Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2231/17.5T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MÁRCIA PORTELA
Descritores: DESTITUIÇÃO DE GERENTE
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
EXCEPÇÃO
Nº do Documento: RP201906042231/17.5T8STS.P1
Data do Acordão: 06/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 896, FLS 116-129)
Área Temática: .
Sumário: I - O prazo de prescrição do direito à destituição de gerente é de 90 dias, mesmo em situações que não se reconduzam à violação do dever de não concorrência.
II - Esse prazo inicia-se no momento do conhecimento por todos os sócios da actividade do gerente que fundamenta a destituição, independentemente da natureza continuada dessa actividade.
III - A interrupção da prescrição é uma contra-excepção, pelo que tem de ser invocada pela parte a quem aproveita para o tribunal poder conhecer da mesma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 2231/17.5T8STS

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
B… intentou acção de destituição de órgãos sociais, na qualidade de sócia da C…, Ld.ª, contra a referida sociedade e seus dois gerentes D… e E…, pedindo que fossem destituídos da gerência da R..

Alegou para tanto, e em síntese, que o sócio gerente D… criou em 2013 a sociedade F…, Unipessoal, Ld.ª, que possui como objecto social o fabrico, comércio, importação e exportação de artigos ortopédicos, nomeadamente colchões e poltronas, da qual, desde aquela, data é sócio e gerente único, e que esta sociedade se mantém activa e em franco crescimento, sendo que o seu escopo o fabrico e venda de produtos em tudo idênticos aos da sociedade R..

E que a sua sede corresponde à morada do gerente D… (local sem quaisquer condições para acomodar material e maquinaria necessária à produção de colchões, e sem capacidade para armazenar matérias primas), e cujo contacto telefónico ínsito no sítio da empresa é o mesmo que o número do telemóvel que a sociedade R. disponibilizou a D…, e os produtos da referida sociedade F… são produzidos nas instalações da sociedade R..

Alegou ainda que de tudo isto teve a confirmação no dia 28 de Março do ano de 2017, quando se deslocou às (novas) instalações da sociedade requerida para consulta de documentos tendentes à preparação da assembleia de prestação de contas referente ao exercício de 2016, altura em que se deparou com lonas e banners publicitários onde constava a marca C1… associada à marca F1…, sendo que naquele mesmo dia solicitou e consultou os documentos suporte às contas 22 dos principais fornecedores da sociedade Ré, tendo-se apercebido que a dita Sociedade F… era uma das principais fornecedoras no ano de 2016, e também era credora de € 17.470,92, assim concluindo que D…, com a concordância de E…, criou na sociedade R. uma necessidade que esta não tinha e, em paralelo, apresentou a solução, beneficiando directamente esta empresa fornecedora, da qual este é o único sócio e gerente.

Contestaram os RR., excepcionando a prescrição, nos termos do preceituado no artigo 254.º, n.º 6, CSC, alegando que o direito à destituição como gerentes da sociedade dos requeridos D… e E… entronca directamente na pretensa violação do dever de lealdade e de proibição de concorrência.

Assim, atendendo a que, desde a data da constituição da sociedade F…, Unipessoal, Ld.ª, em 24.10.2013, todos os três sócios da sociedade R. C… têm conhecimento da sua existência e do motivo da sua constituição, o mesmo sucedendo com os anteriores sócios da empresa, sendo que a F… tem vindo a fornecer bens à R. desde a sua criação, o alegado direito à destituição dos gerentes já estava prescrito quando a A. intentou a presente demanda em 05.07.2017.

Respondeu a A., afirmando que a presente acção não se centra numa simples questão de concorrência desleal, e sim de algo bem mais insidioso tal como a existência de um plano concertado de dois sócios gerentes (irmãos) que à revelia da outra sócia (a A.), empreenderam um conjunto de condutas que mais não visam que a desertificação da sociedade R. em prol de uma outra sociedade através do expediente de instrumentalizar a R. e a sua marca em prol da sociedade F…, Unipessoal, Ld.ª.

Foi proferida decisão que, julgando procedente a excepção de prescrição, absolveu os RR. do pedido.

Inconformada, apelou a A., apresentando as seguintes conclusões:

I. Inconformada com a Sentença proferida, vem a Autora dela interpor recurso, quanto à matéria de facto e de Direito, almejando, em suma, a sua revogação.

II. Concluiu a Mma. Juiz a quo pela prescrição do direito da Autora.

III. Contudo, não conseguimos acompanhar o seu raciocínio.

IV. A Autora e aqui Recorrente alegou e provou que o Sócio e Gerente D… criou em 2013 a Sociedade F…, Unipessoal, Lda, com o NIPC ………, sediada na Trofa.

V. Contudo, a Autora deparou-se com um panorama um pouco diferente do que havia em 2013.

VI. Os gerentes da sociedade Ré fomentaram todo um trilho circular.

VII. Primeiramente pela aquisição de materiais à Sociedade F…, Lda. e depois pela consequente utilização das matérias-primas adquiridas à Sociedade do Sr. D… para produzir produtos da marca do Sr. D…, publicitando e vendendo tais produtos.

VIII. Sucede que, os gerentes da sociedade encontram-se vinculados à observância de deveres legalmente consagrados no próprio Código das Sociedades Comerciais.

IX. Nas palavras de Raúl Ventura, “o dever de lealdade é aquele pelo qual a empresa deve ser dirigida de modo a prosseguir ou ter em vista o interesse da sociedade, sendo o mesmo corolário do dever geral de diligência na gestão”.

X. Em boa verdade, costuma o dever de lealdade ser associado à obrigação de não concorrência, obrigação de não aproveitar em benefício próprio eventuais oportunidades de negócio, de não actuação em conflito de interesses, mas não só.

XI. O dever de lealdade traduz-se num dever negativo, no sentido em que este dever impõe que cada sócio não actue de modo incompatível com o interesse social, ou com os interesses dos outros sócios relacionados com a sociedade.

XII. Sendo o dever de lealdade indissociável da ideia de confiança, quer seja perante a sociedade, quer perante os sócios, quer perante terceiros.

XIII. Face ao caso sub judice, tal actuação do gerente D… em nada beneficia a Sociedade Ré, mais não configurando que uma crassa violação do dever de lealdade que recai sobre a actual Gerência.

