que esta se arroga. Para os arrendamentos para fins não habitacionais, estabelece o art. 1111.º do CC (...). Na situação, a realização de obras estava pressuposta por ambas as partes e autorizada pelo promitente senhorio. Todas as obras realizadas foram lícitas. Por força da remissão do art. 1074.º, seria aplicável o disposto no art. 1273.º do CC (...) Atenta a natureza das obras realizadas, estão em causa benfeitorias úteis pois que, não tendo a autora alegado e demonstrado a sua necessidade para a conservação dos imóveis, vieram aumentar-lhes o seu valor. Ora, estando em causa benfeitorias úteis, a autora tem direito ao seu levantamento se o puder fazer sem detrimento da coisa. Apenas as obras realizadas no edifício já existente, a serem levantadas, provocariam o detrimento do imóvel. Todas as demais, realizadas num prédio rústico, poderiam ser levantadas sem que houvesse detrimento do prédio rústico. O que esta aqui em causa é o detrimento do imóvel e não a destruição das benfeitoria (...) Quanto às realizadas no edifício já existente, não logrou a autora demonstrar as quantias despendidas na sua realização e, muito menos, a medida do enriquecimento das rés, como lhe competia, quando estaria em causa o cálculo da indemnização devida.
- Não é também convocável, de per si, o instituto do enriquecimento sem causa. A admitir-se (facto que não foi alegado efetivamente, apesar de as obras realizadas terem aumentado o valor dos imóveis) a existência do enriquecimento dos rés à custa do empobrecimento da autora, este tem uma causa: o contrato-promessa celebrado.

Vejamos.

Embora o n.º 1 do artigo 216 do CC, qualifique as benfeitorias como despesas, numa formulação que apenas realça os custos que não deixa de ter quem as faz, estas não podem deixar de ser obras, alterações ou intervenções feitas para conservar ou melhorar a coisa alheia Os n.ºs 2 e 3 do mesmo normativo esclarecem que as benfeitorias podem ser necessárias, úteis ou voluptuárias, consistindo as primeiras naquelas “que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa”, as segundas (úteis) as que, sem serem indispensáveis à conservação da coisa, “lhe aumentam, todavia o valor” e as voluptuárias as que, sem serem indispensáveis à conservação da coisa nem lhe aumentarem o valor, “servem apenas para recreio do benfeitorizante”.

Como refere Marta Sá Rebelo, as benfeitorias são “alterações ou intervenções sobre determinada coisa que originam uma despesa” e é relevante “que tenham por fim a conservação ou melhoramento, sob pena de virem a ser consideradas deteriorações”. Por outro lado, as benfeitorias implicam, habitualmente, a “incorporação de outras coisas na coisa beneficiada. Entre ambas passa a existir uma relação de acessoriedade em sentido amplo: a agregação é levada a cabo apenas no intuito de favorecer a coisa melhorada, criando uma situação de predominância a favor desta e a consequente subordinação à mesma da outra que lhe foi junta”[47].

No caso presente, a factualidade revela que a recorrente alterou/modificou/melhorou o edifício já construído, e que, na parte rústica, fez determinadas construções inovadoras, que não existiam anteriormente, em especial o salão, mas igualmente a piscina e os limites desta. Ora, antes de se saber se as benfeitorias são indemnizáveis, é preciso saber se trata efetivamente de benfeitorias, antes mesmo também da sua classificação, questão que nos coloca perante as dificuldades da delimitação entre benfeitorias e acessão.

A recorrente, no prédio rústico construiu ex novo o que não existia, não conservou nem melhorou, pois a melhoria de uma coisa não se confunde com a pura inovação. Ora, saber-se se estamos perante benfeitorias ou uma eventual acessão – “a benfeitoria destina-se apenas a conservar ou melhorar a coisa, pelo que só é atribuído ao seu autor um direito de crédito, enquanto na acessão se constrói uma coisa nova”[48] – implica “um conjunto de indicadores: a intenção de melhorar a coisa alheia ou então de beneficiar a própria ou de criar outra coisa; manter-se o destino económico da coisa alheia ou, diferentemente, ser este alterado ou ainda a coisa junta, apesar de inseparável, poder ter um destino económico autónomo (...) as coisas serem tributadas conjunta ou separadamente; a pequena ou grande diferença de valor ou de tamanho entre a coisa alheia e a própria; a existência ou inexistência de relações jurídicas como a locação ou o usufruto, bem como outros fatores pertinentes”, mas já não a boa-fé ou má-fé, “que releva autonomamente em ambas as figuras”. Os indicadores não devem ser considerados isoladamente e “Em caso de dúvida é de aplicar o regime da acessão por ser aquele que expressamente resolve a questão da atribuição da propriedade”[49].

É verdade que alguma jurisprudência tem acentuado particularmente a “existência ou inexistência de relações jurídicas" entre o proprietário e o onerado com a despesa, afirmando na sua verificação (especialmente nos casos de arrendamento e comodato) a ocorrência de benfeitorias. Nesse sentido, entre outros, os acórdãos:
- Do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.09.2013 [Relator, Desembargador António Santos, Processo n.º 5603/04.1TBBRG-R.G1, dgsi]: “I - Quer a doutrina e a jurisprudência mais recentes, em sede de “escolha” da aplicação das regras substantivas, ou da acessão, ou das benfeitorias, vêm sustentando/defendendo que, estando é certo em causa fenómenos paralelos, distinguem-se ambos pela existência ou inexistência de uma relação jurídica que vincule à pessoa a coisa beneficiada . II - Em rigor, portanto, a aplicação da disciplina das benfeitorias pressupõe - direta ou indiretamente - a existência de uma relação jurídica entre as partes relativamente à utilização do prédio/coisa benfeitorizada”;
- Do Tribunal da Relação de Évora de 24.04.2008 [Relator, Desembargador Fernando Bento[50], Processo n.º 288/08.3, dgsi]: “VI – Benfeitorias são melhoramentos realizados por quem tiver com a “coisa” um vínculo jurídico. VII – Acessão são atos levados a cabo por uma pessoa que não tem qualquer vínculo jurídico anterior com a “coisa”.” e, do mesmo Tribunal, de 30.06.2021 [Relator, Desembargador José António Moita, Processo n.º 189/14.1T8MMN.E1, dgsi]: “Existindo uma relação jurídica válida que ligue o dono da coisa incorporada e o incorporador de coisa naquela, tal como locação, comodato, ou outra, deixa de ser possível sustentar juridicamente a validade da aquisição por via da acessão, podendo obras e melhoramentos feitos na coisa incorporada vir, eventualmente, a relevar a título de benfeitorias”;
- Do Tribunal da Relação do Porto de 12.09.2013 [Relator, Desembargador Amaral Ferreira, Processo n.º 114/07.6TBVPA.P1, dgsi]: “A acessão, enquanto modo de aquisição do direito de propriedade, pressupõe a inexistência de qualquer relação jurídica, contratual ou real, a suportara detenção ou posse do terreno pelo autor das obras, assim se distinguindo das benfeitorias”.

