Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
17954/16.8T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DE JESUS PEREIRA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
AUDIÊNCIA PRÉVIA
AUDIÊNCIA DE PARTES
Nº do Documento: RP2018020617954/16.8T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 809, FLS.58-61)
Área Temática: .
Sumário: Quando as partes tenham sido alertadas para as consequências da omissão do impulso processual não têm que ser ouvidas previamente ao despacho que decretou a deserção da instância.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pc.17954/16.8T8PRT.P1
(Apelação)
Relatora Maria de Jesus Pereira
Adjuntos: Des. José Igreja Matos
Des. Rui Moreira
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1 - Relatório.
B…, casado, residente na Rua …, …, …. - …, Porto intentou acção de processo comum contra Massa Insolvente do Banco C…, SA, D… e outros, pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem ao autor a quantia de 7.278,90 euros acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde o dia 04-08-2014 e até integral pagamento, acrescidos da sobretaxa de 5% a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória e até integral pagamento, a título de sanção pecuniária.
No decurso da citação dos réus, foi proferido despacho a ordenar a citação dos réus E… e F… nos termos do Regulamento (CE) nº1393/2007 do Conselho de 13-11 e, nesse seguimento, foi ordenado o envio ao autor dos documentos de citação e da petição inicial para tradução para língua francesa, tendo, ainda, ordenado que os autos aguardassem que o autor desse integral cumprimento ao ordenado sem prejuízo do disposto no artigo 281 do CPC.
Decorridos mais de seis meses, sem que o autor tivesse dado cumprimento ao ordenado, foi proferido o seguinte despacho:
“Por despacho proferido em 16/1 foi ordenada a citação dos réus E… e F… a concretizar com recurso ao Regulamento (CE) n.º 1393/2007 do Conselho de 13/11. Nesse seguimento foi ordenado o envio ao autor dos documentos de citação e da petição inicial para tradução para língua francesa.
O despacho em questão foi notificado ao autor em 7/2/2017 e, nessa mesma data, foram remetidos os documentos da citação devidamente preenchidos para tradução.
Nessa altura, o autor foi notificado do despacho que ordenou que os autos aguardassem que desse cumprimento ao ordenado – tradução – sem prejuízo do disposto no art.º 281.º do Código de Processo Civil.
Até à presente data, o autor não apresentou nos autos a tradução do formulário para citação que lhe foi remetido, nem da petição inicial assim impedindo a realização da citação pendente.
Considerando a omissão do autor e porque se trata de um impulso processual que se encontra a seu cargo, uma vez que decorreram já mais de 6 meses sobre a notificação do despacho proferido em 16/1, julgo a instância extinta por decurso do prazo de deserção da instância (art.º 281.º do Código de Processo Civil)”
Inconformado o autor interpôs recurso de apelação ora em apreciação com as seguintes conclusões:
A) Vem o presente recurso interposto do douto despacho/sentença proferido nos autos à margem referenciados que decidiu julgar extinta a instância por decurso do prazo de deserção da instância (artigo 281.º do Código do Processo Civil).
B) O Tribunal a quo invocou o artigo 281.º do CPC, pois considerou que não foi dado no âmbito do processo nenhum impulso processual há mais de seis meses.
C) A aludida norma, na sua redação atual, dada pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, deve ser interpretada no sentido de que a instância só se considera deserta se o processo se encontrar a aguardar impulso processual, EM TERMOS SIMPLES, há mais de seis meses, e essa falta de impulso se deva a negligência das partes.
D) A necessidade de despacho do juiz compreende-se precisamente, na medida em que se torna necessário fazer essa avaliação, no sentido de saber se
a)OCORREU PARAGEM NO PROCESSO.
b) Considerando-se que houve paragem, se a paragem do processo resulta efetivamente de negligência da parte em promover o seu andamento; pretende o mesmo constatar a verificação dos pressupostos da deserção.