XIV. Ter-se-á de concluir que o Sócio e Gerente D… em comunhão de esforços com o Sócio e Gerente e seu irmão, o Sr. E…, estão a promover e engrandecer a Sociedade F…, lda, às custas da C… que já se encontra estabelecida no mercado em apreço.

XV. Assim, desta forma e como é bem visível, o que está aqui em causa extrapola a questão da concorrência desleal.

XVI. Os gerentes têm vindo a instrumentalizar a sociedade Ré e a sua marca, em prol da sociedade F…, Unipessoal, LDA.

XVII. A verdadeira intenção destes sócios é a desertificação da sociedade Ré em prol e uma outra sociedade através do expediente obvio de instrumentalizar a sociedade Ré e a sua marca em prol da sociedade F…, unipessoal, lda.

XVIII. A Autora foi motivada, tendo em conta estes fatos, a intentar a presente acção judicial de destituição e suspensão de titulares de órgãos sociais, ao abrigo do artigo 1055.º CPC

XIX. Contudo, decidiu o Tribunal a quo, que estava verificado o prazo prescricional de 90 dias, uma vez que o preceituado no artigo 254.º, nº 6 CSC tem plena aplicação em casos como o presente.

XX. Ora, é de esclarecer que o que está aqui em causa é a violação do dever de lealdade, latu sensu, e não apenas a mera violação da obrigação de não concorrência.

XXI. Assim, o caso sub judice não subsume por completo no artigo 254, nº 6 CSC, uma vez que este se aplica somente quando se trate de, exclusivamente, uma violação do dever de não concorrência.

XXII. Face ao exposto, o prazo de prescrição será de 20 anos, como decorre do preceituado no artigo 309.º do CC.

XXIII. E assim sendo, a presente acção terá que se considerar como tempestiva.

XXIV. Ainda assim, ad cautelam, se se considerar, embora erradamente, que estamos no âmbito de uma mera violação do dever de não concorrência, e como tal se concluir pela aplicação do no nº6 do artigo 254.º CSC, sempre se refira que, o prazo de prescrição inicia-se com o termo da conduta infractora e integradora da causa de pedir, conforme dispõe o art. 174.º, alínea b) do Código de Processo Civil.

XXV. Ora, podemos classificar a obrigação de não concorrência como sendo de realização continuada e prolongada no tempo.

XXVI. Assim, o prazo prescricional apenas iniciou a partir do último acto praticado pelos réus, nomeadamente, a partir da sua presença nas feiras de Março que terminaram a 25 de Abril de 2017.

XXVII. Em concreto, a Autora intentou a correspondente petição inicial, para efectivar o seu direito, a 5 de Julho de 2017, mas dispunha de tempo para o fazer até 25 de Julho de 2017.

XXVIII. Pelo que, uma vez mais, a presente acção ter-se-á por tempestivamente apresentada.

XXIX. Ademais, note-se que a Autora sempre dispunha do prazo de 5 anos, desde a constituição da respectiva sociedade, para efectivar o seu direito.

XXX. É o que se prevê nº 6, in fine, do artigo 254.º do CSC: “(…) ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa actividade.”

XXXI. A lei prevê dois prazos: um de 90 dias após o conhecimento do exercício da actividade concorrente e outro de 5 anos a contar do início dessa actividade.

XXXII. Sendo a sociedade criada em 2013, a Autora dispunha de prazo até 2018 para lançar mão, tempestivamente, do seu direito.

XXXIII. Mesmo que assim não fosse, o que não se concede, sempre se deverá considerar que o prazo de 90 dias a que o Tribunal a quo se refere, tinha sido interrompido.

XXXIV. Ora vejamos: a Mma. Juiz, em sentença, concluiu que “mesmo que se pudesse atender ao último facto alegado pela Autora, sempre o mesmo teria que se situar em 28 de Março de 2017 e ainda assim aquele prazo já teria decorrido.”

XXXV. Contudo, vejamos o requerimento apresentado pela Autora, em sede do processo nº 3645/15.0T8STS, no dia 18 de Abril de 2017.

XXXVI. Foi nesse mesmo requerimento que a Recorrente, atendendo aos factos e acções depreciativas levadas a cabo pelos gerentes da sociedade Ré, requereu, ao abrigo do estipulado nos artigos 1050.º e 1055.º do Código de Processo Civil, que fosse decretada a suspensão da actual gerência, e como tal deveria ficar a gestão da sociedade Ré a cargo de um perito nomeado pelo Tribunal.

XXXVII. Ora, o fundamento da prescrição situa-se na negligência de um credor/interessado em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado.

XXXVIII. Mas, ainda assim, a prescrição pode ser interrompida.

XXXIX. Segundo o artigo 323.º do Código Civil, a interrupção é determinada por actos que podem resultar de uma iniciativa do titular do direito, a qual terá lugar sempre que se dê conhecimento ao beneficiário da prescrição, através de citação, notificação, ou outro meio judicial demonstrativo da intenção de exercitar o direito.

XL. Nesta linha de raciocínio, no presente caso tinha de se ter considerado que a prescrição tinha sido interrompida pelo requerimento apresentado pela Autora, a 18 de Abril de 2017, no processo nº 3645/15.0T8STS, requerimento ao qual o Tribunal a quo, inclusive, faz referências mas sem daí retirar qualquer efeito.

XLI. Veja-se a posição adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 12-09-201817: “para que se interrompa a prescrição não é necessário que a citação ou notificação tenha lugar no processo em que se procura exercer o direito, podendo verificar-se num procedimento cautelar, no qual o titular do direito, objeto da citação ou notificação, exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito”.

XLII. Na verdade, aquele requerimento onde a Autora requereu a suspensão dos gerentes, ao abrigo do artigo 1050.º e 1055.º do CC, tinha natureza cautelar, e, portanto, interrompeu a prescrição.

XLIII. A Recorrente demonstrou claramente a sua intenção em exercer o seu direito, não se tratando aqui de qualquer actuação negligente.

XLIV. Tentou a Recorrente, em vários processos, nomeadamente no processo nº 3645/15.0T8STS, e nº 229/16.0T8PVZ, trazer à colação por diversas formas as actuações dolosas destes dois gerentes. Também estes claramente demonstrativos da vontade da Apelante em exercer o seu direito, e como tal interruptivos da prescrição.

