Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
569/13.0TTVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL SÃO PEDRO SOEIRO
Descritores: PROCESSO DISCIPLINAR
PROCESSO CRIME
PREJUDICIALIDADE
VIDEO-VIGILÂNCIA
PRINCÍPIO DA INCOERÊNCIA DISCIPLINAR
Nº do Documento: RP20150209569/13.0TTVNG.P1
Data do Acordão: 02/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O processo disciplinar é independente do processo criminal, cujos contornos e finalidades são diferentes: com aquele visa-se punir o trabalhador por violação de deveres funcionais, e com este visa-se punir o comportamento violador das regras jurídicas protetoras de interesses vitais comunidade. Assim, apesar da participação criminal não se verifica uma dependência ou prejudicialidade que obrigue à suspensão da instância.
II - O trabalhador pode autorizar o uso das imagens captadas por videovigilância para prova dos factos.
III - Há justa causa de despedimento quando o trabalhador desobedecendo às ordens dos seus superiores entrega produtos que sabe serem proibidos.
IV - A violação do princípio de incoerência disciplinar pressupõe que pelos mesmos factos tenham sido aplicadas penas disciplinares diferentes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO Nº569/13.0TTVNG.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto – Secção Social

B… e C…, ambos identificados nos autos, vieram intentar a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra D…, S.A pedindo que se declare a ilicitude e irregularidade do despedimento e, consequentemente, se condene a Ré no pagamento da indemnização por antiguidade à razão de 45 dias e as prestações vencidas e vincendas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença

Apresentaram o formulário de fls 2 e 13, opondo-se ao despedimento e requerendo que se declare a ilicitude e irregularidade dos despedimentos.

Procedeu-se à realização da audiência de partes e a empregadora D…, SA, notificada para apresentar o articulado motivador do despedimento alegou, em síntese:
- os despedimentos foram precedidos de processo disciplinar e pelos factos constantes das respectivas notas de culpa que remeteu aos trabalhadores.
- Os Autores em combinação com o sucateiro, entregaram a este paletes azuis e vermelhas, em contrapartida de uma quantia monetária.
- Os autores sabiam que apenas as paletes brancas podiam ser entregues ao sucateiro, por se tratar de lixo. As paletes azuis e vermelhas, como os autores sabiam, pertencem aos respectivos fornecedores constituem tara que tem de ser devolvida.
- Com o comportamento dos Autores a Ré teve de reembolsar o valor das mesmas ao proprietário, tendo um prejuízo de 442,80 €.
O comportamento dos Autores consubstancia uma violação muito grave dos deveres de respeito, obediência, zelo, diligência, lealdade e de promover a produtividade da empresa, factos que integram a justa causa de despedimento
Termina pedindo que seja reconhecida a regularidade e licitude dos despedimentos, devendo ainda os AA serem condenados solidariamente a ressarcir a Ré dos prejuízos tidos com o furto das paletes, no montante de € 442,80, acrescido de juros à taxa legal.

Contestaram os Autores dizendo, em síntese:
- Não correspondem à verdade os factos alegados pela Ré.
-é prática do D… recorrer a sucateiros para remover o lixo.
- Desde a abertura do D… de …, que o Director da loja deu “carta branca” para quando o cais estivesse cheio ligar ao sucateiro, indicado pelo A. B… e deu ordens para quando faltassem paletes brancas para completar o carregamento, poderiam carregar algumas azuis.
- Nas datas em causa, o A. B… não participou no carregamento e desconhece o que foi carregado.
- O A. C… colocou à disposição do sucateiro várias paletes de cor azul para completar o carregamento, conforme instruções do Director da loja que, durante o carregamento esteve a conversar com o mesmo, tendo o segurança também presenciado o carregamento das paletes.
- O sucateiro não cobrava qualquer quantia e depois de vender a sucata e as paletes gratificava os responsáveis pela limpeza do cais.
- A Ré nunca teve qualquer prejuízo.
Terminam no sentido de serem considerados os despedimentos ilícitos, devendo os AA. ser indemnizados em 45 dias por cada ano de antiguidade, bem como das prestações vencidas e vincendas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão.

A Ré veio apresentar resposta à contestação reafirmando a licitude e regularidade dos despedimentos e, caso assim não se entenda, a indemnização por antiguidade deve ser fixada em 15 dias e às eventuais retribuições ser deduzidas às retribuições intercalares.

Foi proferido despacho saneador, indeferido o pedido de condenação requerido pela Ré e admitida a reconvenção deduzida pelos AA. (cfr. fls197 a 199)

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença a fls.233 a 246 que julgou totalmente improcedente a presente acção que os AA/trabalhadores intentaram contra a Ré/empregadora, absolvendo-se esta do pedido formulado por aqueles e totalmente improcedente a reconvenção, absolvendo-se a Ré dos pedidos contra ela formulados.