No entanto, outras decisões dos tribunais superiores têm entendido que a acessão é o instituto mais adequado à definição das situações decorrentes de obras inovadoras, mesmo que exista, entre quem suporta o seu custo e dono do terreno uma qualquer relação jurídica relevante. Neste sentido, entre outros, os acórdãos:
- Do Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.2003 [Relator, Conselheiro Duarte Soares, processo n.º 03B3612, dgsi]: “2 - As obras e construções visando a adaptação de um terreno rústico a espaço de exposição afeto a um stand de automóveis poderão, quando muito, constituir benfeitorias úteis relativamente ao terreno comodatado. 3 - Não dando lugar a indemnização, conferem ao comodatário, apenas, o direito de as levantar o que, em princípio, implicará a sua destruição. 4 - Daí que, o meio próprio para, adequadamente, se compor o conflito de interesses entre o dono do prédio e o comodatário dono das construções, terá de buscar-se, não no instituto do enriquecimento sem causa, mas antes no da acessão industrial imobiliária nos termos dos arts. 1340º e ss. do CC” e do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 29.01.2004 [relator, Conselheiro Luís Fonseca, processo n.º 3B4163, dgsi]: “Os atos de acessão distinguem-se das benfeitorias porque alteram a substância do objeto, porque inovam”;
- Do Tribunal da Relação do Porto de 28.01.2013 [Relator, Desembargador Carlos Gil[51], processo n.º 43/11.9TBMDL.P1, dgsi]: “As operações de mobilização de um solo preparatórias do plantio de árvores estão funcionalmente ligadas a este ato, e, por isso, não podem ser desligadas da plantação que se destinam a preparar, pelo que não constituem mera beneficiação do prédio reivindicado, mas sim uma verdadeira inovação que deve ser qualificada como uma acessão”;
- Do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.10.2020 [Relatora, Desembargadora Maria Teresa Albuquerque, processo n.º 2124/15.0T8LRA.C1, dgsi]: “I - A jurisprudência tem decidido, quase invariavelmente, que a construção pelos cônjuges casados em comunhão de adquiridos de um prédio urbano em terreno de um só deles, deve ser considerada uma benfeitoria, e que, por isso, esta deve ser descrita como bem comum no inventário consequente ao divórcio do casal, mantendo-se o terreno como bem próprio, conclusão a que chega, essencialmente, em função da orientação que distingue benfeitoria e acessão por via da relação jurídica com a coisa: basicamente são benfeitorias os melhoramentos feitos por pessoa relacionada juridicamente com a coisa; são acessões os melhoramentos feitos por pessoa não relacionada com a coisa. II – Será, no entanto, preferível que, para justificar o incremento de valor patrimonial em bem alheio, se utilize a orientação que se vale da função ou da finalidade dos regimes das benfeitorias e da acessão: basicamente, são benfeitorias os melhoramentos que não interferem na substância da coisa; são acessões os melhoramentos que alteram essa substância. III – Assim, na situação dos autos dever-se-á definir o regime a aplicar em função da ideia de que uma obra que resulta incorporada num terreno, passando a constituir com ele uma realidade incindível e provocando a sua alteração jurídica de prédio rústico para urbano, não pode fazer-se equivaler a uma benfeitoria, e que é o conceito de acessão, no que tem de essencial, que melhor satisfaz a compreensão daquele fenómeno”.

Revertendo ao caso em apreço, e não tendo sido invocada a acessão industrial imobiliária, naturalmente que o que pretendemos vincar é que as obras levadas a cabo pela recorrente no prédio rústico, enquanto inovações[52] que foram, não constituem benfeitorias. E se, como vemos resultar das pretensões formuladas e da factualidade alegada, a recorrente parece misturar tudo o que edificou, o conjunto das despesas relativas a todas as obras, e o global acréscimo de valor, mostra-se necessário ter presente a advertência de António Menezes Cordeiro: “A análise do regime das benfeitorias exige o conhecimento de diversos institutos de Direitos Reais. Para aí remetemos. De todo o modo, adiantamos que quem quiser prevalecer-se desse regime deve destrinçar que tipo de benfeitorias realizou e se as pode ou não remover, “... pormenorizando a obra que levou a cabo, especificando a sua utilidade e finalidade imediata...”[53].

É certo que resulta dos autos que o prédio urbano e o prédio rústico formavam uma unidade funcional – e assim foi explorada pela apelante -, devendo, por isso, aferir-se a beneficiação ou o aumento de valor nesse enquadramento. Simplesmente, as inovações não são benfeitorias, onde quer que hajam sido realizadas, e apenas por coincidência na realização daquelas (no prédio rústico) e destas (no prédio urbano) se faz a distinção entre os imóveis.