XLV. Face ao exposto, tudo nos leva crer que houve erro de julgamento pelo Tribunal a quo, uma vez que no caso sub judce a excepção de prescrição não estava verificada.

XLVI. Sendo, de facto, a Autora a parte mais fraca, não podem prevalecer nem ficar impune as actuações e modus operandi destes gerentes, que têm como objectivo tornar a C… uma sociedade fantasma.

XLVII. Termos em que, deverá o presente recurso proceder e consequentemente o Tribunal ad quem revogar a sentença proferida pelo Tribunal a quo no sentido supra exposto.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que VOSSAS EXCELÊNCIAS doutamente suprirão, deverá o Recurso ser julgado procedente, por provado, e revogada a Sentença recorrida, com o que V. Exas. farão a sã e costumeira
JUSTIÇA!

Contra-alegaram os RR., pugnando pela manutenção do decidido.

2. Fundamentos de facto
Para além dos factos enunciados no relatório, foram ainda fixados os seguintes factos pela 1.ª instância:

1. Corre termos no J2 desta Instância Central do Comércio, acção de inquérito judicial com o n.º 3645/15.0T8STS, no âmbito da qual, a ali também A., B…, em resposta à contestação apresentada pela ali (também) R.- a sociedade C… -, que deu entrada em juízo a 06.01.2016, nos seus artigos 53.º e 57.º de tal peça processual, alude concretamente à circunstância de um dos sócios e gerentes da R. deter em seu nome individual uma empresa que se dedica não só à venda de colchões, como também ao seu fabrico, a saber, a sociedade F…, Unipessoal, Lda., com o NUIPC ………, sediada na Trofa;

2. No âmbito da acção identificada na alínea anterior, por requerimento dado entrada pela autora B… em 16.05.2016, esta alega que «um dos clientes da sociedade ré é a sociedade F…, Unipessoal, Lda., sendo o seu sócio único o Sr. D…, que tem como objecto social o fabrico, comércio, importação e exportação de artigos ortopédicos, nomeadamente colchões e poltronas» e que «o pretenso papel de apoio desempenhado pela empresa F… mais não é do que uma falsidade (…) pese embora a empresa publicitar no seu site (wwwF2….pt) que comercializa produtos de fabrico próprio, a verdade é que, de acordo com o relatório ora junto não foi possível apurar a localização das instalações fabris desta entidade», e que «resulta da informação apurada que 90% das vendas da Sociedade Ré no ano de 2014 concentraram-se em 15 clientes, entre eles a empresa F… (…) tendo a sociedade ré, em 2014, vendido àquela produtos no valor de € 13.963,82. Curioso como uma empresa que segundo a ré é uma mera muleta para o seu crescimento lhe adquira produtos no valor de mais de treze mil euros.», e ainda que «(…)veja-se os roll ups que se encontram nas instalações da ré e que aqui se reproduzem: (fotos)(…) Com efeito, não só as instalações da ré são abusivamente utilizadas para a produção de produtos de uma sua concorrente directa, como também, assiste-se à utilização da marca C1… associada ao nome F… por forma a engrandecer esta última. (…) Na verdade, a empresa aqui em apreço é uma concorrente directa da Sociedade Ré, comercializando produtos idênticos que produz nas instalações da Sociedade ré, visando unicamente o engrandecimento patrimonial do sócio gerente E… a expensas da sociedade ré, e claro está, dos seus sócios. Sendo ainda pouco crível que tal conduta desleal e abusiva seja carreada à revelia do seu irmão E…», tudo conforme teor do documento junto a fls. 372 a 379 dos autos, que aqui se dá por reproduzido;

3) Ainda no âmbito da acção aludida em 2) - inquérito judicial à sociedade - por articulado ali junto pela autora B… em 09.09.2016, esta expõe que “(…) não obstante a tese que a sociedade ré e os réus, seus gerentes, pretendem perpassar, a realidade, porém, é que existe uma promiscuidade comercial entre a Sociedade ré e a empresa F… que poderá culminar num esvaziar da sociedade ré em detrimento daquela (…) com efeito, estamos perante uma empresa concorrente da sociedade ré que opera no mesmo mercado vendendo o mesmo tipo de produto, não ocupando, como larga e falsamente propalado pela Sociedade Ré uma mera posição de assistência (…) somente por ingenuidade se poderia crer que o plano dos réus não passará por, em maior ou menor medida, transladar os activos da sociedade ré para a empresa F….”, tudo como flui do teor do documento de fls. 380 a 393, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, para os devidos efeitos;

4) Corre termos sob o n.º 229/16.0T8PVZ, no Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim (J5), acção instaurada pela autora B… contra a aqui R. C…, pedindo que se declare a condenação da R. ao pagamento de € 94.000,00 a título de indemnização por inexistência de justa causa para a deliberada destituição da ali A., referente à perda de proventos da gerência e danos não patrimoniais, que ali deu entrada aos 17.02.2016, constando da referida peça processual (petição inicial), mais precisamente dos seus artigos 138.º e ss., concreta alusão à circunstância de a ali A. não ser a única dos sócios a ter ligações com outra pessoa colectiva de objecto social idêntico, mais ali se referindo que tal sociedade (F…) tem como objecto social o fabrico, comércio, importação e exportação de artigos ortopédicos, nomeadamente colchões e poltronas, que a sede de tal sociedade corresponde à morada de habitação do sócio e gerente D…; que a produção da F… é carreada pelo sócio e gerente D… nas instalações da R. C…, conforme comprovou pelas ordens de produção que a autora logrou recolher nas instalações da ré (ordens de produção quirografadas redigidas pelo sócio e gerente D… que ali fez juntar), facto que referiu ser notório, atenta a quantidade de materiais da empresa F… - tais como tecidos, etiquetas, cartões de contacto, até mesmo colchões - na sede da R. C…, tudo como flui do teor de fls. 222 a 272, que aqui se dá por reproduzido;

5) No âmbito do processo aludido na alínea anterior, através de requerimento ali dado entrada pela A. B… no dia 18.04.2016, esta declarou que a ré vem justificar a criação da empresa F… como um mecanismo de fuga aos credores, segundo transpira da explanação produzida (…), a verdade é que (…) esta nova empresa iria paulatinamente esvaziando a sociedade ré de património e de clientes por forma a promover a dissolução desta última, extinguindo quaisquer obrigações que sobre ela impendessem, tudo como flui do teor do documento de fls. 353 a 371 dos autos, que aqui se dá por reproduzido;