Os AA notificados da sentença vieram interpor o presente recurso formulando as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto por violação da lei substantiva e processual bem como erro na apreciação da prova e fixação dos factos materiais da causa.
2. Ora, atendendo à prova produzida em audiência de julgamento, concatenada com os outros meios de prova, não podemos concordar com a matéria dada como provada designadamente os artigos 13, 14, 16, 17, 19, 20, 21, 25, 26, 31, 33, 34 e 35 que devem ser considerados como não provados.
3. Com efeito, no que se refere ao artigo 13 dos Factos Provados, nenhuma das testemunhas da Ré confirmou que na falta ou desaparecimento de paletes azuis ou vermelhas, a Ré era obrigada a pagar as mesmas aos referidos fornecedores, que são os legítimos proprietários.
4. Pois de todos os trabalhadores da Ré inquiridos, nomeadamente E… (Gravação 20131031121115_80550-65305), F… (Gravação 20131031121900_80550-65305), G… (Gravação 20131031122622_80550_65305 e 20131126143838_80550_65305), H… (Gravação 20131126151529_80550_65305), I… (Gravação 20131126152648_80550_65305) e até o ex-trabalhador J… (Gravação 20131126163536_80550_65305), nenhum deles tinha sequer ouvido falar que alguma vez tivessem faltado paletes azuis ou vermelhas, pelo que muito menos que a empresa tivesse que pagar as mesmas aos referidos fornecedores (conforme depoimentos supra transcritos).
5. Aliás a própria Mº juíza a quo reconhece como não provado na al. a) que como consequência da entrega ao sucateiro das referidas paletes a Ré tivesse tido que reembolsar o proprietário das mesmas e al. b) tendo tido um prejuízo de 442,80 Euros, equivalente a 9,00 Euros + IVA (taxa 23%) X 40 paletes, sem juntar qualquer documento idóneo. O qual, aliás na tese da Ré jamais corresponderia à verdade, já que a própria Ré afirma que o C…, após o carregamento, trouxe para o cais de cima um lote de paletes azuis, pelo jamais poderia ter que reembolsar a falta de 40 paletes, mas antes 40- 17= 23 paletes a 9€ + IVA = 11,07X23= 254,61€.
6. Pelo que tal facto deve ser dado como não provado, aliás em consonância com a al. a) dos factos não provados.
7. De igual modo não pode ser considerado provado o artigo 14 que é absolutamente proibida a entrega aos sucateiros de paletes azuis e vermelhas.
8. Pois contrariamente ao alegado pela Ré, as testemunhas dos AA., o ex-rececionista J… (Gravação 20131126163536_80550_65305) e os dois sucateiros K… (Gravação 20131126163536_80550_65305) e L… (Gravação 20131219104340_80550_65305) que carregaram entulho e paletes na Loja de … desde a sua abertura, vieram confirmar que sempre foram carregadas paletes de cor (conforme depoimentos supra transcritos).
9. Acresce que conforme confirmaram todas as testemunhas, os AA. sabiam que no local do carregamento existiam camaras de videovigilância, pelo que não seria lógico que se soubessem que tais carregamentos eram proibidos, os levassem a cabo em pleno dia e sob a vigilância de seguranças, que também diga-se de passagem se sabia que tais carregamentos eram proibidos também não os impediu.
10. De igual modo, também o Diretor de loja, Sr. M…, no dia 08.12.2012, se deslocou ao cais onde foi efectuado o carregamento de paletes, sendo perfeitamente visível que naquele momento se encontravam lá paletes de cor, que supostamente jamais poderiam ai estar, sendo que o mesmo também nada fez.
11. De igual modo, devem ser dados como não provados os artigos 16 e 17 dos Factos Provados.
12. Pois conforme referiu G… (Gravação 20131031122622_80550_55305 e 20131126143838_80550_65305): Não sabia que receber dinheiro era uma norma tão rígida da empresa”. Aliás não foi junto nenhum regulamento interno da empresa nesse sentido, devidamente assinado pelos trabalhadores.
13. E os sucateiros K… (Gravação 20131126163536_80550_65305) e L… (Gravação 20131219104340_80550_65305) confirmaram que só davam uma gratificação de vez em quando, nunca lhes pediram nada.
14. O sucateiro K… confirmou que o B… não sabia que era proibido receber gratificações dizendo expressamente: “Ninguém arrisca por meia dúzia de tostões uma carreira. Dava depois, ninguém me obrigava a dar nada”.
15. Quanto ao facto dado como provado no artigo 19, jamais poderá ser o mesmo dado como provado, já que foi confirmado por todas as testemunhas, incluindo os sucateiros K… e L…, conforme supra transcrito, que os sucateiros eram chamados para remover o entulho e não especificamente paletes azuis e vermelhas.
16. Quando aos factos provados 20 e 21, salvo o devido respeito por melhor opinião, não ficou minimamente provada qualquer combinação ou acordo prévio entre os AA. e o referido sucateiro, nos termos do qual, este pagaria uma quantia monetária pela entrega das ditas paletes.
17. Pois como o sucateiro K… (Gravação 20131126163536_80550_65305) confirmou, nunca lhe foi exigido dinheiro, só dava às vezes e o que queria.
18. O mesmo tendo dito o sucateiro L… (Gravação 20131219104340_80550_65305).
19. Mais acrescentaram que carregavam tudo o que se encontrava numa determinada área e não especifica e exclusivamente paletes azuis e vermelhas, embora as mesmas também fossem carregadas com o resto.
20. Quanto ao facto provado 25 não pode constar do mesmo que “jamais podiam ser entregues ao sucateiro”, nem o facto 26 “como bem sabiam os AA.”, porque resulta dos depoimentos anteriores supra transcritos que a prática corrente era em sentido contrário e que jamais foram proibidos os carregamentos de paletes de cor, nem foi dado pela sua falta, nem a Ré teve que reembolsar os seus proprietários.
21. Mais foi dito aos AA. pelo anterior Director de Loja, Sr. N…, para carregar tudo, conforme confirmou a testemunha J… bem como os sucateiros L… e K….
22. Quanto ao facto provado 31, não pode ser dado como provado que o A. B… deu instruções acerca do carregamento das paletes, porque nenhuma testemunha presenciou tais factos nem das filmagens (cuja validade como meio de prova se contesta) se pode deduzir tal conclusão.
23. Aliás é o próprio sucateiro K… (Gravação 20131126163536_80550_65305), quem afirma: “O B… não teve nenhuma intervenção no carregamento”.
24. Quanto aos factos provados 33 a 35, não podem ser dados como provados já que resultam de um alegado testemunho indirecto invocado pelo Sr. Diretor de Loja, M… (Gravação 20131031110057) do que o segurança lhe terá dito.
25. O que seria um absoluto contra-senso que este em vez de impedir um alegado carregamento ilícito, tivesse dado instruções para o ocultar.
26. Mais estranho ainda é, que o Sr. Diretor de Loja, M…, não tivesse tomado providências relativamente ao referido segurança que seria, na sua tese, cúmplice de um crime de furto, nem tivesse impedido o carregamento de paletes de cor que viu estarem no local destinado à sucata.
27. Sem prescindir, devem ser dados como provados os factos dados como não provados nas alíneas c); d); e); f) e g) dos Factos não Provados conforme resulta do depoimento das testemunhas supra referidas, designadamente do Sr. J… (Gravação 20131126153708_80550_65305), que confirmou que desde a abertura, no tempo do anterior Diretor de Loja, o Sr. N…, este tivesse dito ao Sr. G… que quando o cais estivesse cheio de paletes, ligasse ao sucateiro para vir carregar as mesmas. De igual modo, a aludida testemunha confirmou que tais ordens nunca foram contrariadas pelo actual Diretor de loja, Sr. M….
28. Por outro lado, o Diretor de Loja, M… (Gravação 20131031110057_80550_65305) confirmou a sua presença no dia dos factos. Pelo que teve forçosamente pleno conhecimento do carregamento de paletes de cor já que as mesmas se encontravam num local onde alegadamente não poderiam estar e que se destinava à sucata.
29. Pois, como confirmou o sucateiro K… (Gravação 20131126163536_80550_65305):
“As paletes de cor estavam visíveis para toda a gente, director de loja, câmaras, segurança, receção. Ninguém disse que era proibido carregar essas paletes. (…) O Director de Loja ao estar a olhar para mim via as paletes, as paletes estavam à minha frente.”.
30. Finalmente, é confirmado pela testemunha G… (Gravação 20131031122622_80550_55305 e 20131126143838_80550_65305) que nunca foi dito que era proibido receber qualquer gratificação do sucateiro.
31. Aliás estranha-se que a Mª Juíza a quo em toda a sua fundamentação nunca faça alusão ao depoimento do anterior Diretor de Loja, Sr. N… (Gravação 20131031101838_80550_65305), o qual começou por negar, durante grande parte do seu depoimento, o seu conhecimento de qualquer sucateiro que viria levantar entulho à loja, assim como referiu que “(…) No meu tempo nunca foram carregadas paletes de cor por sucateiros” (tese essa que foi contraditada pelo sucateiro da altura Sr. L…. (…)
Durante o meu tempo, que eu tenha conhecimento, nunca tivemos de pagar. Nunca a O… ou P… se vieram queixar que faltavam patetes de cor e fomos várias vezes auditados. Que eu saiba, nunca tivemos que restituir dinheiro de paletes da O… ou da P….”
32. Do exposto resulta que o depoimento do anterior Diretor de Loja, Sr. N…, não merece credibilidade por ele ter omitido deliberadamente factos que o podem comprometer, nomeadamente o carregamento de paletes de cor, que terá autorizado ou pelo menos de que teria forçosamente conhecimento.
33. Pois, jamais os AA. seriam tão loucos a ponto de pôr em causa os seus postos de trabalho de 10 e 12 anos, para furtar em plena luz do dia e perante as câmaras de vigilância que sabiam existir e sob a supervisão do segurança, paletes de cor que seriam proibidas, para receber uns míseros 40 € cada um. Pois, isso sim seria um absoluto contra-senso e não resulta das regras da experiência do homem comum.
34. Por outro lado, os procedimentos disciplinares dos autores não são válidos em virtude de só terem recebido a nota de culpa no dia 07/02/2013, com suspensão preventiva, ou seja mais 30 dias depois da notificação inicial para a suspensão, em clara violação do artigo 354º do Código do Trabalho.
35. Entendemos, pois e face ao princípio da celeridade do procedimento disciplinar e não havendo, após a suspensão preventiva dos trabalhadores, notas de culpa no prazo de 30 dias, considerar o procedimento disciplinar ilícito e caducado o direito de aplicação da sanção disciplinar do despedimento, sob pena aliás de, assim se não entendendo, se poder cair na arbitrariedade quando existe um prazo legal peremptório.
36. Assim, afigura-se-nos credível o depoimento de ambos os sucateiros e também do J…, já que todos disseram a mesma coisa, sempre foram carregadas paletes de cor, durante vários anos e nunca ninguém impediu ou disse que era proibido.
37. Aliás, é aqui omitido, como se vê nas imagens, que o C… carregou também as paletes brancas do cais superior para o cais inferior, onde se encontravam juntamente com as de cor, o que derruba a tese da Ré de que as paletes de cor tinham um lugar especifico e as brancas outro, pois estava tudo misturado no cais de cima, como se pode ver nas imagens.
38. Nos termos do artigo 351º nº1 do CT., o comportamento dos trabalhadores atrás descrito, não consubstancia justa causa de despedimento, já que não se trata de um comportamento culposo, pois não existe a consciência da ilicitude do mesmo, nem este pela sua gravidade e consequências torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
39. Pois, conforme resulta dos autos, os trabalhadores não tinham consciência de estar a praticar nenhum ato ilícito, pois tal sempre foi permitido. Era prática corrente e reiterada quer na Loja de … quer nas outras Lojas D…, a recolha por sucateiros de paletes de cor, sem que nunca tal tivesse sido proibido. Sem que nunca a empresa tivesse dado falta de paletes de cor ou tivesse que reembolsar os respectivos fornecedores, conforme foi confirmado pelos dois sucateiros envolvidos, L… e K….
40. Sem prescindir, sempre se dirá que tais alegados comportamentos nunca poderão ser considerados como impeditivos da manutenção da relação laboral, já que o trabalhador G…, a quem foram imputados os mesmos factos, a empresa apenas decidiu puni-lo com 20 dias de suspensão e não com o despedimento.