E) Como resulta óbvio, não houve in casu
c) Paragem no processo.
d) Negligência por parte do A.
F) Basta ver o histórico do processo para se verifique não houve qualquer paragem do processo:
- Em Fevereiro de 2017 houve a CONTESTAÇÃO e vários requerimentos subscritos pelo Dr. G….
- Em 15.05 um requerimento do Dr. H…
- Em 06.06 ato do agente de execução incumbido da citação de um Réu
- Em 09.06 e 29.06 duas tentativas de citação de I…
- Em 29.06 uma notificação de J…
- Em 04.07.2017 um requerimento da agente de execução relativo ao ato de citação.
G) Assim sendo, é completamente falso que o processo tivesse estado parado pelo menos até 05.09, data em que foi desassociada do processo J….
H) Mas mesmo que assim não fosse, nem assim o processo teria estado parado durante mais de seis meses.
I) No período de Fevereiro a Setembro de 2017 ocorreram as férias da Páscoa, de 9 de Abril, a 17 de Abril, e das férias grandes de 16 de Julho a 31 de Agosto.
Devendo o A. considerar-se notificado do despacho datado de 07/02/2017 a 10.02.2017, aos seis meses do período de deserção da instância deveriam subtrair-se 54 dias de férias.
Assim, o prazo de deserção só terminaria a 4 de Outubro de 2017 e não na data que entendeu o Sr. Juiz.
J) Diga-se também que não se mostra o desinteresse do A. no processo, sendo certo que não é certamente o A., que quer uma sentença em que lhe seja pago o que lhe é devido, e para si é muito, quem pretende livrar-se deste processo.
K) Desde logo, tendo havido uma contestação no processo e tendo havido tentativas de citação de RR no processo, nunca cogitou o autor que o Sr. Juiz, por não ser junta uma tradução para língua portuguesa destinada a quem trabalhou anos numa empresa portuguesa, usando a língua portuguesa, entendesse que o processo estava parado e daí retirasse a conclusões de que o autor se desinteressara do andamento do processo, e no que o autor confiou, qualquer bónus pater famílias confiaria..
L) Sendo certo que, por exemplo, a solicitadora J… foi indevidamente dessasociada do processo, sem notificação ao signatário, que poderia pretender que continuasse associada ao processo, pois ao contrário do que o Sr. Juiz entendeu, nada lhe poderia assegurar que a Sr. Solicitadora não tivesse descoberto uma morada do réu em Coimbra onde ele poderia ser citado.
E nada garantia ao Sr. Juiz que o A. não entendesse que esse era um meio de proceder a uma citação VERGONHOSAMENTE demorada.
M) Além da conclusão errada de que o A. se desinteressara do processo, existem outras razões que levaram o A. a atrasar a entrega da tradução.
Com efeito, é notório que é morosa a tradução para linguagem francesa de toda a documentação necessária para concretizar a citação.
Desde logo, a petição inicial apresentada conta com 90 artigos e tem inúmeros termos técnicos, acrescendo a isso a necessidade de tradução de inúmeros documentos, com termos técnicos complexos.
O tribunal não atendeu às evidentes dificuldades e enormes despesas que uma tradução assim implicava para o A., pessoa que vive modestamente, para o qual o preço duma tradução assim se torna praticamente incomportável ESTANDO A SER DIFÍCIL, SENÃO IMPOSSÍVEL, ENCONTRAR QUEM FAÇA UMA TRADUÇÃO ECONOMICAMENTE SUPORTÁVEL PELO A.
N) Acresce que, a verdade é que o processo não se encontra parado, pois que sempre existiu atividade processual relativamente aos demais réus.
O) Salvo melhor opinião, consideramos que o n.º 4 do artigo 281.º do CPC, deve ser interpretado no sentido de ser necessário, além do despacho de deserção, que foi efetivamente proferido, pois não se verifica de forma automática pelo mero decurso dos seis meses, ouvir previamente as partes, de forma a ajuizar no caso concreto se a falta de impulso processual é, ou não, devido a negligência.