6) Corre termos processo judicial com o n.º 121/16.8YHLSB, no 1.º Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual, acção instaurada pela autora B…, em 04.04.2016, contra a também aqui R. C…n, pedindo que a R. seja condenada a não usar, imitar ou usurpar, seja de que forma for, a marca nacional n.º …… C1… ou qualquer expressão similar confundível com aquela, e a não praticar quaisquer actos de concorrência desleal, nomeadamente a prática de qualquer acto que permita associar a marca C1… à sua pessoa e às actividades que promove e desenvolve, e, ainda, ser anulada a firma da ré e a parte do seu contrato social que a insere, sendo que nesta demanda, mais precisamente nos artigos 34.º e ss. da petição inicial, a A. B… refere que o sócio e gerente D… é o sócio único de uma pessoa colectiva unipessoal denominada F…, Unipessoal, Lda., com sede que coincide com a morada daquele sócio gerente, com objecto social que se identifica com o fabrico, comércio, importação e exportação de artigos ortopédicos, nomeadamente colchões e poltronas, (…) que esta produção é carreada pelo sócio e gerente D… nas instalações da ré (…) e que o sócio e gerente D… compra matérias-primas através da sua Sociedade Unipessoal, vendendo-as de seguida à ré C…, tudo conforme teor de fls. 274 a 285 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, para os devidos efeitos;

7) No âmbito do processo referido em c), a A. B…, por requerimento ali dado entrada em 18.04.2017, dá conta de se ter deslocado à sede da Sociedade R. no dia 28.03.2017, para consulta de documentos de preparação da assembleia geral e que foi surpreendida com a presença de algumas lonas e banners onde figurava a marca e firma C… associada à firma/marca F… (…) tornando-se por demais evidente que os sócios gerentes D… e E…, num esforço concertado, estão a engradecer a sociedade F… a expensas da C…. Se dúvidas restarem estas rapidamente se dissipam quando se analisa a conta 22 da sociedade ré (…), ali requerendo que ao abrigo do disposto no art.º 1050.º e 1055.º do CPC, fosse suspensa a actual gerência, pretensão que ali foi indeferida, tudo conforme teor de fls. 394 a 405, e cópia certificada de fls. 159 a 161, que aqui se dá por reproduzido;

8) A presente acção deu entrada em juízo em 05.07.2017;

9) A sociedade F… foi constituída em 24.10.2013, tendo como único sócio e gerente D…, sendo que este facto é do conhecimento do sócio E… desde então.

10) Por deliberação dos sócios, em assembleia geral de 11.09.2015, a A. foi destituída de gerente da sociedade R. - funções que desempenhava desde Abril de 2010 -, por invocada justa causa;

11) A sociedade R., tem actualmente, como sócios a autora B… e os réus D… e E…, sendo estes últimos seus gerentes (desde 2009).
3. Do mérito do recurso

O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas, (artigos 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se em saber se o direito à destituição dos gerentes da sociedade C… se encontra prescrito.
Em caso afirmativo, se se deve conhecer da questão da interrupção da prescrição.

3.1. Da prescrição
Escreveu-se na sentença recorrida:
Assente o competente acervo fáctico, atentemos no direito.

Os gerentes das sociedades por quotas, estão, como se sabe, vinculados à observância de deveres legalmente consagrados no próprio Código das Sociedades Comerciais, podendo enunciar-se como obrigações típicas as enunciadas no art.º 64.º do CSC.
No caso dos autos, adquire especial relevo o “dever de lealdade”, pois que, não temos dúvidas de que, a atermo-nos ao pedido deduzido nos autos - o de serem destituídos por justa causa os gerentes D… e E… - é na específica violação desse dever por banda dos mencionados gerentes, que a autora entronca e justifica o pedido em causa.
Com efeito, a materialidade nuclear alegada pela autora centra-se na existência de uma outra sociedade concorrente com a aqui ré – F…, Unipessoal -, constituída em 2013, e que tem como único sócio e gerente um dos gerentes da ré (D…), que, de acordo do por si alegado, exerce actividade concorrencial, utiliza as instalações da sociedade ré para seu benefício, utiliza a estrutura produtiva da requerida para produzir artigos que comercializa, e que, de acordo com plano gizado pelos requeridos, seus gerentes, vem também beneficiando da associação da sua marca à marca da sociedade ré, o que dita e ditará um engrandecimento daquela em detrimento da ré C….
Ora, o dever geral de lealdade prescreve que os gerentes e administradores, no exercício das suas funções, devam considerar e intentar em exclusivo o interesse da sociedade, com a correspectiva obrigação de omitirem comportamentos que visem a realização de outros interesses, próprios ou alheios.
Ao gerente, como órgão de administração das sociedades por quotas (art.º 252.º do CSC), compete praticar os actos que forem necessários ou convenientes para a realização do objecto social (art.º 259.º do CSC), não devendo, aquele, se servir das suas próprias funções para fins pessoais e alheios (até prejudiciais) ao escopo da sociedade que representa.
Pais de Vasconcelos in “A participação social nas Sociedades Comerciais”, pág. 266, refere que «o sócio a quem é confiado exercício de funções de gestão está em vantagem sobre os demais (…) é-lhe mais exigível que, no seu agir, melhor respeite o interesse social e é-lhe mais reprovável que o desconsidere.»
Conduta desleal será aquela que promove ou potencia, de forma directa ou indirecta, situações de benefício ou proveito próprio dos gerentes - ou de terceiros por si influenciados, ou de familiares - em prejuízo ou sem consideração pelo conjunto dos interesses diversos atinentes à sociedade, neles englobando-se, desde logo, os interesses comuns de sócios enquanto tais, e também os de trabalhadores e demais stakeholders relacionados com a sociedade -v., neste sentido, Ricardo Costa in “CSC em Comentário”, Vol. I, em anotação ao art.º 64.º do CSC, pág. 742 e 743.