Assim, relativamente às obras que não constituem benfeitorias de qualquer natureza, a questão da pretendida indemnização está afastada e apenas pode ter por objeto a obra levada a cabo na construção já existente, obra esta cujas despesas ficaram muito aquém de uma quantificação minimamente certa. Quanto a elas – mas notando que a solução que se segue não podia ser diferente também em relação às demais obras feitas, a admitir-se a hipótese de, ainda assim, na parte rústica, estarmos perante benfeitorias – entendeu-se que a autora não tinha direito a tutela possessória, razão bastante para lhe ser inaplicável – ao menos diretamente – a previsão do artigo 1273 do CC[54], que concede ao possuidor (de má-fé ou de boa-fé) a possibilidade de levantar as benfeitorias úteis ou, não havendo lugar ao levantamento – por forma a evitar o detrimento da coisa – a possibilidade de ser creditado pelo valor dessas benfeitorias, valor este a calcular segundo as regras do enriquecimento sem causa.

No entanto, chamando a terreno o princípio da equiparação, hipostasiou a sentença a aplicação das normas próprias do arrendamento não habitacional, reequacionando a pretensão indemnizatória, e ainda que, se bem vemos, condicionada – e, mesmo, afastada – pela circunstância de a apelante ter feito cessar, ela mesmo, o contrato-promessa, através de uma resolução a que não foi reconhecida a justa causa e os decorrentes efeitos indemnizatórios, desde logo os decorrentes da equiparação da resolução à nulidade.

Ainda que entendamos que o princípio da equiparação não pode ter a amplitude pretendida[55], também ao contrato que qualificámos como atípico não vemos ser extensível o regime indemnizatório das benfeitorias úteis (por força da conjugação do disposto nos artigos 1074, n.º 5, 1111 e 1273, todos do CC). De todo o modo, sempre as obras que qualificámos como inovações são naturalmente levantáveis sem detrimento da coisa onde foram feitas e basta essa circunstância, independentemente de o “possuidor” optar, ou não, por proceder ao seu levantamento. E relativamente à obra levada incorporada na construção já existente, traduzida em efetiva benfeitoria (útil) ficou manifestamente por demonstrar qualquer enriquecimento das rés (se não mesmo um empobrecimento da autora, na medida em que as usou ao longo dos anos em que explorou a sua atividade).

Ora, sendo critério aferidor da indemnização possível a aplicação das regras do enriquecimento sem causa, a invocação deste instituto, num sentido genérico e não no sentido operacional contido no n.º 2 do artigo 1273 do CC, onerava a apelante com a prova dos respetivos e autónomos requisitos, os quais, como se salienta na sentença recorrida, ficaram por demonstrar.

O direito de retenção, pedido reconvencional e cláusula penal
Dispõe o artigo 754 do CC que “O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa da coisa ou de danos por ela causados”.

Numa abordagem funcional, diz-nos António Menezes Cordeiro[56] que “O risco nas obrigações pode ser controlado, minimizado ou, no limite, suprimido, através de garantias. Em geral, estas podem ser definidas como todos os esquemas destinados a lidar com o risco, assegurando o cumprimento das obrigações. (...) não são definíveis nem pela estrutura, nem por uma especial origem histórica. Elas agrupam figuras díspares, aproximáveis, simplesmente por, em comum, terem o escopo de reforçar a expectativa do credor à obtenção do bem representado por uma obrigação” e, partindo do disposto no artigo 754 do CC, supra transcrito, o autor ordena assim os elementos/requisitos do direito de retenção: “(1) uma obrigação garantida, em regra pecuniária; (2) resultante de despesas feitas por causa de uma coisa ou de danos por ela originados; (3) uma obrigação de sentido inverso, que adstrinja o credor da primeira a entregar uma coisa ao seu devedor; (4) e tendo o credor obrigado à entrega uma justificação bastante para ter a coisa em seu poder”.[57] Como refere Ana Taveira Fonseca[58], “O direito de retenção pode ser definido como o direito que assiste ao devedor de recusar a restituição de uma coisa até que o credor efetue uma prestação conexa com a sua obrigação” e pressupõe que “i) o detentor detenha licitamente a coisa que deve restituir, ii) o devedor da restituição da coisa seja reciprocamente credor de um crédito cujo devedor deverá ser o credor dessa restituição, iii) e, por último, que os créditos estejam unidos por uma relação de conexão material (artigo 754.º) ou jurídica (artigo 755.º e legislação avulsa)”.

No caso presente, importará dizer que, tendo ocorrido a entrega da coisa na pendência do processo, sempre se extinguiu o (putativo) direito de retenção. De todo o modo, o direito de retenção invocado pela apelante pressupunha necessariamente a existência de um crédito (decorrente das benfeitorias, no caso concreto, e conforme por si invocado) sobre as rés, proprietárias dos imóveis que a autora não entregou de imediato. Por tudo quanto se disse anteriormente, decorre da inexistência do crédito a inexistência do direito de retenção.

O direito de retenção era, na perspetiva da recorrente, a causa legítima para a não entrega dos imóveis, não obstante a denúncia/resolução por si decidida e comunicada às proprietárias dos mesmos. Tratar-se-ia de uma exclusão da ilicitude ou de uma legitimação do incumprimento do dever de devolução do bem, cessado o contrato pelo qual a autora tinha o gozo do mesmo. Como se viu, porém, da inexistência do aludido direito de retenção decorre o incumprimento do dever de entrega e deste, naturalmente – e como também decorre de qualquer direito real, maxime do direito de propriedade – a impossibilidade do gozo dos imóveis. Daí que, também nesta parte faleça a apelação, nada havendo a apontar ao decidido quanto ao pedido reconvencional.

Por fim e muito sumariamente, a pretensão da autora/recorrente em ser paga do valor correspondente à cláusula penal fixada no contrato que, nesse enquadramento, considerou ser um contrato-promessa, igualmente naufraga: é expresso no acordo celebrado em 2002 que o valor correspondente, fixado na cláusula penal, seria devido pelos primeiros outorgantes caso recusassem a celebração do contrato definitivo, pressuposto que não se verificou, desde logo em razão de o contrato ter cessado por vontade da recorrente.

Por tudo quanto se deixou dito, o presente recurso revela-se totalmente improcedente e há que confirmar o decidido em primeira instância.

As custas do recurso, atento o decaimento, são devidas pela recorrente (artigo 527, n.º 1 do CPC).

IV – Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a presente apelação e, em conformidade, confirma-se a sentença proferida em primeira instância.

Custas pela apelante.