P) Somente depois dessa audição das partes, o juiz devia emitir o despacho adequado. Só a realização dessa audição permite uma decisão fundamentada do juiz, ao invés de uma meramente discricionária.
Aliás, tal dever decorre expressamente do artigo 3.º, n.º 3 do NCPC ao dispor que o juiz deve observar e fazer cumprir o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Q) No caso sub judice essa audição não teve lugar, o juiz do tribunal a quo limitou-se a proferir sem mais despacho de deserção, sem que previamente tenha ouvido as partes e indagado se o seu comportamento foi ou não negligente.
R) Ademais, o despacho recorrido nem sequer menciona o facto de ter havido negligência do A. em promover os termos do processo, que não avalia.
S) O litisconsórcio voluntário caracteriza-se pelo facto dos sujeitos da relação plural não terem que intervir em conjunto na acção, embora possam fazê-lo se quiserem e por isso ele gera apenas uma acumulação de acções e cada um actua com independência em relação aos outros - vide A. Varela, Manual Processo Civil 2ª ed. p. 162 e 164.
T) A falta de impulso processual que se discute nos autos não respeita a todos os réus, mas apenas a dois deles, pelo que nenhum obstáculo existe quanto à prossecução dos autos em relação aos restantes réus.
U) O tribunal recorrido violou, entre outros, o artigo 3.º, 35.º, 277.º, al. c) e 281.º, ambos do NCPC.
V) Em face do exposto, deve revogar-se o douto despacho recorrido, determinando-se que o mesmo seja substituído por outro que conceda ao A. prazo para se pronunciar sobre a alegada falta de impulso processual e, eventualmente, dar esse impulso.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão deve ser dado integral provimento ao presente recurso e, em consequência deve revogar-se a douta decisão recorrida e substituir-se por outra que conceda ao A. prazo para se pronunciar sobre a alegada falta de impulso processual e, eventualmente, dar esse impulso, com as legais consequências.

Dos autos não consta que tenham sido apresentadas contra - alegações.
2 - Objecto do recurso.
Sabendo-se que o recurso é delimitado pelas suas conclusões a questão submetida a este Tribunal da Relação consiste em saber se o juiz podia declarar a instância deserta sem que as partes tivessem tido a oportunidade de se pronunciarem.

3 - Os factos a ter em consideração para a decisão do recurso são os constantes do ponto 1) desta decisão.
4 - Fundamentação de direito.
De acordo com o disposto no artigo 281, nº1, do CPC “ Sem prejuízo do disposto no nº 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.
Acrescentando o nº 4 que” A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator”.
Como sabido, na vigência do CPC de 1961, com as alterações introduzidas pelo D- l nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, a instância interrompia-se, quando o processo estivesse parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou de algum incidente do qual dependesse o seu andamento – artº 285 – e proferido despacho a ordenar que o processo aguardasse o impulso das partes, sem prejuízo do disposto nesse normativo, a notificação desse despacho impulsionava o início do prazo da interrupção da instância, a qual ocorria decorrido um ano – Cfr. Acórdão do STJ de 14-09-2006, proc. 06B2400, DGSI.
Interrupção, que, mantida durante dois anos, levava à deserção da instância independentemente de qualquer decisão judicial – artigo 291, nº1, do CPC – redacção que se manteve com a reforma operada pelo D-L303/2007.
Comparando os dois regimes sobressai um encurtamento dos prazos atinentes à deserção da instância que eliminou a figura da interrupção da instância do NCPC.
O que está de acordo com os ditames que determinaram as alterações nos hábitos e rotinas dos profissionais do foro, “ impondo a todos uma responsabilidade de exigência, de diálogo e de cooperação” – cfr. João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio, Introdução ao Estudo e à Aplicação do CPC de 2013, Almedina, 2013, pág.8 e seguintes.