Algumas das manifestações do dever de lealdade encontram correspondência na lei e traduzem deveres específicos vinculados: não realizar certos negócios com a sociedade (art.º 397.º e 428.º CSC), não exercer actividade concorrente com a da sociedade, desde que não haja autorização por parte desta (art.º 254.º e 398.º do CSC), não votar nas deliberações do órgão de administração sobre assuntos em que tenha, por conta própria ou de terceiro, interesse em conflito com o da sociedade (at.º 410.º, n.º6, do CSC), etc.
Não subsiste, assim, qualquer dúvida no sentido de tal dever de lealdade surgir associado à obrigação de não concorrência - uma das suas manifestações mais evidentes e recorrentes -, e que consubstancia, inequivocamente, uma obrigação por parte do gerente em não aproveitar, em benefício próprio, eventuais oportunidades de negócio, e não actuar em conflitos de interesses.
Podemos também decompor aquele dever na referida obrigação de não concorrência, a qual, por seu turno, também reflecte a obrigação de não apropriação de informações internas ou negócios com a sociedade, estando esta obrigação de não concorrência nas sociedades por quotas expressamente prevista e proibida no art.º254.º do CSC, assim rezando o mesmo, no que aqui importa:
“1. Os gerentes não podem, sem consentimento os sócios, exercer, por conta própria ou alheia, actividade concorrente com a da sociedade.
2. Entende-se como concorrente com a da sociedade qualquer actividade abrangente no objecto desta, desde que esteja a ser exercida por ela ou o seu exercício tenha sido deliberado pelos sócios.
(…)
4. O consentimento presume-se no caso de o exercício da actividade ser anterior à nomeação do gerente e conhecido dos sócios que disponham da maioria do capital e, bem assim quando, existindo tal conhecimento da actividade do gerente, este continuar a exercer as suas funções decorridos mais de 90 dias depois de ter sido deliberada nova actividade da sociedade com a qual concorre a que vinha sendo exercida por ele.
5. A infracção do disposto no n.º 1, além de constituir justa causa de destituição, obriga o gerente a indemnizar a sociedade pelos prejuízos que esta sofra.
6. Os direitos da sociedade mencionado no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias, a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa actividade.”
Ora, enquanto o direito à exclusão de sócio pertence à sociedade e não aos sócios, o mesmo não se pode afirmar no caso da destituição de gerente, com justa causa, uma vez que, neste contexto, qualquer sócio a pode requerer intentando acção contra a sociedade, nos termos conjugados nos artigos 254.º, n.º 1 e 5, e 257.º, n.º 1, ambos do CSC.

Efectivamente, podendo o sócio ou sócios, por si, intentarem acção de destituição de gerente, entendeu-se que sempre se teria de encontrar um prazo de tempo razoável para o exercício do direito respectivo, a fim de tornar clara, transparente e eficaz a gerência da sociedade, e, por outro lado, obter-se alguma estabilidade nesse domínio, por forma a evitar que este tipo de acções sejam instauradas a bel talante deste ou daquele sócio com estratégias de timing na interposição deste tipo de demanda, atendendo à gravidade de condutas que têm que existir para que se possa justificar a destituição em causa.
Assim, à luz destes considerandos, e atenta a factologia tida por assente, temos que a sociedade ré tem três sócios, sendo que um deles é o próprio D… que é igualmente sócio e gerente da outra sociedade que pretensamente estará a desenvolver concorrência desleal - e que, como tal, desde a data em constitui a dita sociedade está inteirado de todo esse circunstancialismo -, o outro deles é E…, que assumiu (na contestação deduzida) ser também do seu conhecimento tal circunstancialismo desde 2013, restando a sócia B…, aqui autora, a qual, em face da leitura conjugada de toda a factualidade acima exarada, estará inteirada de todo o circunstancialismo relevante que poderia desencadear uma acção desta índole há pelo menos mais de um ano, desde a data de interposição da presente demanda (v. factos acima elencados sob as alíneas c), d) e) e f).-
Mesmo que se pudesse atender ao último facto alegado pela autora - e que é nada mais nada menos que uma nova manifestação do concreto circunstancialismo já por si conhecido anteriormente - sempre o mesmo se teria que situar em 28.03.2017 (v. facto i), e, ainda assim aquele prazo prescricional já teria decorrido.
Deste modo, entendemos que, de facto, se encontra verificada a excepção de prescrição invocada pelos requeridos, a qual conduzirá, inevitavelmente, à absolvição do pedido em causa.
Aliás, diga-se que, a este respeito, a autora não alegou, sequer, qualquer circunstância que pudesse levar à conclusão que o não exercício, da sua parte, do direito de requerer a justa causa de destituição dentro do prazo legalmente previsto para o efeito se tivesse ficado a dever a qualquer conduta dos requeridos/do requerido D… passível de lhe gerar uma relevante confiança de que, não obstante aquele gerente D… administrar uma outra sociedade com objecto concorrente desta outra de que são todos sócios tal não o faria praticar, pois que o que se depreende de toda a factologia acima cristalizada é que, pelo menos desde 2015 - data em que a autora foi destituída da gerência por deliberação tomada pelos outros dois sócios - a litigância judicial tem sido uma constante, o que afasta por completo a ideia de as partes (conflituantes) se relacionarem sob a égide do “princípio da confiança”.
Deste modo, e porque entendemos que nada obsta à verificação da aludida prescrição, desde logo porque aquele normativo tem plena aplicação em casos como o presente, em que se opõem sócios ou administradores de uma sociedade, há, pois, que a declarar verificada, e consagrar a solução legal que daí deriva.

Apreciando:

Adianta-se que a sentença recorrida não merece censura por ter apreendido correctamente os contornos fácticos e jurídicos da questão suscitada pela apelante.

A apelante ataca o problema do prazo de prescrição em três vertentes:

─ o prazo prescricional aplicável é o prazo geral de vinte anos previsto no artigo 309.º CC, por a causa de pedir invocada na petição inicial se enquadrar na violação do dever de lealdade lato sensu, estando o prazo especial de seis meses previsto no artigo 254.º, n.º 6, CSC reservado para a violação do dever de não concorrência;

Subsidiariamente,

─ a natureza continuada do dever de não concorrência: o decurso do prazo apenas se inicia com a cessação da conduta violadora;

─ aplicação do prazo de cinco anos nos termos da parte final do artigo 254.º, n.º 6, CSC.

Analisando o primeiro argumento, não se questiona que o dever de lealdade lato sensu seja mais amplo do que o dever de não concorrência, embora seja igualmente verdade que o dever de não concorrência é a manifestação mais expressiva do dever de lealdade, acompanhando-se o discurso da sentença recorrida nesta matéria.