Porto, 24.10.2022
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Mendes Coelho
_____________
[1] Mantemos a numeração das conclusões, embora a 65.ª não tenha qualquer conteúdo.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição Atualizada, Almedina, 2022, pág. 333.
[3] Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2015, pág. 162.
[4] Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 3.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 577 [“Foi, assim, arredada a conceção segundo a qual a atividade cognitiva da Relação se deveria confinar, tão-somente, a um mero controlo formal da motivação/fundamentação efetuada em 1.ª instância. Porque necessariamente gravados os depoimentos prestados na audiência final (artº 155º), bem como (gravados e/ou registados os prestados antecipadamente ou por carta – artº 422º n.º 1 e 2), pode a Relação reapreciar e ponderar a prova produzida sobre a qual haja assentado a decisão impugnada, atendendo aos elementos indicados, em ordem a formar a sua própria e autónoma convicção sobre o material fáctico (resultado probatório processualmente adquirido”].
[5] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição... cit., pág. 201.
[6] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 831, anotação 2.
[7] Os factos dados como provados que antecedem “essas obras” são os pontos seguintes: “41. Conforme autorizado no acordo escrito celebrado, a autora realizou nos imóveis, com autorização da ré e do marido, diversas obras, suportando os custos de construção do edifício instalado no prédio rústico, hall de entrada e casas de banho, aumento da cozinha pré-existente no prédio urbano, de uma piscina e anexos de apoio, casa de máquinas, incluindo obras de pichelaria, carpinteiro e eletricidade, bem como infraestruturas no jardim, como sistema de rega e colocação de relva, planta e árvores e procedendo ainda à realização de passeios exteriores, muros de vedação dos imóveis e colocação de portões. 42. As obras começaram a ser pensadas e foram debatidas entre os seus outorgantes ainda antes da assinatura do acordo escrito. 43. Estas obras realizadas pela autora aumentaram o valor dos imóveis. 44. A atividade da autora criou nos imóveis em causa um local conhecido no mercado para a realização de eventos conhecido como Quinta ....”.
[8] Referindo na conclusão seguinte: “VI - Equivocou-se o tribunal, certamente, por ter julgado como provado o vertido no ponto 45, bem como não provado o vertido no ponto 6 dos factos dados como não provados, porquanto, é por demais evidente que o mesmo terá utilizado um critério deveras excludente, pois considerou apenas a existência de algumas faturas juntas com a petição.”.
[9] Sublinhados nossos.
[10] “XXII - Com efeito, é totalmente incompreensível o facto de o tribunal não ter atendido à prova testemunhal apresentada, tendo, consequentemente julgado incorretamente o vertido no ponto 5 dos factos não provados. XXIII – Importa referir, ainda, que o tribunal julgou, errónea e incompreensivelmente, como não provado o vertido no ponto 14 dos factos não provados, porquanto, é evidente que se encontra comprovado as dimensões dos edifícios construídos pela ora recorrente, desde logo, tendo em conta os documentos 25 e 26 juntos com a petição. XXIV - Verificou-se, ainda, uma diminuição progressiva dos eventos festivos, face ao obstáculo imposto pela inexistência de licença de utilização, sendo, por conseguinte, totalmente incompreensível o tribunal ter dado como não provado tal conjetura, de acordo com o vertido no ponto 15 dos factos dados como não provados, e atendendo à prova testemunhal apresentada em sede de audiência de julgamento. XXV - Importa não olvidar a falta de interesse relativa à cedência de exploração do negócio, em virtude da inexistência de licença de utilização, sendo certo que, neste caso em particular, o tribunal afirma erradamente, não atendendo à prova testemunha apresentada em sede de audiência de julgamento, como não provado, o facto de que “[a] obtenção da licença fosse condição essencial para que o negócio se realizasse” – Cfr. ponto 16 dos factos dados como não provados.”.
[11] Concretamente: “Em relação à parte de construção civil, estão em causa as obras a que se reportam os projetos juntos como documento 25 (fls. 203) e a fls. 651 e segs., bem como a que estava na posse da R. AA de fls. 716, e os orçamentos juntos a fls. 641 e ss. Sendo benfeitorias um conceito com conteúdo jurídico mas também empírico e reportando-se este a obras, nem todas as despesas invocadas pela A. assumem a natureza daquelas (veja-se despesas alegadas com tubos, extintores, resistências, material elétrico diverso, etc). Esta confusão entre despesas e custos com obras resulta clara se analisarmos a lista de faturas que a A. juntou a fls. 331, pretendendo imputá-las todas a obras realizadas, mesmo as que indicam apenas material diverso, móveis e aparelhos, como robot, tapetes, cabos, cortinas, bombas, extintores, válvulas, lâmpadas... e que, pela sua própria natureza se percebe que nada têm a ver com obras realizadas nos imóveis. Outras faturas existem que não permitem identificar os bens adquiridos pela A. (sendo que, em alguns caso, a A. arriscou na sua alegação dar uma indicação, mas noutros nem sequer o fez), existindo faturas que se reportam claramente a reparações e não a obras realizadas. Assim, atendendo às obras que foram realizadas, e na insuficiência de outra prova relevante, para além do empreiteiro que realizou as obras, mas que não soube indicar valores, apenas poderão ser considerados custos com obras aqueles que estão em documentos: - 38, no valor de 22.450,00 euros relativo à empreitada de construção civil; - 39, no valor de 17.457,93 euros relativo à empreitada de construção civil; - 40, no valor de 24.940,00 euros relativo à empreitada de construção civil; - 43, no valor de 4.067,14 euros relativo à aquisição de vidros; - 46, no valor de 15.000,00 euros relativo à empreitada de construção civil; - 48, no valor de 175,00 euros relativo à aquisição de árvores; - 50, no valor de 3.894,47 euros relativo à colocação de sistema de rega; - 54, no valor de 3.754,74 euros relativo à aquisição de granitos; - 55, no valor de 4.313,55 euros relativo à aquisição de relva; - 56, no valor de 5.634,10 euros relativo à colocação de