41. Veio agora alegadamente invocar dúvidas acerca do seu envolvimento nos factos em virtude de não se encontrar presente no referido dia, tendo apenas sido punido pelo recebimento de gratificação.
42. Perguntar-se-á porque terá então o Sr. G… recebido gratificação? Não terá sido pela recolha de paletes? Brancas ou de cor? Como poderia o mesmo não saber do sucedido se era ele o responsável pela recolha do entulho conforme foi confirmado por todas as testemunhas? Não será igual a gravidade do comportamento?
43. Aliás é o próprio sucateiro L… quem afirma peremptoriamente que o Sr. G… deveria estar no lugar dos AA., ou ainda mais porque ele era o responsável.
44. Então isso para a empresa não tem qualquer valor?
45. Basta não ter estado presente naquele dia para não haver gravidade para o despedir? Ou então, este comportamento não é assim tão grave no que concerne ao Sr. G… mas já o será em relação aos AA.? Quando é a própria Mª juíza a quo quem entende que o Sr. G… também estava envolvido e mentiu perante o Tribunal.
46. Não pode haver para os mesmos factos, um entendimento diferente da mesma empresa, que considera que para o Sr. G… basta uma suspensão de 20 dias e para os AA. já é necessário um despedimento com justa causa.
47. Todos receberam os mesmos 40 € e o Sr. B… também não participou no carregamento, nem pôs qualquer palete à disposição do sucateiro, da mesma forma que o Sr. G…. Apenas foi cumprimentar o sucateiro e tomou um café com ele e o colega dele.
48. Pelo que, salvo o devido respeito, o despedimento sempre será uma sanção inadequada, devendo ser adoptada uma sanção correctiva mas conservatória da relação laboral, como foi o caso do Sr. G….
49. Tanto mais que não se encontra provada nenhuma lesão dos interesses do empregador, nomeadamente que a Ré tivesse que reembolsar as paletes de cor que foram carregadas pelo sucateiro.
50. Nem faria sentido, pelo entendimento de um “bom pai de família” que os AA. pusessem em perigo a sua relação laboral por causa de paletes azuis ou vermelhas no valor de 40 €, quando não ficou demonstrado que a Ré tivesse ficada lesada em qualquer valor. Tanto mais que as paletes brancas que podiam ser carregadas pelos sucateiros valem o dobro das paletes de cor, como foi confirmado pelos dois sucateiros K… e L….
51. Assim nunca poderá haver quebra absoluta de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, quando os mesmos assumem que não têm conhecimento da proibição do seu comportamento e que o mesmo era prática comum em várias Lojas D… durante vários anos.
52. Pelo que não se pode suscitar dúvidas sobre a idoneidade futura da conduta dos trabalhadores B… e C… como não se suscitou relativamente ao trabalhador G…, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral”.
53. Pois bastaria simplesmente proibir os AA. de chamar o sucateiro para remover o entulho ou mudá-los de posição na empresa, como retirar o Sr. C… da receção.
54. Sem prescindir, sempre deveria a Ré responsabilizar o Sr. G… pelo comportamento dos AA., mesmo que este não estivesse envolvido, já que era ele, conforme foi dito por todas as testemunhas, o responsável pela remoção do entulho.
E ficou sem se saber, como e porquê, que ele terá “delegado” tais competências no Sr. B….
55. Mais se estranha que sendo esta prática corrente nunca a Ré tenha dado pela falta de paletes de cor nem nunca tenha tido de reembolsar os fornecedores O… e P… por tal falta, apesar de segundo as várias testemunhas haver auditorias regulares dos aludidos fornecedores.
56. O que só pode significar que a alegada falta de paletes não tinha qualquer relevância nem para os fornecedores, nem para a Ré, sendo agora aproveitada como justa causa para despedir trabalhadores efectivos e exemplares que trabalham na empresa há 10 e 12 anos sem nunca terem sido alvo de qualquer censura ou processo disciplinar, tendo inclusive o B… as chaves e o código de alarme da Loja.
57. Quanto ao recebimento de gratificação não ficou apurado a que paletes se referia, se só às brancas, se só às de cor, ou se a ambas, sendo também certo que a empresa não foi lesada por tal facto, já que os sucateiros removiam o entulho gratuitamente e se não fosse um teria que ser outro qualquer. Ou então a empresa teria que contratar alguém para vir remover o entulho e pagar-lhe.
58. Assim estavam os trabalhadores a prestar um serviço extra à Ré, que lhes foi pedido pelo anterior Director de Loja, Sr. N…, ao chamar um sucateiro que removia o lixo gratuitamente, não tendo esta que despender dinheiro para o efeito. Não podendo os sucateiros ser considerados terceiros que se relacionam com a loja, já que não tinham qualquer relação comercial com a Ré, não obtendo qualquer vantagem adicional, pois o seu serviço era gratuito.
59. Acresce que não poderiam as AA. ser despedidos, sob pena da verificação de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, com fundamento numa tal política que foi aceite e praticada na Ré ao longo dos anos, em diferentes lojas e por diferentes direcções e com diferentes sucateiros.
60. Aliás, a jurisprudência e a doutrina são unanimes que o conceito de justa causa é um conceito valorativo e sempre casuístico, que faz apelo ao contexto, às circunstâncias do caso concreto e a uma ideia de adequação social, num quadro em que o despedimento constitui uma ultima ratio, para os casos em que, de acordo com a boa fé, não há espaço para o uso de sanções conservatórias do vínculo (cfr. Ac. do STJ de 05.06.2013 in dgsi 192/10.0RRVNF.P1S1).
61. A determinação em concreto da justa causa resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou. Há justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes — intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses do empregador, carácter das relações entre as partes —, se conclua pela premência da desvinculação (cfr. Ac. do STJ de 05.07.2012 in dgsi 3309/10.1TTLSB.L1.S1).
62. Assim, entende o Ac. do STJ de 06.02.2008 in dgsi 07S3906 que:
I - A aferição da não exigibilidade para o empregador da manutenção da relação de trabalho, deve, aquando da colocação do problema em termos contenciosos, ser perspectivada pelo tribunal com recurso a diversos tópicos e com o devido balanceamento entre os interesse na manutenção do trabalho, que decorre até do postulado constitucional ínsito no art. 53.º do Diploma Básico, e da entidade empregadora, o grau de lesão de interesses do empregador (que não deverão ser só de carácter patrimonial) no quadro da gestão da empresa (o que inculca também um apuramento, se possível, da prática disciplinar do empregador, em termos de se aquilatar também da proporcionalidade da medida sancionatória imposta, principalmente num prisma de um tanto quanto possível tratamento sancionatório igualitário), o carácter das relações entre esta e o trabalhador e as circunstâncias concretas – quer depoentes a favor do infractor, quer as depoentes em seu desfavor – que rodearam o comportamento infraccional.
II - O juízo a emitir sobre a falta de confiança da entidade empregadora no trabalhador, justificativo da sanção de despedimento, deve ser ancorado num bónus pater familiae colocado na situação do empregador e não ser atido ao «sentir» concreto da entidade patronal.
63. Aliás, deve dizer-se que a atitude confessória dos AA., revelando a responsabilização pessoal pela prática de um acto que não sabiam ser errado, seguida de outro tipo de atitudes demonstrativas de retratação ou similares, nomeadamente os pedidos de desculpa que foram confirmados pelo Sr. M…, Director de Loja, sempre levariam a que se considerasse não existir culpa ou pelo menos ser mitigada a culpa.
64. O que demonstra inequivocamente que se os trabalhadores tivessem consciência de que tais actos eram proibidos jamais os cometeriam, pelo que fica salvaguardado o receio por parte da entidade patronal da repetição dos mesmos, bastando assim uma sanção conservatória e não o despedimento.
65. Tanto mais que foi esse o entendimento da entidade patronal quanto ao trabalhador G… acusado dos mesmos factos e que o Tribunal a quo entendeu ter igual participação que os AA. nos mesmos.
66. Pelo que se tais factos não são motivo de perda de confiança no trabalhador G…, cuja participação nos mesmos ficou provada, e que sempre era perante a entidade patronal o responsável pela remoção do entulho e por chamar o sucateiro, não podem os mesmos factos ser relevantes para fundamentar o despedimento com justa causa dos AA..
67. No caso dos autos, atento todo o circunstancialismo envolvente, parece-nos manifestamente excessivo despedir estes trabalhadores, que tiveram um percurso nesta empresa durante 10 e 12 anos, sem passado disciplinar, sendo, quanto a nós evidente, que, ainda que não tenham agido no cumprimento dos seus deveres, o fizeram claramente sem consciência da ilicitude de tal comportamento, já que era prática instituída há vários anos em todas as Lojas D… sem que nunca ninguém lhes tenha chamado atenção para a alegada proibição
68. Perante um comportamento com culpa atenuada do trabalhador e sem consequências negativas na relação laboral não é de aplicar a medida expulsória (despedimento), mas uma sanção conservatória da relação laboral, portanto menos
grave que o despedimento (cfr. Ac. STJ de 12.01.2000 in www.dgsi 99S257).
69. Acresce que, estabelece o n.º 1 do art.º 92º do C.P.C. que “se o conhecimento do objecto da acção depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie”.
70. Por seu turno, o art. 272º do mesmo Código dispõe que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”
71. E embora sejam efectivamente distintos os interesses teleologicamente subjacentes à infracção disciplinar e à infracção criminal, não pode em nosso entender ser considerado um despedimento com justa causa baseado na violação de um dever de lealdade resultante de um alegado furto de paletes que não se encontra provado com sentença transitada em julgado, sob pena de os trabalhadores serem despedidos com justa causa por factos dos quais possam nem sequer ser julgados ou absolvidos. Pois tal absolvição sempre poderá fundamentar um recurso extraordinário de revisão de sentença. E foi a entidade patronal quem fundamentou exclusivamente o despedimento dos trabalhadores no alegado furto de paletes.
72. Pois, sempre que um processo disciplinar recaia sobre infracção também punível em sede criminal e que aí esteja a ser investigada, pode aguardar o resultado desta (AC. STJ de 23.03.1984 in dgsi 000620.
73. Assim, não é possível proferir decisão final neste processo sem que esteja definitivamente julgado o processo crime, uma vez que os factos neste discutidos constituem alegadamente crime de furto a julgar no processo crime que se encontra em fase de inquérito - sendo, por isso, a prática de tal crime questão prejudicial relativamente ao conhecimento da existência de justa causa, integrada pelos mesmos factos que constituiriam o alegado ilícito criminal.
74. Sem prescindir, não é permitido o visionamento de imagens captadas por câmaras de videovigilância para efeitos disciplinares laborais, dado que indirectamente controlam o desempenho profissional do trabalhador, que não é permitido pelo n.º1 do artº20 do CT.
75. Neste sentido se tem pronunciado alguma jurisprudência, designadamente nos acórdãos do STJ de 14.05.2008, da Relação de Lisboa de 19.11.2008, da Relação do Porto de 9.05.2011, todos disponíveis em www.dgsi, embora, nestes casos não tenha havia autorização da CNPD para a colocação das câmaras de videovigilância. Mas no acórdão da Relação de Lisboa de 3.05.2006, (relatora, Isabel Tapadinhas), foi entendido que mesmo autorizada a videovigilância “ela não só não pode ser utilizada como forma de controlar o exercício da actividade profissional do trabalhador, como não pode, por maioria de razão, ser utilizado como meio de prova em sede de procedimento disciplinar.
76. Viola assim a douta sentença ora recorrida os artigos 20º, 128º, 351º, 354º do Código do Trabalho, 498º do Código Civil, 92º. 272º, 279º, do Código de Processo Civil.»