Para maiores desenvolvimentos que transcendem o âmbito deste recurso veja-se o acórdão do STJ, de 2014.09.30, Fonseca Ramos, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 1195/08.0TYLSB.L1.S1.

Ora, compulsada a petição inicial verifica-se que, contrariamente ao afirmado pela apelante, a causa de pedir desenrola-se à volta do dever de não concorrência.

Atente-se nos seguintes artigos da petição inicial que ilustram esta asserção:

42º
Face ao exposto, torna-se assim evidente que o Sócio e Gerente D… em comunhão de esforços com o Sócio e Gerente e seu irmão, o Sr. E…, estão paulatinamente e com principal incidência no ano de 2016 e 2017 a promover e engrandecer a Sociedade F…, lda, às custas da C… que já se encontra estabelecida no mercado em apreço.
(…)
48º
Em bom rigor, as condutas empreendidas pela actual gerência mais não culminarão que no esvaziamento da Sociedade Ré a favor da empresa F…, situação tanto ou mais premente face aos processos judiciais em curso como se abordará infra.

49º
Em suma, a empresa aqui em apreço é uma concorrente directa da Sociedade Ré, comercializando produtos idênticos que produz nas instalações da Sociedade Ré com os materiais da Sociedade Ré, pela mão dos funcionários da Sociedade Ré e promovidos pela associação parasitária à marca da Sociedade Ré, visando unicamente o engrandecimento patrimonial dos Sócios e Gerentes D… e E… a expensas da sociedade Ré e, claro está, da única sócia que se encontra excluída deste novo empreendimento que é o fomento e publicitação da F…, Lda.

50º
Tornando-se assim incomportável que a Gerência continue a ser carreada pelos primos da Autora.

51º
Razão pela qual se impõe que os mesmos sejam, num primeiro momento, suspensos, e, a final, destituídos da actual gerência.
(…)
58º
torna-se por demais evidente que desde 2016, em data que não foi possível à Autora apurar mas que se inserirá em meados desse ano e com continuação no presente ano de 2017, os Réus empreenderam numa missão de engrandecimento da marca F1… da sua associação à, pré-existente e reconhecida, marca C1….

59º
Com efeito empreenderam num plano de publicidade agressiva e enaltecedora, somente, da marca e produtos F…, como claramente se compreende das imagens supra onde a marca C1… é relegada para um lugar marginal de mola propulsora da marca F1….

60º
Assim, e paulatinamente, a marca F1… vai ganhando destaque no mercado nacional da colchoaria ortopédica, para que, posteriormente todo o património, clientela e raio de acção que é actualmente detido pela Sociedade Ré se transfira para a Sociedade do Sócio e Gerente D… de forma natural e à vista de todo o público alvo e fornecedores da Sociedade Ré.

61º
Assim e quando a poeira assentar e os processos judiciais findarem nada mais restará da Sociedade Ré que uma carcaça vazia.

62º
Porque em bom rigor, com o engrandecimento da marca F1… e consequente crescimento da Sociedade homónima, os Sócios e Gerentes D… e E… deixarão de ter qualquer incentivo para curar da Sociedade Ré, sendo a Autora a única lesada nesta conjuntura, conquanto com relativa facilidade o Sócio e Gerente E… tornar-se-á Sócio da Sociedade F…, lda e a Autora ficará Sócia única de uma empresa que pouco ou nada valerá.

Também no segmento dedicado ao direito, a argumentação da apelante centra-se na questão da concorrência desleal, como denotam os artigos seguintes:

68º
Estipula a alínea b) do n.º 1 do artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) que:

1 - Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar: b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.

69º
Com efeito, este dever de lealdade pode ser definível como o dever da Gerência ter como objectivo principal os interesses da sociedade e a sua satisfação, abstendo-se por outro lado de promover o seu próprio benefício ou interesses alheios.

70º
A par desta referência de feição generalista, encontramos no n.º 1 do artigo 254.º segundo o qual é expressamente proibido os gerentes exercerem actividades concorrentes com a da Sociedade, salvo existindo consentimento por parte dos Sócios.

71º
Na verdade e como será certamente sindicado pelos Réus, a Sociedade F…, Lda, existe desde 2013.

72º
Acontece, porém, que, a Autora nunca foi abordada quanto à pertinência da sua criação como aliás se denota pela justificação avançada pelos Réus no processo n.º 229/16.0T8PVZ.

73º
Em bom rigor, a primeira vez que a Autora teve qualquer esclarecimento quanto à razão da constituição da F…, Unipessoal Lda, foi no correr do processo n.º 229/16.0T8PVZ.

74º
Sindicando na altura a Autora a falsidade da tese ajuizada pelos Réus de que a Sociedade F…, Lda teria um papel meramente de suporte.

75º
Reportando-nos agora aos presentes autos, nunca a Autora consentiu em que a Sociedade F…, Lda, se tornasse uma das principais fornecedoras da Sociedade Ré, nem tão-pouco que as instalações da Sociedade Ré fossem utilizadas para o fabrico dos produtos da empresa do Sr. D…, nem a marca C1… usada para publicitar a marca F1….

76º
É que em bom rigor a Sociedade Ré anda a publicitar os produtos de um dos seus maiores fornecedores!

77º
Realidades que a Autora desconhecia até ao dia 28 de Março de 2017, dia em que se deslocou às novas instalações da Sociedade Ré.

SOPESA AINDA QUE,

78º
estipula o n.º4 do artigo 254.º que :
O consentimento presume-se no caso de o exercício da actividade ser anterior à nomeação do gerente e conhecido de sócios que disponham da maioria do capital, e bem assim quando, existindo tal conhecimento da actividade do gerente, este continuar a exercer as suas funções decorridos mais de 90 dias depois de ter sido deliberada nova actividade da sociedade com a qual concorre a que vinha sendo exercida por ele.”

79º
No caso dos autos o consentimento quanto ao facto de a Sociedade F…, Lda, se tornar uma das principais fornecedoras da Sociedade Ré, bem assim que as instalações da Sociedade Ré fossem utilizadas para o fabrico dos produtos da empresa do Sr. D…, e ainda que a marca C1… fosse usada para publicitar a marca F1… nunca se poderá ter por presumido.