Donde resulta que se exige às partes “ um maior cuidado no acompanhamento das suas causas para que as mesmas atinjam a finalidade normal para que foram instauradas”(..), sendo que ao Tribunal também, se exige (..) que só cancele a tutela jurisdicional que lhe foi solicitada se houver dados para concluir, com certeza, pelo alheamento das partes em relação à referida finalidade”- Acórdão desta Relação de 24-02-2015, proc. Nº 2673/07 DGSI-
Neste contexto, algumas decisões inclinaram-se no sentido de ouvir as partes, tendo em vista a avaliação da imputação da negligência a uma delas – neste sentido, vide Acórdãos: RC de 07-01-2015, proc. 368/12; RL de 15-01-2015, proc. 2998/03; RP de 24-02-2015 acima citado; RG de 07-05-2015, proc. 243/14 e, ainda, da RL de 12-05-2015 proc. 309/14, todos disponíveis no site DGSI; na doutrina vide Abílio neto CPC anotado 2103, pág. 112, em sentido não coincidente vide José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC, anotado, 3ª ed. pág. 556/557 onde defende que a interpretação exposta não é a única do preceito e que no seu entender a “ prazo de seis meses conta-se, pois, não a partir do dia em que a parte deixou de praticar o acto que condicionava o andamento do processo, isto é, a partir do dia em que lhe tornou possível praticá-lo ou, se para o efeito tinha um prazo “perentório”, a partir do dia em que terminou, mas a partir do dia em que lhe é notificado o despacho que alerte a parte para a necessidade de impulso processual”, seguindo, assim, o regime que anteriormente se aplicava-.
O apelante, fundando-se, certamente, nesta jurisprudência, defende que o nº4 do artigo 281 do CPC não é de aplicação automática antes exige a audição das partes, nos termos do artigo 3,nº3, do CPC.
Mas, como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 2016, o preceito invocado não tem aplicação ao caso uma vez que não se trata aqui do direito de influenciar a decisão em termos de facto, provas ou decisão, antes “trata-se simplesmente de fazer actuar uma consequência processual directamente associada na lei à omissão negligente da parte tal como retratada objectivamente no processo”- Relatado pelo Conselheiro José Rainho, disponível em DGSI no mesmo sentido vide o Acórdão tb do STJ de 14-12-2016, Relatado pelo Conselheiro Salazar Casanova, também, disponível em DGSI-
Logo a negligência de que fala a lei é a que consta do processo do qual sobressai com clarividência que o autor aqui apelante apesar de ter sido notificado para juntar aos autos a tradução das peças processuais tendo em vista a citação dos réus E… e F… com a advertência de que se o não fizesse no prazo de 6 meses (sempre prejuízo do disposto no artigo 281) a instância se extinguiria por deserção – artigo 277 alínea c), do CPC-, não a juntou.
Ora, não o tendo feito, estamos perante uma situação de desinteresse em promover a citação – dado que só com a citação de todos os réus é que os autos prosseguem os seus normais termos – e logo perante uma situação de negligência.
Assim, como se diz no Acórdão desta Relação de 14-06-2016, o despacho “ a decretar a deserção por força da aplicação de tal preceito não tem que ser, obrigatoriamente, precedido da audição prévia das partes nos casos em que, em algum momento nos autos, as mesmas tenham sido alertadas para as consequências da omissão do impulso processual”, e, como demonstrado, o autor/apelante foi alertado para tal efeito e logo não há, assim, que proceder à sua audição – disponível em DGSI, proc. 1390/10.2-.
Donde se conclui que bem andou o Tribunal recorrido ao declarar a deserção da instância por falta de impulso processual do autor/apelante.
O recurso é, assim, improcedente.
Decisão
Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar improcedente o recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Porto, 06-02-2018
Maria de Jesus Pereira
José Igreja Matos
Rui Moreira