Contra alegou a Ré concluindo:
«1. O Tribunal “a quo” decidiu bem pela justa causa de despedimento dos Recorrentes;
2. Os Apelantes recorreram da decisão da matéria de facto do tribunal a quo sem que cumprissem o ónus da impugnação especificada dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
3. Tendo em conta que os apelantes fundamentam o seu pedido em prova testemunhal, além de indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, deve de igual modo indicar os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre estes mesmos pontos da matéria de facto
de forma diversa da recorrida, constantes no processo, de registo ou de gravação nele realizada – tal como dispõem o nº1 do art. 685º-B do Cód. Proc. Civil.
4. Sucede que os apelantes não indicam “com exatidão as passagens da gravação em que se funda,”, incumprindo o nº2 do mesmo art. 685º-B do Cód. Proc. Civil;
5. Os apelantes remetem para a totalidade dos depoimentos das testemunhas;
6. Melhor dizendo, não são individualizadas as passagens da gravação do testemunho no qual se baseia a impugnação, impossibilitando deste modo a Apelada identificar as passagens concretas do depoimento da testemunha em que baseia a prova das suas pretensões;
7. A Recorrente não observou os preceitos em análise, delimitando a sua prova à totalidade dos depoimentos, incumprindo o nº2 do mesmo art. 685º-B do Cód. Proc. Civil, devendo conduzir à rejeição do recurso de matéria de facto;
8. Ainda que se entenda, por mero exercício de raciocínio, que as alegações da recorrente sejam suficientes para o tribunal se pronunciar acerca das pretensões alegadas pela apelante, não se vislumbra que possam estes servir de fundamento suficiente para alterar se proceder à alteração da matéria de facto;
9. No nosso ordenamento jurídico o princípio da livre apreciação da prova, nomeadamente da prova testemunhal, consagrado no art. 396º do CC e 655º nº1 do CPC. Estes normativos concedem autonomia ao Tribunal para apreciar livremente as provas segundo a própria convicção e experiência relativamente a cada facto dado à prova, nunca se desviando porém do dever de persecução da verdade material;
10. Ora, no caso em apreço, a fundamentação da decisão de facto foi claramente fundamentada e reduzida objetivamente aos critérios sobre os quais criou a sua livre convicção. Da mesma forma que identificou negativamente a omissão de elementos probatórios suficientes para fixar certos factos controvertidos.
11. No tocante ao julgamento de facto refere o TC em acórdão de 03.10.2001, in ACV. TC, Volume 51º, pags. 206 e ss: “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverter nem pode subverter o principio da livre apreciação das provas” e não e pode perder de vista que na formação da convicção do julgador “entram necessariamente elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e fatores que não são racionalmente demonstráveis de tal modo que “a função do Tribunal de 2ª instância deverá circunscrever-se a “apurar da razoabilidade da convicção probatória do 1º grau dessas mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos””. “O tribunal não vai à procura de uma “nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exatamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação de prova), mas à procura de saber se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos constantes dos autos) pode exibir perante si””.
12. É pacifico que havendo contradições entre os depoimentos das testemunhas só o juiz de julgamento está habilitado a apreciar livremente a prova testemunhal, de acordo com a sua prudente convicção que tenha formado acerca de cada facto controvertido, segundo o principio da livre apreciação da prova constante do Art.º 655 do C.P.C.
13. Ora, observada a fundamentação da materialidade acolhida, sobretudo o depoimento das testemunhas, verifica-se que a mesma assentou na credibilidade das testemunhas da Recorrida em detrimento das testemunhas dos Recorrentes;
14. E se o Tribunal teve perante si as testemunhas verificando as ações e omissões dos seus dizeres, tiques e outras reações e optou por credibilizar uns depoimentos em detrimento de outros, tal decisão é insindicável e imutável, não se alcançando que da audição das gravações se possa augurar de modo diferente, concluindo-se que a matéria de facto a ajuizar é a que consta da sentença
15. Não se vislumbrando qualquer omissão da motivação conducente à decisão da matéria de facto do tribunal a quo, concluímos pela correta aplicação do direito, não havendo lugar à dúvida da livre apreciação da prova efetuada, improcedendo o recurso dos Recorrentes;
16. De acordo com a matéria dada como provada, apurou-se que os Recorrentes contra todos os procedimentos da empresa e sabendo que tal era proibido, entregaram ao sucateiro que fazia a recolha do entulho da loja paletes azuis e vermelhas, pertencentes aos fornecedores e destinadas a ser recolhidas por aqueles, recebendo ainda gratificação pela respetiva recolha, também sabendo, tratar-se de uma prática proibida pela Recorrida;
17. Na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um “bonus pater familias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto;
18. O apuramento da “justa causa” se corporiza, essencialmente, no segundo elemento acima referido: impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho;
19. Caso paradigmático consiste na violação do dever de lealdade por parte do trabalhador previsto no artigo 128.º, n.º 1, alínea e), do Código do Trabalho, que corresponde ao artigo 121.º, n.º 1, alínea e), do Código do Trabalho de 2003.
20. Como é referido no acórdão do STJ de 30.09.2009, processo n.º 09S0623, disponível in www.dgsi.pt, «Tal dever corresponde a uma obrigação acessória de conduta conexionada com a boa fé, que pode ter conteúdo positivo ou negativo. Entre as obrigações de conteúdo negativo perfila-se a de não subtrair bens do empregador e, por identidade manifesta, a de não se apropriar de valores que lhe seriam devidos. Subjacente ao dever de lealdade, está o valor absoluto da honestidade e, porque assim é, de nada releva o valor concreto da apropriação. A gravidade de um tal comportamento é tanto mais notória quanto é certo que o infractor actua em segredo o que facilita a impunidade e favorece situações de continuidade infraccional».
21. Para que a violação do dever de lealdade seja fundamento de justa causa de despedimento, pressupõe-se, portanto, que tal comportamento quebre a confiança entre o empregador e o trabalhador, deixando de existir o suporte mínimo para a manutenção dessa relação: «porque o contrato de trabalho assenta numa base de recíproca confiança entre as partes, se o comportamento do trabalhador de algum modo abala e destrói essa confiança, o empregador interioriza legitimamente a dúvida sobre a idoneidade futura da sua conduta» (idem, ibidem).
22. A apropriação pelos Recorrentes de paletes azuis e vermelhas para entregar ao sucateiro que fazia a recolha do entulho da loja, as quis pertenciam aos fornecedores e destinadas a ser recolhidas por aqueles, recebendo ainda gratificação pela respetiva recolha, também sabendo, tratar-se de uma prática proibida pela Recorrida.
23. No caso dos autos, os recorrentes não só violaram o dever de lealdade como simultaneamente agiram contra as regras da empresa, bem sabendo que o faziam, violando, por conseguinte, o dever de obediência — cf. artigo 128.º, n.º 2, do Código do Trabalho;
24. A gravidade da conduta dos Recorrentes encontra-se acentuada dadas as funções por si exercidas que lhe permitiram praticar os factos. Tais funções, naturalmente, pressupõem por parte da autora uma especial relação de confiança na sua pessoa;
25. Face ao descrito acervo factual, conclui-se que é natural que a Recorrida tenha perdido, de forma irremediável, a confiança nos Recorrentes sendo aceitável entender, em termos de apreciação objectiva e razoável de um empregador “normal”, colocado na situação concreta do presente caso, a suspeita de que a ré, como “operadora especializada”, com acesso ao sistema que lhe permitiu agir da forma como agiu, possa voltar a praticar factos similares;
26. Neste quadro, os Recorrentes “minaram”, de forma imediata e irremediável, a confiança que a Recorrida nela pudesse ter;
27. Mais se refira que o apuramento de um prejuízo efectivo no património do empregador não releva para o conceito de justa causa de despedimento. Como tem vindo a ser afirmado nos últimos anos pela jurisprudência do STJ, «a diminuição da confiança do empregador resultante da violação do dever de lealdade por parte do trabalhador, não está dependente da verificação dos prejuízos» — cf., por todos, acórdãos do STJ de 09.01.2008 e 29.09.2010, respectivamente processos n.os 07S2882 e 1229/06.3TTCBR.C1.S1 disponíveis in www.dgsi.pt.;
28. Assim, não é exigível ao empregador ter de suportar um comportamento como o descrito vindo de um seu trabalhador, revelando-se, in casu, as outras medidas conservatórias ou correctivas, diversas do despedimento, de todo inadequadas, pois face à factualidade provada a relação de confiança objectivamente perspectivada encontra-se abalada, comprometendo, desde logo e sem mais, o futuro do contrato;
29. Pelo que deve ser mantida a decisão de justa causa no despedimento dos Recorrentes, improcedendo o recurso interposto.»