80º
Em bom rigor, são os sócios detentores da maioria do capital que se encontram a potenciar e colher frutos das condutas concorrenciais aqui relatadas em claro prejuízo da Autora que não só não verá qualquer distribuição de lucros como dentro em breve, com elevada probabilidade, será Sócia única da Sociedade Ré.

81º
Assim e agindo e comunhão de esforços, os Sócios e Gerentes E… e D… violaram os seus deveres de lealdade, em especial, de não concorrência para com a Sociedade Ré, tornando-se por demais evidente que existe justa causa para a destituição da actual gerência conquanto as condutas relatadas impedem, em absoluto a manutenção da relação de confiança entre a Sócia e actual Gerência que se move a actua nos seus estritos e egoísticos interesses.

82º
No sentido do aqui propalado veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-09-2014, que teve oportunidade de se debruçar sobre um caso idêntico ao dos autos:
II. O dever de lealdade é indissociável do princípio de confiança, quer seja perante a sociedade, quer perante os sócios, quer perante terceiros. O acautelar do interesse social não se confina apenas ao interesse societário tout court, ou seja, a uma actividade que vise lucros. A eticização do direito e da vida societária impõem uma actuação honesta, criteriosa e transparente compaginável com a tutela de terceiros que possam ser prejudicados pela actuação do ente societário através da actuação de quem delineia a sua estratégia e é responsável pela actuação da sociedade, o que convoca os princípios da actuação de boa fé, da confiança e a da proibição do abuso do direito.
III. A actuação concorrencial exercida pelo gerente e que afecta a sociedade protegida pode ser exercida por uma sociedade em que o gerente seja único sócio de uma outra sociedade. No caso em apreço, a actividade concorrente é exercida por uma sociedade unipessoal por quotas detida pelo Réu: poder-se-ia pensar que dada a autonomia jurídica dessa sociedade, não seria o Réu quem exercia actividade concorrente.
IV. O art. 254º, nºs, 1 e 5 do Código das Sociedades Comerciais, alude ao conceito de “justa causa”. Trata-se de um conceito indeterminado, dotado de plasticidade adaptável casuisticamente para aferir se uma actuação se compagina com os direitos e deveres do exercente, postulados pelos princípios jurídicos nela implicados.
No caso, esses deveres são os de deveres de cuidado, de diligência e de lealdade, este na vertente da proibição de concorrência próprios da gestão societária, não sendo de desconsiderar a aplicação de princípios como o da confiança e da boa-fé, também nesta sede convocáveis.

83º
Em suma, pelos factos apontados e documentos juntos torna-se claro que a manutenção da actual gerência é, manifestamente, violadora dos deveres que recaem sobre a gerência e plasmados nos artigos 64.º e 254.º do CSC.

84º
E não falamos aqui, apenas, da diminuição de determinadas cifras.
85º
Referimo-nos a um dano que poderá culminar do encerramento da Sociedade Ré.

86º
A permanência dos Réus à frente da Gerência em concreto, e da Sociedade Ré em Geral, inelutavelmente levará à desvalorização da sociedade por intermédio do seu esvaziamento, como aliás os números já o pressagiam.

87º
É patente que se impõe a cessação da situação descrita, com a suspensão imediata da gerência.

88º
Suspensão que é adequada a obstar ao agravamento dos danos que a manutenção dela causa directamente à Sociedade e indirectamente à Autora.

Ainda que se pudesse defender que a alegação extravasa a problemática da violação de dever de não concorrência, não faria qualquer sentido a aplicação do prazo de 20 anos.

Para além da dificuldade de se destrinçar, numa actuação uniforme, quais os actos a que se aplicaria o prazo de seis meses e aqueles que estariam sujeitos ao prazo de 20 anos, numa divisão absolutamente artificial, seria absurda a consagração de dois prazos tão díspares para a violação de um mesmo dever ─ o dever de lealdade lato sensu x dever de não concorrência.

Por outro lado, o prazo de 20 anos é um prazo especialmente longo, de todo incompatível com a necessidade de clarificação das situações societárias, a que estão associados prazo particularmente curtos, dados os inconvenientes do prolongamento das situações de indefinição, particularmente gravosas no mundo das empresas.

Como se entendeu no acórdão da Relação de Lisboa, de 2018.11.29, Carlos Marinho, www.dgsi.ptjtrl, proc. n.º 11435/16.T8SNT.L1.S1,

Não tem qualquer sentido, sequer lógico e menos de política legislativa (por serem as mesmas as razões regulatórias) que o legislador tenha pretendido criar um prazo de exercício do direito de pedir a destituição de gerentes apenas aplicável às situações de concorrência ilícita do gerente.
Acresce que, atentos os interesses económicos e sociais de tutela imediata e constante através da acção dos gerentes das sociedade, temos que concluir serem de muito curto prazo as exigências de reacção, definição e clarificação dos quadros subjectivos relevantes, particularmente para a gestão corrente da sociedade. Daqui resulta fazer sentido a fixação de um prazo curto como o legalmente definido, aplicável a todas as situações de destituição de gerente.
À míngua de norma expressa relativa aos demais contextos caracterizados pela existência de justa causa de destituição de gerentes – vd. art. 257.º do Código das Sociedades Comerciais – temos que concluir, dada a «identidade das razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei» é devida a aplicação analógica do referido prazo de 90 dias à situação de alegada justa causa invocada nos presentes autos, nos termos do estabelecido no n.º 2 do art. 10.º do Código Civil (…).