estores; - 61, no valor de 17.863,94 euros relativo à instalação de sistema de ar condicionado; - 62, no valor de 14.850,00 euros relativo à empreitada de construção civil; - 63, no valor de 5.539,20 euros relativo à instalação da cozinha; - 68, no valor de 9.000,00 euros relativo à instalação de fibra ótica no salão; - 69, no valor de 5.161,56 euros relativo à instalação de janelas; - 71, no valor de 839,33 euros relativo à instalação de bancadas de inox; - 74, no valor de 124,02 euros relativo à aquisição de árvores; - 79, no valor de 7.136,75 euros relativo à instalação da piscina; - 94, no valor de 110,00 euros relativo à aquisição de relva; - 97, no valor de 50,00 euros relativo à aquisição de árvores; - 98, no valor de 210,00 euros relativo à aquisição de árvores; - 99, no valor de 99,00 euros relativo à aquisição de árvores; -103, no valor de 3.500,00 euros relativo ao projeto de construção; - 106, no valor de 340,00 euros relativo à aquisição de plantas; - 114, no valor de 850,00 euros relativo à colocação de portões; - 133, no valor de 900,00 euros relativo à aquisição de plantas; - 141, no valor de 474,00 euros relativo à realização da vedação; - 142, no valor de 5.374,50 euros relativo à construção do jardim; - 144, no valor de 650,00 euros relativo à realização da vedação; - 145, no valor de 424,80 euros relativo à aquisição de plantas; - 158, no valor de 56,85 euros relativo à aquisição de plantas; - 161, no valor de 35,04 euros relativo à aquisição de plantas; - 167, no valor de 202,50 euros relativo à aquisição de plantas; - 168, no valor de 51,34 euros relativo à aquisição de plantas; - 170, no valor de 56,85 euros relativo à aquisição de plantas; - 171, no valor de 1.525,00 euros relativo à colocação de portões; - 174, no valor de 67,14 euros relativo à aquisição de plantas; - 178, no valor de 32,19 euros relativo à aquisição de plantas; - 180, no valor de 175,00 euros relativo à aquisição de árvores; - 197, no valor de 73,42 euros relativo à aquisição de plantas. A soma do valor destes documentos alcança o valor mínimo que o Tribunal deu como provado e que não tem dúvidas que foi despendido na realização das obras”.
[12] Consta do texto deste acórdão o que, atento o relevo, ora se transcreve: “Resta saber se o mesmo acordo se esgota no dito contrato de arrendamento, nulo por falta de forma – art. 7º, nº 2 alínea b) do RAU -, como se considerou na sentença, ou se o mesmo encerra ainda um acordo que possa caracterizar um contrato-promessa de arrendamento. Versando caso algo semelhante ao dos autos, no acórdão desta Relação de 15.11.2005 [Relatado pela mesma Sra. Desembargadora], a partir do compromisso assumido pelas partes de virem a outorgar, através da necessária escritura pública, e logo que estivesse pronta a documentação para o efeito necessária, um contrato de arrendamento comercial, concluiu-se que as partes haviam querido preparar e assegurar a futura celebração, pela forma legalmente exigida, desse negócio, assim ficando preenchidos os elementos próprios do tipo contratual definido no art. 410º. Mas, porque logo convencionaram também, e para vigorar até à formalização do contrato prometido, a efetiva cedência do gozo das frações contra o pagamento da renda prevista para o negócio a celebrar, considerou-se no mesmo acórdão estar evidenciada a vontade comum de que se produzissem, desde logo, todos os efeitos próprios do contrato que se obrigaram a celebrar, pelo que preenchidos ficaram os elementos próprios de um outro tipo contratual – o arrendamento. E no mesmo acórdão prosseguiu-se: “Pode assim dizer-se que o documento elaborado pelas partes encerra, não um só contrato, mas dois que estão ligados por um nexo de interdependência que pode caracterizar-se pelo seguinte modo: as partes quiseram alcançar, desde logo, todos os efeitos do arrendamento (…), mas, sabendo que este contrato não podia ser validamente celebrado por falta de um requisito indispensável para a outorga da correspondente escritura, quiseram garantir aquele seu desígnio – o de arrendar – através da obrigação mutuamente assumida de mais tarde formalizarem nos termos devidos o seu acordo. Articulados, assim, ambos os contratos – o de arrendamento (tal como é caracterizado nos arts. 1022º e 1023º do C. Civil e 1º do RAU) e o contrato-promessa de arrendamento (cfr. art. 410º, nº1 do C. Civil) – por um único desígnio, estamos perante uma figura que pode ser reconduzida ao tipo doutrinal da união de contratos.” (...) Poderá dizer-se no caso dos autos que a autora e a ré se obrigaram mutuamente à futura celebração do contrato de arrendamento nos termos definidos, agora, através de escritura pública, forma exigida por lei? Emitiram declarações no sentido de prometer dar e receber de arrendamento as frações identificadas, destinadas a escritório – cláusulas 1ª e 2ª - , mas logo a seguir – na cláusula 3ª – afirmam que a “escritura pública do contrato de arrendamento será celebrada se e quando a Promitente – Senhoria obtiver a licença camarária de utilização para o fim do prometido arrendamento (...) Ou seja, só haveria lugar à celebração do contrato definitivo na hipótese incerta de a autora vir a obter a licença de utilização dos locais para escritório, sendo ainda certo que a mesma, em determinadas circunstâncias, ficaria desobrigada de tal obtenção e, portanto, de celebrar o contrato prometido para o qual esse elemento era indispensável. E no nº 3 da cláusula 4ª – em cujo nº 1 se convenciona a imediata utilização das frações pela promitente-inquilina, contra o pagamento, a fazer por esta à promitente-senhoria, de certa remuneração (...) Parte-se, pois, da certeza de que a licença de utilização dos locais prometidos arrendar é para armazém e, ao afirmar-se que se não conhece a possibilidade nem o condicionalismo necessário à emissão da licença de utilização dos mesmos locais para escritório, reconhece-se, à partida, que muito dificilmente alguma vez estarão reunidas as condições indispensáveis para a celebração do contrato definitivo. Não obstante, fora o enunciado circunstancialismo excecional de desoneração da autora quanto à obrigação de obter a licença, cremos poder afirmar a existência de recíproca vinculação das partes à celebração do contrato definitivo, embora subordinando a condição suspensiva - a obtenção de licença de utilização para escritórios -, a produção dos correspondentes efeitos jurídicos – art. 270º. E o reconhecimento das partes quanto à dificuldade da verificação dessa condição, não é bastante para que se possa, sem mais, concluir pela certeza de que a mesma se não pode verificar (...) É de concluir, assim, pela existência desta promessa de arrendamento integrando a figura de união de contratos de que igualmente faz parte o acima falado contrato de arrendamento”.
[13] Como referem Carlos Alberto da Mota Pinto e António Pinto Monteiro/Paulo Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 5.ª Edição, Reimp. da 4.ª Edição, Gestelegal, 2020, pág. 441) a “interpretação nos negócios jurídicos é a atividade dirigida a fixar o sentido e alcance decisivo dos negócios, segundo as respetivas declarações integradoras. Trata-se de determinar o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com tais declarações”. Colocando a questão da interpretação, Manuel A. Domingues de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica, 7.ª Reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra, 1987, pág. 305) diz-nos que “Interpretar um negócio jurídico – isto é, a declaração ou declarações de vontade que o integram – equivale a determinar o sentido com que há de valer, se valer puder. Trata-se de saber os efeitos a que ele tende conforme tal declaração, e que realmente produzirá se e na medida em que for válido; qual o conteúdo decisivo dessa declaração de vontade”. Tudo quanto se refere, mormente a necessidade interpretativa que qualquer negócio jurídico demanda, nos parece evidente. Com efeito (e citamos Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa, “O problema da integração das lacunas contratuais à luz de considerações de carácter metodológico – algumas reflexões”, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, Volume II, Coimbra Editora, 2006, págs. 367/392, a págs. 370/371) “Como qualquer comportamento comunicativo, as declarações de vontade das partes, com base nas quais elas manifestam a sua vontade tendente à produção de efeitos práticos, têm de ser interpretadas, não sendo aceitável o brocardo “in claris non fit interpretatio”. Na verdade, não só não existe nenhum critério certo que nos permita determinar quando é que a vontade expressa no contrato é clara, como a própria clareza da declaração já deve ser visto como um resultado interpretativo, mesmo que não se tenha essa consciência. Ademais, a própria qualificação de um comportamento como declaração negocial tendente à celebração de um negócio jurídico implica já a interpretação do mesmo”.
[14] Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª Edição, Almedina, 2019, págs. 549 e 551. Neste contexto, referem Heinrich Ewald Hoster/Eva Sónia Moreira da Silva (A Parte Geral do Código Civil Português, 2.ª Edição totalmente revista e atualizada, Almedina, 2019, pág. 564) que “pouco relevo terão as várias teorias que, partindo de uma posição subjetivista (relevante é apenas a vontade real do declarante) ou de uma posição objetivista (relevante é apenas o que o declaratário entendeu) ou assumindo posições intermédias (p.ex., relevante é o valor objetivo para o declaratário, desde que imputável ao declarante), procuram uma solução do problema – a não ser que a lei tenha consagrado uma delas”. E, na mesma página (nota 704), acrescentam: “Uma realidade objetiva não existe. O que existe é o uso linguístico comum. Por isso, pode dizer-se que a interpretação objetiva corresponde ao uso linguístico geral ou comum, enquanto a interpretação subjetiva corresponde à vontade do declarante (ou das partes na falsa demonstratio)”. Ainda no mesmo contexto, explicando as duas conceções ou posições opostas, Carlos Alberto da Mota Pinto e António Pinto Monteiro/Paulo Mota Pinto (ob. cit., pág. 443) referem: “Para as posições subjetivistas o intérprete deve buscar, através de todos os meios adequados, a vontade real do declarante. O negócio valerá com o sentido subjetivo, isto é, com o que foi querido pelo autor da declaração. Para as posições objetivistas o intérprete não vai pesquisar a vontade efetiva do declarante, mas um sentido exteriorizado ou cognoscível através de certos elementos objetivos. O objeto da interpretação não é a vontade como “facto da vida anímica interior”, mas a declaração como ato significante. É uma interpretação normativa e não uma interpretação psicológica”.
[15] Mafalda Miranda Barbosa, Lições de Teoria Geral do Direito Civil, Gestelegal, 2021, págs. 648/649.
[16] Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, Almedina, 1995, págs. 211/213.
[17] A propósito, refere Francisco Manuel de Brito Pereira Coelho (Contratos Complexos e Complexos Contratuais, Coimbra Editora, 2014, nota 219, a págs. 104/105): “E isto é assim porque, de acordo com o n.º 1 do art. 236.º, o conhecimento da vontade real do declarante não pode deixar de constituir uma das circunstâncias a considerar na determinação da “posição do real declaratário”: uma pessoa média, conhecendo a vontade real do proponente (ainda que este se exprima de forma imperfeita, ou errónea, ou codificada) tem de atribuir a essa proposta o significado correspondente àquela vontade real. (...) a simples referência à impressão de um destinatário implica, por si só, a adoção de um ponto de vista objetivo na determinação do sentido negocial. E a ressalva contida na parte final do n.º 1 dessa disposição (surgida, como se sabe, por sugestão de Ferrer Correia, Erro e Interpretação na teoria do negócio Jurídico, Coimbra, 1939, p. 200, na sequência aliás da posição de Larenz quanto ao ponto em questão) apresenta apenas uma limitação (por certo de natureza subjetiva) à eficácia do sentido objetivo (correspondente à impressão do destinatário, tal como se definiu) – não tem pois relevância positiva na determinação do sentido negocial decisivo.”
[18] Tratado de Direito Civil, II, Parte Geral, Negócio Jurídico, 5.ª Edição Atualizada com a colaboração de A. Barreto Menezes Cordeiro, Almedina, 2021, págs. 716 e ss.
[19] “o erro no uso de uma expressão, quando conhecida pela outra parte, não prejudica, desde que haja acordo quanto ao fundo, isto é: desde que a vontade real seja conhecida e concorde” – António Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 737.
[20] “há protestio facto contraria quando alguém assuma uma atitude com significado negocial e declare, ao mesmo tempo, uma vontade contrária a esse significado ou, pelo menos, com ele não coincidente (...) prevalece o sentido resultante do facto, o qual exprimiria a vontade real do declarante” - António Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 739.
[21] Ob. cit., pág. 741.
[22] Evaristo Mendes/Fernando Sá, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 540.
[23] Alterado pelo Decreto 19 126, de 16.12. 1930, que passou a considerar como sinal “qualquer quantia recebida pelo promitente-vendedor” e acrescentou um parágrafo, dizendo: “Tratando-se de bens imobiliários, o contrato deve ser reduzido a escrito, e, sendo feito sem outorga da mulher do promitente-vendedor, este responde por perdas e danos para com o promitente vendedor”. Naquele diploma (Código de Seabra) a promessa apenas estava prevista para a compra e venda, mas “A doutrina não teve dificuldade em alarga-la aos diversos contratos definitivos, com base no 16.º (analogia para a integração de lacunas)” – António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, Coordenação António Menezes Cordeiro, CIDP/Almedina, 2021, págs. 155/156.
[24] O preceito transcrito tem as alterações decorrentes do Decreto-Lei n.º 236/80, de 12 de agosto, do Decreto-Lei n.º 379/86, de 11 de novembro e do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho, sem relevo à nossa apreciação.
[25] O Contrato-Promessa e Seu Regime Civil, 2.ª Reimpressão da Edição de 1994, Almedina, 2006, pág. 69. A propósito e citando Pessoa Jorge (O mandato sem representação, Lisboa, 1961, pág. 159), a autora escreve que o contrato-promessa “não se concebe sem complemento direto” e acrescenta: “realmente, não há puros contratos-promessa, mas antes e sempre, por definição, contratos-promessa de um qualquer negócio”.
[26] Jorge Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, Volume I, 2.ª Edição (Atualizada e ampliada por: Miguel Pestana de Vasconcelos e Rute Teixeira Pedro), Almedina, 2020, pág. 260. Na pág. seguinte (261) refere-se: “Muitas vezes é difícil distinguir entre o contrato-promessa e o próprio contrato prometido, mas, em tais casos, é óbvio que a solução de qualificação jurídica há de andar de par com o sentido a dar às declarações de vontade emitidas (cfr. Antunes Varela, Obrigações, I (2000) 310, nota 2)”. Acrescentamos ainda a nota 584, para que remete o texto acabado de citar: “De igual forma, Henrich, ob. cit. (1965) 115, quando diz que se deve sempre considerar existente um contrato-promessa se, debaixo do ponto de vista das partes, a composição de interesses que contratualmente se pretende levar a cabo não se apresenta ainda viável em termos de facto e de direito. Mas, se se dá o caso de as mesmas partes terem querido conseguir de forma imediata e definitiva o resultado económico visionado, então não existe mais nenhum contrato-promessa, mas sim um contrato definitivo”.
[27] Ana Afonso, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 79.
[28] Fernando de Gravato Morais, Manual do Contrato-Promessa, Editora D’Ideias, 2022, pág. 18.
[29] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 13.ª edição, Almedina, 2016, pág. 193.
[30] António Menezes Cordeiro, Leis do Arrendamento Anotadas, Coordenação: António Menezes Cordeiro, Almedina, 2014, pág. 25.
[31] Jorge Pinto Furtado (Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2019), depois de afirmar que a renda deve ser uma estipulação certa, que “não pode ficar dependente da verificação de um facto incertus an” (pág. 38) defende, mais adiante (pág. 361) a inexistência de obstáculo à estipulação, para o arrendamento não comercial, de uma renda variável, como “uma percentagem de certos lucros”, parecendo assim esclarecer que aquela primeira afirmação (a de pág. 389 apenas se refere à estipulação da renda e não à ao seu – ou à certeza do seu – quantitativo. Mas o mesmo autor reconhece (a pág. 361, novamente) que a renda variável é admitida na nossa jurisprudência, desde logo “quanto ao arrendamento de lojas de centros comerciais”, mas “com fundamento em que tal contrato não é de arrendamento, mas um contrato atípico que se rege pela liberdade contratual”.
[32] Onde foi estabelecida uma remuneração/renda escalonada, mas igualmente estabelecida uma componente variável em função dos resultados alcançados no exercício da atividade que os réus iam levar a cabo.
[33] Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, Almedina, 1995, pág. 211. Refere o autor (pág. 212): “Para além dos contrato legalmente típicos podem ser celebrados contratos atípicos, e estes podem ser completamente diferentes dos tipos legais, ou ser modificações dos tipos legais, ou ser misturas ou combinações desses tipos. A atipicidade pode ser referida aos tipos legais ou aos tipos contratuais em geral”. No mesmo sentido, Rui Pinto Duarte, (Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, Almedina, 2000, pág. 17): “É unanimemente admitida, nas Doutrinas portuguesa e dos países cujos direitos privados mais influenciam o nosso, a possibilidade de celebração dos chamados contratos inominados ou atípicos, ou seja, de contratos não reconduzíveis às espécies de contratos que a lei regula. Essa possibilidade está no próprio cerne da liberdade contratual, correspondendo a algumas das vertentes em que ela é analisável. Além disso, no caso do direito português, como nalguns outros, encontra consagração expressa (art. 405.º)”.
[34] Com o seguinte sumário: “I - São as partes que modelam os contratos que querem celebrar, dentro dos limites da lei, com a inclusão de um ou mais contratos típicos e de cláusulas atípicas, isto é, com cláusulas tidas como essenciais, não figurando nos contratos típicos. II - Será através de todas as cláusulas introduzidas na convenção negocial, na interpretação do sentido das declarações de vontade das partes, que o contrato acabará por ser caracterizado (qualificado). III - O artigo 236, n.º 1 do Código Civil de 1966 consagra a teoria da impressão do destinatário (...) V - É atípico (e não de arrendamento) o contrato, que as partes denominaram de "cedência temporária", em que uma das partes cede à outra mediante retribuição mensal, por um ano, não renovável, um escritório, a ser utilizado no período de funcionamento das instalações onde se integra, podendo o contrato ser revogado por qualquer das partes mediante aviso com certa antecedência”.
[35] Nem também das causas “diversas do cumprimento”, previstas nos artigos 837 a 873 do CC, e a que se refere Mário júlio de Almeida Costa a págs. 1091 e ss. do Direito das Obrigações (12.ª Edição Revista e Atualizada, 7.ª Reimpressão, Almedina, 2019). Na mesma edição – acrescenta-se, o autor aborda a fls. 317 e ss. a “Resolução, revogação e denúncia do vínculo contratual”.
[36] Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 3.ª Edição, Almedina, 2015, pág. 61.
[37] 432 – 1. É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção. 2. A parte, porém, que, por circunstâncias não imputáveis ao outro contraente, não estiver em condições de restituir o que houver recebido não tem o direito de resolver o contrato. 433 - Na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos seguintes. 434 - 1. A resolução tem efeito retroativo, salvo se a retroatividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução. 2. Nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efetuadas, exceto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas. 435 - 1. A resolução, ainda que expressamente convencionada, não prejudica os direitos adquiridos por terceiro. 2. Porém, o registo da acção de resolução que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, torna o direito de resolução oponível a terceiro que não tenha registado o seu direito antes do registo da ação. 436 - 1. A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte. 2. Não havendo prazo convencionado para a resolução do contrato, pode a outra parte fixar ao titular do direito de resolução um prazo razoável para que o exerça, sob pena de caducidade.
[38] Pedro Romano Martinez, Da Cessação... cit., pág. 68.
[39] A Resolução do Contrato no Direito Civil – Do Enquadramento e do Regime, Coimbra Editora, 1996, págs. 39 e 74, respetivamente.
[40] Joana Farrajota (A Resolução do Contrato sem Fundamento, Almedina, 2015, págs. 30/31), depois de referir que a resolução legal, em regra “encontra-se associada ao incumprimento de obrigações contratuais”, esclarece que “Independentemente da forma adotada e em resultado do caráter vinculado do exercício do direito de resolução, a declaração de resolução deve ser precisa quanto aos seus fundamentos, não bastando a mera referência a uma situação de incumprimento”.
[41] José Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações, 3.ª Edição Atualizada, Universidade Católica Editora Porto, 2019, pág. 332.
[42] José Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento..., cit., pág. 333.
[43] Cfr. acórdão do Supremo de 21.01.2021, antes citado, e ponto III do respetivo sumário.
[44] José Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento..., cit., págs. 333 e ss., em especial, págs. 350/351.
[45] Direito das Obrigações, Volume II, 10.ª edição, Almedina, 2016, pág. 235.
[46] José Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento..., cit., pág. 406, com negritos do autor.
[47] Comentário ao Código Civil, Parte Geral... cit., págs. 483/484. Acrescenta a autora: “A dissociação entre o proprietário da coisa beneficiada e o autor da intervenção de melhoria ou conservação justifica a autonomia de tratamento jurídico das benfeitorias”.
[48] Marta Sá Rebelo, Comentário ao Código Civil, Parte Geral... cit., págs. 486.
[49] Marta Sá Rebelo, Comentário ao Código Civil, Parte Geral... cit., págs. 486.
[50] O mesmo Relator, então Conselheiro [acórdão de 7.09.2012, Processo n.º 1696/08.0TBFAR.E1.S2, dgsi], mantendo a qualificação de benfeitoria num caso de implantação em prédio rústico, não deixa de afirmar, com interesse ao caso presente, a suscetibilidade do seu levantamento: “I - O empréstimo gratuito de um prédio rústico para a instalação de um campo de futebol configura um contrato de comodato, não obstante o uso convencionado não se integrar na função e destino normal dos prédios rústicos. II - As obras, autorizadas pelo proprietário, de adaptação do terreno para servir esse fim configuram-se benfeitorias úteis na medida em que lhe aumentam o valor. III - Como tal, nunca constituiriam fundamento para a aquisição da propriedade do prédio por acessão industrial imobiliária (...) IX - Todavia, tratando-se de prédio rústico não é, em condições normais, configurável o seu detrimento, pois que a sua reposição é possível e facilmente realizável. X - As benfeitorias nele implantadas e incorporadas são impossíveis de dele serem levantadas e separadas, pois que isso implica a própria destruição delas”.
[51] Aqui 1.ª Adjunto.
[52] Como já referia Manuel A. Domingues de Andrade, citando o Professor Manuel Rodrigues, “as acessões artificiais, valorizando como as benfeitorias a coisa principal, todavia se distinguem delas porque alteram a substância da coisa (transformação), porque inovam.” (Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1987, pág. 274, nota 4).
[53] Tratado de Direito Civil III, Parte Geral, Coisas, 4.ª Edição (revista e atualizada), com a colaboração de A. Barreto Menezes Cordeiro, Almedina, 2019, pág. 251.
[54] Efetivamente, o mero detentor que haja feito despesas (benfeitorias) na coisa não tem direito a ser indemnizado e a possibilidade de o locatário o ser constitui uma das exceções (artigo 1046, n.º 1 do CC).
[55] Como refere Ana Prata (O Contrato-Promessa e o seu... cit., págs. 443 e 447/448) “um acordo preparatório de um outro negócio, a sua razão de ser é, a um tempo, a de garantir a celebração deste último e o diferimento do seu surgimento – que não apenas da sua eficácia – para um momento posterior (...) dizer que são aplicáveis à promessa as regras integradoras do regime do respetivo contrato definitivo, que, pela sua ratio, não possam estender-se àquele é, desde logo, afirmar que são inaplicáveis à promessa as normas que se ocupem dos efeitos do contrato prometido. (...) têm de considerar-se excluídas do regime do contrato-promessa as regras que respeitem às consequências do não cumprimento do contrato prometido”.
[56] Tratado de Direito Civil, X, Direito das Obrigações, Garantias, Almedina, 2015, pág. 35.
[57] Tratado de Direito Civil, X, Direito das... cit., pág. 836.
[58] Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações... cit., pág. 1006.