O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer de fls. 359 a 366 no sentido de que “o acórdão a proferir deva contemplar a continuidade da sentença, improcedendo o recurso.”

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
“1. A R. é uma sociedade comercial que se dedica a todo o comércio retalhista e armazenista, nomeadamente, a exploração de centros comerciais, estabelecimentos de charcutaria, talho, confeitaria, café, restaurante, padaria e ainda as indústrias de confeitaria, padaria e salsicharia (artigo 1º do articulado do empregador)
2. O A., B… foi admitido ao serviço da R. mediante contrato de trabalho celebrado em 15.07.2004 detendo ao momento do seu despedimento a categoria profissional de Operador Especializado (artigo 2º do articulado do empregador)
3. O A., C… foi admitido ao serviço da R. mediante contrato de trabalho celebrado em 09.0.2001 detendo ao momento do seu despedimento a categoria profissional de Operador Especializado (artigo 3º do articulado do empregador)
4. Exerciam ambos as suas funções no estabelecimento da R. denominado
“D…”, sito em …, Vila Nova de Gaia (artigo 4º do articulado do empregador)
5. Por factos conhecidos pela R. em 06.12.2012 foi instaurado um procedimento disciplinar ao A (artigo 4º do articulado do empregador)
6. Os AA. foram suspensos preventivamente desde 20.12.2012 e receberam a nota de culpa no dia 07.02.2013 (artigo 46º da contestação)
7. Os AA. receberam da R. a 10.04.2013 a decisão do processo disciplinar que consistiu no seu despedimento com justa causa (artigo 9 do articulado do empregador)
8. Existe uma prática instituída no seio da arguente de recorrer a sucateiros para virem remover lixo e entulho da Loja (artigo 12º do articulado do empregador)
9. No âmbito das relações com os seus fornecedores, a arguente receciona determinados artigos em paletes azuis e vermelhas (artigo 13º do articulado do empregador)
10. Sendo que estas paletes pertencem aos referidos fornecedores (artigo 14º do articulado do empregador)
11. E consistem em taras que são devolvidas mediante o registo em guias próprias (artigo 15º do articulado do empregador)
12. Atualizando o movimento destas paletes entre o operador logístico e a loja (artigo 16º do articulado do empregador)
13. Caso se verifique a falta ou desaparecimento destas paletes, a arguente fica obrigada a pagar as mesmas aos referidos fornecedores, que são os legítimos proprietários (artigo 17º do articulado do empregador)
14. É absolutamente proibida a entrega aos sucateiros de paletes azuis e vermelhas (artigo 18º do articulado do empregador)
15. Só podendo ser entregues paletes brancas (exceto do fornecedor Q…) que não têm tara e que destinam ao lixo (artigo 19º do articulado do empregador)
16. De acordo com os procedimentos em vigor no seio da arguente, é absolutamente proibido aos colaboradores da arguente, no exercício das suas funções, aceitarem valores monetários ou gratificações de clientes, fornecedores ou outro tipo de pessoas que se relacionem com a Loja (artigo 20º do articulado do empregador)
17. Os AA B… e C… têm pleno conhecimento de todos estes procedimentos (artigo 21º do articulado do empregador)
18. No dia 08.12.2012, os AA. encontravam-se ao serviço da arguente (artigo 22º do articulado do empregador)
19. Uns dias antes, o A. B… telefonou ao sucateiro de nome K…, conhecido por “K1…”, para vir à Loja buscar paletes azuis e vermelhas (artigo 23º do articulado do empregador)
20. Na sequência de uma combinação previamente definida entre si, o A C… e o referido sucateiro (artigo 24º do articulado do empregador)
21. Mediante a qual este lhes pagaria uma quantia monetária pela entrega das ditas paletes (artigo 25º do articulado do empregador)
22. No dia 08/12/2012, entre as 06H30 e as 07H30, o A. C… transportou para o cais inferior, local habitual de recolha de equipamento para a sucata, 4 dezenas de paletes azuis e vermelhas (artigo 26º do articulado do empregador)
23. Designadamente, 24 paletes azuis que pertenciam ao fornecedor O…, SA (artigo 27º do articulado do empregador)
24. E 16 paletes vermelhas que pertenciam ao fornecedor P…, SAL (artigo 28º do articulado do empregador)
25. As referidas paletes são taras que deviam ser devolvidas aos respectivos fornecedores e jamais podiam ser entregues ao sucateiro (artigo 29º do articulado do empregador)
26. Como bem sabiam os AA. (artigo 30º do articulado do empregador)
27. Por volta das 07H30, um veículo identificado da S…, e propriedade do Sr. K…, vulgo K1…, que a conduzia, acompanhado de outro individuo, iniciaram o carregamento das paletes (artigo 31º do articulado do empregador)
28. Sendo que o primeiro lote de paletes vermelhas, foi introduzido no camião pelo empilhador conduzido pelo A C… (artigo 32º do articulado do empregador)
29. A restante carga foi efetuada pelos indivíduos do referido veículo (artigo 33º do articulado do empregador)
30. A determinado momento do carregamento o A B… dirigiu-se ao cais (artigo 34º do articulado do empregador)
31. Cumprimentou os indivíduos e deu instruções acerca do carregamento das paletes, retirando-se de seguida (artigo 35º do articulado do empregador)
32. Quando o carregamento terminou, a carrinha do sucateiro abandonou as instalações da loja com as paletes na sua posse (artigo 36º do articulado do empregador)
33. De seguida os AA dirigiram-se à portaria e manifestaram preocupação com a eventualidade de o diretor de Loja ter visto a carrinha do sucateiro no cais (artigo 37º do articulado do empregador)
34. Então por ato combinado entre ambos, o A C… transportou um lote de paletes azuis que não couberam no camião (artigo 38º do articulado do empregador)
35. E colocou-as no piso superior da receção, local de depósito habitual destas paletes, para camuflar o carregamento que havia sido anteriormente efetuado (artigo 39º do articulado do empregador)
36. Pela entrega do material supra identificado, o sucateiro pagou ao A. B… € 120 (artigo 40º do articulado do empregador)
37. Que ficou com € 40 para si, tendo este entregue ao G… e ao A C… € 40 a cada um (artigo 41º do articulado do empregador)”

O DIREITO.
Como é sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação do recorrente, não podendo o Tribunal “ad quem” apreciar as questões que, não sendo de conhecimento oficioso, nelas não estejam incluídas.(arts.637º, nº2 e 639º do Cód. Proc. Civil).
Assim as questões que se colocam são:
- suspensão da instância até decisão final do processo crime (furto)
- Erro de apreciação da matéria de facto dada como provada;
- a ilegalidade do visionamento de imagens captadas por câmaras de videovigilância;
- inexistência de justa causa de despedimento;
- sanção desproporcionada
- invalidade do processo disciplinar ( foram suspensos preventivamente desde 20.12.2012 e só receberam a nota de culpa em 7.02.2013);
- abuso de direito na modalidade venire contra factum proprium
- principio de incoerência disciplinar
Analisando a 1ª questão – a suspensão da instância até decisão final do processo crime – analisados os autos concluímos que tal questão apenas foi colocada neste recurso e, portanto trata-se de questão nova que, em principio, não devia este tribunal conhecer.
Porém, atento ao disposto na al.g) do nº1 do art.652º do CPC que confere ao Relator do processo a possibilidade de “Declarar a suspensão da instância”, passamos a apreciar tal questão.
Dispõe o nº1 do art.92º do Cód. Proc. Civil que “Se o conhecimento do objecto da acção depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie”.
E, estabelece-se nº1 do art. 272º do mesmo Código que “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
Estes normativos não impõe ao juiz o dever de suspender a instância, antes conferem ao tribunal a faculdade de o fazer, que usará ou não conforme entenda. Em todo o caso, o juiz só deve suspender a instância se houver uma verdadeira relação de dependência, de prejudicialidade entre a questão cível e o crime.
Ora, como é sabido, há total separação entre a responsabilidade disciplinar e criminal. O processo disciplinar é independente do processo criminal, cujos contornos e finalidades são diferentes. Com aquele visa-se punir o funcionário (trabalhador) por violação de deveres funcionais e, com este visa-se punir o comportamento violador das regras jurídicas protectoras de interesses vitais da comunidade.
Pode acontecer que o mesmo facto possa ser punido disciplinar e criminalmente, mas nem por isso, o processo disciplinar perde a autonomia, este é sempre independentemente daquele.
Assim, apesar da participação criminal não se verifica a dependência e prejudicialidade e, que por esse motivo, devesse instância ser suspensa.
Improcedem, assim, nesta parte as conclusões dos recorrentes.

A 2ª questão prende-se com a alteração da matéria de facto.
A este respeito, dizem os recorrentes que os factos constantes dos pontos 13, 14, 16, 17, 19, 20, 21, 25, 26, 31, 33, 34 e 35 da matéria de facto dada como assente devia responder-se como não provados e que os factos elencados nas als. c) a g) deviam ter sido dados como provados, atentos à prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, que indicam.
Dispõe o artigo o art. 640º do Cód. Proc. Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto” que:
“1- Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na al. b) do número anterior observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados incumbe ao recorrente sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.”