Acompanhando o acórdão da Relação de Évora, de 2012.10.18, Ribeiro Cardoso, www.dgsi.pt.jtre, proc. n.º 2992/11.5TBSTB-A.E1,
… se fizermos um périplo pelo Código das Sociedades Comerciais no tocante às sociedades por quotas, constatamos que o prazo de 90 dias é o prazo regra para a definição dos titulares das quotas ou gerência.
Assim:
Art. 225º/2 (transmissão por morte) - Quando, por força de disposições contratuais, a quota não for transmitida para os sucessores do sócio falecido, deve a sociedade amortizá-la, adquiri-la ou fazê-la adquirir por sócio ou terceiro; se nenhuma destas medidas for efectivada nos 90 dias subsequentes ao conhecimento da morte do sócio por algum dos gerentes, a quota considera-se transmitida.
Art. 226º/1 - (Transmissão dependente da vontade dos sucessores) - Quando o contrato atribuir aos sucessores do sócio falecido o direito de exigir a amortização da quota ou por algum modo condicionar a transmissão da quota à vontade dos sucessores e estes não aceitem a transmissão, devem declará-lo por escrito à sociedade, nos 90 dias seguintes ao conhecimento do óbito.
Art. 234º/2 (Forma e prazo de amortização) - A deliberação deve ser tomada no prazo de 90 dias, contados do conhecimento por algum gerente da sociedade do facto que permite a amortização.
Art. 240º/3 (Exoneração de sócio) -
O sócio que queira usar da faculdade atribuída pelo n.º 1 deve, nos 90 dias seguintes ao conhecimento do facto que lhe atribua tal faculdade, declarar por escrito à sociedade a intenção de se exonerar.
Art. 254º/6 (Proibição de concorrência) - Os direitos da sociedade mencionados no número anterior [destituição do gerente e indemnização] prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa actividade.
Entendemos assim e em suma, que o prazo de prescrição para exercício judicial pela sociedade do direito de exclusão de sócio, é de 90 dias a contar do conhecimento do facto ou comportamento fundamentador, por aplicação analógica do disposto nos arts. 241º e 234º.

Concluímos, pois, que o prazo aplicável à destituição de gerente é de 90 dias, mesmo em situações que não se reconduzam à violação do dever de não concorrência.

A segunda situação suscitada pela apelante prende-se com o início da contagem do prazo de 90 dias.

Ensaia a apelante a tese de que o início do prazo de prescrição só ocorre com o termo da conduta infractora e integradora da causa de pedir, conforme dispõe o artigo 174.º, alínea b), CSC (a referência ao CPC deve-se a manifesto lapso).

De acordo com o n.º 1 deste artigo inserido na parte geral do CSC, sob a epígrafe
“Prescrição”,
1 - Os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de cinco anos, contados a partir da verificação dos seguintes factos:
a) (…);
b) O termo da conduta dolosa ou culposa do fundador, do gerente, administrador, membro do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, revisor ou liquidatário ou a sua revelação, se aquela houver sido ocultada, e a produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado, relativamente à obrigação de indemnizar a sociedade;
c) (…);
d) (…);
e) (…).

Recorde-se que o artigo 257.º, n.º 6, CSC, dispõe que Os direitos da sociedade mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa actividade.

O artigo 174.º CSC constitui uma norma de carácter geral que cede perante normas especiais, como a constante do artigo 257.º, n.º 6, CSC.

Nessa conformidade, o que releva é o momento do conhecimento dos factos por todos os sócios, independentemente de tal actividade poder se prolongar no tempo.

Pelo que também esta linha de argumentação soçobra.

Numa última tentativa, socorre-se a apelante do prazo previsto na parte final do artigo 257.º, n.º 6, CSC: “ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa actividade”.

Na óptica da apelante, a lei prevê dois prazos: um de 90 dias após o conhecimento do exercício da actividade concorrente e outro de cinco anos a contar do início dessa actividade.
Ora, o artigo em causa não consente essa análise.
A finalidade do prazo não é alargar o prazo de 90 dias, mas apenas tirar-lhe relevância quando os 90 dias a contar conhecimento se completem para além do prazo de cinco anos.
Por outras palavras, o prazo de 90 dias a contar do conhecimento deve acomodar-se no prazo de cinco anos após o início da actividade ilícita.
Raul Ventura, Sociedade por quotas, Anotação ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, vol. III, pg. 63, explica:
São dois os prazos de prescrição desses direitos. O primeiro é de noventa dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente. Reporta-se agora o conhecimento a todos os sócios e não apenas a uma maioria, porque cada sócio individualmente pode exercer tais direitos (vide, art. 257.º, n.º 4). O segundo prazo – o qual corre independentemente do conhecimento por algum sócio – é de cinco anos, a contar do início pelo gerente da actividade concorrente (o qual pode ser algum dos factos especialmente previstos no art. 254.º, n.º 2).
Improcede, pelo exposto, a pretensão da apelante de afastar a prescrição do direito que pretende exercer.

3.2. Da interrupção da prescrição
Esgrimiu a apelante com a interrupção da prescrição.
No entanto, tal questão não pode ser conhecida, sob pena de se incorrer em excesso de pronúncia, em virtude de não ter sido oportunamente invocada no requerimento de resposta à excepção.
Como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência, os recursos destinam-se a reapreciar as decisões dos tribunais superiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre (Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª edição, pg. 147).
Por outro lado, não se pode perder de vista o modelo recursório vigente no nosso direito: o modelo da apelação restrita.
Como referem Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. III, tomo I, 2.ª edição, pg. pg. 98,
a apelação não visa o reexame, sem limites, da causa julgada em primeira instância, mas tão-somente “a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento” (TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos, cit., pg. 395).
No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 3ª, ed., pg. 103-4:
A natureza do recurso como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em regra, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e do processo contenha todos os elementos imprescindíveis.
Compreendem-se perfeitamente as razões por que o sistema assim foi arquitectado. A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os tribunais superiores apenas devam ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios.
Na jurisprudência, a título meramente exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ, de 2010.09.30, Maria dos Prazeres Beleza, www.dgsi.pt.jstj, proc. 3860/05.5TBPTM.E1.S1. Trata-se, no entanto, de questão nova que não pode ser conhecida.
Apenas escapam a esta limitação as questões do conhecimento oficioso, designadamente as questões de inconstitucionalidade de normas suscitadas nas alegações de recurso, do abuso do direito, da nulidade de actos jurídicos ou da caducidade de conhecimento oficioso (Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, op. cit., pg. 8).
Ora, configurando-se a interrupção da prescrição como uma contra-excepção, não pode deixar de estar sujeita ao mesmo regime que a prescrição ─ depende de invocação daquele a quem aproveita (artigo 303.º CC).
Neste sentido, veja-se os acórdãos do STJ, de 2014.05.13, João Camilo, www.dgsi.pt.jtstj, proc. n.º 360/12.0T2AND.C1.S1, de 2001.01.16, e da Relação de Coimbra, de 2009.10.13, Falcão de Magalhães, www.dgsi.pt.jtrc, proc. n.º 15/08.0TBAGN.C1, e Vaz Serra, Prescrição, BMJ, 105 / 151.
Por todo o exposto, não se conhece da questão da interrupção da prescrição.

4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 4 de Junho de 2019
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
José Igreja Matos