De acordo com o preceito legal transcrito impõe-se que quando seja pedida a alteração da matéria de facto no recurso, o recorrente indique com rigor e precisão os concretos factos que pretende ver alterados e de que forma, indicando concretamente os meios provatórios (documentos e depoimentos de testemunhas e estes, quando gravados, as passagens que interessam e o local onde as mesmas se encontram). Ou seja, pretendendo o recorrente que o tribunal ad quem proceda a reapreciação da matéria de facto, tem de indicar além dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, qual os concretos meios de prova que que impunham decisão sobre os apontados pontos de facto impugnados diversa da recorrida. E, quanto os concretos meios de prova invocados constem de gravação efectuada, isto é, quando os depoimentos que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto aos referidos pontos de facto, deve ainda o recorrente indicar com exactidão, com referência à data da audiência, quais as passagens da gravação em que se funda, e identificar a relevância de um tal depoimento pelo momento temporal do mesmo, sem prejuízo da faculdade paralela de apresentar transcrições. (Cfr. Acs. RL de 17.01.2012, proc. nº934/10, RP. De 19.06.2012, proc.639/10.6TVPRT_A.P1, entre outros, ambos in dgsi.Net que, embora no domínio do CPC anterior têm pleno cabimento ao abrigo do NCPC)
A jurisprudência não é unânime quanto a necessidade de constar nas conclusões de recurso a impugnação da decisão relativa à matéria de facto e, no caso positivo, qual o grau de concretização exigível.
Ora, sendo o âmbito do recurso limitado pelas conclusões da alegação, salvo se houver questões de conhecimento ofícios, parece-nos que sendo impugnada a decisão da matéria de facto, tal impugnação deve constar das conclusões, isto é, deve constar destas, os pontos da matéria de facto, em relação aos quais há discordância com o decidido. Porém, como se refere no sumário do Ac. da RE de 7.12.2012, proc.614/11 in dgsi, Net “II-Não é exigível que, nas conclusões de recurso, o recorrente proceda à indicação das passagens da gravação que está a tomar em consideração quando invoca o depoimento das testemunhas ou então que proceda a transcrição dos depoimentos das mesmas
III- Todavia, já é exigível que, nas alegações de recurso, indique com exactidão as passagens da gravação do registo dos depoimentos das testemunhas em que se baseia, sob pena de imediata rejeição do recurso quanto `reapreciação da prova testemunhal…”
O legislador concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Conforme se escreve no ac. desta Relação de 28.04.2014, proc. nº2134/11.7TBPVZ.P1 in www.djsi.pt “Sob pena de se desvirtuar a letra da norma, que vincula o intérprete nos termos do artigo 9.º do C. Civil, e a sua ratio, considerando a evolução legislativa no sentido da alteração do regime do recurso da matéria de facto, (D. Lei 39/95 de 15 de Fevereiro, D. Lei 183/200 de 10 de Agosto e o D. Lei 303/2007 de 24 de Agosto) e Lei 41/2013 de 26/06, este regime, ainda que convertendo em maior facilidade o ónus de todos os intervenientes, impõe a sua observação estrita, compatível com a sanção prescrita em função da enunciada omissão -a rejeição do recurso, no que a esta impugnação respeita.
Por outro lado, também o legislador no seguimento da orientação dos anteriores diplomas, que estatuíam sobre esta matéria, continua a não prever o prévio aperfeiçoamento das conclusões de recurso, quando o apelante não respeita o ónus que a lei impõe.
Desta forma, o efeito de rejeição não é precedido de despacho de aperfeiçoamento, o que se explica pelo facto da possibilidade de impugnação da decisão de facto resultar de uma alteração reclamada no domínio do processo civil e estar em causa a impugnação de decisão de matéria de facto que resultou de um julgamento em relação ao qual o tribunal “ad quem” não teve intervenção e por isso, só a parte interessada estará em condições de poder impugnar essa decisão.”
António Abrantes Geraldes refere – em comentário ao artigo 640º do NCPC – que (…) “O recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos” (…) e acrescentado ainda que (…) “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de um decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” (…) – Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126/127/129.
Resulta das conclusões da alegação de recurso que os Recorrentes indicaram a matéria que pretendem ver alterada, concretamente os factos 13, 14, 16, 17, 19, 20, 21, 25, 26, 31, 33, 34, e 35 da matéria dada como assente e als. c), d), e), f) e g) da matéria de facto dada como não provada, o sentido dessa alteração e os meios de prova em que se fundamenta.
Ou seja, a apelante deu cumprimento ao disposto no artigo 640º, nº1 do CPC.
No entanto, os recorrentes indicaram como meio de prova para a pretendida alteração, os depoimentos das testemunhas prestados em audiência de julgamento, que foram gravados, incumbindo-lhe, por isso, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo do poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes – al. a) do nº2 do citado artigo.
Ora, quer das alegações de recurso, quer das conclusões, a apelante não deu cumprimento ao referido normativo pois, embora nas alegações dêem cumprimento a faculdade aí prevista – procedem à transcrição de excertos, não indicam a passagem ou passagens das gravações em que se funda o seu recurso (a indicação, vg. 20131126153708-80550-65305, não possibilita ao tribunal qual o excerto do depoimento da testemunha que, no entender dos recorrentes, impõe solução diferente da consignada pelo Tribunal a quo.
Por isso, e ao abrigo do disposto na al. a) do nº2 do artigo 640º do Cód. Proc. Civil rejeita-se na parte que se pretende a alteração da matéria de facto com fundamento nos depoimentos das testemunhas.
Mas, dizem os recorrentes que não é permitido o visionamento de imagens captadas por câmara de videovigilância para efeitos disciplinares laborais, dado que, indirectamente controlam o desempenho do trabalhador, sendo por isso, ilícito a utilização deste meio de prova.
Efectivamente, como pode ver no excerto da fundamentação da matéria de facto dada como assente, (“De realçar que os AA. não se opuseram à utilização das imagens captadas por videovigilância como meio de prova, tendo, inclusive, o A. C… feito referência àquelas (ponto 15 de fls. 70 dos autos) para a sua defesa. Nessa medida, considerámos a existência de autorização ou consentimento dos fotografados, que se retira de todo o comportamento dos AA. ao longo do processo no que respeita a esta prova, tornando a mesma legal, na medida em que traduz uma autolimitação voluntária dos mesmos ao seu direito à imagem. Assim, o Tribunal recorreu às mesmas conjugando com a demais prova produzida para formar a sua convicção.”, além dos depoimentos das testemunhas o Tribunal recorreu às imagens captadas por videovigilância para fundamentar a decisão da matéria de facto.
A Lei fundamental (CRP) consagra no seu art.26º o direito “à intimidade da vida privada”. Este direito encontra-se também plasmado no nº1 do art.20º do Cód do Trabalho que dispõe: “O empregador não pode utilizar meios de vigilância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com finalidade de controlar o desempenho do trabalhador.” Ou seja, a proibição de ingerência na vida privada constitucionalmente garantida, encontra-se também expressa no direito laboral.
Porém, a questão sobre a utilização deste meio de prova no processo laboral não unânime, para alguns é possível o recurso a este meio de prova, excepto se as imagens captadas por videovigilância tiverem como objectivo controlar o trabalhador; para outros o uso deste meio de prova é ilegal e, por isso, as imagens captadas não devem ser utilizadas como meio de prova, embora a invalidade desta prova não invalida que os factos se possam considerar provados com base em outra prova.
No caso, a questão da possibilidade ou não do uso das imagens captadas por videovigilância não se coloca pois, como expressamente resulta do excerto supra transcrito, e constante da decisão recorrida, não só os recorrentes não se opuseram a utilização desse meio de prova, como os próprios o invocaram para a sua defesa. Eles próprios autolimitaram, voluntariamente, o seu direito de imagem, autorizando esse meio de prova.
Improcedendo também, nesta parte o recurso.

Apreciemos, agora, a (i) licitude do despedimento.
No entender dos recorrentes os processos disciplinares não são válidos porque receberam a nota de culpa passados mais de 30 dias, da notificação da suspensão preventiva, violando o art.354º do Cód do Trabalho.
De acordo com o disposto no nº2 do art.354º do CT a suspensão preventiva do trabalhador “pode ser determinada nos 30 dias anteriores à notificação, desde que o empregador justifique, por escrito, que, tendo em conta os indícios dos factos imputáveis ao trabalhador, a presente deste na empresa é inconveniente, nomeadamente para a averiguação de tais factos, e que não foi possível elaborar a nota de culpa.”
Resulta da disposição legal citada que a entidade patronal pode suspender preventivamente o trabalhador, com a entrega da “nota de culpa” (nº1) e, em casos justificados, por escrito, 30 dias antes da notificação (entrega) da “nota de culpa”.
Não diz a lei quais as consequências do incumprimento dos prazos fixados. Mas, no nosso entender, a consequência de incumprimento desse prazo não é, como pretendem os recorrente, a invalidade dos processos disciplinares. Trata-se de um prazo disciplinador da actividade administrativa da entidade empregadora, cuja violação não acarreta a invalidade do processo. No entanto e dado que o incumprimento desse prazo não consta do elenco dos arts. 381º e 382º do CT, que prevêem as causas de ilicitude do despedimento, nem do art.375º, nº1, preceito este, bem como o art329º, nºs 1, 2, e 3 do CT, que salvaguardam o princípio da celeridade do procedimento disciplinar, a situações de eventual morosidade do mesmo e da repercussão dessa morosidade. O facto entre a suspensão preventiva e a comunicação da nota de culpa terem mediado mais de 30 dias é pois irrelevante, não determinando a caducidade do exercício da acção disciplinar.
Pelo que, nesta parte improcedem também as conclusões de recurso.

Verificar-se-á justa causa de despedimento?
O Tribunal a quo julgou improcedente a acção por ter considerado que se verifica justa causa de despedimento, por se ter demonstrado que “os autores desrespeitaram os deveres laborais, o geral de boa fé no cumprimento da respectiva obrigação, previsto no artigo 126º, nº1 do CT e especificamente, o dever de guardar lealdade e honestidade ao empregador e dever de cumprir ordens e instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina no trabalho, consagrado, nomeadamente, no art.128º, nº1, als. e) e f) do CT.
Como tal, mostram-se verificados comportamentos subsumíveis à previsão do art.351º, nº1 do CT e, inclusivamente, ao tipo especialmente previsto no nº2, al.a).”
Dispõe o art 351.º, do C.T:
“1. Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
2. Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
(…)
3. Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às mais circunstâncias que no caso sejam relevantes.”
Por seu turno, prescreve o art.128º do CT, com epígrafe Deveres do trabalhador que:
“1. Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
a) (...)
b) (…)
c) Realizar o trabalho com zelo e diligência;
d) (…)
e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina do trabalho…;
f) Guardar lealdade ao empregador,….;
g) (…)
2. O dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como do superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos.”
A noção de justa causa é composta por três requisitos:
a) um comportamento culposo do trabalhador - violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral - grave em si mesmo e nas suas consequências;
b) a imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
c) a existência de um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
A ilicitude consiste na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado, seja por acção, seja por omissão, relativamente a deveres contratuais principais ou secundários, ou ainda a deveres acessórios de conduta, derivados da boa fé no cumprimento do contrato, o que afasta os factos sobre os quais não se pode fazer juízo de censura e aqueles que não constituam violação de deveres do trabalhador enquanto tal.
Na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências deve recorrer-se ao entendimento de um "bonus pater familias", de um "empregador razoável", segundo critérios de objectividade e razoabilidade (artigo 487.º n.º 2 do Código Civil) em face do condicionalismo de cada caso concreto.
A impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho é o elemento que constitui o critério básico de "justa causa", sendo necessário um prognóstico sobre a viabilidade das relações contratuais para se concluir pela idoneidade ou inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica (vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.04.18, Processo n.º 2842/06 e de 2006.03.08, Processo n.º 3222/05, ambos da 4.ª Secção e sumariados em www.stj.pt, citados no Ac. desta Relação de 8.09.2014, proc. 101/13.5TTMTS.P1, in www.dgsi.pt)
Na apreciação destes requisitos (de justa causa) deve o tribunal ter em conta as circunstâncias previstas no n.º 3 do art. 351.º do Código do Trabalho, ou seja, ao “quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre os trabalhadores e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes” e, como se refere no Ac. deste Tribunal de 8.09.2014, supra citado, “tendo presente que o despedimento se apresenta, nos termos do artigo 328.º, n.º 1, alínea f), do Código do Trabalho, como a sanção disciplinar mais grave, que só deve ser aplicada quando outras medidas ou sanções de menor gravidade forem de todo inadequadas para a punição, para a prevenção das situações similares e para os interesses fundamentais da empresa, pois que, tendo a relação de trabalho vocação de perenidade, apenas se justificará, no respeito pelo principio da proporcionalidade (artigo 330.º, n.º 1), o recurso à sanção expulsiva de despedimento ou rescisória do contrato de trabalho, que o representa, quando se revelarem inadequadas para o caso medidas conservatórias ou correctivas.”
Cumpre ainda dizer que à entidade patronal incumbe provar os factos constitutivos da justa causa do despedimento que promoveu.
Analisando o caso dos autos, a propósito da verificação de justa causa de despedimento, refere-se na decisão recorrida:
“(…)
Sendo os procedimentos disciplinares válidos, resta então, como causa possível da ilicitude do despedimento, a ausência, também sustentada pelos AA., de justa causa para o despedimento – cfr. o art. 381º, al. b), do Cód. Trabalho, na medida em que impugnam os factos que lhe são imputados.
Nos termos do artigo 351º, nº 1 do CT constitui justa causa de despedimento «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho», enunciando-se, depois, no respectivo n.º 2 e a título meramente exemplificativo (nomeadamente), diversos comportamentos susceptíveis de constituírem justa causa do despedimento de um trabalhador pela entidade patronal
Não basta, porém, a demonstração de qualquer comportamento imputável ao trabalhador, para que se julgue integrado aquele conceito. Com efeito e conforme decorre do mesmo, a justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa de três requisitos ou pressupostos:
a) a existência de um comportamento culposo do trabalhador (requisito subjectivo);
b) a verificação da impossibilidade de manutenção da relação laboral entre o trabalhador e o empregador (requisito objectivo);
c) a existência de um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
A justa causa de despedimento, pressupõe, portanto, a existência de uma determinada acção ou omissão imputável ao trabalhador a título de culpa, violadora de deveres emergentes do vínculo contratual estabelecido entre si e o empregador e que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a manutenção desse vínculo. Como vem sendo entendimento pacífico ao nível da jurisprudência, quer a culpa, quer a gravidade da infracção disciplinar, hão-de apurar-se, na falta de um critério legal, pelo entendimento de um “bom pai de família” ou de “um empregador normal, médio”, colocado em face do caso concreto, utilizando-se, para o efeito, critérios de mera objectividade e razoabilidade (nesse sentido ver Acs. RP de 14.07.2010 e 19.09.2011, disponíveis in www.dgsi.pt).
Por outro lado, quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral e citando, por todos, o Ac. do STJ, de 30.04.2003, disponível também in www.dgsi.pt a mesma verifica-se “quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral”. Ainda de acordo com o mesmo Aresto, “Não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (…).
Basicamente preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante a realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiam tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo”.
Importa, todavia, não esquecer que, sendo o despedimento imediato a sanção disciplinar mais gravosa para o trabalhador, na medida em que é a única que quebra, desde logo, o vínculo laboral até aí existente entre as partes contratantes, a mesma só deve ser aplicada relativamente a casos de real gravidade, isto é, quando o comportamento culposo do trabalhador for de tal forma grave em si e pelas suas consequências que se revele inadequada para o caso a adopção de uma sanção correctiva mas conservatória da relação laboral. Isso verificar-se-á apenas quando a conduta violadora assumida, culposamente, pelo trabalhador ponha, definitivamente, em causa a relação de confiança em que assenta o referido vínculo laboral. Conforme refere JOÃO LEAL AMADO, “Contrato de Trabalho”, 2º ed., Coimbra Editora, esta análise deverá ser casuística, guiado por uma ideia de proporcionalidade e de justiça individualizante, devendo atender-se, de acordo com o nº 3 do artigo 351º, “…no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes … e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes».
Finalmente, cabe referir que, neste tipo de acções judiciais em que um trabalhador alvo de despedimento por parte da sua entidade patronal invoque a inexistência de justa causa e a consequente ilicitude do mesmo, caberá à entidade patronal o ónus de alegação e prova de factos susceptíveis de levarem o julgador a concluir pela verificação, no caso concreto, de uma situação de justa causa para despedimento.
Posto isto e revertendo ao caso em apreço, verificamos que, perante a matéria de facto provada os AA., contra todos os procedimentos da empresa e sabendo que tal era proibido, entregaram ao sucateiro que fazia a recolha do entulho da loja paletes azuis e vermelhas, pertencentes aos fornecedores e destinadas a ser recolhidas por aqueles, recebendo ainda gratificação pela respetiva recolha, também sabendo, tratar-se de uma prática proibida pela Ré.
É certo que não se apurou o valor do prejuízo causado, nem mesmo se a Ré foi obrigada a pagar aos respetivos fornecedores o valor das respetivas paletes entregues ao sucateiro. Porém, cremos que tal comportamento levado a cabo pelos Autores no apresenta-se dotado de uma tal gravidade que, por si só e independentemente do valor das coisas retiradas, põe em causa, de uma forma que consideramos irreversível, a base de confiança que se exige na execução das funções de “operador de loja”, ainda mais no caso do trabalhador C… que exercia também funções de rececionista, sendo, por isso, responsável pela devolução das paletes.
Daí que não possamos deixar de concluir pela verificação, no caso vertente, de justa causa para o despedimento dos AA. por parte da R, com as consequências legais resultantes dessa conclusão face ao pedido formulado por aqueles, ou seja, a total improcedência da presente acção e a natural absolvição desta quanto a esses pedidos.
Todo este circunstancialismo evidencia que os AA. desrespeitaram deveres laborais, o geral de boa fé no cumprimento da respectiva obrigação, previsto no artigo 126º, nº 1 do CT e especificamente, o dever de guardar lealdade e honestidade ao empregador e dever de cumprir ordens e instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina no trabalho, consagrado, nomeadamente, no art. 128º, nº 1, al. e) e f), do CT.
Como tal, mostram-se verificados comportamentos subsumíveis à previsão do art. 351º, nº 1 do CT e, inclusivamente, ao tipo especialmente previsto no nº 2, al. a).
Conforme já referimos supra, o comportamento dos Autores é culposo, grave, inviabilizando qualquer normalização da “relação de trabalho”. Relativamente às consequências dos factos, cumpre observar que, depois do sucedido, dificilmente haveria diálogo profícuo entre os AA. e a sua entidade patronal - já que estava afastada a possibilidade de uma relação de confiança entre ambos - e ficaria sempre posta em causa a autoridade da entidade patronal sobre os AA. e os demais trabalhadores.
A “impossibilidade de subsistência da relação laboral” a que alude a lei (nº 1 do art. 351º do C.T.) há-se aferir-se em função da repercussão do comportamento do trabalhador no futuro da relação (vd. Ac. do S.T.J. de 22.05.05, in C.J., t. I, pág. 281, onde se defende, para este efeito, “um juízo de prognose sobre a viabilidade da relação laboral, a realizar segundo um padrão essencialmente psicológico – o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura que implica frequentes e intensos contacto entre os sujeitos”); e, de facto, não vemos como poderia a R. continuar a manter ao serviço alguém em quem perdera, justificadamente, a confiança.
Atendendo aos critérios objectivos, de normalidade e de razoabilidade impostos por lei, não vemos pois com poderia ser outra sanção suficiente que não o despedimento. A sanção mostra-se proporcionada à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor – art. 330º do Cód. Trabalho: a infracção foi bastante grave ao violar determinações básicas e valores essenciais à relação laboral; e a culpabilidade dos AA. acentuada, ao ter tomado uma atitude necessariamente premeditada, agindo com dolo directo e ao não se ter importado de lesar o património da R– cfr. JOSÉ ANTÓNIO MESQUITA, in “Poder Disciplinar”, BMJ, 1979, Supl, pp. 226 e ss., e, ao nível da jurisprudência, os Acórdãos do S.T.J de 1.07.98 e de 29.03.2001 e da RP de 15.01.1990 e de 05.03.1990, in www.dgsi.pt.”
Analisando a matéria de facto dada como assente, que os recorrentes não lograram alterar, não podemos deixar de concordar com o exposto na sentença recorrida.
Como refere Monteiro Fernandes in Direito do Trabalho, 13ª Ed. Almedina, pág.236 “O dever geral de lealdade tem uma faceta subjectiva, que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam).
É necessário – quanto a este aspecto do dever de lealdade – que a conduta do trabalhador não seja, em si mesma, susceptível de destruir ou abalar tal confiança, isto é, capaz de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele”
Por outro lado, o trabalhador deve “guardar lealdade ao empregador” e deve obedecer às ordens e instruções do empregador e do superior hierárquico- nºs 1, al,f) e 2 do art.128º do CT
No caso, como consta da matéria de facto dada provada, designadamente dos pontos 14 a 37, não resta qualquer dúvida que os recorrentes apesar de saber que as paletes azuis e vermelhas não podiam ser entregues ao sucateiro, por não se tratar de lixo, mas tara a entregar ao proprietário, colocaram-nas, contra ordens e instruções do superior hierárquico, na secção do lixo e depois entregaram-nas ao sucateiro recebendo, por isso, dinheiro.
Ao proceder desta forma, como se diz na decisão recorrida, os recorrentes, não só desrespeitaram as ordens e instruções do superior hierárquico, como quebraram o dever de lealdade, de honestidade, de obediência e confiança da empregadora, que sobre si impendia, deveres estes que não estão sujeitos a qualquer graduação nem depende de eventuais prejuízos concretos causados ao empregador.
Sendo quebrados tais deveres, essenciais a uma relação de confiança, não é minimamente aceitável e não é exigível à empregadora que mantenha ao seu serviço um trabalhador que adoptou tal comportamento.
O comportamento dos trabalhadores recorrentes, ao contrário do que alegam, é culposo e grave, pois, abalou, de forma irremediável, não só o dever geral de boa fé na execução do trabalho como a confiança do empregador, em face a violação dos deveres de lealdade e honestidade e de cumprir e instruções, deveres plasmados no art.128º, nº1, als e) e f) do CT.
A gravidade do comportamento dos trabalhador, ora recorrentes, inviabilizou definitivamente a continuação da prestação do seu trabalho para a empregadora, na medida em que “a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador” - Monteiro Fernandes in ob.cit
Verifica-se assim, no caso, um comportamento culposo e grave dos trabalhador recorrentes e que tornou impossível a subsistência da relação laboral (artigo 351.º, n.ºs 1 e 2, a) e d), do C.T.).
Tendo em atenção o referido, e não esquecendo que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor (n.º 1, do artigo 330.º, do C.T.), parece-nos, tal como foi entendido na decisão recorrida, que a sanção de despedimento aplicada aos recorrentes se mostra proporcional à gravidade do seu comportamento.
E, atendendo à matéria de facto dada como assente, podemos também afirmar que não se verifica o invocado abuso de direito na modalidade venire contra factum proprium pois, não se provou, ao contrário do referido pelos recorrentes que:
“c) que desde a abertura, no tempo do anterior Director de Loja, Sr. N…, este tenha dado “carta branca” ao B… e G… para que quando o caís estivesse cheio de paletes, ligasse ao sucateiro para vir carregar as mesmas (artigo 3 a 6 da contestação)
d) que o aludido Director tenha dado ordens para que se faltassem paletes para completar um carregamento poderiam ser carregadas algumas azuis ou de outra cor (artigo 8º e 27º da contestação)
e) tais ordens nunca tenham sido contrariadas pelo actual Director de Loja, Sr. M… (artigo 28º da contestação) f) que tal director tenha tido pleno conhecimento dos factos – carregamento de paletes de cor (artigo 29º da contestação)
g) que nunca tenha sido dito que aos AA que era proibido receber qualquer gratificação do sucateiro (artigo 34º da contestação).”, matéria cujo ónus probatório incumbia aos recorrentes.”

Finalmente, dizem os recorrentes que foi violado o principio da coerência disciplinar pois, pelos mesmos factos, foi aplicado ao Sr. G… a pena disciplinar de suspensão e aos AA. a pena disciplinar de despedimento.
Como se refere no acórdão desta Tribunal de 24.02.2014, proc.108/11.7VFR.P2, publicado in wwwdgsi.pt “o poder disciplinar é discricionário, no sentido de que cabe ao empregador decidir da oportunidade do seu exercício, de acordo com critérios que ele julgue apropriados para a prossecução dos interesses da organização de que é titular", não estando o empregador obrigado a punir disciplinarmente os trabalhadores que cometeram infracções, nem sequer a desencadear o respectivo processo.
Porém, a natureza discricionária do poder disciplinar não prejudica a necessária consideração da prática disciplinar do empregador e da ideia de coerência disciplinar, que no caso do despedimento se retira do artigo 351.º, n.º 4 do Código do Trabalho (ao remeter a apreciação da justa causa para o quadro da gestão da empresa), e “valoriza a prática disciplinar das empresas para condenar, por excessiva, uma sanção que extravaze consideravelmente a punição dada anteriormente a casos semelhantes ou a punição diferente de dois trabalhadores pela prática da mesma infracção”.
Conforme refere Monteiro Fernandes, In Direito do Trabalho, vol. I, 8ª edição, Coimbra, 1993, pág. 483. “as decisões disciplinares hão-de ser tomadas, não isoladamente, mas como emanações de um critério, obedecendo a uma lógica que vincula a entidade patronal a não se desviar dela em decisões subsequentes, quer perante o mesmo trabalhador, quer relativamente a outros da empresa em causa".
E, segundo Jorge Leite e Coutinho de Almeida In Colevctânea de Leis do Trabalho, Coimbra, 1985, p. 25 “[a] prática disciplinar da empresa, como circunstância a atender para apreciação da existência de justa causa, constitui uma espécie de critério de uniformização disciplinar e visa impedir tratamentos desiguais ou discriminatórios num domínio tão importante e tão sensível como é o dos despedimentos, o que, diga-se de passagem, já resultaria do princípio da igualdade, consagrado constitucionalmente (artigo 13.º). Afinal o que se pretende é evitar que, a pretexto de uma infracção disciplinar, se façam despedimentos por motivos políticos, ideológicos, sindicais ou outros que a ordem jurídica considera ilegítimos”.
Na jurisprudência foi proferido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.02.07 (Recurso n.º 2444/06, da 4.ª Secção), de acordo com o qual “o poder disciplinar que a lei confere ao empregador deve ser por este exercido segundo critérios de justiça, respeitando nomeadamente o princípio da igualdade”.
No entanto, apesar destas tentativas de objectivação do exercício do poder disciplinar e diminuição do grau de discricionariedade inerente à actuação disciplinar do empregador, não se pode esquecer que a prática ou coerência disciplinar da empresa não é o elemento decisivo na apreciação da justa causa – decisivo é o grau de culpa, a gravidade da infracção e das suas consequências –, sendo apenas avaliada circunstancialmente no âmbito da ponderação do quadro de gestão da empresa.”
Analisando o caso sub judice, nomeadamente os factos dados como provados e não provados, verificamos que o único facto imputado ao Sr G… é o recebimento de 40 euros, que o recorrente terá dado dos 100€ que este recebeu do sucateiro (pontos 36 e 37 da matéria de facto).
Porém, não se provou que o referido G… tenha actuado em conjunto com os recorrentes no desvio das paletes e entrega das mesmas ao sucateiro nem mesmo que tenha permitido ou tenha tido conhecimento desses factos, pelos quais os recorrentes foram punidos disciplinarmente.
Na verdade, não se provou que “c) que desde a abertura, no tempo do anterior Director de Loja, Sr. N…, este tenha dado “carta branca” ao B… e G… para que quando o caís estivesse cheio de paletes, ligasse ao sucateiro para vir carregar as mesmas (artigo 3 a 6 da contestação)
d) que o aludido Director tenha dado ordens para que se faltassem paletes para completar um carregamento poderiam ser carregadas algumas azuis ou de outra cor (artigo 8º e 27º da contestação)
e) tais ordens nunca tenham sido contrariadas pelo actual Director de Loja, Sr. M… (artigo 28º da contestação) f) que tal director tenha tido pleno conhecimento dos factos – carregamento de paletes de cor (artigo 29º da contestação)
g) que nunca tenha sido dito que aos AA que era proibido receber qualquer gratificação do sucateiro (artigo 34º da contestação).”, matéria cujo ónus probatório incumbia aos recorrentes.”
Assim, podemos concluir que os factos praticados pelos recorrentes não são os mesmos que terão sido praticados pelo referido G…. Daí que, a sanção não seja a mesma. As infracções imputadas aos recorrentes não são da mesma natureza das imputadas àquele.
Não está demonstrado que o referido G… tenha desobedecido a qualquer ordem da entidade patronal, tenho violado qualquer dever de zelo, obediência ou lealdade, apenas está demonstrado que recebeu do recorrente B… a quantia de 40 € da quantia de 100€ que teria sido entregue pelo sucateiro a este.
Assim, atentos a matéria de facto provada e não provada, da análise comparativa efectuada, entendemos não haver elementos factuais que evidenciem uma prática disciplinar incoerente, sendo substancialmente distintas as motivações das condutas neles apreciadas, o grau de culpa revelado por cada um dos trabalhadores, o seu passado laboral dos referidos trabalhadores e as circunstâncias particulares em que cada um actuou.
Pelo que, improcedem totalmente as conclusões da alegação dos recorrentes, existindo justa causa para o despedimento recorrentes e, consequentemente, o mesmo é lícito e regular.

Nestes termos, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.

Porto, 2015.02.09
Isabel São Pedro Soeiro
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha