Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1212/12.0TBSTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL
DENÚNCIA
INDEMNIZAÇÃO DE CLIENTELA
REPARAÇÃO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP201710261212/12.0TBSTS.P1
Data do Acordão: 10/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 108, FLS 259-304)
Área Temática: .
Sumário: I - No contrato (contrato quadro) de concessão comercial para revenda, além desta obrigação do concessionário de comprar para revender, as partes vinculam-se a outro tipo de obrigações (normalmente concernentes à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes), sendo através delas que verdadeiramente se efetua a integração do concessionário na rede ou cadeia de distribuição do concedente e este passa a exercer sobre a atividade daquele controlo e fiscalização económica mais ou menos intensos.
II - Enquanto o contrato de fornecimento constitui uma modalidade de distribuição indireta não integrada, em que está ausente, no plano jurídico, a política comercial de controlo, por parte do fornecedor, típica dos contratos de cooperação, o contrato de distribuição autorizada tem caraterísticas próximas do contrato de concessão comercial, mas com atenuação significativa, dos fatores de integração na rede e controlo do principal que são, por vezes, muito ténues.
III - Não obstante a natureza expressa e receptícia da declaração de denúncia, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a admitir a chamada “denúncia-modificação” e tácita.
IV - Havendo falta ou insuficiência do prazo de aviso prévio na denúncia do contrato, a parte responderá pelos danos que sejam causados por essa falta ou insuficiência (e não pelos danos decorrentes da própria cessação do contrato em si), indemnizando a parte contrária em conformidade.
V - Dependendo das caraterísticas de cada relação contratual, não é de excluir, à partida, a indemnização de clientela nos contratos de distribuição autorizada.
VI - Sendo de admitir a reparação de danos de imagem e bom nome de uma sociedade comercial, o Direito não dispensa a prova de factos que os revelem.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1212/12.0TBSTS.P1 (apelação)
Comarca do Porto - Póvoa de Varzim - Instância Central - 2ª Secção Cível

Relator: Filipe Caroço
Adjunto: Desemb. Judite Pires
Adjunto: Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B..., S.A.[1], com sede na Rua ..., Apartado ..., Trofa, e C..., S.A.[2], com sede na ..., ..., ..., ....-..., Gafanha da Nazaré, instauraram ação declarativa comum, com processo ordinário, contra D..., S.A.[3], com sede na ..., ..., ....-... ..., Palmela, alegando essencialmente o seguinte:
Numa relação baseada num contrato celebrado em abril de 2003 entre as AA. e a R., esta enquanto única importadora, produtora e comerciante de determinados refrigerantes, em especial, da marca E..., faturava produtos daqueles género à 2ª A, mas entregava-os à 1ª A., sendo esta a sua real distribuidora numa área geográfica do país, por sua própria conta e risco, junto dos vários retalhistas, sem qualquer interferência da 2ª R., cujo objeto social era diferente.
Não obstante vender também outros bens, a 1ª A. estava integrada na organização comercial da R., sendo responsável pela promoção e venda dos seus produtos naquela área geográfica, desenvolvendo ali intensa atividade de promoção e venda dos seus refrigerantes, para tanto fazendo grande investimento, com o inerente esforço financeiro que tem vindo a suportar.
Entre os anos de 2003 e 2008, a 1ª A. aumentou progressivamente o número de clientes de venda a retalho/compradores, de 1242 para 2233, sendo que cada vendedor da 1ª A. tinha uma carteira com cerca de 150 clientes. De igual modo, em 2004, faturou € 1.082.609,00 em produtos abrangidos pelo contrato de distribuição celebrado no ano de 2003 e, em 2008, já estava a faturar € 10.559.616,00 na venda daqueles produtos, aumentando assim também, progressivamente, a sua margem bruta de comercialização de € 200.728,29 para € 654.145,30, de tal modo que a 1ª A. era a empresa que maior volume de produtos da D1..., em especial da marca E..., revendia em território nacional.
Em março de 2009, a R. surpreendeu a 1ª A. com um súbito e exorbitante aumento dos preços dos produtos da marca E..., enquanto outros distribuidores da R. revendiam os mesmos refrigerantes aos seus clientes por preços inferiores àqueles.
Em consequência, os clientes da B1... passaram a comprar aos concorrentes dela, em especial ao F... e à G... e aos outros distribuidores que integram a rede de distribuição dos produtos da D1..., vendo-se a 1ª A. na necessidade de comprar E... a outros colegas distribuidores da R., sem as promoções, brindes, campanhas de marketing, publicidade e aniversários, prémios, viagens, campanhas, sell out, folhetos, etc., que esta facultava àqueles seus distribuidores.
Com este aumento de preços, discriminatório e anticoncorrencial grave, a R., unilateralmente, impediu-a de comercializar os seus produtos, o que configura uma declaração tácita de denúncia incondicional, com extinção da relação comercial em 30.3.2009, data dos últimos fornecimentos.
A R., numa posição de abuso de posição dominante, violou as leis da concorrência, passando a praticar com a A. preços não competitivos, discriminando-a relativamente aos outros distribuidores, com o consequente desvio dos seus clientes habituais para os seus concorrentes.
A R. abusou de direito ao denunciar o contrato sem um pré-aviso razoável (6 meses), quando até então alimentava a ideia de que não o denunciaria num prazo previsível, criando expetativas à A. de que o contrato se manteria por longo período de tempo, tendo, por isso, efetuado avultados investimentos na sua empresa, cujo período de amortização se prologaria por 8 a 10 anos.
Entende a 1ª A. que tem direito a:
a) Indemnização de € 327.071,65, equivalente a 6 meses de margem média bruta mensal auferida no ano de 2008, nos termos do art.º 29º, nº 2, do Decreto-lei nº 178/86;
b) Indemnização de clientela que estima em € 250.000,00; e
c) Compensação pelos prejuízos inerentes à cessação inesperada e extemporânea do contrato, trazidos à sua imagem e bom nome comercial, pelo montante de € 25.000,00.
Termina, assim, o seu articulado com o seguinte pedido, ipsis verbis:
«a) ser a R. condenada a pagar à B1..., uma indemnização de clientela no valor de € 250.000,00, nos termos da lei;
b) ser a R. condenada a pagar à B1..., nos termos do artigo 29º, n.º 2 do DL 178/86, uma compensação de € 327.041,65 equivalente a seis vezes a margem média bruta mensal auferida no decurso de 2008,
c) ser a R. condenada a pagar à B1..., uma indemnização de €25.000,00 por danos indirectos, actuais e futuros, certos e eventuais trazidos à sua imagem e credibilidade empresariais resultantes da cessação inesperada do contrato de distribuição;
d) ser a A. condenada a pagar à B1... os juros de mora que à taxa legal se vencerem desde a citação até efectivo e integral pagamento.» (sic)

Citada, a R. contestou a ação, por exceção e por impugnação.
Alegou que nunca existiu qualquer contrato de distribuição entre as AA. e a R. A 1ª A. nunca foi mais do que um operador logístico e não teve, nem tem, qualquer influência na prospeção e angariação de clientes para os produtos da R., não havendo qualquer contrato escrito de distribuição entre elas celebrado no ano de 2003, tal como não existia anteriormente quando, em 2002, a aqui 1ª A. defendeu a sua existência num outro processo judicial, como tendo sido celebrado no ano de 1989.
Considera a R. que a 2ª A. é parte ilegítima e que o alegado direito das AA. se extinguiu por transação judicial, devidamente homologada por sentença de 14.11.2003, transitada em julgado, no proc. 141/2002, que correu termos no Tribunal Judicial de Santo Tirso, onde a A. declarou ter sido completamente compensada pela extinção do contrato de distribuição dos produtos da ora R. que, de acordo com o que havia alegado, vigorava desde 1989 e tinha sido extinto pela aqui R. em 1.4.2001.
A 1ª A. litiga de má fé ao deduzir um novo pedido de indemnização com base num alegado contrato já extinto, com declaração de quitação sem reservas no âmbito da referida transação.
Por impugnação, a R. nega grande parte dos factos descritos na petição inicial e, no essencial, aduz que a comercialização, promoção e distribuição dos produtos da R. nas áreas que a A. B1... reclama como “suas” sempre foram realizadas diretamente pela R. ou por (verdadeiros) distribuidores contratados para o efeito, que não a A. Esta comprava e pagava à R. os produtos que vendia, sendo ela também que decidia, encomenda a encomenda, em que local a R. os deveria entregar.
Nunca a R. contratou qualquer das AA. como distribuidora dos seus produtos, desconhecendo os investimentos que a 1ª A. terá realizado na sua empresa, nem lhe fixou qualquer objetivo de vendas.
Não existiu qualquer alteração súbita, irreversível e unilateral de condições contratuais estabelecidas com as AA.
As condições comerciais entre as partes variaram ao longo do tempo e foram sendo livremente acordadas em função dos interesses e possibilidades das partes, bem como das condições do mercado.
A R. não se recusou a fornecer produtos às AA., simplesmente constatou que elas, devedoras de largas centenas de milhares de euros, não desejavam adquirir mais produtos.
Não há qualquer infração ao Direito da concorrência.
Quanto à indemnização por falta de pré-aviso, refere que, além de não existir qualquer contrato de distribuição, foi a 1ª A. que comunicou à R. que não lhe iria adquirir mais produtos. Ainda que que assim não fosse, a própria 1ª A. reconheceu em carta de 3.7.2009 que aquela indemnização estava parcialmente compensada com um débito para com a R., com pagamento do remanescente.
Mesmo que existisse --- mas não existe --- entre as AA. e a R. um contrato de alguma forma análogo ao contrato de agência, a sua denúncia nunca teria de ser realizada no prazo de um ano, mas sim, no máximo, no prazo de 3 meses. Acresce que a 1ª A. reconheceu na carta de 7.4.2009 que os aumentos de preços eram relativos apenas aos últimos três meses, ou seja, a três meses antes do momento em que as AA. assumiram a extinção do contrato; ou seja, sempre teria havido um pré-aviso de três meses, suficiente nos termos do Decreto-lei nº 176/86.
Não se verifica qualquer requisito de que dependa a atribuição da indemnização de clientela.
A A. B1..., antes da comunicação de 7.4.2009 revendia produtos enquanto grossista aos clientes do seu Cash and Carry, não perdeu o acesso aos mesmos, e a R. não beneficiou nem é previsível que venha a beneficiar da extinção da relação comercial com as AA.
A imagem da 1ª A. não foi afetada por qualquer ato da R.
Acrescenta que as AA. litigam de má fé, prosseguindo numa estratégia de recusa injustificada de pagamento de dívidas vencidas e de tentativa de locupletamento à custa da demandada, alegando falsidades e omitindo factos essenciais para a decisão da causa, designadamente que a 1ª A. já declarou em 2002, no âmbito de uma transação judicial celebrada com a aqui R., ter sido totalmente indemnizada pela extinção do alegado contrato de distribuição no qual funda os seus pedidos.
Faz culminar assim o seu articulado:
«Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá:
a) a A. C... ser julgada parte ilegítima e, em consequência, ser a R. absolvida da instância quanto a ela;
b) ser julgada procedente a excepção peremptória alegada e, em consequência, ser a R. absolvida do pedido;
Se assim não se entender,
c) ser a acção julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, ser a R. absolvida do pedido.» (sic)
As AA. replicaram alegando que não existe qualquer decisão de mérito sobre a causa de pedir ou fundamento da presente ação, onde está em causa um novo contrato de distribuição comercial celebrado não só entre a A. B1..., mas também entre a A. C... e a R., o qual teve início em abril de 2003 e cessou, por denúncia, em 20.03.2009.
Sustentaram a legitimidade da 2ª A.
Quanto à alegada extinção do direito das AA., defenderam que o objeto, os sujeitos, a causa de pedir e o pedido da ação que correu termos no 3º Juízo Cível de S. Tirso, com o n.º 141/2002, são totalmente distintos e autónomos do objeto, dos sujeitos, da causa de pedir e dos pedidos formulados na presente ação. A causa de pedir da presente ação é o acordo verbal celebrado em data imprecisa de abril de 2003 (novo contrato), ou seja, volvidos dois anos sobre a extinção da relação contratual objeto da ação nº 141/2002.
Não pode a atividade desenvolvida pela B1... ser qualificada como se de um simples operador logístico se tratasse.
Quer na ação em que se discutiu o outro contrato, terminado em abril de 2001, quer nos presentes autos, as partes não os reduziram a escrito, à semelhança, aliás, do que é muito frequente em relações contratuais análogas.
Concluem assim a réplica:
«a) devem as excepções deduzidas pela Ré serem julgadas totalmente improcedentes, por não provadas, com as necessárias consequências legais;
b) Se conclui como na p.i..
c) Deve a Ré ser condenada como litigante de má fé no pagamento de multa e indemnização às AA.» (sic)

Teve lugar a audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador com decisão de ilegitimidade da 2ª A. (C..., S.A.), por isso, excluída do processo.
Foi ali definido o objeto do litígio, seguido da especificação dos temas de prova e decisão de admissão dos meios de prova.
Foi, posteriormente, reconfigurada a seleção da matéria de facto por despacho de 2.9.2015 (fls. 600 e seg.s dos autos), com factos assentes e temas de prova, que foram objeto de reclamação da 1ª A., parcialmente deferida.
Teve lugar a audiência final, a que se seguiu a prolação de sentença fundamentada em matéria de facto e de Direito que culminou com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver a ré do pedido.
Custas pela autora.” (sic)
*
Inconformada, apelou a 1ª A., em matéria de facto e de Direito, resumindo e concluindo as alegações nos seguintes termos:
«1. A decisão do douto tribunal a quo ao ter dado como não provada a matéria de facto constante dos Temas de Provas nºs 2, 3, 5 e 7, nomeadamente, os arts. 13º, 2ª parte, 14º, 29º, 33º, 34º, 35º, 37º, 38º, 39º, 50º, 52º, 82º, 85º, 86º, 87º, 92º a 102º, 109º, 110º, 111º, 112º, 113º, 114º, 115º, 124º, 125º, 127º, 128º, 137º, 138º, 174º, 176º e 177º da p.i. carece de ser sindicada e consequentemente alterada/revogada, dando-se em consequência a mesma como provada, com todas as repercussões daí imanentes na decisão final.
2. Como supra se deixou alegado, existiu por parte do Tribunal a quo uma errada interpretação e apreciação da prova carreada para o processo. Tudo que supra foi exposto permite, sem sombra de dúvida, dar como provada a matéria aludida.
3. Ao mesmo tempo, deve a alínea l) da matéria de facto provada ser reformulada de acordo com a alteração supra requerida (em concreto, resposta ao Tema de Prova nº 3), uma vez que os factos acima apresentados permitem comprovar que a alteração dos preços apresentada à Autora por parte da D1... conduziu à extinção da relação contratual, tendo a B1... ficado impedida de revender os produtos da marca E... no mercado. Ou seja, ao contrário do que a alínea l) perpassa, a A. não deixou de solicitar à Ré fornecimentos de modo voluntário, por sua própria e exclusiva vontade, mas antes porque a conduta da D1... assim o impôs. Se o produto E... representava 80% do volume global do negócio da A. e se os seus concorrentes mantiveram os preços anteriores é óbvio que a A. viu-se totalmente impedida de continuar a operar nesse mercado. É fulcral que tal fique bem esclarecido. Com a redacção da alínea l) menosprezou o Tribunal por completo a conduta nociva e perniciosa da Ré em relação à Autora.
4. Procedendo-se à alteração da matéria de facto como acima se expôs, ou seja, alterando-se os “factos não provados” constantes da sentença para provados, a única conclusão possível é que o contrato sub judice qualifica-se, em bom rigor, como um puro e verdadeiro contrato de distribuição comercial, em concreto, na modalidade de concessão comercial.
5. Não é que já não se pudesse chegar a tal conclusão com os factos que já se encontravam provados. Aliás, observando a “Matéria de Facto Provada, com Relevância para a Decisão da Causa”, designadamente as alíneas b), c), d), h) e j), crê a Recorrente que já poderia o M. Juiz a quo chegar a tal conclusão. Os factos eram mais do que suficientes para se poder perceber que a relação comercial existente entre as partes era muito mais do que uma relação de distribuição independente! Se não fosse assim, então por que razão, por exemplo, é que a A. informava a Ré sobre as características de alguns clientes, como o seu potencial, as suas qualidades como pagadores e os tipos de produtos fornecidos?
5-A. Tem sido posição generalizada da jurisprudência, a aplicação ao contrato de concessão do regime legal da agência.
5-B. A jurisprudência vai mesmo mais longe, chegando a considerar que determinadas normas do Decreto-Lei n.º 178/86 são “paradigmáticas” dos contratos de cooperação, as quais, por isso, segundo o Acórdão da Relação do Porto de 6 de Outubro de 1992, se aplicam assim, analogicamente, a todos os contratos que revistam tal natureza cooperativa ou colaborante”[4] sendo certo que também a Relação de Lisboa, no seu Acórdão de 7 de Outubro de 1993, considerou o regime da agência “aplicável, por analogia, aos contratos de gestão em geral”[5].
5-C. Concluindo, assim, que ao contrato de concessão comercial é aplicável, por analogia, o regime de agência – que nos nossos tribunais superiores se vai alargando aos contratos de natureza “colaborante” e de “gestão em geral” –, segue-se ver se isso será possível no caso concreto.
5-D. Ora, face aos factos que já se encontram provados, a resposta não oferece dificuldade, devendo o regime de agência ser-lhe, assim, aplicável, por analogia e, em especial, a atribuição da indemnização de clientela à Autora, e as indemnizações por falta de pré-aviso (art.º 29º, n.º 2) e por danos causados à sua imagem e bom nome empresarial.
6. Porém, não obstante o exposto, a verdade é que com a alteração da matéria de facto requerida passam a não subsistir dúvidas quanto à relação de distribuição integrada existente. Assim, ao contrário do propugnado pelo Tribunal a quo que considerou a Autora como uma “simples distribuidora independente”, é certo e seguro afirmar que a sociedade B1... encontrava-se plenamente integrada na rede de distribuição da D1....
7. Nos presentes autos está, pois, em causa um acordo de distribuição não exclusivo, conforme se reconhece, entre outros, no art. 42º da p.i.. e que abarcava os concelhos melhor identificados no seu art. 14º.
8. Assim a partir de Abril de 2003 passou a vigorar um novo contrato, com novas condições e em que a B1... perdeu a vantagem concorrencial que o direito de exclusivo lhe proporcionava.
9. Mas em contrapartida passou a beneficiar de uma maior margem de comercialização, facto que transformou o contrato “sub-judice” no segundo ou terceiro contrato de distribuição mais importante do país para a D1..., do ponto de vista do volume de negócios ou vendas.
10. De facto e como se comprovou no exame pericial o volume de compras da A. à R. rondava os 10/11 milhões de euros por ano!
11. Deste modo, o acordo de distribuição que terminou em 2.04.2011 e o que se iniciou em Abril de 2013 e que é objecto da presente acção constituem contratos diversos, razão pela qual não é correcto por parte do M. Juiz a quo estar a comparar os contratos apresentados em ambas as acções, pois naturalmente serão diferentes.
12. Não há, assim qualquer falta de assertividade ou fragilidade. Muitas outras acções referentes a contratos de distribuição o signatário patrocinou e foram julgadas procedentes, e falamos aliás de relações comerciais já de longos anos (30, 50, 100 anos) que não estavam plasmadas num acordo escrito e nem por isso se deixou de conseguir fazer prova da sua existência (sendo, aliás, bastante comum em sede comercial o acordo meramente verbal).
13. O que sucedeu, simplesmente, foi que o douto tribunal a quo acolheu errada interpretação da matéria de facto carreada para os autos, preferindo nortear-se pela teoria, pelos manuais, olvidando que a rudeza da prática comercial é por vezes insusceptível de se subsumir a qualquer teoria ou manual.
14. Prova disso são as obrigações de exclusividade e de não concorrência, que o Tribunal a quo criticou por não estarem presentes nestes autos, imputando à A. mais uma vez “falta de assertividade”.
15. A páginas 11, no parágrafo 5º, o Tribunal fala de obrigações de “limitação de autorização de venda numa área” e “proibição de venda de produtos concorrentes”, estranhando não terem sido alegadas na acção e definindo estas como “elementos característicos de um contrato de distribuição”.
16. Ora, com isto olvida o Tribunal dois aspectos: i) por um lado, que estas obrigações não caracterizam o contrato de distribuição comercial; não é por estarem ou não presentes que o contrato se define (ou não) como contrato de distribuição, em concreto, na modalidade de concessão comercial. Na realidade, essa já é uma discussão antiga que há muito está resolvida; ii) por outro, que a existirem num contrato obrigações de exclusividade e/ou não concorrência seriam estas nulas por violadoras das regras de Defesa da Concorrência (cfr. art. 9º da Lei nº 19/2012, de 8 de Maio).
17. Para quem tem experiência nesta área, sabe que o que está em causa neste tipo de distribuição comercial (indirecta integrada) é a maior ou menor integração do distribuidor na marca. É esta maior ou menor integração que nos permite qualificar o contrato como agência, concessão, franquia, etc.
18. No que toca especificamente quanto ao contrato de concessão, este apesar de legalmente atípico, é recorrentemente qualificado pela doutrina como socialmente típico, desempenhando uma função económico-social própria.
19. Mas, independentemente dessa qualificação, a realidade sociológica continua a ser a mesma, falamos aqui sempre de distribuição comercial de produtos, na integração do distribuidor na rede de distribuição do produtor/fornecedor. A realidade económica é a mesma.
20. Daí que a qualificação como “contrato de distribuição” ou de “concessão comercial” e a oscilação entre os dois não deva merecer a atenção exasperante que o Tribunal a quo lhe concedeu. Ao fim ao cabo, a concessão é uma das modalidades da distribuição comercial, representa um minus em relação ao majus; não é por a A. tanto fazer menção a um, como depois a outro, que a acção se tona frágil ou pouco segura, como faz crer a sentença recorrida. Aliás, como já se sabe, não é o nome dado pelas partes que define sequer a realidade de um contrato.
20-A. Longe de as vincular, ou ao tribunal, visto que se trata de matéria de direito (art.º 664º CPC), o “nomen iuris” que as partes atribuam aos contratos não tem valor decisivo, antes, e apenas, indiciário.
“Contratus non ex nomine sed ex re legem accipiunt”: a qualificação dos contratos – questão lógica e necessariamente prévia à determinação do respectivo regime – depende essencialmente do seu conteúdo, mais para tanto importando as estipulações das partes que a designação que estas lhes atribuem.
São as cláusulas pactuadas que estruturam o negócio e autorizam a sua exacta qualificação jurídica. Nada valem, perante essa realidade substancial, a nomenclatura utilizada e a exclusão expressa da disciplina, mormente imperativa, que decorre dessa qualificação” (Almeida Costa, RLJ, 118º/219).

Isto posto, e quanto à impugnação da decisão relativa à matéria de facto

21. Salvo o devido respeito, entende a ora Recorrente que o douto Tribunal a quo errou na apreciação da prova produzida em sede de audiência final, dando como não provados factos, em concreto os artigos constantes do Tema de Prova nº 2, que por força da acta junta a fls. 795 e do depoimento das testemunhas H..., I..., J... e K... que, no seu conjunto, de forma coerente, lógica, credível, determinante, isenta e com razão de ciência devidamente controlada confirmaram, como se pode aquilatar pela audição de tais depoimentos, acima em destaque, tais factos que, assim, deveriam antes ter recebido a resposta clara e inequívoca de provados.
22. A acrescer, apesar de não terem sido expressamente incluídos no Tema de Prova, é certo e seguro afirmar que os factos constantes dos arts. 27º, 32º e 69º a 73º da p.i., que são relevantes para a boa decisão da causa, foram igualmente provados, como se pode confirmar pelo depoimento das testemunhas referidas.
23. No Tema de Prova nº 2 consta a seguinte matéria:
“Celebração do contrato de distribuição entre a Autora B1... e a Ré, nos termos alegados nos arts. 12º, 13º, 14º, 29º, 33º, 34º, 35º, 37º, 38º, 39º e 82º da petição inicial”
24. Na douta sentença, o Meritíssimo Juiz “a quo” entendeu dar como provada apenas a factualidade constante na alínea d).
25. No entanto, tendo em linha de conta a prova produzida e os demais elementos carreados para o processo a única conclusão passível de ser retirada é exactamente no sentido contrário! Custa, aliás, à ora Recorrente compreender ao porquê do Tribunal quo ter desvalorizado por quase completo os depoimentos das testemunhas supra indicadas e ter antes preferido valorizar os depoimentos de funcionários da Ré que ou pouco sabiam (como é o caso das testemunhas L... e M...) ou até se revelaram contraditórios face ao dito noutro processo (caso da testemunha N...), ou pouca credibilidade demonstraram (caso da testemunha O...). Em boa verdade, estes depoimentos deixaram muito a desejar, tanto pela parcialidade denotada, como pela falta de coerência e sobretudo pela total falta de conhecimento e/ou razão de ciência.
26. O Tribunal a quo desvalorizou de forma injusta e sem qualquer justificação plausível o depoimento das testemunhas H..., I..., J... e K... quando estas depuseram de forma absolutamente correcta, coerente, e com razão de ciência devidamente controlada, dados os especiais conhecimentos que assim tinham dos factos controvertidos e do modo como o sector funcionava. Os seus depoimentos em muito contribuíram para a descoberta da verdade, não existindo uma sequer falha ou incongruência a apontar, contrariamente ao que o Tribunal a quo defende.
27. A testemunha H... descreveu, de forma séria e credível, a relação comercial entre a D1... e a B1...; a data de celebração do contrato, as áreas de influência, a distribuição porta a porta, os tipos de clientes, a organização da mão-de-obra, a formação dos trabalhadores, os objectivos de venda impostos, as iniciativas promocionais feitas por conta da D1..., os dados de mercado que a B1... facultava à D1..., etc. Ou seja, tudo informação mais do que suficiente para dar como provado os factos constantes do Tema de Prova nº2.
28. A testemunha I... descreve de modo minucioso toda a relação contratual existente: o modo de celebração do contrato, o porquê da D1... ter escolhido a A. para revender os seus produtos, a área de actuação, os objectivos impostos pela Ré (volume de vendas, tipos de clientes, preços…), as promoções e publicidade efectuadas por conta da D1..., a forma de organização da equipa de vendas, a identificação dos carros, as informações divulgadas à Ré, etc.
29. A testemunha J... com razão de ciência plenamente controlada, de forma séria, credível, isenta e objectiva descreveu, nomeadamente, as tarefas desenvolvidas pela A. na execução do contrato, as áreas geográficas por ela trabalhadas, o peso das revendas dos produtos da ré na distribuição porta a porta que a A. desenvolvia junto dos retalhistas da sua área de influência ou actuação e o tipo.
30. A testemunha K..., ex-Director da Ré e que foi o representante directo desta nas negociações e celebração do contrato «sub-judice», note-se, porque importante, deu um contributo importante para a percepção da relação existente entre as partes, descrevendo ainda as características atinentes a um contrato de distribuição integrada e depondo de forma clara e concisa. Não se percebe, assim, o porquê do M. Juiz a quo ter imputado à testemunha “uma caracterização incipiente do mercado” (pág. 12).
31. A própria testemunha N..., antigo funcionário da D1..., também deu alguns contributos interessantes para esta discussão, ao contrário do que entendeu o M. Juiz a quo, que teve em consideração esta testemunha para formar a convicção de que a A. era mera distribuidora independente. Ora, observando o depoimento é possível aferir alguns pontos que nos conduzem noutra direcção.
32. Por tudo isto, é certo e seguro que o Tema de Prova nº 2 deveria ter sido dado como integralmente provado.
33. Como se pode constatar pelos depoimentos, a Autora era distribuidora dos produtos E..., revendendo-os a pequenos estabelecimentos comerciais da área alimentar e aos retalhistas do AF... e estabelecimentos de restauração e hotelaria instalados nas suas áreas de influência (art. 13º, 2ª parte, da p.i.). A Autora não revendia os produtos ao consumidor final, estando como tal plenamente integrada na rede de distribuição da Ré. Todas as características apontadas pelas testemunhas permitem chegar à conclusão que a A. não era um simples distribuidor independente, como assim entendeu o Tribunal a quo.
34. O mesmo se diga em relação à testemunha K..., cujo depoimento acima se transcreveu. Na audiência de discussão e julgamento de 10 de Abril de 2013, que correu sob o processo nº 629/10.9TBSTB[6], esta testemunha foi bastante elucidativa quanto às razões que conduziram à celebração do negócio em discussão nestes autos e o porquê desse contrato não ter sido firmado por escrito.
35. Na sopesação crítica dos depoimentos conjugados das testemunhas ouvidas nesse julgamento de Setúbal, lendo o despacho da M. Juiz Dra. P... facilmente se percebem as razões do contrato não ter sido reduzido a escrito. Nas seis páginas que se lhe dedicou o Tribunal fundamentou a resposta à Base Instrutória, sendo bastante claro e lúcido no seu relato. O mesmo se impunha no que concerne à presente sentença recorrida, mais não fosse pela primordial importância do princípio da uniformidade de decisões. Porém, o M. Juiz a quo preferiu desconsiderar esta prova documental no que à sua essência diz respeito, fazendo uma pequena referência à mesma a páginas 11, mas com uma interpretação que peca por errada.
36. É que como se viu supra o contrato não foi reduzido a escrito por imposição da D1... e não por alta recreação da Autora. Não há, assim, nenhuma “fragilidade” ou “inverosimilhança”. A relação comercial que existiu entre as partes assumiu os contornos tal e qual como estão descritos na petição inicial. A A. limitou-se a contar à verdade. Não é por não existir suporte escrito que a relação de distribuição que as partes desenvolveram durante cinco anos deixa de conseguir ser provada.
37. Por sua vez, quanto às testemunhas M... e L..., cumpre chamar à atenção para a nota que a M. Juiz do processo nº 629/10.0TBSTB deixou a páginas 6. Disse assim: “do depoimento das testemunhas extrai-se que não tinham conhecimento concreto do eventual negócio celebrado entre a Autora e a Ré C..., nem dos contornos precisos do negócio celebrado entre a B1... e a D1...”. Deste modo, é certo e seguro afirmar que estas testemunhas não merecerem, assim, qualquer credibilidade, dada a falta de conhecimento sobre o assunto.
38. De notar, aliás, que a própria testemunha L..., apesar de desconhecer em concreto a relação comercial, confessou na audiência do processo nº 629/10 que “o negócio existente entre a B1... e a D1... era um negócio de excepção em que os preços estabelecidos no âmbito dessa relação não podiam ser do conhecimento de terceiros e, por essa razão, as facturas não acompanhavam a mercadoria”.
39. De igual modo, entende a ora Recorrente que o douto Tribunal a quo errou na apreciação da prova produzida em sede de audiência final, dando como não provados os artigos constantes do Tema de Prova nº 3, que por força do depoimento das testemunhas H..., J... e I... que depuseram com conhecimento de causa, de forma coerente, objectiva, determinante e isenta, deveriam antes ter recebido a resposta clara e inequívoca de provados.
40. A acrescer, apesar de não ter sido expressamente incluído no Tema de Prova, é certo e seguro afirmar que os factos constantes do art. 123º da p.i., que também relevam para a boa decisão da causa, foram igualmente provados, como se pode confirmar pelo depoimento das testemunhas aludidas.
41. No Tema de Prova nº 3 consta a seguinte matéria:
“Actuação da Ré conducente à extinção da relação contratual com violação de normas sobre concorrência, nos termos alegados nos arts. 91º, 92º, 93º, 94º, 95º, 96º, 97º, 98º, 99º, 100º, 101º, 102º, 109º, 110º, 111º, 112º, 113º, 114º, 115º, 124º, 125º, 127º e 128º da petição inicial”
42. Na douta sentença, o Meritíssimo Juiz a quo entendeu dar como provada apenas a factualidade constante nas alíneas i), k) e l).
43. Como vemos pelos depoimentos transcritos, as testemunhas descreveram, de forma séria, crível e plausível, a actuação da Ré conducente à extinção da relação contratual, com violação das normas sobre a concorrência: as represálias da D1... sobre a B1... quanto aos preços praticados, por pressão dos concorrentes (nomeadamente, F...) durante a vigência da relação; o aumento abrupto dos preços; a data do último fornecimento; os preços praticados pela concorrência (que mantiveram as condições anteriores ou até tinham percentagens melhores), isto é, a vantagem concedida ao Grupo “Q...” e as condições agressivas praticadas pelo “F...” e pela “G...”; a pressão e perseguição efectuada pela D1... de modo a evitar que a B1... conseguisse revender os produtos E...; a batalha da A. para se manter no mercado sem despedir trabalhadores; a inviabilização do negócio; a impossibilidade de recorrer a outros mercados, etc.
44. A própria testemunha K..., antigo funcionário da Ré, quando confrontado em sede de audiência de discussão e julgamento com o referido aumento de preços a que foi sujeita a B1..., afirmou que um aumento dessa ordem não era normal e que tal inviabilizava o negócio da Autora.
45. É que note-se, porque importante, foi por força da atitude da Ré que a Autora ficou impedida de continuar a revender os produtos E... no mercado onde operava. Falamos aqui de um autêntico bloqueio, perfeitamente demonstrado pelos comportamentos seguintes por parte da D1... que perseguiu e pressionou os distribuidores E... para não venderem os produtos à B1... (até chegou a tirar fotos aos camiões a carregar, imagine-se!).
46. A E... representava para a Autora mais de 80% do volume global das vendas dos produtos contratuais (80 a 90% como foi afirmado pelas testemunhas). Se a D1... aumentou os preços dos produtos (sem qualquer aviso prévio que permitisse à A. sequer antever este acontecimento) e se pelo contrário manteve-os com a restante concorrência (ou até baixou) é por demais evidente que a A. ficou impossibilitada de actuar naquele mercado. Não é preciso ir muito longe para se chegar a tal conclusão. Daí que a própria formulação da alínea l) da matéria de facto provada esteja errada, uma vez que confere a ideia de que a B1... deixou de se abastecer na D1... de modo voluntário, o que como sabemos não foi o caso.
47. Entende igualmente a Recorrente que o douto Tribunal a quo errou na apreciação da prova produzida em sede de audiência final, dando como não provados artigos constantes do Tema de Prova nº 5, que por força do depoimento das testemunhas H..., I..., J... e K..., que depuseram de forma lógica, consistente, íntegra e credível, deveriam antes ter recebido a resposta evidente e manifesta de provados.
48. No Tema de Prova nº 5 consta a seguinte matéria:
“Benefício desse aumento de clientela para a Ré sem vantagem para a Autora B1..., nos termos alegados nos arts. 137º, 138º, 174º d), 176º e 177º da petição inicial”.
49. Na douta sentença, o Meritíssimo Juiz a quo entendeu dar como provada apenas a factualidade constante nas alíneas j) e k).
50. Por conseguinte, como podemos observar pelos depoimentos reproduzidos, as testemunhas descreveram, de forma séria, verosímil, congruente, com expressividade e conhecimento de pormenores, tudo o que ocorreu no que concerne à clientela angariada: o aumento de clientes conseguido pela A. para a Ré; a informação facultada pela B1... à D1... sobre os clientes; a impossibilidade, em consequência do sucedido, de a A. poder adquirir à D1... os produtos da marca E...; a impossibilidade por parte da A. em abastecer os seus clientes; o destino da clientela após o término da relação (passaram-se a abastecer nos distribuidores da D1... ou na própria); o facto de a B1... em nada ter beneficiado da clientela por si angariada após a cessação do contrato; os clientes que passaram a ser visitados pelos distribuidores da D1... fruto dos dados partilhados pela B1...; etc.
51. Ou seja, tudo informação mais do que suficiente para dar como provado os factos constantes do Tema de Prova nº 5.
52. Por último, considera a Recorrente que o douto Tribunal a quo errou na apreciação da prova produzida em sede de audiência final, dando como não provados artigos constantes do Tema de Prova nº 7, que por força do depoimento das testemunhas H..., I..., J... e K..., que depuseram de forma coerente, consistente, séria, fluente e credível, deveriam antes ter recebido a resposta clara e inequívoca de provados.
53. No Tema de Prova nº 7 consta a seguinte matéria:
“Investimentos da Autora B1... em função da relação comercial mantida com a Ré, nos termos alegados nos arts. 44º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º, 50º, 51º, 52º, 85º, 86º e 87º da petição inicial”.
54. Na douta sentença, o Meritíssimo Juiz “a quo” entendeu dar como provada apenas a factualidade constante na alínea h).
55. No entanto, tendo em linha de conta a prova produzida e os demais elementos carreados para o processo outros factos teriam que ser igualmente dados como provados, em concreto, os arts. 50º, 52º, 85º, 86º e 87º da petição inicial.
56. Unanimemente incluído nos contratos de distribuição comercial, o contrato de concessão comercial corresponde a uma das formas mais propagadas da distribuição comercial de bens ou serviços de marca ou de reconhecida qualidade.

Quanto ao Direito aplicável

57. Neste contrato de concessão podemos distinguir, como assim é sublinhado no Acórdão do STJ de 20.06.2013, três notas essenciais: “(i) é um contrato em que alguém assume uma obrigação de compra para revenda, estabelecendo-se, desde logo, os termos (ou os principais termos ou regras) em que esses futuros negócios serão feitos; (ii) o concessionário age em seu nome e por conta própria, assumindo os riscos da comercialização; (iii) as partes vinculam-se a outro tipo de obrigações, sendo através delas que se efectua verdadeiramente a integração do concessionário na rede ou cadeia de distribuição do concedente. O que pode implicar, designadamente, o estabelecimento de regras sobre a organização e as instalações do concessionário, os métodos de venda, a publicidade, a assistência a prestar aos clientes, etc., consagrando-se um certo controlo do concedente sobre a actividade do concessionário”.
58. Como vemos a exclusividade não é um elemento essencial do contrato de concessão. O mesmo se diga relativamente à obrigação de não concorrência. Falamos delas aqui porque foram obrigações que o Tribunal a quo criticou por não estarem presentes nestes autos, imputando à A. “falta de assertividade”.
59. Ora, tendo em consideração as provas juntas aos autos e à matéria factual que como vimos deveria ter sido dada como provada, é patente que as características supra referidas encontram-se plenamente presentes no caso: a A. comprava os produtos à Ré e de seguida revendia-os por sua conta e risco, característica que permite distinguir a figura em causa do contrato de agência (ver alínea d) da sentença, arts. 13º e 29º da p.i., Tema de Prova nº2); detinha uma área de influência na qual operava (arts. 14º, 29º, 37º e 39º da p.i., Tema de Prova nº2); a Ré fornecia, como estipulado, os produtos por si comercializados à A., concedendo-lhe descontos, que por si só demonstra bem a relação de cooperação comercial existente; a A., conforme expressamente exigido pela R., mantinha-a informada acerca dos negócios em curso e clientes angariados (al. j) da sentença, arts. 35º e 174º d) da p.i., Temas de Prova nºs 2 e 5); a A. estava obrigada a fazer publicidade e marketing aos produtos da R. (arts. 33º e 34º da p.i., Tema de Prova nº 2); a A. realizava sempre os objectivos comerciais de vendas que lhe eram traçados pela R. (cfr. art. 82º da p.i., Tema de Prova nº2); a A. dispunha de instalações, equipamentos e viaturas apropriadas para a distribuição dos produtos (cfr. al. h) da sentença, arts. 44º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º, 50º, 52º, 85º e 86º da p.i., Tema de Prova nº 7), e de uma equipa de vendas devidamente organizada (v. arts. 51º e 86º da p.i., Tema de Prova nº 7) …

Quanto ao pré-aviso adequado ao caso concreto

60. Face a estes factos e às considerações jurídicas vertidas que outra conclusão se pode retirar que não a de subsumir o contrato em causa a um puro e verdadeiro contrato de concessão comercial? A pergunta é claramente retórica, tal a evidência da resposta!
61. De sublinhar, que a observância de um prazo mínimo de aviso prévio constitui, antes de mais e acima de tudo, um afloramento dos princípios aplicáveis à generalidade dos contratos que devem reger-se, desde logo, pela boa-fé. Como é ensinado no Acórdão do TRL de 14.11.2013, “a natureza duradoura, a organização de actividade, a promoção de produtos com retorno sempre distanciado no tempo, determinam que consideremos que as regras gerais de boa fé determinam que no caso dos autos a denúncia esteja sujeita a pré-aviso”.
62. Atendendo aos argumentos já devida e oportunamente expostos pela A., ora Recorrente, no articulado inicial (artigos 142º a 158º), o prazo de pré-aviso a respeitar nunca poderia ser inferior a seis meses.
63. A aceitação de um prazo mais curto representaria uma clara violação dos princípios da boa fé (art. 762º nº2 do Código Civil), ou noutra perspectiva um abuso de direito por parte da Ré, nos termos do art. 334º do C.C. dadas as expectativas por esta criadas de que o contrato se manteria em vigor por um período bem mais dilatado.
64. Dito isto, observando os factos, facilmente se constata que não foi respeitado qualquer prazo de pré-aviso, pelo que a denúncia é ilícita, incorrendo o denunciante em responsabilidade contratual, ficando deste modo obrigado a indemnizar a outra parte pelos danos que resultarem da falta supra referida.
65. Assim, prevalecendo-se do direito que lhe é reconhecido no art. 29º, nº 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, a B1... reclama da D1..., a título de indemnização a que tem direito, a quantia de € 206.857,00 equivalente a 6 meses da margem média bruta mensal auferida no decurso do ano de 2008.
66. De facto, no relatório pericial e na alínea g) da matéria de facto provada consta que a margem bruta de comercialização dos produtos fornecidos foi em 2008 de € 413.715, o que dá um total de € 206.857,50 (413.715/12x6).
67. Por sua vez, o direito da Autora à indemnização de clientela resulta, de forma clara e inequívoca, das alíneas e), f), g) e k) da matéria de facto provada constante na sentença (resposta ao Tema de Prova nº4) e dos arts. 137º, 138º, 174º, 176º e 177º da p.i. (Tema de Prova nº 5) que como vimos supra deveriam ter recebido a resposta de “provados”.

Quanto à peticionada indemnização de clientela

68. Com efeito, as aludidas testemunhas, no seu conjunto, confirmaram que a Autora, na vigência do contrato, fruto do seu esforço, trabalho e dedicação, cativou clientes, rendendo-os à compra dos produtos, assim procedendo claramente a favor da Ré, concedente. Como sublinha o Ac. do STJ de 20.06.2013, “cessada a relação contratual, não deverá ser desconsiderado o esforço desenvolvido pelo concessionário na criação ou manutenção de uma clientela para a marca do concedente, que beneficiará este no futuro”.
69. A nosso ver, estão assim preenchidos os requisitos legais da aplicação analógica do artigo 33º do referido diploma. Razão por que se justifica plenamente uma indemnização de clientela a favor da Autora.
70. A indemnização de clientela pode pois ser fixada até ao limite da média anual das remunerações auferidas pela A. durante a vigência do contrato (5 anos).
71. Não faz qualquer sentido apelar à média anual do “lucro líquido” auferido pelo agente em ordem a fixar a indemnização de clientela a conceder à Autora. Com esta compensação não se pretende ressarcir os danos reais sofridos pelo agente em consequência directa e necessária de um acto ilícito do principal. Não há aqui que aplicar o regime estabelecido no Código Civil para a obrigação de indemnização (art. 483º e 798º C.P. Civil).
72. Ora, o “lucro líquido” está talhado para a obrigação de indemnizar nos termos gerais. Aliás, se fosse para compensar o agente do “prejuízo real” que deixou de auferir, então haveria que ter em consideração que após a cessação do contrato o concessionário, ao contrário do agente, continua a ter que suportar os investimentos, rendas, salários, impostos, seguros, indemnizações, compromissos financeiros, etc., pelo que sendo com a retribuição bruta que ele fazia face a todos esses encargos, o seu prejuízo real corresponderia à perda da margem de comercialização bruta que o contrato lhe proporcionava e de cuja manutenção dependia a sua actividade.
73. De notar, que os concessionários realizam, em regra, investimentos em instalações, recursos humanos, equipamentos, pesadas infra-estruturas empresariais, etc. Ao invés o agente não suporta os custos destas estruturas empresariais. Limita-se a comprar e vender em nome e por conta do principal. Por vezes nem sequer emite uma factura relativa à venda, antes se limita a emitir um recibo de comissões.
74. O critério do “lucro líquido”, apesar de ser seguido pela jurisprudência nacional, conduz a soluções injustas e desfasadas da realidade.
75. Por isso é que a jurisprudência recente está a inverter a tendência, seguindo antes o critério do lucro bruto, posição que é aliás de aplaudir!
76. Como vem sendo ultimamente defendido, e nas palavras da douta sentença proferida no âmbito do processo nº 622/08.1TVPRT, “a contrapartida a considerar deve ser formada pelo seu valor bruto, isto é, sem dedução de quaisquer despesas ou impostos suportados pelo concessionário”.
77. Neste sentido importa conferir, a título de exemplo, Menezes Leitão, “A indemnização de clientela no contrato de agência”, p.69; Ferreira Pinto, “Contratos de Distribuição”, Univ. Católica Editora, Lisboa, 2013, p.664; acórdãos do STJ de 04.06.2009 (processo nº99/05.TVLSB) e de 15.05.2012 (processo nº 3170/2009), e acórdão da Relação do Porto de 03.07.2012 (processo nº 330/07.0TBMCD).
78. Imagine-se uma concessão com muitos anos de duração, mas em que os últimos 5 anos a sua exploração foi deficitária. De acordo com o critério do lucro líquido não assistiria ao concessionário qualquer direito ou compensação pela clientela angariada.
79. Ora, a jurisprudência belga determina a indemnização compensatória dessa concessão deficitária em função do benefício bruto auferido nos dois ou três exercícios anteriores à cessação do contrato.
80. E em Espanha existe uma tendência generalizada na jurisprudência para conceder o tecto máximo legal da chamada indemnização de clientela, ou seja, o valor correspondente à média bruta anual dos últimos cinco anos.
81. No caso dos autos, apesar da extinção do contrato de concessão a A. continuou a suportar os salários e sobretudo os investimentos respeitantes às instalações que ainda não se encontram integralmente amortizados.
82. Dito isto, e tendo em consideração os factos provados, deve ser fixada equitativamente a indemnização de clientela em € 371.160,60.
83. De facto, apesar do pedido – alínea a) – se cifrar e em € 250.000,00, pelas contas efectuadas face à alínea g) da matéria de facto provada e ao relatório pericial a indemnização de clientela pode subir ao valor de € 371.160,60. Sem deixar de se recordar que esta indemnização é fixada de acordo com a equidade, a tal justiça do caso concreto, a atribuição daquele valor de €371.160,00 situa-se dentro dos limites do pedido global.

Quanto aos danos causados à imagem e bom nome empresarial

84. A ruptura imprevista das relações comerciais com a Ré afectou o prestígio e a credibilidade empresarial da Autora.
85. Para este efeito, deve-se ter em linha de conta a alínea m) da matéria de facto provada (resposta ao Tema de Prova nº 6), assim como a fundamentação do Tribunal a quo a este respeito (pág. 16 da sentença), que conferem assim base probatória para tudo o quanto foi acima alegado.
86. Consequentemente, quer nos termos dos artigos 789º e 801º, n.º 2, do Código Civil, quer em virtude do artigo 32º, n.º 1, do D.L. 178/86, tem a B1... também direito a uma indemnização pelos danos ou prejuízos causados pelo não cumprimento do dever geral de boa-fé e das obrigações contratuais imputáveis à D1....
87. Dito isto, por tudo o exposto, deve ser atribuída à Recorrente, nos termos supra narrados, uma indemnização de € 25.000,00 por danos indirectos, actuais e futuros, certos e eventuais trazidos à sua imagem e credibilidade empresariais, resultantes da denúncia do contrato.» (sic)
Visa, assim, a recorrente que seja revogada a sentença e substituída por acórdão que julgue a ação procedente, com atribuição à A. de uma indemnização de clientela, uma indemnização por falta de pré-aviso, nos termos do art.º 29º, n.º 2 do DL 178/86 e uma indemnização por danos causados à sua imagem e bom nome, nos valores supramencionados ou nos valores que equitativamente se reputem como justos.

A R. respondeu em contra-alegações, defendendo a improcedência total da apelação e da ação.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.
As questões a decidir --- exceção feita para o que é do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação da A., acima transcritas (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil[7]), sendo elas:
1. Erro de julgamento em matéria de facto;
2. Qualificação jurídica dos factos;
3. O direito da A. e as indemnizações peticionadas.
*
*
III.
São os seguintes os factos considerados provados pelo tribunal a quo[8]:
a) Nos autos de acção declarativa, com processo ordinário, que correram termos no 3.º Juízo Cível de Santo Tirso sob o n.º 141/2002, a que se reportam as certidões juntas em 16 e 19 de Dezembro de 2013 (fls. 275 e ss., e fls. 357 e ss), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, em que foi autora a também ora autora B..., S.A., e ré a também ora ré D..., S.A., foi proferida sentença em 14 de Novembro de 2003, já transitada em julgado, que homologou transacção subscrita por representantes das duas partes nos seguintes termos: “1.º A Autora reduz o pedido para a quanta de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros). 2.º Esta quantia será paga pela Ré, no prazo de quinze dias, através de cheque a enviar para o escritório do mandatário da Autora. 3.º Com o recebimento desta quantia a Autora declara-se completamente indemnizada por todos os danos e prejuízos sofridos em consequência da cessação do contrato em discussão nos presentes autos, nada mais tendo a exigir da Ré. (…)”; (alínea a) da matéria assente)
b) A ré é uma sociedade comercial que tem nomeadamente por objecto a importação, produção e a comercialização de refrigerantes da gama de produtos da companhia multinacional “S...”, com sede nos Estados Unidos, sendo a única entidade que em Portugal importa e produz as marcas desta multinacional, em especial a marca E..., nomeadamente os produtos que ostentam as marcas “E...”, “T...”, “U...”, “V...”, “W...” e outras; (resposta ao tema de prova 1)
c) Os representantes da ré sabiam que o produto E... era muito importante para o desenvolvimento do negócio da autora; (resposta ao tema de prova 1)
d) Em Abril de 2003, em reunião realizada na sede da B1..., na Trofa, por acordo verbal, foi expressamente estabelecido entre os representantes da D1... e da B1... que a D1... passaria a fornecer directamente os seus produtos à B1..., por preço mais baixo que aos restantes grossistas, entregando-os nos armazéns desta na Trofa para posterior comercialização, através do seu Cash and Carry sediado na Trofa e através de distribuição porta a porta dirigida aos clientes da autora; (resposta ao tema de prova 2)
e) No ano de 2005, fruto da sua actividade de compra e revenda de produtos fornecidos pela ré, a autora já revendia tais produtos a 1.049 clientes, no ano de 2006 a 1.244, no ano de 2007 a 1251, e no ano de 2008 a 1.609; (resposta ao tema de prova 4)
f) Em 2004, fruto da sua actividade de compra e revenda de produtos fornecidos pela ré, a B1... facturou aos seus clientes €1.965.181,00 em produtos fornecidos pela ré, no ano de 2005 €6.650.483,00, no ano de 2006 €10.332.719,00, no ano de 2007 €11.924.596,00, e no ano de 2008 €10.347.259,00; (resposta ao tema de prova 4)
g) No ano de 2004 a margem bruta de comercialização dos produtos fornecidos à autora pela ré, correspondente à diferença entre o preço de aquisição e o preço de venda pela B1... aos seus clientes foi de €113.183,00, em 2005 €347.674,00, em 2006 €316.609,00, em 2007 €664.622,00 e em 2008 €413.715; (resposta ao tema de prova 4)
h) Ao longo da evolução da relação comercial com a ré, e em grande parte por causa do crescimento desta, arrendou dois armazéns adicionais e posteriormente substituiu-os por um novo, que fez construir, tendo também adquirido “racks” metálicos, vitrinas de exposição, máquinas e equipamentos para a oficina e para o posto de abastecimento de combustíveis, cerca de dez viaturas, empilhadores, contratou dez vendedores, um director comercial e dois chefes de equipa; (resposta ao tema de prova 7)
i) Em Março de 2009, a ré comunicou à autora que iriam cessar os descontos que lhe vinha concedendo face à concorrência nos fornecimentos de E..., levando a que o preço de venda à autora de cada lata de E... passasse de €0,303 para €0,36, e da garrafa de dois litros de €0,95 para €1,19, sendo a E... o produto largamente mais significativo dos fornecimentos da ré à autora ao longo dos anos; (resposta ao tema de prova 3)
j) Na vigência da relação comercial, e sempre que a ré o solicitava, a autora informava-a sobre as características de alguns clientes, como o seu potencial, as suas qualidades como pagadores, e os tipos de produtos mais fornecidos; (resposta ao tema de prova 5)
k) Em consequência, a autora perdeu clientela de produtos fornecidos pela ré para a concorrência, como o F... e a G..., registando uma diminuição acentuada de clientela de produtos fornecidos pela ré, em favor dessa concorrência e também da própria ré; (resposta aos temas de prova 3 e 5)
l) Por não aceitar as alterações de preços assim propostas, a autora deixou de solicitar fornecimentos a ré e cessou a sua relação comercial; (resposta ao tema de prova 3)
m) O que levou a um clima de desconfiança entre clientes e fornecedores da autora sobre as razões do fim dessa relação comercial; (resposta ao tema de prova 6)
n) A autora fez remeter à ré, que o recebeu, o escrito junto como documento n.º 7 em 30 de Outubro de 2015 (fls. 720), datado de 7 de Abril de 2009, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta nomeadamente: “Face aos vossos sucessivos aumentos de preços ao longo destes 3 meses em que já aumentaram quase 20% face ao mês de Dezembro de 2008, este aumento levou que a nossa empresa ficasse totalmente fora do mercado nos vossos produtos. Neste sentido e para finalizar as contas entre ambos vimos por este meio solicitar o levantamento de produto que temos em stock pois a vossa súbita subida de preços não nos possibilita a venda do resto dos nossos produtos.”; (resposta ao tema de prova 8)
o) A autora fez remeter à ré, que o recebeu, o escrito junto por cópia em 19 de Dezembro de 2013 (fls. 413 e ss), datado de 3 de Julho de 2009, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta nomeadamente: “ (…) A partir de 2003 V.Exas. estabeleceram que seria a C... a adquirir as vossas marcas de produtos os quais seriam posteriormente revendidos pela B1.... Esta, desde 1988, revendia-os, através do seu Cash and Carry e, ainda, servindo-se da sua capacidade de armazenagem e da sua frota distribuía-os pelos seus clientes, os retalhistas do AF... e os estabelecimentos de restauração e hotelaria instalados na sua área de influência. (…) Não obstante o nosso excelente desempenho comercial na comercialização e distribuição dos vossos produtos, subitamente e sem que nada o fizesse prever, no dia 20 de Março de 2009, a D1... retirou à C... os descontos que até aí vinha concedendo e que ascendiam a valores próximos dos 15%. Desta forma, a D1... encerrou-nos o mercado, que é o mesmo que dizer que impediu ou inviabilizou a possibilidade de procedermos à promoção e comercialização dos vossos produtos. Sem condições comerciais para podermos competir com os vossos distribuidores os quais continuaram a beneficiar de preços mais baixos que a B1..., V. Exas. acabaram por nos discriminar excluindo-nos do mercado. (…) Como assim, o comportamento da D1..., ao modificar, unilateralmente, uma cláusula do contrato, para mais decisiva para a viabilidade comercial do negócio em causa, sob condição suspensiva de esta não rejeitar a alteração proposta, sabendo, porém, que a não aceitaria, assumiu a natureza de uma denúncia. (…) A indemnização de clientela e a indemnização por falta de pré-aviso, somam €1.440.381,79. Admitindo a hipótese de o tribunal fixar o prazo adequado de pré-aviso em seis meses, para tanto aplicando por analogia o disposto no art. 28.º do DL 178/86, ainda assim só a indemnização a título de falta de pré-aviso ascende, a pelo menos, € 367.454,89. A conta-corrente entre nós estabelecida apresenta um saldo a favor da D1... de €421.337,34. (…) Consequentemente, a C..., nos termos do art. 848.º do Código Civil, declara parcialmente compensado aquele seu crédito decorrente da falta de pré-aviso (€ 367.454,89) sobre a D1... com o débito para com ela, tornando-se a compensação efectiva a partir da recepção da presente carta e considerando-se o crédito da D1... extinto desde a data da cessação do contrato de distribuição (20.03.2009), nos termos do art. 854.º do Código Civil, sem prejuízo de futuramente podermos reclamar as demais indemnizações que ao caso couber. Assim, por força da compensação ora operada tem a D1... a receber da C... a quantia de €53.882,45, quantia que segue em anexo através do nosso cheque nº .......... sobre a X.... (…) ”. (alínea c) da matéria assente)
*
O tribunal a quo considerou não provada a seguinte factualidade:
Que em Abril de 2003 autora e ré tenha acordado entre si qualquer contrato de distribuição, com mútuas obrigações de compra e venda, com atribuição de uma área de influência à autora, obrigação da autora executar iniciativas promocionais ou publicidade por conta da ré, obrigação da autora informar a ré de todos os dados de mercado de que dispusesse sobre a comercialização dos seus produtos, obrigação da autora em limitar a sua intervenção em mercado a determinados tipos de cliente, ou vinculação contratual da autora a objectivos (resposta ao tema de prova 2).
Que em Março de 2009, a G... e o F... vendessem aos seus clientes E... a preços inferiores aos que a ré se propunha vender à autora (resposta ao tema de prova 3).
Que a partir de Março de 2009 a ré se recusasse a fornecer E... à autora em embalagem de 0,20 cl em grade, em embalagem de 0,20tp e em embalagem de 0,33cl em grade, enquanto vendia tais produtos a concorrentes da autora (resposta ao tema de prova 3).
Que por a autora passar a comprar “E...” a distribuidores da ré esta os perseguisse, discriminasse, os ameaçasse e retaliasse, cortando-lhes os fornecimentos (resposta ao tema de prova 3).
Que em finais de Março de 2009, o próprio Director Geral da R. confessasse aos representantes da B1... que a D1... não concedia as mesmas condições que concedia ao “Grupo Q...”, tendo o mesmo admitido que havia diferenças de preços e descontos que significavam que aquele grupo concorrente podia comprar os produtos da D1... por menos 10% a 15% do preço pelo qual a B1... podia comprar à mesma D1..., ora ré (resposta ao tema de prova 3).
Que as atitudes da ré para com a autora desde Março de 2009 prejudicassem a livre e são concorrência do mercado e impedissem a autora de comercializar produtos da marca “E...” quer no seu Cash & Carry quer por via de distribuição junto do AF... (resposta ao tema de prova 3).
Que durante a vigência daquela relação comercial entre autora e ré, a D1..., por diversas vezes, obrigasse a B1... a aumentar os preços de venda dos seus produtos no Cash and Carry desta, na Trofa, pois segundo os responsáveis da D1... o F... protestava junto dela contra os preços praticados pela B1... (resposta ao tema de prova 3).
Que em consequência directa e necessária da conduta da ré, a autora deixasse de lhe poder adquirir produtos da marca E... (resposta ao tema de prova 5).
Que o total de investimentos da autora em função da relação comercial com a ré ascendesse pelo menos a € 3.500.000,00 (resposta ao tema de prova 7).
*
IV.
1. Erro de julgamento em matéria de facto
A apelante indica como objeto da sua dissidência relativa à respetiva decisão os factos que constituem:
- O tema de prova nº 2, com exceção do que foi dado como provado, nomeadamente os artigos 13, 2ª parte, 14, 29, 33, 34, 35, 37, 38, 39 e 82 da petição inicial, acrescidos da matéria dos artigos 27, 32 e 69 a 73 do mesmo articulado da A.;
- O tema de prova nº 3, com exceção do que foi dado como provado, nomeadamente os artigos 92 a 102, 109 a 115, 124, 125, 127 e 128;
- O tema de prova nº 5, com exceção da matéria dada como provada, nas al.s j) e k) da sentença, os artigos 137, 138, 174, d), 176 e 177;
- O tema de prova nº 7, na matéria descrita nos artigos 50, 52, 85, 86 e 87 da pi.
Considera a A. que tal matéria, tendo sido dada como não provada, deveria ter sido dada como provada.
Concretizando, dada a informação preconizada, a apelante defende que deve ser dada como provada a seguinte matéria de facto:
a) - As partes acordaram em abril de 2003 que a A. passava a vender os produtos da R. através de distribuição porta a porta dirigida aos pequenos estabelecimentos comerciais da área alimentar e aos retalhistas do AF... e estabelecimentos de restauração e hotelaria instalados nas suas áreas de influência;
b) - As áreas de influência da B1... são os concelhos da Trofa, Santo Tirso, V. Nova de Famalicão, Guimarães, Braga, Póvoa de Varzim, Vila do Conde, Viana do Castelo, Vizela, Felgueiras, Fafe, Paços de Ferreira e Maia;
c) - Efetivamente, o conteúdo líquido adquirido foi posteriormente revendido pela B1... a cervejarias, restaurantes, snacks, cafés, pastelarias, tabernas, casas de pasto, cantinas de empresas, bares de hospitais, bares de quartéis militares, bares noturnos, boites, pub’s, discotecas, supermercados, cooperativas, cantinas, mercearias, bem assim como a outros estabelecimentos hoteleiros e de retalho;
d) - Servindo-se dos seus estabelecimentos e da sua frota, a B1... distribuía os produtos em causa nas referidas áreas de influência, alienando-os aos diversos tipos de clientes;
e) - A B1... usava esse conhecimento para prospetar o mercado, angariar novos clientes, aumentar as compras por parte dos clientes regulares, detetar necessidades de abastecimento e assegurar a presença dos ditos produtos nas áreas em causa;
f) - A B1... executava ainda, por sua conta, ou por conta da R., as iniciativas promocionais de descontos, bónus e reclames que lhe eram indicadas pelos responsáveis comerciais da D1..., verbalmente ou por escrito;
g) - A B1... realizava também, por sua conta, publicidade em revistas, jornais e rádios, bem assim como em feiras e exposições locais;
h) - A B1..., sempre que a D1... solicitava, informava-a sobre todos os dados de mercado que envolviam os seus produtos, quer em termos de consumos, características dos clientes e atuação das marcas concorrentes;
i) - Sucede ainda que, nos concelhos referidos no art.º 14º, supra, a R. não vendia diretamente os seus produtos aos clientes com as características aludidas nos artigos 13º e 27º, supra;
j) - A única exceção a esta regra eram as chamadas “grandes superfícies” dos grupos de distribuição moderna, nomeadamente pertencentes aos grupos Q... e Y... que, devido à sua importância e dimensão, eram objeto de negociação direta;
l) - A R. havia, pois, confiado à A. a responsabilidade específica da distribuição dos seus refrigerantes nos concelhos acima referidos;
m) - O total do investimento realizado e aludido nos antecedentes artºs 44º a 49º, na parte afeta ao negócio dos produtos da D1..., foi de, pelo menos, € 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil euros);
n) - Teve que adquirir computadores e software específico para trabalhar com a D1...;
o) - À data da cessação do contrato esses clientes eram abastecidos com as marcas da D1... regularmente, isto é, por semana nuns casos e por quinzena noutros;
p) - À data da cessação do contrato «sub-judice» e em resultado da atividade de promoção e distribuição levada a cabo pela A. não havia uma casa ou estabelecimento do tipo daquelas que estão discriminadas no art.º 27º, supra, situado nas áreas de influência da B1..., que não tivesse E... para vender aos seus clientes;
q) - Cada vendedor da B1... tinha uma carteira com cerca de 150 clientes;
r) - Sendo que a maioria dos clientes, da ordem dos 85% eram visitados semanalmente pelos vendedores da B1...;
s) - E os restantes eram visitados pelo menos, de 15 em 15 dias;
t) - A B1... ultrapassou sempre os objetivos de vendas fixados, periodicamente, pela D1..., nomeadamente, os objetivos respeitantes a promoções dos produtos contratuais.
u) - Em 2008 a B1... inaugurou novas instalações nas quais foi implantado um moderno Cash and Carry e ainda escritórios e armazém;
v) - Parte dessas instalações estavam afetas ao negócio emergente da relação comercial a que se vem fazendo referência;
x) - Foram admitidos novos trabalhadores;
z) - Não obstante o excelente desempenho da B1... e sem que nada o fizesse prever, a 20 de março do mesmo ano, a D1... confirmou à A. que os preços pelos quais estava disposta a vender-lhes a E... em lata e em garrafa de 2 litros era, respetivamente, de € 0,36 e € 1,19;
aa) - Quando é certo que na última compra os preços praticados para esses produtos eram, respetivamente, de € 0,303 e € 0,95, ou seja, menos 18,8% e 25,2%;
bb) - Ora, a E... representava para a A. mais de 80% do volume global das vendas dos produtos contratuais;
cc) - Nessa mesma data, os concorrentes da B1..., a F... e a G..., bem como os outros distribuidores da D1..., revendiam aos seus clientes os produtos que a D1... lhes fornecia abaixo dos preços referido no art.º 92º, supra;
dd) - Acresce que a D1... recusou-se a fornecer a E... em embalagem de 0,20 cl em grade, a E... em embalagem de 0,20tp e a E... em embalagem de 0,33 cl em grade;
ee) - Quando é certo que revendia estes produtos aos concorrentes da B1...;
ff) - Em consequência direta e necessária da política de preços imposta pela D1..., os clientes da B1... passaram a comprar aos concorrentes dela, em especial à F..., à G... e aos outros distribuidores que integram a sua rede de distribuição os produtos da D1..., em especial a marca E...;
gg) - A B... não só perdeu a comercialização da marca E... que lhes era fornecida pela D1...;
hh) - como também se viu obrigada a comprar E... a outros colegas distribuidores da D1...;
ii) - Alguns destes distribuidores passaram a ser perseguidos e discriminados pela D1... que, de retaliação, lhes cortou os fornecimentos!
jj) - Houve inclusivamente um distribuidor que recebeu essa ameaça da D1... com fotos de um dos camiões da B1... a carregar no armazém dele, sendo que essas fotos foram tiradas por funcionários da D1... que perseguiam aquele camião.
ll) - Em finais de março de 2009, o próprio Director Geral da R. confessou aos representantes da B1... que a D1... não concedia as mesmas condições que concedia ao “Grupo Q...”, tendo o mesmo admitido que havia diferenças de preços e descontos que significavam que aquele grupo concorrente podia comprar os produtos da D1... por menos 10% a 15% do preço pelo qual a B1... podia comprar à mesma D1..., ora R.;
mm) - Esta prática concertada, bem como o tratamento discriminatório no que toca a preços, benefícios e contrapartidas de que a B1... foi vítima, prejudicou a livre e sã concorrência do mercado;
nn) - Por outro lado, durante a vigência daquela relação comercial, a D1..., por diversas vezes, obrigou a B1... a aumentar os preços de venda dos seus produtos no Cash and Carry desta, na Trofa, pois segundo os responsáveis da D1... a F... protestava junto dela contra os preços praticados pela B1...!
oo) - Há clientes da B1... a quem a F... pediu faturas da B1... para posteriormente fazer pressão junto da D1... no sentido de esta impor à B1... determinados preços de venda;
pp) - Pressão a que a D1... aderiu, impondo à B1... determinados preços de venda dos seus produtos;
qq) - Como consequência direta e necessária dessas práticas proibidas e anticoncorrenciais e do abuso e tratamento discriminatório de que foi vítima, a B1... ficou impedida de comercializar os produtos da D1..., em especial os da marca E...;
rr) - Pois deixou, sobretudo, de ter preços não só para poder competir com os estabelecimentos comerciais do tipo do da B1... (Cash and Carry) como também com os outros distribuidores da D1..., que operam junto do chamado AF... dos estabelecimentos de retalho e similares;
ss)- Essa súbita e grave alteração dos preços prejudicou irremediavelmente os interesses da B1... o que levou os seus representantes a não aceitar essa alteração ao acordo então em vigor;
tt)- À luz do interesse do credor as alterações contratuais impostas pela D1... implicaram a cessação do contrato por que se vinham pautando as relações comerciais entre ambas;
uu) - Deste modo, essa declaração irreversível, note-se, de que a relação comercial só poderia prosseguir ao abrigo desses novos preços continha uma declaração tácita de denúncia, uma denúncia incondicional, acompanhada da proposta de um acordo com novos preços;
vv) - Entretanto, a R. ainda forneceu produtos à B1... ao abrigo do acordo de distribuição sub judice, sendo o último dos fornecimentos no dia 30 de março de 2009 pelo que o contrato de distribuição sub judice extinguiu-se em 30 de março de 2009 por «denúncia-modificação»;
xx) - Consequentemente, sem dispor de preço competitivo para a E... em virtude da postura da D1..., a B1... viu os seus habituais clientes serem desviados para os seus concorrentes nos quais encontravam preços inferiores aqueles que a D1... vendia à B1...;
zz) - Em consequência direta e necessária da conduta discriminatória e anticoncorrencial da D1..., a B1... deixou de poder adquirir à D1... os produtos da marca E...;
aaa) - A este respeito (indemnização de clientela), convém ter presente que:

aaa1) - A B1... divulgou à D1... toda a informação relativa aos clientes pelo que esta pôde manter, sem qualquer dificuldade, os contactos com clientela desenvolvidos pela B1..., continuando a beneficiar da atividade desta;
aaa2) - Com a cessação da distribuição dos produtos da D1..., esta ficou com a clientela que a B1... granjeou ao longo dos anos.
Aaa3) - Não beneficiando a B1... dos negócios que, após a cessação do contrato vierem a ser celebrados pela D1... para a zona e a clientela angariada pela B1..., relativamente aos produtos abrangidos pelo contrato «sub-judice».

A apelante sustenta a sua posição, essencialmente, nas prestações testemunhais de H..., I..., J... e K..., por si arroladas, no relatório pericial e determinados documentos juntos aos autos (com destaque para a ata junta a fl.s 795, relativa a elementos extraídos da ação nº 629/10.9TBSTB), desvalorizando outros depoimentos na análise crítica que faz das provas.
Nas alegações, a recorrente indica --- até transcreve --- as passagens da gravação de depoimentos que considera mais relevantes para a modificação pretendida.
Estão reunidos os pressupostos legais de que depende o reexame das provas e a reapreciação da decisão relativa à matéria de facto, nos termos do art.º 640º, nº 1, al.s a), b) e c) e nº 2, al. a).
Os termos das contra-alegações e da motivação da decisão em matéria de facto, onde se apela a depoimentos que a apelante desvaloriza, assim como a complexidade da matéria e a necessidade de perseguir a verdade, justificam a análise de toda a prova produzida nos autos, designadamente a prova gravada em audiência, sem exceção, o que se vai fazer (art.º 640º, nº 2, al. b), in limine), cientes de que, no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 607º, nº 5), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto.
Como refere A. Abrantes Geraldes[10], “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.
Citando Antunes Varela, escreve Baltazar Coelho[11] que “a prova jurídica de determinado facto … não visa obter a certeza absoluta, irremovível da (sua) verificação, antes se reporta apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador ou, o que vale por dizer, apenas aponta para a certeza relativa dos factos pretéritos da vida social e não para a certeza absoluta do fenómeno de carácter científico”.
Na mesma linha, ensina Vaz Serra[12] que “as provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida”. É a afirmação da corrente probabilística, seguida pela maior parte da doutrina que, opondo-se à corrente dogmática, considera não exigível mais do que um elevado grau de probabilidade para que se considere provado o facto.
Vejamos então!
Não interessa, de momento, a caraterização dos factos, mas a análise da prova em ordem à verificação da sua real existência.
Estão em causa relações entre empresas comerciais, no âmbito das suas atividades. A documentação escrita, pela natureza dessas relações, é de uso frequente, por razões contabilísticas, mas também porque a experiência do comércio ensina os seus agentes a acautelarem dessa forma os seus interesses, pelas vantagens que a documentação acarreta para a segurança do relacionamento e prova dos factos que, em cada caso, o carateriza. Se assim é em geral, o cuidado aumenta, progressivamente, à medida que se agudiza a complexidade dessas relações e as necessidades de acautelar a segurança negocial mesmo nas situações em que a lei não exige formalização.
O caso que nos é trazido sai da normalidade, desde logo pela interceção da C..., S.A. numa relação que, de facto, se estabeleceu entre a B..., S.A. e a D..., S.A. e que não abonou a honestidade que deve existir nas relações comerciais, independentemente do segredo que, justificadamente, acompanha muitas vezes o exercício do comércio.
Na falta de qualquer formalização documental de um qualquer contrato quadro, a prova daquela relação ficou extremamente dependente da prova testemunhal produzida no processo e, em escassa medida, de alguns dos documentos que a ele foram juntos e que permitiram algum confronto do seu conteúdo com os depoimentos prestados, sobretudo no esclarecimento da matéria relativa ao modo como se desenvolveu o relacionamento entre a A. e a R. entre abril de 2003 e o fim do relacionamento, em março de 2009.
Todas as testemunhas inquiridas, oferecidas pelas partes, eram funcionários e desempenhavam as suas funções na A. ou na R., umas durante a totalidade do período de tempo em que o relacionamento negocial se manteve, outras apenas em parte. Depuseram, essencialmente, sobre factos por elas vividos ou presenciados, fazendo pontualmente alusão a factos que lhes eram relatados por outros funcionários da empresa, como era o caso dos vendedores, por serem seus supervisores. Todas as testemunhas mostraram ter um papel de destaque nas empresas: K..., gestor, era diretor de canal do mercado alimentar, a exercer funções na D1... desde 2001 até 2007, com intervenção direta, a esse nível, na relação com a A.; N... também foi funcionário da R., entre 2001 e 2005, onde exerceu funções de gestão, sendo responsável pela celebração de alguns negócios e sua revisão anual, desde logo com a Z...; I... era diretor comercial da B1..., entrou na empresa no ano de 1995, com outras funções mas progrediu na carreira e participou em negociações com a R. em março de 2003; J... trabalha desde outubro de 2004 na A. onde é diretor de compras e por elas responsável, mas pelas que eram feitas à R. era responsável a testemunha I...; L... é gestora na R. desde 2015, mas foi ali controladora de crédito e cobranças entre 2000 e 2015; O... entrou na R. em 2005, foi gestor de cliente e, em 2007, passou para o canal grossista cash and carry, da R., gerindo a relação comercial com os grandes clientes desse tipo, tais como centrais de compras (em que se incluía a Z...); H..., era chefe de serviços na A., na área financeira, prestando apoio a outras áreas da empresa, sendo ali funcionário desde o ano 2000 (até 2005 o seu trabalho era apenas de assessoria); M... era gestor de conta na R. entre 2003 e 2008, tendo participado em negociações com a Z..., entre outras centrais de compras, atualmente e desde há cerca de 8 ou 9 anos com funções diversas no departamento de logística.
Resultou da generalidade dos depoimentos, sem que isso tivesse sido posto em causa, que a R. é a única importadora de produtos E... para Portugal, fabricando-os, engarrafando-os e distribuindo-os no mercado interno sob autorização da proprietária da marca norte-americana, S.... Na sua distribuição, a R. agia (e age ainda), basicamente, por três vias:
a) Venda direta e entrega, através de funcionários seus, a clientes de grande dimensão, como são as Centrais de Compras, uma delas a Z..., da qual a A. B1... é associada, grossistas como a G... e a F..., e hipermercados, de que se deu exemplo o AB..., o Grupo Q... e Y...;
b) Venda dos seus produtos a grossistas que os adquirem para, por si e por conta própria, os revenderem, porta-a-porta, a retalhistas, em áreas normalmente da sua localização e influência;
c) Celebração com clientes de denominados (pelas partes) contratos de distribuição, reduzidos a escrito e a vigorar por período mais ou menos prolongado, nos quais se fixam determinadas condições, obrigações e direitos de parte a parte, designadamente quanto ao preço dos produtos adquiridos à R. para revender em determinadas áreas de influência, e que variam conforme os interesses das partes. No quadro desse contrato, o distribuidor compra à R., reiteradamente, segundo critério estabelecido, os produtos da sua atividade para vender aos retalhistas (AF...). São exemplo destes contratos os documentos que constam de fls. 689 e seg.s e fls. 707 e seg.s, que a R. celebrou com a AC..., Lda, e AD..., Lda.
A questão primária passa pelo enquadramento do relacionamento iniciado em abril de 2003 entre A. e R., desde logo se se enquadra no regime a), no regime b) ou no regime c), ou ainda, se tem um qualquer outro âmbito não estereotipado.
É seguro afirmar que antes de 2003, entre 1998 e 2001, a A. vinha adquirindo à R. a mesma gama de produtos E... (E..., W..., U..., V... e T...) e que nessa relação surgiu um litígio que deu origem a uma ação judicial (Proc. nº 141/2002 que correu termos no Tribunal Judicial de Santo Tirso) que terminou por transação judicial, como resulta dos documentos de fls. 207 a 216 e 277 e 278, na qual a B1..., com o recebimento da quantia de € 75.000,00, se declarou “completamente indemnizada por todos os danos e prejuízos sofridos em consequência da cessação do contrato em discussão nos presentes autos, nada mais tendo a exigir da Ré”.
Aquela ação tinha o valor de € 213.829,52 e, nela, a D1... considerou a B1... um simples operador logístico externo dos produtos dela, sem o desenvolvimento de qualquer atividade comercial para a R., não angariando clientes, não apresentando o produto aos clientes, não colocando condições nem prestando serviço pós-vendas. Limitava-se, na expressão da D1..., a adquirir-lhe os produtos, armazená-los em armazéns próprios e a fazer a entrega física nos clientes da D1..., procedendo à cobrança dos valores correspondentes ao preço das mercadorias. Era a D1... que nessa área desenvolvia a atividade de prospeção de mercado, conquista de clientes e promoção de venda, recolha de encomendas e serviço pós-venda. Era à R., através dos seus vendedores, que os clientes faziam as encomendas, pois é e era a R., através dele, que promovia, e promove diretamente as vendas.
Não era esta a relação comercial alegada naquela ação nº 141/2002 pela ali autora B1.... Se é certo que algumas testemunhas inquiridas neste nosso processo (de que é exemplo I...) afirmaram que a nova relação entre as mesmas partes, iniciada em abril de 2003, se estabeleceu e desenvolveu em moldes semelhantes à relação anterior, a verdade é que desconhecemos os factos que estão na origem da transação efetuada. Com exceção da matéria ali referenciada nos factos assentes (cf. fl.s 207 a 209), a causa não foi discutida e a transação omitiu a causa real de uma indemnização acordada em valor inferior ao valor do pedido.
Para além disso, o conhecimento da relação anterior sempre seria meramente instrumental na definição e compreensão do relacionamento posterior, não sendo seguro admitir, pela experiência da vida, que, falhada uma relação --- com a agravante de que nem sequer estava resolvido o respetivo litígio (pendente em Juízo) ---, as mesmas partes dessem início a outra relação comercial em tudo semelhante à primeira.
O que importa realmente saber é como se estabeleceu e desenvolveu a relação entre A. e R., iniciada no ano de 2003.
À míngua da prova relativa aos termos acordados inicialmente, a generalidade das prestações testemunhais incidiu sobretudo no modo como essa relação se desenvolveu entre abril de 2003 e março de 2009, quais fossem os direitos e obrigações que as partes aceitavam e assumiam reciprocamente entre si no relacionamento que iniciaram na primeira daquelas datas. Pelo seu funcionamento se descortina o acordo subjacente.
Não interessa a afirmação testemunhal de existência de um contrato de distribuição, tal como não interessa a sua negação pura e simples efetuada por outras testemunhas, conforme o interesse da parte que a arrolou. Se tal contrato existiu, ou não, cumpriu ao tribunal dizê-lo, como cumprirá a esta Relação reapreciar os factos em ordem à sua qualificação jurídica. Também não releva saber aqui se as condições de execução da relação em causa coincidiam, ou não, com as previstas nos ditos “contratos de distribuição” que a R. celebrava com os seus distribuidores. Poderemos estar perante um contrato de distribuição, sem que a relação funcionasse nos moldes exatamente previstos naqueles contratos escritos, de que são exemplo, os que se juntaram ao processo.
Somos, assim, remetidos para factos e para os respetivos meios de prova, verificando se estão efetivamente demonstrados.
Não há divergências profundas entre depoimentos em matéria de facto concreta. Algumas divergências são resolvidas pela melhor prova, a prova que melhor se coaduna com elementos mais fiáveis, com as regras da lógica e da experiência da vida, numa análise conjugada de todas as provas, incluindo a perícia realizada.
A C... era um mero interveniente aparente, cuja real atividade era a importação e transformação de bacalhau. A faturação era efetuada em seu nome, mas o comércio era feito, de facto, com a B1... (empresa do mesmo Grupo), em cujas instalações (armazém), na Trofa, os refrigerantes eram entregues, sendo depois distribuídos pela A. aos seus clientes retalhistas na área da sua força.
Há elementos de prova suficientes no sentido de que a interposição da C... se destinou a ocultar o dito acordo havido em 2003 entre representantes das três sociedades para que a Central de Compras de que a A. fazia parte (a Z...) não tomasse conhecimento das condições em que a R. passava a vender os produtos E... à A. Foi também afirmado que o contrato não foi formalizado em documento escrito pelas mesmas razões. Evitava-se assim eventual exigência daquela Central para todos os associados, ao mesmo tempo que a A. passava a agir em condições mais vantajosas, sem no entanto deixar de comprar naquele mercado cash and carry alguma mercadoria, mas em quantidade muitíssimo inferior àquela que passou a receber diretamente da R. com faturação à C..., trabalhando com valores cada vez maiores, por ter alargado progressivamente o número de clientes e as quantidades a eles vendidas.
Não se compreende muito bem o motivo pelo qual o contrato não foi escrito se as condições fixadas fossem típicas dos termos em que a R. celebrava os denominados “contratos de distribuição”. Formalmente a C... apresentar-se-ia melhor como contraparte da R., os valores praticados não estariam, naquela aparência, relacionados com a B1... e sempre poderiam constar de qualquer anexo que as partes ocultariam e para o qual o contrato poderia remeter.
Houve, de facto, um acordo em abril de 2003, pelo qual a A. passaria, de novo, a adquirir os produtos E... à R. sem passar pela Central de Compras, e que aquela venderia aos seus clientes e aos mais que angariasse, retalhistas, no AF..., sendo do interesse de ambas as partes aumentar, até onde fosse possível, o volume de vendas (veja-se, por ex., o depoimento da testemunha J... quanto ao interessa da A. na ocultação do negócio, por passar a ter melhores preços). Esse acordo verbal foi estabelecido por K... e I..., em representação da R. e da A., respetivamente.
A R. estava a aproveitar a capacidade e a força da ação da A., que bem conhecia (instalações, finanças, etc.), acreditando na possibilidade do crescimento do negócio na área de influência tradicional da B1.... O negócio cresceu consideravelmente ao longo dos anos, até ao termo do fornecimento dos produtos da R., aproveitando a A. as vantagens que tinha sobre a concorrência mais direta relativa ao preço a que comprava o produto à R. Os preços por que a A. comprava os produtos à R. eram “brutais” na expressão de I..., querendo com isso dizer que eram substancialmente mais baixos do que aqueles que a R. praticava com outros clientes. A generalidade das testemunhas sustentou a grande favorabilidade dos preços praticados na venda dos produtos D1... à A. (com faturação à C...), dado o volume de negócios, preços esses mesmo inferiores aos praticados com as grandes superfícies e com os grossistas cash na carry (cf., por ex. a prestação de O... e de H...).
O crescimento foi acompanhado de avultado investimento, designadamente para permitir o aumento de stocks e o transporte na distribuição da mercadoria pelos seus clientes (mais armazéns, mais veículos pesados, mais trabalhadores), sobretudo por causa dos produtos CE....
Mas, como é que se desenvolveu a relação entre A. e R.?
A testemunha K..., interveniente no acordo em causa, representando a R. (já não é seu funcionário desde 2007), afirmou que o mesmo é semelhante aos contratos escritos que a R. firmava com os seus distribuidores (de quais são exemplo os documentos juntos a fls. 689 e sg.s dos autos).
Seria mesmo?
Valem aqui, sobretudo, as mais relevantes referências testemunhais a que vamos aludir, para concluir que, pela sua execução, este relacionamento não tinha os contornos dos denominados “contratos de distribuição” reduzidos a escrito nem ao que a R. considerava ser um acordo de distribuição.
Os preços muito favoráveis à A. resultavam do elevado volume de vendas e valores transacionados (depoimento de K...).
Os descontos efetuados na venda ao retalho pela A. ocorriam por conta dela própria (depoimento de K...).
As campanhas publicitárias que a A. fazia à E..., designadamente nas rádios locais e em folhetos, abrangiam também a generalidade de toda a gama de produtos do comércio da A., produtos esses muito variados, e decorriam por sua própria conta e no seu interesse (depoimentos de K..., I..., H...).
A A. não tinha equipamento informático e softwere específicos para trabalhar com a R. (depoimentos de K... e H...).
Ao contrário do que acontecia com os distribuidores que tinham contrato escrito, a A. não tinha que comunicar as vendas através de uma plataforma eletrónica, sendo que, através dela, a R. verificava se o distribuidor estava a fazer uma abordagem correta ao mercado.
Só os distribuidores tinham a acompanhá-los uma equipa comercial da R. A A. não tinha, quer como grossista, através da central de compras, quer na venda pelo AF....
Há inclusivamente a figura do gestor do distribuidor, que não funcionava com a A. Era acompanhada pela R. apenas como qualquer grossista (cf. depoimento de O...)
Para a área de atuação da A., a R. não tinha nenhum contrato escrito específico com ninguém e fazia ali venda direta a grandes superfícies (hipermercados). A B1... não tinha exclusividade na distribuição de produtos da R. Por isso não tinha carros com referência “E...”. Também vendia outros produtos e, nessas vendas, servia-se dos seus vendedores e chefes de equipa. Só os distribuidores exclusivos da R. usavam veículos com referência à D1....
Na área de ação da A. havia outros operadores/distribuidores com armazém e distribuição de produtos da R. Tal como hoje ainda existem. A R. não tinha exclusividade de vendas nessa área (depoimentos de K..., N..., I... e H...).
A. A. não podia vender aos clientes relativamente aos quais a R. fazia venda direta (AE... e outras grandes superfícies, por exemplo) (depoimento de I...).
A A. podia vender produtos concorrentes dos produtos da R., enquanto os distribuidores não o podiam fazer (depoimento de O...).
Só aos distribuidores era pago um rapel consoante o atingimento dos objetivos contratados. Não era um simples pedido do tipo “vê lá se compras um pouco mais”, como aconteceria com a A. (depoimento de O...).
Não havia bónus de distribuição nem bónus de transporte estabelecido a favor da A. O mesmo não acontecia com as empresas com quem a R. celebrava contrato escrito de distribuição. Estas tinham bónus de transporte e de distribuição (depoimentos de I..., L..., H... e O...).
A R. não impôs à A. a realização e ações promocionais, nem publicidade, nem registo de clientes, nem qualidade de serviços na distribuição. Simplesmente achava que a A. trabalhava bem (depoimento de K...).
Não havia obrigações específicas na forma de fazer a distribuição (depoimento de K...).
A A. vendia onde quisesse. Não havia uma delimitação de zona, como acontecia com os distribuidores (depoimento de N... (testemunha indicada pela A.).
Os investimentos da A. resultaram do crescimento do negócio. Não foram imposições da R., nunca (N...).
De um modo geral, os trabalhadores da R. sabiam com que empresas havia um contrato escrito de distribuição e havia com elas um modo especial de agir. Com a A. não havia contrato escrito. Não era por ter uma grande capacidade de vendas que a R. se fazia distribuidora (depoimento de N...).
Na R., os contratos de distribuição não são celebrados pelo K..., cuja ação contratual se limita aos grossistas. Tal contrato envolvia o chefe do AF... e, eventualmente, o Diretor (depoimento de O...).

Ficou a ideia segura de que a A. construiu com a R., a partir de 2003, uma relação privilegiada, sobretudo pelo benefício de preços mais baixos do que esta praticava com outros adquirentes dos seus produtos, mas também pela competência que aquela foi demonstrando. Tal situação de crescimento levou ao aumento progressivo do volume de vendas dos produtos D1... pela B1... e à necessária aquisição de meios (armazéns e camiões), com admissão de pessoal, tornando-se, assim, num dos maiores, senão mesmo o maior cliente/distribuidor de produtos da D1....
É com esta abordagem que passamos a decidir, ponto por ponto, a matéria de facto impugnada, sem prejuízo de, em algum caso, melhor se concretizar o seu fundamento.
a) Existiu efetivamente um acordo entre A. e R. no sentido proposto pela recorrente, mas não está demonstrado que a R. só pudesse vender os produtos D1... fora da área onde tradicionalmente praticava o seu comércio.
Assim, adita-se esta alínea à matéria de facto provada, com a seguinte redação:
a) As partes acordaram em abril de 2003 que a A. passava a vender os produtos da R. através de distribuição porta a porta dirigida aos pequenos estabelecimentos comerciais retalhistas (AF...), da área alimentar, restauração e hotelaria;

b) A A. influenciava comercialmente os concelhos em causa, pelo que a matéria desta al. b) tem que ser dada como provada.

A matéria da al. c) também ficou sobejamente demonstrada pela generalidade das testemunhas que conhecem a atividade da A. Deve tal facto ser dado como provado, com exceção do advérbio de modo “efetivamente”.

A matéria da al. d) também corresponde à realidade demonstrada pela generalidade das testemunhas, pelo que passa a considerar-se provada.

O mesmo acontece com a al. e), que se considera provada.

A al. f) não está provada, como se extrai das considerações acima tecidas.

Pelos referidos motivos, quanto à al. g), a prova exige esclarecimento, assentando-se em que a B1... realizava, por sua conta, publicidade em rádios locais relativa ao seu estabelecimento e à generalidade dos produto que vendia.

Dada a forma algo conclusiva das escassas referências testemunhais e a falta de documentação da matéria da al. h), este facto apenas se provou na medida em que foi considerado provado na 1ª instância (sob a al. j)): “Na vigência da relação comercial, e sempre que a R. o solicitava, a A. informava-a sobre as características de alguns clientes, como o seu potencial, as suas qualidades como pagadores, e os tipos de produtos mais fornecidos”;

Ninguém negou o que consta das al.s i) e j). Na área em que a A. exercia o seu comércio havia outros distribuidores de produtos D1..., mas a R. não vendia ali diretamente os seus produtos às categorias de comerciantes identificados na al. c); apenas vendia diretamente, e com exclusividade, às grandes superfícies comerciais (hipermercados) e ao cash and carry. Daí que as al.s i) e j) sejam consideradas provadas.

A al. l) é conclusiva, para além de que nada aponta para a limitação das vendas da R. àqueles municípios e havia outros clientes da R. a vender naquela área. A resposta à al. l) é negativa.

A al. m) reporta-se a uma quantificação de valor consideravelmente elevado. Justificava-se a respetiva documentação que normalmente se obtém facilmente através de elementos da contabilidade da empresa, contratos de empreitada, de compra e venda, faturas e recibos, cheques e transferências bancárias.
Aceita-se, face à prova produzida, que a A. fez grandes investimentos entre 2003 e 2009: adquiriu veículos para a distribuição dos produtos que vendia, empilhadores, arrendou dois armazéns, fez obras e, em 2008, inaugurou um outro armazém que adquiriu. Contratou pessoal para armazém e vendedores e formou-os (passou de cerca de 8 ou 10 para cerca de 20 vendedores). Tudo para poder sustentar o progressivo crescimento do seu comércio. E se os produtos D1..., especialmente a E... tinham uma grande expressão no volume total das vendas da R., esta vendia também produtos diversos porta-a-porta, servindo-se igualmente daqueles meios. A perícia não esclarece esta matéria.
I... referiu que o armazém custou € 5.000.000,00, enquanto a testemunha H... estimou o total do investimento em 3,5 milhões de euros.
Nestas condições de prova e sem documentação/avaliação pericial, não é possível, com razoabilidade, estimar o valor do investimento, certamente avultado.
A matéria desta al. m) não está provada.

Quanto à al. n), as testemunhas negaram o facto e deve ter-se como não provado.

o) Esta matéria corresponde à realidade sustentada na prova testemunhal, mas nos seguintes termos de facto: “Em março de 2009, os clientes da A. eram abastecidos com as marcas da D1... regularmente, isto é, por semana nuns casos e por quinzena noutros;

p) Admite-se que a D1... dominava a venda ao retalho na sua zona de influência, mas havia outras empresas a distribuir produtos da R. nessa zona. Não é possível afirmar que em março de 2009, o abastecimento aos retalhistas se devia exclusivamente à promoção e distribuição da R. Neste ponto, o facto não está provado.

q), r) e s) Resulta da prova que a R. visitava cerca de 30 clientes por dia e tinha cerca de 60 veículos na rua (depoimento de J...). Mas não há informação sobre quantos clientes, em cada momento, constituíam a carteira de cada vendedor, sabendo-se quanto ao mais que os vendedores os visitavam regularmente. É o que está provado.
Assim as al.s q), r) e s) estão demonstradas nos seguintes termos: Cada vendedor da B1... tinha uma carteira de clientes e visitava-os regularmente.

t) Não obstante a testemunha H... ter falado em objetivos de vendas, mesmo num depoimento que se mostrou seguro (mas nem por isso totalmente desinteressado), notou-se que, em bom rigor, o objetivo não passava da intenção comum a ambas as partes de venderem o máximo possível. Para o efeito, a A. esforçava-se por angariar o maior número possível de clientes na área da sua influência.
A resposta a este ponto é não provado.

u) Este facto foi demonstrado. Referido por algumas testemunhas não teve sinal contrário de quaisquer outras provas. Considera-se provado.
v) e x) É verdade, atestaram várias testemunha. Este facto também está provado.
z) e aa.) Estes factos foram referidos de modo explicado e, de um modo geral, convincente, pelas testemunhas indicadas pela A. e não tiveram oposição probatória significativa. Fica-nos a impressão de que o desempenho da A. era bom, mas não estamos seguros de que o aumento comunicado em março de 2009 pela R. à A. fosse surpreendente, dada a vantagem significativa que a demandante tinha nos preços de aquisição à R. em comparação com os outros clientes desta. Devem ser considerados provados com algumas reservas:
Assim:
z) Não obstante o bom desempenho da B1..., em março de 2009, a D1... comunicou àquela que os preços pelos quais estava disposta a vender-lhes a E... em lata e em garrafa de 2 litros era, respetivamente, de € 0,36 e € 1,19;

bb) Também foi relatado por várias testemunhas que a E... era, de longe, o principal produto que a A. vendia, de entre os refrigerantes que adquiria à R. Apontou-se mesmo para uma ordem de 90%, sem que isso tivesse merecido discussão.
Assim, está provado que “a E... representava para a B1... mais de 80% do volume global das vendas dos produtos que adquiria à D1...”.

cc) Não nos convencemos de que os outros distribuidores da D1... revendessem aos seus clientes, em março de 2009, os produtos que a D1... lhes vendia abaixo dos preços a que esta se propunha vender à A., referidos em z). É certo que este facto foi referido, mas, em boa verdade, nem uma única testemunha indicou preços praticados que não fossem os aumentos efetuados pela R. com a A. no âmbito do acordo de 2003 (em 2009).
Apenas nos parece razoável afirmar, face ao sentido da prova mais credível (cf. depoimento de I... quanto a este ponto) que alguns revendedores, incluindo a G... e a F... passaram a vender mais barato do que a A. vendia.
Com efeito a al. cc) está provada apenas nos seguintes termos: “Em 20 de março de 2009, os concorrentes da A. F... e G..., entre outros, revendiam aos seus clientes os produtos que a D1... lhes fornecia abaixo dos preços a que a B1... se propunha vender aos seus clientes”.

As al.s dd) e ee), também ficaram demonstradas com base nos depoimentos de várias testemunhas, sem que se tivesse produzido prova em sentido contrário. Não estamos, porém, minimamente seguros de que a R. não recusava e vendia a E... naquele formado a todos os outros clientes. Deve a respetiva matéria ser considerada provada, com a referida reserva.

A matéria da al. ff) também foi afirmada por várias testemunhas com foros de seriedade, sem que se tivesse produzido prova em sentido contrário. Fica provado o seguinte: “Em consequência daqueles preços impostos à B1... pela D1..., aquela passou a comprar a concorrentes dela, em especial à F... e à G..., assim como a outros, os produtos da D1..., em especial a E...”.

Quanto às al.s gg) e hh), não é possível afirmar que a A. perdeu a comercialização da marca E...; viu-se obrigada a comprar esse produto a outros clientes distribuidores da R. por causa dos preços que esta lhe passou a impor.
Assim, está provado apenas que “em consequência daqueles novos preços, a B1... viu-se obrigada a comprar E... a outros colegas distribuidores da D1...”.

ii) Está provado apenas que “um destes distribuidores dos produtos da R. foi compelido por ela a não vender produtos à A.”.

jj) Está provado apenas que “esse distribuidor da D1... foi advertido por um funcionário desta que exibiu fotos de um dos camiões da B1... a carregar no armazém dele, sendo que essas fotos foram tiradas por funcionários da D1...”.

ll) Não foi produzida prova convincente quanto a este ponto, pelo que não pode ser dado como provado.

mm) Está provado apenas que “aquele aumento de preços imposto pela R. à A. em março de 2009, para valores superiores aos que praticava com outros distribuidores, prejudicou o comércio da A.”.

nn) Não há prova segura quanto a esta matéria. Sabemos que até março de 2009 a A. beneficiava de preços imbatíveis, por serem muito inferiores aos que a R. praticava com a generalidade dos outros clientes/distribuidores. Também há uma indicação de que havia protestos de clientes, mas estamos longe de poder dar como assente que, por essa razão, a R. aumentou várias vezes os preços de vendas dos seus produtos no cash and carry da A. Acresce que este cash and carry era tratado através da central de compras Z..., tinha um âmbito próprio e preços diferentes daqueles que eram praticados no âmbito dos fornecimentos que eram efetuados com faturação C..., S.A.
Apenas se prova que “clientes da R. várias vezes lhe solicitavam que aproximasse os preços que estava a praticar com a A. dos preços que praticava com eles”.

oo) Não há prova segura quanto a este ponto. Não foi indicado, designadamente qualquer cliente da B1... que atestasse o facto.

pp) Não há dúvida de que o aumento dos preços à B1..., em março de 2009, também foi motivado pelo descontentamento manifestado por clientes da R. quanto à situação de favorecimento nos preços praticados pela R. com a A. Mas pode não ter sido a única causa.
Assim, está provado: “situação que também contribuiu para a decisão da R., em março de 2009, de aumentar os preços nas vendas que fazia à A.”.

qq) Expurgado da matéria conclusiva, está provado que, “dado o valor do agravamento dos preços ditado pela R. à A. naquela data, esta sentiu grande dificuldade em continuar a comprar os produtos D1... no âmbito do acordo de abril de 2003”.
Importa ter presente que nada foi dito que permita concluir que, no âmbito das aquisições realizadas através do mercado grossista da central de compras Z... tenha havido qualquer aumento de preços para a A., sendo que, ali, os preços praticados eram os mesmos com todos os respetivos associados e não consta que a B1... tenha sido impedida de adquirir produtos D1... por essa via na pendência do acordo de 2003. Para além disso não se conhecem os preços que os concorrentes mais diretos da A. praticavam ou podiam praticar na sua área de influência para os produtos D1..., designadamente na venda da E.... O documento de fl.s 720, sendo uma carta da C..., S.A., como se fosse da B1..., pode significar sobretudo o fim de um tratamento discriminatório até então favorável à A.

rr) Sabemos que a B1... deixou de beneficiar das vantagens que tinha nos preços praticados até março de 2009 e que outros clientes da R. passaram a ter preços mais vantajosos. Mas, como observámos, desconhecemos os preços que a R. praticava através da referida central de compras, onde havia outros associados, sendo os preços ali iguais para todos.
Ainda assim, há prova testemunhal credível no sentido de que na área de influência do comércio da B1... operavam distribuidores de produtos D1... no AF... (venda a retalhistas) com preços de aquisição à D1... inferiores aos que esta passou a praticar, naquele ano, com a demandante.
Não é possível, no entanto, afirmar que os concorrentes da A. tivessem passado a vender a um preço mais baixo do que a aquele a que a B1... adquiria à R. Desde logo, a testemunha I..., diretor comercial da B1..., negou essa afirmação, efetuada por outras testemunhas.
Acresce que ninguém se referiu, em concreto, a qualquer preço praticado naqueles distribuidores, antes ou depois do aumento determinado para a A. em março de 2009.
Assim, está provado apenas que “a A. deixou de ter preços de aquisição na D1... que, pela diferença, lhe facilitassem a concorrência com outros distribuidores da R. que operam junto do H..., ou seja, dos estabelecimentos de retalho e similares, na área de influência do seu comércio”.
ss) Ficou provado, expurgada a matéria conclusiva, apenas que “aquela alteração de preços prejudicava os interesses da B1..., o que levou os seus representantes a não os aceitar”.

tt) É matéria conclusiva.

uu) Está provado apenas que “tal comunicação da R. de aumento dos preços era definitiva e irreversível quanto aos novos valores indicados”.

vv) Está provado que “a R. ainda forneceu produtos à B1... com os novos preços, sendo o último fornecimento do dia 30 de março de 2009”.

xx) Está provado apenas e esclarecidamente que, “em virtude de outros distribuidores da D1... terem passado a beneficiar de preços mais reduzidos do que os preços impostos pela R. à A. em março 2009, a B1... viu grande parte dos seus clientes serem desviados para os seus concorrentes que, assim, lhes conseguiam adquirir os produtos também a preços mais baixos”.

zz) Expurgando a matéria conclusiva, também está provado apenas que “dada a apontada diferença de preços praticada pela R. com a A. e com outros distribuidores dos seus produtos, a B1... deixou de adquirir àquela os produtos da marca E...”.

aaa1), aaa2) e aaa3) A D1... não passou a vender diretamente os seus produtos a qualquer dos clientes da A. Por um lado, a B1... manteve alguns clientes e continuou a fornecer-lhes produtos E..., abastecendo-se noutros fornecedores, inclusivamente em Espanha; por outro lado, os clientes que perdeu passaram a ser abastecidos por outros distribuidores da R. Nunca foram por esta diretamente fornecidos. A R. fornecia diretamente apenas hipermercados e centrais de compras, assim tendo continuado.
A R. dispunha de alguma informação sobre os clientes da A., mas não sabemos, em rigor, que informação era essa, desde logo por falta de documentação. Poderia ser uma informação muito incipiente.
Por tudo, e mais uma vez a partir daquela que se afigurou ser a melhor prova, está demonstrado apenas o seguinte: “Servindo-se designadamente de informação disponível sobre os clientes da B1..., os outros distribuidores de produtos da D1... passaram a vender tais produtos --- com exclusão da A. --- a uma parte dos clientes que a B1... granjeou ao longo dos anos, não beneficiando esta dessas vendas a partir do fim de março de 2009”.
*
Ajustando a matéria agora dada como provada e a matéria de facto que assim foi considerada na 1ª instância, são os seguintes os factos provados com carater definitivo:
a) Nos autos de ação declarativa, com processo ordinário, que correram termos no 3.º Juízo Cível de Santo Tirso sob o n.º 141/2002, a que se reportam as certidões juntas em 16 e 19 de dezembro de 2013 (fls. 275 e ss., e fls. 357 e ss), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, em que foi autora a também ora A. B..., S.A., e ré a também ora R. D..., S.A., foi proferida sentença em 14 de novembro de 2003, já transitada em julgado, que homologou transação subscrita por representantes das duas partes nos seguintes termos: “1.º A Autora reduz o pedido para a quantia de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros). 2.º Esta quantia será paga pela Ré, no prazo de quinze dias, através de cheque a enviar para o escritório do mandatário da Autora. 3.º Com o recebimento desta quantia a Autora declara-se completamente indemnizada por todos os danos e prejuízos sofridos em consequência da cessação do contrato em discussão nos presentes autos, nada mais tendo a exigir da Ré. (…)”; (alínea a) da matéria assente)
b) A R. é uma sociedade comercial que tem nomeadamente por objeto a importação, produção e a comercialização de refrigerantes da gama de produtos da companhia multinacional “S...”, com sede nos Estados Unidos, sendo a única entidade que em Portugal importa e produz as marcas desta multinacional, em especial a marca E..., nomeadamente os produtos que ostentam as marcas “E...”, “T...”, “U...”, “V...”, “W....” e outras; (resposta ao tema de prova 1)
c) Os representantes da R. sabiam que o produto E... era muito importante para o desenvolvimento do negócio da A.; (resposta ao tema de prova 1)
d) Em abril de 2003, em reunião realizada na sede da B1..., na Trofa, por acordo verbal, foi expressamente estabelecido entre os representantes da D1... e da B1... que a D1... passaria a fornecer diretamente os seus produtos à B1..., por preço mais baixo do que aos restantes grossistas, entregando-os nos armazéns desta na Trofa para posterior comercialização, através do seu Cash and Carry sediado na Trofa e através de distribuição porta a porta dirigida aos diversos clientes; (resposta ao tema de prova 2)
d)-1. Tais clientes representavam pequenos estabelecimentos comerciais retalhistas (AF...), da área alimentar, restauração e hotelaria;
d)-2. O conteúdo líquido adquirido foi posteriormente revendido pela B1... a cervejarias, restaurantes, snacks, cafés, pastelarias, tabernas, casas de pasto, cantinas de empresas, bares de hospitais, bares de quartéis militares, bares noturnos, boites, pub’s, discotecas, supermercados, cooperativas, cantinas, mercearias, bem assim a outros estabelecimentos hoteleiros e de retalho;
d)-3. As áreas de influência da B1... são os concelhos da Trofa, Santo Tirso, V. Nova de Famalicão, Guimarães, Braga, Póvoa de Varzim, Vila do Conde, Viana do Castelo, Vizela, Felgueiras, Fafe, Paços de Ferreira e Maia;
d)-4. Servindo-se dos seus estabelecimentos e da sua frota, a B1... distribuía os produtos em causa nas referidas áreas de influência, alienando-os aos diversos tipos de clientes;
d)-5. A B1... usava esse conhecimento para prospetar o mercado, angariar novos clientes, aumentar as compras por parte dos clientes regulares, detetar necessidades de abastecimento e assegurar a presença dos ditos produtos nas áreas em causa;
d)-6. A B1... realizava, por sua conta, publicidade em rádios locais relativa ao seu estabelecimento e à generalidade dos produtos que vendia;
d)-7. Na vigência da relação comercial, e sempre que a R. o solicitava, a A. informava-a sobre as características de alguns clientes, como o seu potencial, as suas qualidades como pagadores, e os tipos de produtos mais fornecidos;
d)-8. Nos concelhos referidos em d)-3, a R. não vendia diretamente os seus produtos aos clientes com as caraterísticas aludidas em d)-1-e d)-2.;
d)-9. Só no que respeita às “grandes superfícies”, dos grupos de distribuição moderna, nomeadamente pertencentes aos grupos Q... e Y..., a R. negociava diretamente com eles, devido à sua importância e dimensão;
e) No ano de 2005, fruto da sua atividade de compra e revenda de produtos fornecidos pela R., a autora já revendia tais produtos a 1.049 clientes, no ano de 2006 a 1.244, no ano de 2007 a 1251, e no ano de 2008 a 1.609; (resposta ao tema de prova 4)
f) Em 2004, fruto da sua atividade de compra e revenda de produtos fornecidos pela R., a B1... faturou aos seus clientes €1.965.181,00 em produtos fornecidos pela D1..., no ano de 2005 €6.650.483,00, no ano de 2006 €10.332.719,00, no ano de 2007 €11.924.596,00, e no ano de 2008 €10.347.259,00; (resposta ao tema de prova 4)
g) No ano de 2004, a margem bruta de comercialização dos produtos fornecidos à A. pela R., correspondente à diferença entre o preço de aquisição e o preço de venda pela B1... aos seus clientes foi de € 113.183,00, em 2005 € 347.674,00, em 2006 € 316.609,00, em 2007 € 664.622,00 e em 2008 € 413.715; (resposta ao tema de prova 4)
h) Ao longo da evolução da relação comercial com a R. e, em grande parte, por causa do crescimento desta, a A. arrendou dois armazéns adicionais e, posteriormente, substituiu-os por um novo, que fez construir, tendo também adquirido “racks” metálicos, vitrinas de exposição, máquinas e equipamentos para a oficina e para o posto de abastecimento de combustíveis, cerca de dez viaturas, empilhadores, contratou dez vendedores, um diretor comercial e dois chefes de equipa; (resposta ao tema de prova 7)
h)-1. Cada vendedor da B1... tinha uma carteira de clientes e visitava-os regularmente;
h)-2. Em março de 2009, os clientes da A. eram abastecidos com as marcas da D1... regularmente, isto é, por semana nuns casos e por quinzena noutros;
h)-3. No armazém substituto referido em h), inaugurado no ano de 2008 pela A., foi implantado um moderno cash and carry e ainda escritórios;
h)-4. Parte dessas instalações estavam afetas ao negócio emergente da relação comercial a que se vem fazendo referência;
i) Não obstante o bom desempenho da B1..., em março de 2009, a R. comunicou-lhe que iriam cessar os descontos que lhe vinha concedendo face à concorrência nos fornecimentos de E..., levando a que o preço de venda à A. de cada lata de E... passasse de € 0,303 para € 0,36, e da garrafa de dois litros de € 0,95 para € 1,19, sendo a E... o produto largamente mais significativo dos fornecimentos da R. à A. ao longo dos anos, representando para a B1... mais de 80% do volume global das vendas dos produtos que adquiria àquela; (resposta ao tema de prova 3);
i)-2. Em 20 de março de 2009, os concorrentes da A. F... e G..., entre outros, revendiam aos seus clientes os produtos que a D1... lhes fornecia abaixo dos preços a que a B1... se propunha vender aos seus próprios clientes;
i)-3. Acresce que a D1... se recusou a fornecer a E... em embalagem de 0,20 cl em grade, a E... em embalagem de 0,20 tp e a E... em embalagem de 0,33cl em grade, quando é certo que revendia estes produtos a concorrentes da B1...;
k)- Em consequência, a A. perdeu clientela de produtos fornecidos pela R. para a concorrência, entre outros, a F... e a G..., registando uma diminuição acentuada de clientela de produtos fornecidos pela R, em especial a E..., em favor dessa concorrência e também da própria R.; (resposta aos temas de prova 3 e 5)
k)-1. E a B... viu-se obrigada a comprar E... a outros colegas distribuidores da D1...;
k)-2. Um destes distribuidores dos produtos da R. foi compelido por ela a não vender produtos à A.
k)-3. Esse distribuidor da D1... foi advertido por um funcionário desta que exibiu fotos de um dos camiões da B1... a carregar no armazém dele, sendo que essas fotos foram tiradas por funcionários da D1...”.
k)-4. O aumento de preços imposto pela R. à A., em março de 2009, para valores superiores aos que praticava com as restantes empresas distribuidoras, prejudicou o comércio da A.
k)-5. Clientes da R. várias vezes lhe solicitavam que aproximasse os preços que estava a praticar com a A. dos preços que praticava com eles;
k)-6. Situação que também contribuiu para a decisão da R., em março de 2009, de aumentar os preços nas vendas que fazia à A.
k)-6. Dado o valor do agravamento dos preços ditado pela R. à A. naquela data, esta sentiu grande dificuldade em continuar a comprar os produtos D1... no âmbito do acordo de abril de 2003;
k)-7. A A. deixou de ter preços de aquisição na D1... que, pela diferença, lhe facilitassem a concorrência com outros distribuidores da R. que operam junto do AF..., ou seja, dos estabelecimentos de retalho e similares, na área de influência do seu comércio;
l. Aquela alteração de preços prejudicava os interesses da B1..., o que levou os seus representantes a não os aceitar e a deixar de solicitar fornecimentos à R., cessando aquela relação comercial iniciada em abril de 2003;
l)-1. Aquela declaração da R. de aumento dos preços era definitiva e irreversível quanto aos novos valores indicados;
l)-2. A R. ainda forneceu produtos à B1... com os novos preços, sendo o último fornecimento do dia 30 de março de 2009;
l)-3. Em virtude de outros distribuidores da D1... terem passado a beneficiar de preços mais reduzidos do que os preços impostos pela R. à A. em março 2009, a B1... viu grande parte dos seus clientes serem desviados para os seus concorrentes que, assim, lhes conseguiam adquirir os produtos também a preços mais baixos.
l)-4. Dada a apontada diferença de preços praticada pela R. com a A. com outros distribuidores dos seus produtos, a B1... deixou de adquirir àquela os produtos da marca E...;
m) Tal situação levou a um clima de desconfiança entre clientes e fornecedores da A. sobre as razões do fim dessa relação comercial;
n) A A. fez remeter à R., que o recebeu, o escrito junto como documento n.° 7 em 30 de outubro de 2015 (fls. 720), datado de 7 de abril de 2009, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta nomeadamente: “Face aos vossos sucessivos aumentos de preços ao longo destes 3 meses em que já aumentaram quase 20% face ao mês de Dezembro de 2008, este aumento levou que a nossa empresa ficasse totalmente fora do mercado nos vossos produtos. Neste sentido e para finalizar as contas entre ambos vimos por este meio solicitar o levantamento de produto que temos em stock pois a vossa súbita subida de preços não nos possibilita a venda do resto dos nossos produtos.”; (resposta ao tema de prova 8)
o) A A. fez remeter à R., que o recebeu, o escrito junto por cópia em 19 de dezembro de 2013 (fls. 413 e ss), datado de 3 de julho de 2009, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta nomeadamente: “(…) A partir de 2003 V.Exas. estabeleceram que seria a C... a adquirir as vossas marcas de produtos os quais seriam posteriormente revendidos pela B1.... Esta, desde 1988, revendia-os, através do seu Cash and Carry e, ainda, servindo-se da sua capacidade de armazenagem e da sua frota distribuía-os pelos seus clientes, os retalhistas do AF... e os estabelecimentos de restauração e hotelaria instalados na sua área de influência. (…) Não obstante o nosso excelente desempenho comercial na comercialização e distribuição dos vossos produtos, subitamente e sem que nada o fizesse prever, no dia 20 de Março de 2009, a D1... retirou à C... os descontos que até aí vinha concedendo e que ascendiam a valores próximos dos 15%. Desta forma, a D1... encerrou-nos o mercado, que é o mesmo que dizer que impediu ou inviabilizou a possibilidade de procedermos à promoção e comercialização dos vossos produtos. Sem condições comerciais para podermos competir com os vossos distribuidores os quais continuaram a beneficiar de preços mais baixos que a B1..., V. Exas. acabaram por nos discriminar excluindo-nos do mercado. (…) Como assim, o comportamento da D1..., ao modificar, unilateralmente, uma cláusula do contrato, para mais decisiva para a viabilidade comercial do negócio em causa, sob condição suspensiva de esta não rejeitar a alteração proposta, sabendo, porém, que a não aceitaria, assumiu a natureza de uma denúncia. (…) A indemnização de clientela e a indemnização por falta de pré-aviso, somam €1.440.381,79. Admitindo a hipótese de o tribunal fixar o prazo adequado de pré-aviso em seis meses, para tanto aplicando por analogia o disposto no art. 28.º do DL 178/86, ainda assim só a indemnização a título de falta de pré-aviso ascende, a pelo menos, € 367.454,89. A conta-corrente entre nós estabelecida apresenta um saldo a favor da D1... de €421.337,34. (…) Consequentemente, a C..., nos termos do art. 848.º do Código Civil, declara parcialmente compensado aquele seu crédito decorrente da falta de pré-aviso (€ 367.454,89) sobre a D1... com o débito para com ela, tornando-se a compensação efectiva a partir da recepção da presente carta e considerando-se o crédito da D1... extinto desde a data da cessação do contrato de distribuição (20.03.2009), nos termos do art. 854.º do Código Civil, sem prejuízo de futuramente podermos reclamar as demais indemnizações que ao caso couber. Assim, por força da compensação ora operada tem a D1.. a receber da C... a quantia de €53.882,45, quantia que segue em anexo através do nosso cheque nº .......... sobre a X.... (…) ”. (alínea c) da matéria assente)
p) Servindo-se designadamente de informação disponível sobre os clientes da B1..., os outros distribuidores de produtos da D1... passaram a vender tais produtos --- com exclusão da A. --- a uma parte dos clientes que a B1... granjeou ao longo dos anos, não beneficiando esta dessas vendas a partir do fim de março de 2009.
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2. Qualificação jurídica dos factos
A qualificação é questão essencial em sede de aplicação do Direito, já que dela depende o tratamento jurídico das restantes.
A sentença sustentou que as relações travadas entre a A. e o R. entre abril de 2003 e março de 2009 não correspondiam, pelas suas caraterísticas, às que são próprias de um contrato de distribuição comercial, seja ela seletiva ou autorizada, mas a atividade de distribuição independente e não contratualizada, não sendo de aplicar a legislação que regula o contrato de agência.
A apelante defende a existência de um contrato de distribuição comercial, na modalidade de concessão comercial. Na sua perspetiva, bastariam, para o efeito de tal qualificação jurídica, os factos dados como provados na instância recorrida, mas as alterações que propôs sempre reforçariam essa qualificação.
Já a R. argumentou que faltam caraterísticas na relação comercial que permitam entender que a B1... estava inserida na rede de distribuição da D1....
Redefinidos que estão os factos nesta sede de recurso, vejamos se assiste razão à apelante.
Sabido que a A. usa meios próprios (instalações, máquinas, veículos, trabalhadores, etc.), no exercício da sua atividade comercial que inclui também a venda por conta própria e independente de produtor D1..., a esta adquiridos para revender, é de distribuição comercial indireta que falamos[13].
Em sentido restrito, a expressão contrato de distribuição tem sido usada para designar o conjunto de tipos contratuais destinados a implementar sistemas de distribuição indireta integrada de bens ou de serviços, o que também se tem chamado de contratos de intermediação ou contratos de colaboração, sendo os mais correntes o contrato de agência, o contrato de concessão comercial e o contrato de franquia. O primeiro é a “figura-matriz” dos contratos de distribuição.[14]
Não obstante a sua maior ou menor autonomia, os contratos de distribuição constituem instrumentos da integração dos distribuidores em redes organizadas e dirigidas pelos fornecedores, obrigando-se aqueles a prosseguir interesses comerciais destes últimos. O seu conteúdo concreto há de revelar a integração do agente, do concessionário ou do franquiado na rede de distribuição do principal com tudo o que isso implica e pressupõe em termos de colaboração entre as partes e de promoção dos bens distribuídos.
Apesar da atuação de cada um dos distribuidores neste quadro contratual ser juridicamente autónoma[15], há uma integração vertical estável numa rede de distribuição que varia conforme a modalidade contratual.
Qualquer um daqueles tipos contratuais desempenha uma função económico-social de cooperação, visto que ambos os contraentes têm como objetivo típico a realização de um fim comum de desenvolvimento do respetivo volume de negócios que, crescendo para o distribuidor, cresce necessariamente também para a outra parte. Esse fim comum tem índole lucrativa para ambas as partes, embora o lucro para o distribuidor não resulte diretamente do contrato de distribuição, mas de contratos com terceiros que este contrato propicia.[16]
Daqueles três tipos sociais de distribuição, apenas se coloca, com pertinência, a possibilidade de entre as partes ter sido celebrado um contrato de concessão comercial. É isso que a A. recorrente defende.
A concessão comercial é um contrato inominado, mas socialmente típico, correspondendo a uma realidade frequente no mundo dos negócios. Não está sujeito a forma especial, vigorando o princípio da liberdade da forma (art.º 219º do Código Civil). Mas a prática comercial consagrou a regra do documento escrito, por razões de ordem prática, segurança jurídica e uniformização nas relações de um concedente com os seus diversos concessionários.
Se é verdade que, inicialmente, a concessão comercial foi marcada pela exclusividade, este traço teve de ser relativizado por efeito do constrangimento das leis da concorrência. A tradição deste tipo contratual está intimamente ligada à distribuição através de contratos de compra e venda (daí, concessão de venda), mas é raro o ordenamento jurídico que o acolhe como tipo legal, um deles o de Macau, cujo Código Comercial de 1999, no seu art.º 657º, define como “o contrato pelo qual uma das partes, em seu nome e por conta própria, se obriga a comprar e a revender, em certa zona e de modo estável, os bens produzidos ou distribuídos pela outra, sujeitando-se a um certo controlo por parte desta”.[17]
Nas relações com os seus clientes, o concessionário atua em nome próprio e por sua conta e risco, sendo a realização do interesse do concedente apenas reflexa[18]. O dever de revenda constitui o núcleo central do contrato, agindo o concessionário em seu nome e por sua conta. É proprietário dos produtos que distribui e a sua contrapartida económica traduz-se na diferença entre o preço por que compra os produtos e o preço pelo qual os revende.
O objeto nuclear do contrato de concessão comercial é formado pelos contratos que o concedente e o concessionário se obrigam a celebrar. Tem portanto a natureza de contrato unitário mas preliminar e, mais precisamente, de contrato quadro normativo, por o seu conteúdo constar de cláusulas essenciais dos sucessivos contratos de compra e venda, que o concedente e o concessionário se obrigam a celebrar, e dos contratos de revenda, que o concessionário se obriga a celebrar com os seus clientes.
É normalmente um contrato de adesão do concessionário a um modelo estereotipado pelo concedente para todos os seus concessionários.
Como ensina Ferreira de Almeida[19], “as cláusulas programadas indicam, no mínimo, a delimitação do produto ou produtos a comercializar. Mas podem respeitar a outros aspetos, desde o modo de formação dos contratos até aos prazos de entrega e de pagamento e à garantia de qualidade dos bens. Com frequência, estabelecem quotas mínimas de compra pelo concessionário ou incluem uma cláusula aberta de disponibilidade dos bens pelo concedente, dentro do limite dos seus stocks. O preço pode ser pré-fixado, indexado ou referido ao preço que o concedente pratique ao tempo. (…) as cláusulas programadas podem indicar, desde que não violem as regras da concorrência, a delimitação do universo de clientes do concessionário definido em função de uma zona territorial e/ou de um critério pessoal, os critérios para a fixação do preço de revenda, assim como outros aspetos, designadamente a inalterabilidade e a qualidade dos bens revendidos.
A fim de assegurar a qualidade e uma certa uniformidade da rede de distribuição, o contrato de concessão comercial inclui ainda um conjunto de obrigações do concessionário concernentes à promoção dos produtos, aos métodos de venda, a informações técnicas e comerciais a prestar ao concedente e, eventualmente, à organização da empresa concessionária e a serviços pós-venda.
Correspondentes poderes de controlo e de fiscalização da observância destas obrigações são atribuídos ao concedente, que pode também assumir obrigações instrumentais para o exercício da atividade do concessionário: de informação, de assistência técnica, de cedência de material promocional e de permissão de usos dos sinais de comércio. Em contratos em que a integração é mais intensa e mais débil a situação do concessionário, o concedente assume ainda obrigações de cedência de espaço para o estabelecimento do concessionário e de assistência financeira. É muitas vezes celebrado por tempo indeterminado e com sucessivas prorrogações”.
J. A. Engrácia Antunes define o contrato de concessão “como o contrato pelo qual um empresário --- o concedente --- se obriga a vender a outro --- o concessionário ---, ficando este último, em contrapartida, obrigado a comprar ao primeiro, certos produtos, para revenda em nome e por conta próprios numa determinada zona geográfica, bem assim como a observar determinados deveres emergentes da sua integração na rede de distribuição do concedente”. Acrescenta que nota relevantíssima deste contrato é a sujeição do concessionário a certas obrigações destinadas a assegurar a sua integração na rede de distribuição do concedente, em matérias várias tais como a organização empresarial, a política promocional e comercial, e a assistência pós-venda a clientes.[20]
Sobre a noção e caraterísticas deste contrato, escreveu Pinto Monteiro[21]: «(…) Temos compreendido a concessão como um contrato-quadro (“Rahmenvertrag”/”contrat-cadre”) que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e esta comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações — mormente no tocante à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes — e sujeitando-se a um certo controlo e fiscalização do concedente.
Como contrato-quadro, o contrato de concessão comercial funda uma relação de colaboração estável, duradoura, de conteúdo múltiplo, cuja execução implica, designadamente, a celebração de futuros contratos entre as partes, pelos quais o concedente vende ao concessionário, para revenda, nos termos previamente estabelecidos, os bens que este se obrigou a distribuir.».
Acrescenta ali aquele Professor que, além da obrigação de compra para revenda, as partes vinculam-se a outro tipo de obrigações, sendo através delas que verdadeiramente se efetua a integração do concessionário na rede ou cadeia de distribuição do concedente; um conjunto de regras de comportamento através das quais se estabelecem laços de colaboração entre as partes e se articula e coordena a atividade de todos no seio da rede de distribuição.
O concessionário (ao contrário do agente) atua em seu nome e por conta própria, assumindo os riscos da comercialização.[22]
Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.2.2003[23], a concessão comercial é «um contrato-quadro, desprovido de um regime jurídico próprio - sendo, nessa medida, um contrato legalmente atípico - «que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa, por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e este a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações (mormente no que concerne à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes) e sujeitando-se a um certo controlo e fiscalização do concedente».
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.2007[24] definiu-se assim o contrato de concessão comercial: “(…) um contrato inominado pelo qual uma das partes (o concessionário) se obriga a comprar a outra (o concedente), para revenda numa determinada zona, com carácter duradouro, bens produzidos ou distribuídos pelo concedente, e do qual resulta uma relação obrigacional complexa em que o concessionário assume ainda determinadas obrigações no tocante à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes, sujeitando-se a um certo controlo e fiscalização do concedente”. E acrescentou-se ali, a propósito do caso concreto ali em discussão: “(…) não constando dos factos assentes a sujeição da Autora a algum controlo e fiscalização pela Ré, sendo, portanto, de concluir que a Autora decidia com autonomia a sua política comercial e fixava os preços que praticava sem prestar contas à Ré, não se pode qualificar o contrato celebrado entre as partes como um contrato de concessão comercial”.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.12.2013[25] sumariou-se: “(…) II- A promoção dos produtos constitui obrigação fundamental dos contratos de distribuição, designadamente do contrato de concessão comercial; das estipulações que fixem um regime de exclusividade, a imposição de objetivos de venda, a rever ao fim de um determinado período, a fixação de uma estrutura mínima de organização a nível nacional, a afetação de parte do produto da venda a campanhas de promoção, decorre, ainda que tal não seja expressamente mencionado, a necessária sujeição do concessionário à política comercial da ré e à fiscalização que esta pretenda exercer sobre a atividade desempenhada (…).”.
Escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.11.2013[26]: «O contrato de concessão, na sua tipicidade social, uma vez que inexiste consagração legal típica no direito Português, caracteriza-se por, “excluída a exclusividade como elemento caracterizador do tipo contratual”, se tratar de um contrato duradouro, em que o concessionário actua em nome próprio (distinguindo-se da agência), por conta própria (distinguindo-se da comissão), tendo por objecto mediato a distribuição de bens do concedente (distinguindo-se da franquia), com obrigação de o concessionário promover a revenda dos produtos na zona a que o contrato se refere, celebrando os inerentes contratos de aquisição de bens e organizando nesse sentido a sua actividade, com obrigação de o concedente vender tais bens e facultar ao concessionário os meios necessários ao exercício da revenda.». Está, por isso, marcado pelos seguintes traços caracterizadores: “(i) estabilidade do vínculo; (ii) dever de venda dos produtos a cargo do concedente; (iii) dever de aquisição impendente sobre o concessionário; (iv) dever de revenda; (v) actuação, do concessionário, em nome e por conta própria; (vi) autonomia; (vii) exclusividade; (viii) zona de actuação”.
A exclusividade enquanto caraterística necessária do contrato tem sido afastada pela generalidade da doutrina. Nada impõe que o concessionário seja o único a atuar numa dada área, sendo as partes livres de assim o convencionarem ou não, sem alteração da tipicidade económico-social do contrato, revelada pela sua finalidade. O dever de revenda não se basta com uma sua atividade de compra e revenda com perceção do lucro respetivo. Implica a promoção da marca dos produtos, com influência ou consulta do concedente, com uma definição de estratégia comercial.
Sendo como é um contrato de cooperação comercial pressupondo uma integração e conjugação de esforços organizativos com vista à implementação de bens no mercado, assumem especial relevo a estabilidade e a permanência --- o seu cariz continuado, duradouro --- sem o qual a vertente de rentabilização económica dificilmente será alcançável.
Abílio Neto, in “Código Comercial e Contratos Comerciais Anotado” - Setembro/2008, pág. 583, escreve: «O Contrato de concessão comercial tem como elementos caracterizadores: (a) o carácter duradouro do contrato (a estabilidade do vínculo); (b) actuação autónoma do concessionário, em nome próprio e por conta própria (transferindo-se o risco do produtor para o distribuidor); (c) objecto mediato: bens produzidos ou distribuídos pelo concedente; (d) obrigação do concedente celebrar, no futuro, sucessivos contratos de venda (o dever de venda dos produtos a cargo do concedente); a obrigação do concessionário de celebrar — no futuro — sucessivos contratos de compra (o dever de aquisição impendente sobre o concessionário); (j) o dever de revenda por parte do concessionário dos produtos que constituem o objecto do contrato, na zona geográfica ou humana a que o mesmo se refere; (g) obrigação do concessionário orientar a sua actividade empresarial em função das finalidades do contrato e do concedente fornecer ao concessionário os meios necessários ao exercício da sua actividade; (h) exclusividade (na maioria dos casos) (Maria Helena Brito, “O Contrato de Concessão…”, págs. 179 a 184; José Alberto Coelho Vieira, “O Contrato de Concessão Comercial”, AAFDL, 1991, pág. 15)»[27].
Acrescenta-se no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.4.2010: “A vertente duradoura do contrato de concessão comercial é deveras relevante, não só para protecção económica dos contraentes forçados a fazer investimentos em bens e numa estrutura que normalmente tem como fito apenas o particular objecto da concessão, como também a incutir no público consumidor – sobretudo em caso de exclusividade – maior confiança precisamente porque entre concedente e concessionário existe uma organização que dará resposta não só ao aspecto primordial da aquisição dos bens, como à assistência que careçam.
Reaproximemo-nos do caso concreto.
Agindo de modo diferente daquele que alguns documentos atestam nos autos, no âmbito das relações da R. com os seus distribuidores, a D1... não formalizou por escrito o contrato que, em abril de 2003, celebrou com a A. numa reunião que teve lugar nas instalações da B1..., na Trofa.
Ficou ali estabelecido entre as partes que a D1... passaria a fornecer diretamente os seus produtos à B1..., por preço mais baixo que aos restantes grossistas, entregando-os nos armazéns desta empresa, na Trofa, para posterior comercialização, através do seu Cash and Carry sediado naquela localidade e através de distribuição porta-a-porta dirigida aos clientes da autora. É este o contrato-quadro, a partir do qual a A. vendeu os produtos da R. Com base neste acordo, a A. passou a comprar à R., para revender, produtos do comércio desta, numa relação estável e duradoura que perdurou até ao final de março de 2009, assim, ao longo de cerca de 6 anos. E já antes haviam tido uma relação comercial que durou alguns anos, cujos contornos não terão andado muito longe dos da relação aqui em causa.
As partes não optaram por um clausulado diretamente estabelecido e reduzido a escrito. Sendo regra contratual a consensualidade (art.º 219º do Código Civil), nem por isso a falta de formalização escrita deixa de prejudicar a segurança jurídica no conhecimento dos termos do negócio que, em todo o caso, podem resultar de atos concludentes de toda a relação comercial efetivamente estabelecida, o que permite discernir da qualificação do contrato.
Não nos bastaremos, assim, com o facto originário da relação estabelecida entre A. e R. em abril de 2003. Percorreremos a relação na busca de elementos que nos auxiliem na tarefa qualificadora, verificando se são suficientes para a sua definição como um contrato de distribuição comercial, na modalidade típica de concessão comercial.
Entabulou-se entre A. e R. uma relação por tempo indeterminado, tendencialmente duradoura, no âmbito da qual a última se obrigou a vender à primeira os produtos D1..., principalmente E..., por preço mais baixo do que aos restantes grossistas, para posterior comercialização pela B1..., porta-a-porta, a retalhistas. Esta passou a fazer a revenda de tais produtos na sua zona de influência, onde, aliás, comercializava outros bens.
Não obstante revelarem vontade de estabelecer uma relação duradoura e tendencialmente estável, estes factos, em si mesmos, não caraterizam uma integração própria da concessão comercial da A. na rede de distribuição da R.; apenas um compromisso de fornecimento, com alguma estabilidade, dos produtos por tempo indeterminado e a preços mais favoráveis do que os praticados pela R. com outros grossistas.
Percorramos o desenvolvimento da relação comercial, na certeza de que é da A. o ónus da prova dos elementos caraterizadores do contrato (art.º 342º, nº 1, do Código Civil).
A B1... revendia os produtos na sua área de influência, mas não estava impedida de os vender fora dessa área. Apenas lhe estava vedado pela R. vender os produtos D1... às grandes superfícies (hipermercados) por serem diretamente abastecidos pela D1.... Servia-se, para o efeito, da sua própria frota de veículos e de outros meios exclusivamente seus; realizava por sua conta publicidade em rádios locais, mas relativa ao seu estabelecimento e à generalidade dos produtos que ali vendia, sem que se conheça assunção de obrigação de a fazer quanto à E... no âmbito da relação com a R. É certo que, sempre que a R. o solicitava, a A. informava-a sobre as características de alguns clientes, como o seu potencial, as suas qualidades como pagadores, e os tipos de produtos mais fornecidos, mas desconhecemos os termos em que era prestada essa informação, a frequência, a própria obrigação de a prestar, o seu motivo e o destino/aplicação que a R. lhe dava.
A integração na distribuição da R., com base contratual de concessão, sempre teria que ser muito mais do que isto, dependendo de cláusulas essenciais ou comportamento repetidos concludentes no sentido de que há, de alguma forma, um controlo da ação do concessionário, designadamente através de informações específicas periódicas sérias, preferencialmente escritas e economicamente tratadas como forma de estudar o mercado e melhorar as vendas e os lucros.
Faltam-nos elementos caraterizadores como, por exemplo, a referência a obrigações de compra de determinadas quantidades em certo período de tempo, a obrigação da revenda se fazer por preços fixados pela R., assunção pela A. de obrigações relacionadas com a venda dos bens em determinadas condições de qualidade e quantidade, obrigação de realização de stocks em determinadas quantidades mínimas, delimitação efetiva de zona de ação da A., definição de métodos de venda, critérios de promoção de produtos e regras de organização da empresa da A., de que seria exemplo a permissão de utilização de sinais do comércio e a utilização de canais informáticos específicos na sua relação, por onde circulassem informações privilegiadas registadas e serviço pós-venda. Nada disto se provou. Não há obrigação da A. se submeter a uma linha de organização e ação comum pensada e definida pela R., para além de que, sempre seria exigível um efetivo mecanismo de controlo e fiscalização da ação da A., de que nada se sabe. Desconhecemos até se a A. estava obrigada a comprar os produtos em causa apenas à D1... ou se os podia comprar a terceiros ou à própria R. fora do âmbito do contrato de 2003.
Falta um conjunto de obrigações pelas quais pudesse haver uma verdadeira integração da A., como concessionária, na rede ou cadeia de distribuição da concedente; um conjunto de regras de comportamento através das quais se estabelecem laços de colaboração entre as partes e se articula e coordena a atividade de todos no seio da rede de distribuição. Na falta de prova em contrário, o que temos é uma empresa, a B1..., a decidir com autonomia a sua política comercial, a fixar os preços que pratica sem prestar contas à R., desenvolvendo livremente ações de publicidade no seu interesse próprio, relativamente ao seu estabelecimento e à generalidade dos produtos que vende, incluindo os que não adquire à D1....
Como atrás ficou expresso, o dever de revenda inerente à concessão não se basta com uma sua atividade de compra e revenda com perceção do lucro respetivo. Implica uma efetiva cooperação na promoção da marca dos produtos, com influência ou consulta do concedente, com uma definição de estratégia comercial que, no caso, não existe.
O contrato não tinha que ser coincidente com os termos clausulados dos contratos escritos que a R. celebrava com os seus distribuidores, e que estão espelhados, por exemplo, nos documentos de fl.s 689 e seg.s dos autos. Mas não deixa de ser importante notar que a relação com a A. se desenvolveu em termos muito diversos daqueles que a R. submeteu a escrito com outros revendedores dos seus produtos onde ressaltam obrigações de higiene e segurança alimentar, critérios na utilização de veículos e de dizeres, logomarcas publicitárias e cores que sejam indicadas pela D1..., informação sobre todos os dados do mercado que envolvam os seus produtos, transmissão eletrónica diária de determinados dados, critérios de exposição de produtos, atualização de seguros relativos à cobertura de todos os riscos inerentes à atividade, realização de inventários físicos periódicos, critérios de devolução de vasilhame, cumprimento de objetivos anuais fixados por acordo escrito, colaboração em iniciativas comerciais adotadas pela D1..., transmissão em 24 horas de todas as reclamações de clientes, etc.
O volume de negócio da A. cresceu significativamente ao longo da relação, por certo, fruto do esforço e dedicação da B1... que realizou também avultado investimento. Mas não se conhece exigência ou fixação de critério pela R. nesse crescimento. Foi um investimento que resultou progressivamente da necessidade de acompanhar e sustentar o crescimento da própria A. no mercado.
Por conseguinte, sendo o acordo verbal de 2003 insuficiente, nem dos factos relativos ao desenvolvimento da relação se deduz que entre a A. e a R. existiu um contrato de distribuição comercial na modalidade de concessão. Só um quadro contratual sustentado que integrasse a A. na rede comercial a R., exercendo esta certo controlo sobre a atividade daquela, permitiria tal caraterização. Situado mais proximamente do contrato de concessão comercial, nem por isso estão reunidos elementos mínimos típicos que permitam esse enquadramento.

Não obstante, repetimos, na origem do relacionamento comercial em causa está o referido acordo verbal de 2003, pelo qual as partes estabeleceram que a R. passaria a fornecer diretamente os seus produtos à B1..., por preço mais baixo do que era praticado pela R. com os restantes grossistas, e que esta revenderia, porta-a-porta, aos retalhistas seus clientes, na área em que exercia o seu comércio. Os representantes da R. sabiam que os produtos E... eram muito importantes para o desenvolvimento da atividade da A. e viram crescer consideravelmente o negócio, ao longo de cerca de 6 anos, quer em número de clientes, quer pelo aumento de quantidades de produtos vendidos e valores de faturação. Foi com base naquele acordo verbal preliminar que a relação funcionou ao longo de cerca de seis anos, com regularidade, estabilidade e permanência, sem que tivesse sido estipulado qualquer prazo para o seu termo. Foi um contrato de duração indeterminada, pelo qual a R. se obrigou a fazer sucessivas entregas dos seus produtos refrigerantes a favor da A., conforme as compras que esta ia realizando para revender na sua distribuição no mercado retalhista, com a correspetiva obrigação de pagamento dos preços resultantes da faturação. De toda essa atividade a R. tirou também vantagem, lucro significativo.
A R. solicitava informações à A. sobre as caraterísticas de alguns clientes, o seu potencial, as suas qualidades como pagadores e os tipos de produtos mais fornecidos. Essa informação era-lhe transmitida. Havia uma área de influência onde a A. vendia os produtos D1....
É de sucessivas compras e vendas que se trata, mas assentes numa base contratual previamente constituída entre as partes que as viabilizou por tempo indeterminado e que as sustentou ao longo de cerca de 6 anos. Há, portanto, um contrato-quando com base no qual a relação se foi desenvolvendo
Estaremos perante um contrato de fornecimento?
Não há um conceito preciso e diferenciado definido na lei para este contrato. Há também indefinição na doutrina e na jurisprudência sobre a caraterização do contrato de fornecimento. Já tem sido definido simplesmente como “o contrato em virtude do qual uma parte se obriga a entregar coisas a outra, de forma periódica ou continuada, e esta a pagar um preço por elas”[28], o que o aproxima vincadamente do contrato de compra e venda (“apresenta, na maioria dos casos, notáveis semelhanças com a compra e venda, ainda que o fornecimento venha essencialmente caracterizado pela periodicidade ou continuidade das várias prestações singulares de dar que pesam sobre o fornecedor”)[29].
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.6.2009[30], foi definido segundo a regra de que se reconduz a um contrato de compra e venda desenvolvido por sucessivas, contínuas e periódicas prestações autónomas de coisas pelo vendedor mediante o pagamento pela contraparte do respetivo preço.
Cunha Gonçalves, citado no acórdão da Relação de Lisboa de 17.3.2009[31], refere que o tradicional contrato de fornecimento reconduz-se a “uma espécie da compra e venda complexa”, que se decompõe em numerosas compras e vendas parcelares. Através desse acordo de fornecimento, o vendedor obriga-se “a consignar ao comprador uma quantidade fixa e determinada, para cada vez, ou ilimitada e posteriormente determinável, de mercadorias da espécie e qualidade convencionadas, ou em períodos pré-estabelecidos ou à requisição do comprador, e por um preço, ou antecipadamente estipulado e igual para cada prestação parcial, ou a convencionar-se em cada ocasião”[32].
Acrescenta aquele aresto[33]: “Será o objectivo económico tido em conta pelas partes que permite integrar aqueles contratos atomizados no quadro complexo do tipo de contrato de fornecimento, de vocação duradoura, de execução continuada com obrigações reiteradas ou de trato sucessivo, no âmbito do qual os contratos parcelares não perdem, no entanto, a sua autonomia jurídica. O referido contrato de fornecimento constitui, pois, uma modalidade de distribuição indirecta não integrada, em que está ausente, no plano jurídico, a política comercial de controlo, por parte do fornecedor, típica dos contratos de distribuição”. O contrato de fornecimento tem como função a satisfação continuada de uma necessidade duradoura da parte que é fornecida.
Nesta última posição, o contrato de fornecimento aproxima-se do contrato de distribuição autorizada.
Pinto Monteiro[34] aponta dois tipos de contrato de distribuição, próximos da concessão comercial, mas que desta se distinguem, sobretudo, pela atenuação significativa dos fatores integração na rede e controlo do principal: O contrato de distribuição seletiva e o contrato de distribuição autorizada.
O último, que aqui pode relevar, exprime[35] uma (ainda) menor integração do distribuidor na rede do fabricante; dir-se-á que ela é um minus, em relação à distribuição seletiva. Os próprios critérios de seleção dos revendedores autorizados são muito menos rigorosos e o controlo, pelo fabricante, é também inferior. Contrariamente ao que sucede com o distribuidor seletivo, o distribuidor autorizado não é o único a poder (re)vender os produtos; e o fabricante ou fornecedor não está impedido, sequer, pelo seu lado, de vender também a revendedores não autorizados.[36]
Maria Helena Brito[37] escreve que «(…) Os distribuidores que adquirem por conta própria, nos termos de uma relação preferencial com o produtor, e que revendem, também por conta própria, aos seus clientes só aparentemente se aproximam dos revendedores independentes. É que, se eles o são, de um ponto de vista estritamente jurídico, pois compram e revendem, sob o ponto de vista económico encontram-se sempre, embora em graus diferentes, integrados na rede de distribuição da empresa produtora.
(…)
A distribuição autorizada pode definir-se como o efeito de um acordo pelo qual um produtor confere a um comerciante, escolhido em razão da sua aptidão técnica e comercial, a qualidade de distribuidor dos seus produtos.
(…)
Ele surge aos olhos do público como distribuidor preferencial dos produtos do fabricante e desempenha, juntamente com os outros revendedores que tenham recebido idêntica habilitação, uma espécie de serviço de exploração de um produto ou de produtos de uma certa marca, participando na respectiva comercialização de forma contínua e segundo as directivas estabelecidas pelo produtor.
(…)
Esta modalidade de distribuição não comporta obrigação de exclusividade de venda a cargo do produtor, nem atribuição ao distribuidor de exclusividade de revenda dos produtos, em sectores determinados. O produtor tem a faculdade de fornecer outros comerciantes e o distribuidor autorizado pode continuar a abastecer-se junto de fabricantes concorrentes. (…)
O distribuidor autorizado tem a obrigação de orientar a clientela para os produtos que distribui; não lhe incumbe propriamente a obrigação de exercer uma actividade de promoção da revenda dos produtos. Além disso, o distribuidor autorizado não tem de orientar a sua actividade em função das finalidades do contrato.
Daqui resulta ser relativamente ténue a integração económica do distribuidor autorizado; o produtor consegue seguir e orientar a comercialização das mercadorias sem, no entanto, impor fortes limitações ao distribuidor.»
Na desnecessidade de reescrever os factos provados mais relevantes nesta qualificação, temos para nós que, quer pelo contrato celebrado em abril de 2003, quer com base nos comportamentos concludentes das partes que a ele se seguiram na sua execução continuada, a relação contratual estabelecida corresponde a um contrato de distribuição autorizada. Realça-se apenas para esta caraterização que não se tratava apenas de sucessivas compras e vendas ou de um contrato de compra e venda com prestações, mas da definição de um contrato-quadro pelo qua se viria a concretizar o interesse de ambas as partes em aumentar o volume de negócio pelo menos na área de influência da A., para tal lhe fornecendo a R. os seus produtos a preço especial, mais baixo do que aquele que praticava com os restantes grossistas. A A. prestava informações sobre alguns clientes sempre que a R. o solicitava, aumentou o volume de negócios e o número de clientes ao longo de anos, numa relação estável e duradoura e privilegiada que a levou a fazer investimentos que não podiam deixar de ser do conhecimento da R., pois que era esta que fazia entregar os produtos nas instalações daquela, sabendo bem as quantidades que lhe vendia em cada momento e calculando as necessidade de armazenamento, de pessoal e equipamento que teria que ter para desenvolver um negócio que cresceu de modo muito significativo.
Há uma integração muito ténue da A. na rede de distribuição da R., mas ela existe. É de um contrato de distribuição autorizada que se trata.
A R. não podia deixar de estar ciente da importância que esta relação especial, ditada sobretudo pela prática de preços de valor inferior aos praticados no mercado, tinha para ambas as partes e do incremento comercial que, assim, iria trazer no desenvolvimento do comércio da A. Assistiu, ao longo de seis anos, a um significativo aumento de número de clientes para os seus produtos e do volume de negócio da E..., assim como aos necessários investimentos que A. teve que fazer para vender cada vez mais e melhor, sobretudo, os produtos da R.
Provou-se também que, ao longo da evolução da relação comercial com a R. e, em grande parte, por causa do crescimento desta, a A. arrendou dois armazéns adicionais e, posteriormente, substituiu-os por um novo, que fez construir, tendo também adquirido racks metálicos, vitrinas de exposição, máquinas e equipamentos para a oficina e para o posto de abastecimento de combustíveis, cerca de dez viaturas, empilhadores, contratou dez vendedores, um diretor comercial e dois chefes de equipa.
Em março de 2009, os clientes da A. eram abastecidos com as marcas da D1... regularmente, isto é, por semana nuns casos e por quinzena noutros.
No novo armazém, inaugurado no ano de 2008 pela A., foi implantado um moderno cash and carry e escritórios. Parte destas instalações estavam afetas ao negócio emergente da relação comercial em causa.
No ano de 2005, fruto da sua atividade, a A. já revendia produtos D1... a 1.049 clientes, no ano de 2006 a 1.244, no ano de 2007 a 1251, e no ano de 2008 a 1.609.
Em 2004, com base na mesma atividade de compra e revenda de produtos fornecidos pela R., a B1... faturou aos seus clientes € 1.965.181,00, no ano de 2005 € 6.650.483,00, no ano de 2006 € 10.332.719,00, no ano de 2007 € 11.924.596,00, e no ano de 2008 € 10.347.259,00.
No ano de 2004, a margem bruta de comercialização dos produtos fornecidos à A. pela R., correspondente à diferença entre o preço de aquisição e o preço de venda pela B1... aos seus clientes foi de € 113.183,00, em 2005 € 347.674,00, em 2006 € 316.609,00, em 2007 € 664.622,00 e em 2008 € 413.715.
Uma relação comercial com estas caraterísticas, cria algum grau de dependência económica da A. em relação à R., parte contratual mais forte. Foi por confiar fundadamente na relação iniciada no acordo de 2003 e para sustentar o crescimento do negócio, que a A. investiu. A R. viu aumentar consideravelmente o seu volume de vendas e, consequentemente os seus lucros. Nada fazia supor que, em circunstâncias verdadeiramente favoráveis, de aumento de número de clientes e de faturação, com significativos investimentos (e despesa inerente), qualquer das partes colocaria termo à relação de uma forma perentória e irreversível. Manifestamente, o termo do fornecimento que vinha sendo efetuado desde há cerca de seis anos, determinou uma perda acentuada no comércio da A.
A que se deve a cessação da relação?
Está provado que, não obstante o bom desempenho da B1..., em março de 2009, a R. lhe comunicou que iriam cessar os descontos que lhe vinha concedendo face à concorrência nos fornecimentos de E..., levando a que o preço de venda à A. de cada lata de E... passasse de € 0,303 para € 0,36 e da garrafa de dois litros de € 0,95 para € 1,19. A E... era o produto largamente mais significativo dos fornecimentos da R. à A. ao longo dos anos, representando para a B1... mais de 80% do volume global das vendas dos produtos que lhe adquiria.
Também está provado que o aumento de preços imposto pela R. à A. ocorreu para valores superiores aos que praticava com outros distribuidores, de tal modo que a B1... se viu obrigada a adquirir os produtos D1... a esses distribuidores para continuar na revenda, o que prejudicou o seu comércio, vendo assim reduzida a sua margem de lucro. A A. deixou de ter preços de aquisição na D1... que, pela diferença, lhe facilitassem a concorrência com outros distribuidores da R. que operam junto do AF..., ou seja, dos estabelecimentos de retalho e similares, na área de influência do seu comércio.
Em virtude de outros distribuidores dos produtos D1... terem passado a beneficiar de preços mais reduzidos do que os preços impostos pela R. à A. em março 2009, a B1... viu grande parte dos seus clientes ser desviada para os seus concorrentes que, por isso, lhes conseguiam adquirir os produtos também a preços mais baixos. Dada a diferença de preços praticada pela R. com a A. e com outros distribuidores dos seus produtos, a B1... não pôde continuar a adquirir àquela os produtos da marca E....
O motor do sucesso da A. na venda dos produtos D1... era a prática de preços mais baixos do que os praticados pela R. com os restantes grossistas.
A recorrente aponta para a existência de denúncia do contrato por parte da R. assente na alteração de preços praticados entre as partes até março de 2009. Não há dúvida de que essa alteração, imposta pela R., foi significativa.
A denúncia é uma forma autónoma de extinção dos contratos duradouros. Admite-se, em geral, que a qualquer das partes é possível pôr termo a um contrato celebrado por tempo indeterminado, a todo o momento, sem necessidade de invocar justa causa.[38]
Acrescenta ali a citada autora que “a denúncia opera através de declaração de uma das partes à outra, comunicando-lhe que não quer a continuação do contrato; tem eficácia ex nunc e carácter unilateral, exprimindo uma vontade discricionária”.
Qualquer das partes, livre e discricionariamente --- ad libitum ou ad nutum ---, através de uma declaração unilateral receptícia dirigida à outra parte, pode fazer cessar o contrato. Constitui uma forma de obstar a vínculos perpétuos, o que constituiria uma inadmissível limitação à liberdade das pessoas e seria contrária à ordem pública. É um direito potestativo de que goza.
Trata-se, pois, de uma vontade motivada por razões de oportunidade ou interesse do contraente e que não precisa de ser justificada; a denúncia é, por isso, uma manifestação de vontade unilateral, receptícia (com destinatário determinado), de extinção contratual.
Não se encontrando esta regra expressamente consagrada em termos gerais, a admissibilidade de denúncia de um contrato celebrado por tempo indeterminado é um princípio geral do direito português. É um ato lícito e de exercício legítimo, devendo respeitar os limites gerais impostos ao exercício dos direitos e estar de acordo com o princípio da boa fé, consagrado de forma genérica nos art.ºs 762°, n° 2 e 334° do Código Civil.
Não obstante a natureza receptícia da declaração de denúncia, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a admitir a chamada “denúncia-modificação” (‘na sequência da terminologia alemã – Anderungskündigung). É uma denúncia sob condição --- sob a condição da não aceitação das modificações propostas pelo seu autor: uma das partes, durante a vigência da relação contratual, entende que o contrato deverá ser objeto de alguma modificação, pelo que dirige à contraparte uma proposta nesse sentido. Esta poderá consubstanciar uma mera proposta de modificação do contrato ou traduzir uma «denúncia-modificação» do mesmo. A qualificação num ou noutro sentido depende, essencialmente, da interpretação da declaração de vontade em causa.
Por outro lado, nada obsta a que a denúncia se traduza numa declaração tácita (art.º 217º do Código Civil). Por isso, mesmo que o declarante não manifeste expressamente a vontade de denunciar o contrato, caso não seja aceite a sua proposta de modificação do mesmo, sempre se poderá entender formulada tacitamente a declaração de denúncia, desde que ela se possa deduzir de factos --- no caso, a declaração expressa de modificação --- que, com toda a probabilidade a revelem.[39]
A R. colocou a A. na seguinte posição: ou me passas a comprar os produtos a determinados preços novos, com significativo aumento, ou mais nada te vendo.
Não restam dúvidas, pois, de que a R. alterou unilateralmente o contrato e a prática comercial de descontos que à sua luz vinha sendo desenvolvida há cerca de 6 anos. Como o contrato --- qualquer contrato --- deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art.º 406º, n.º 1, do Código Civil), a primeira impressão é a de que, com tal procedimento, a R. teria violado o contrato. Não disse que o denunciava ou que lhe punha termo, fosse de que modo fosse. Quis alterar o contrato e depois alterou-o mesmo unilateralmente. O contrato anterior, nos termos em que vigorava até então, deixou de subsistir.
O que aconteceu foi uma denúncia-modificação do contrato, com a particularidade de não ser uma «denúncia salvo modificação», mas uma «denúncia seguida ou acompanhada de proposta de modificação».[40]
A denúncia ocorreu sem pré-aviso, devendo considerar-se aplicável, com as devidas adaptações, por se tratar de um contrato de cooperação ou distribuição, regime do contrato de agência, aprovado pelo Decreto-lei nº 178/86, de 3 de julho, alterado pelo Decreto-lei nº 118/93, de 13 de abril, que prevê a possibilidade de denunciar o contrato de tempo indeterminado, desde que comunicada à contraparte, por escrito, com a antecedência mínima seguinte:
a) Um mês, se o contrato durar há menos de um ano;
b) Dois meses, se o contrato já tiver iniciado o 2.° ano de vigência; c) Três meses, nos restantes casos.
Na esteira das considerações atrás efetuadas, é pacífico o entendimento de que o contrato de agência, quando celebrado por tempo indeterminado, é livremente denunciável por qualquer dos contraentes, ainda que sem justa causa, em homenagem ao princípio da inadmissibilidade da vinculação contratual perpétua. Mas também o é o de que o denunciante deve respeitar prazos de pré-aviso tidos como razoáveis e adequados ao tempo de duração do contrato, sob pena de se constituir na obrigação de indemnizar a contraparte pelos prejuízos resultantes da omissão, a calcular nos termos gerais da lei civil, abrangendo danos emergentes e lucros cessantes (art.º 29º, nº 1, do Decreto-lei nº 178/86 e art.ºs e 652º e sg.s do Código Civil).[41]
Havendo falta ou insuficiência do prazo de aviso prévio, a parte responderá pelos danos que sejam causados por essa falta ou insuficiência (e não pelos danos decorrentes da própria cessação do contrato em si), indemnizando a parte contrária em conformidade.[42]
Precisamente porque este ato está na disponibilidade potestativa do denunciante é que a lei fixa um tempo de espera findo o qual os efeitos se produzem, como meio adequado de proteção da contraparte que pode, assim, preparar-se para a extinção da relação contratual.
Enquanto no contrato de agência a atividade do agente não é independente e age em nome do principal que, verdadeiramente, negoceia os contratos com os clientes que o agente angaria, na distribuição autorizada, aliás, como na concessão comercial, o distribuidor é dono do negócio, atua por conta própria e risco, o que implica, por via de regra, investimentos de maior vulto, suportados por ele, mais do que os investimentos que normalmente estão a cargo do agente.[43]
Ter-se-á que apurar, assim, em cada caso, qual a antecedência razoável, em face das circunstâncias de cada caso, para que a denúncia possa ser exercida licitamente. Entre as circunstâncias a ter em atenção contam-se, muito especialmente, os investimentos que o distribuidor haja feito, maxime se incentivados ou consentidos (expressa ou tacitamente) pela contraparte, e o tempo necessário para a respetiva amortização.[44]
A A. tinha a sua atividade organizada também em função dos fornecimentos que lhe eram efetuados pela R. e das vendas que fazia desses produtos aos seus clientes, sendo que grande parte do seu volume de negócios provinha seguramente dos produtos vendidos pela demandada, a avaliar pelas quantidades e valores dos fornecimentos que vinha contabilizando nos anos que antecederam a denúncia do contrato (março de 2009). Esta é uma daquelas situações em que se impunha a existência de um aviso prévio considerável, superior ao que a lei prevê para a denúncia do contrato de agência, a fim de que a R. se reorganizasse de modo a poder prosseguir a sua atividade sem ter que adquirir os produtos à A., designadamente provendo à obtenção do fornecimento de produtos similares junto de outra ou outras empresas (não obstante não ser fácil ou ser mesmo improvável nas condições contratuais de que beneficiava antes da denúncia contratual).
Tudo ponderado --- também os prazos que vêm sendo atendidos na jurisprudência[45] ---, afigura-se-nos razoável o prazo de 5 meses de que a R. deveria ter usado como pré-aviso da denúncia contratual.
Alegando prevalecer-se do direito que lhe é reconhecido no art.º 29º, nº 2, do Decreto-lei nº 178/86, a a B1... reclama da D1..., a título de indemnização for falta de pré-aviso, a quantia de € 327.071,65 equivalente a 6 meses da margem média bruta mensal auferida no decurso do ano de 2008, indemnização esta que --- ainda segundo a A. --- sempre seria inferior ao resultante do critério dos prejuízos efetivos. Alegou --- mas não provou --- ter investido cerca de € 3.500.000,00, investimento do qual ainda faltaria amortizar, à data da cessação do acordo de distribuição sub judice, € 2.000.000,00.
Mais alega que no ano de 2008, e relativamente à venda das marcas da D1..., a A. faturou um total de € 10.559.616,00, e ainda que o termo da distribuição dessas marcas correspondeu para a A. a uma diminuição de receitas e das perspetivas de lucros que para si decorriam dessa atividade, calculados numa média de, pelo menos, € 600.000,00 anuais, para o ano de 2009. Deixou a A. de obter a diferença entre o custo de aquisição dos produtos e o preço de revenda, diferença que no último ano ascendeu a € 654.143,30. A A. pede a condenação a R. em metade deste valor, ou seja, na indemnização por falta de pré-aviso, na quantia de € 327.041,65 equivalente a seis vezes a margem média bruta mensal auferida no decurso de 2008.
Se nada obsta à aplicação do nº 2 do art.º 29º do Decreto-lei nº 178/86, ao concessionário, também nos parece ser de aplicar ao distribuidor autorizado, contanto que se justifique a compensação por falta de pré-aviso. A opção pela aplicação da regra de cálculo prevista naquele número, em vez da regra prevista no nº 1 do mesmo preceito legal, foi da A. Contudo, a facilidade com que se calcula a quantia devida ao agente com base numa remuneração pelos serviços agenciados poderá não ser a mesma com que se consideram os lucros do distribuidor com direito à reparação, precisamente porque pode haver uma diferença sensível entre o que seja o lucro médio líquido e o lucro médio bruto, como fator de cálculo.
Vejamos os factos provados (nesta matéria ficaram aquém dos factos alegados pela A.).
No ano de 2008, a margem bruta de comercialização dos produtos fornecidos à A. pela R., correspondente à diferença entre o preço de aquisição e o preço de venda pela B1... aos seus clientes foi de € 413.715,00 o que dá uma média mensal de € 34.476,25.
Ao longo da evolução da relação comercial com a R., em grande parte, por causa do crescimento desta, a A. arrendou dois armazéns adicionais e, posteriormente, substituiu-os por um novo, que fez construir, tendo também adquirido “racks” metálicos, vitrinas de exposição, máquinas e equipamentos para a oficina e para o posto de abastecimento de combustíveis, cerca de dez viaturas, empilhadores, contratou dez vendedores, um diretor comercial e dois chefes de equipa.
Na falta de outros elementos de facto que nos permitam realizar um cálculo mais rigoroso, aritmético, partimos daqueles factos para recorremos à equidade, nos termos do art.º 566º, nº 3, do Código Civil).
Pensamos que a dúvida interpretativa pode ser resolvida temperando o critério do nº 2 com o critério que o nº 1 do mesmo art.º 29º prevê quando apela à reparação dos danos causados pela falta de pré-aviso.
Se grande parte dos investimentos que foram efetuados pela A. ao longo dos anos em que o contrato vigorou é de atribuir ao crescimento da relação comercial que manteve com a R., parece-nos razoável que não se considere apenas o lucro líquido da A. como critério de compensação pela falta de pré-aviso, até porque não é descabido admitir que a utilização de um prazo adequado para aquele efeito pudesse evitar uma parte do investimento efetuado.
O agente também tem despesas de funcionamento e investimento que não são abatidas na compensação que se lhe atribui quando calculada nos termos do nº 2 do art.º 29º. Porém, a A. suporta despesas de funcionamento e investimento que são normalmente superiores às despesas dos agentes (suportam custos de transportes na distribuição, despesas relativas ao imobilizado, publicidade e marketing, seguros, e as despesas próprias do investidor independente) que se justifica considerar em função das caraterísticas distintas dos contratos. Essas despesas não tiveram uma afetação exclusiva à relação comercial entre A. e R. e só em parte estão por ela justificadas.
Ainda nesta sede de compensação por falta de pré-aviso, A. apela à aplicação das leis da concorrência para justificar a indemnização pela violação do prazo de pré-aviso.
Nos termos do art.º 101º, nº 1, al. d), do TFUE[46], «são incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas,… e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno, designadamente as que consistam em:
(…)
d) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;
(…)»
Segundo o subsequente art.º 102º, «é incompatível com o mercado interno e proibido, na medida em que tal seja susceptível de afectar o comércio entre os Estados-Membros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado interno ou numa parte substancial deste.
Estas práticas abusivas podem, nomeadamente, consistir em:
(…)
c) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;
(…)».
Estas regras estavam já consignadas nos art.ºs 81º, nº 1, al. d) e 82º, al. c), do Tratado da União Europeia, em vigor no ano em que foi celebrado entre as partes o contrato de fornecimento.
Pretendeu-se, além do mais, proporcionar um ambiente de paz, harmonia e equilíbrio na Europa, tendo como valores a preservar e incentivar a iniciativa privada e a economia de mercado, com uma concorrência leal e equilibrada, nela se estabelecendo um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno (art.º 3.º, al. f), do Tratado da União Europeia). As regras contidas nos art.ºs 81º a 86º desse Tratado (atualmente art.ºs 101º e 102º por força das alterações do Tratado de Lisboa assinado em 13 de dezembro de 2007, com entrada em vigor em 1 de dezembro de 2009) estão destinadas a disciplinar as práticas das empresas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros.
Preveem-se ali relações transfronteiriças; aqui estão em causa relações internas, entre empresas de direito português e exclusivamente em território nacional, sem projeção de quaisquer efeitos imediatos para além das fronteiras nacionais, assim, sem que se questionem atos de comércio entre agentes de dois ou mais Estados-Membros ou qualquer elemento de conexão objetiva de carácter transfronteiriço relativo à relação jurídica em discussão.
As regras do Direito Comunitário da Concorrência, de acordo com os art.ºs 85º e 86º do Tratado só regulam as restrições da concorrência derivadas de certas práticas, se forem suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados Membros.
Já no âmbito do direito interno, que aqui releva, a Lei nº 19/2012, de 8 de maio, aprova o novo regime jurídico da concorrência e proíbe as práticas restritivas, designadamente o abuso de posição dominante, considerando abusivo impor de forma direta ou indireta, preços de compra ou de venda ou outras condições de transação não equitativas e aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes, colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência (nº 2, al.s a) e c) do art.º 11º). Proíbe também o abuso de dependência económica, “na medida em que seja suscetível de afetar o funcionamento do mercado ou a estrutura da concorrência, a exploração abusiva, por uma ou mais empresas, do estado de dependência económica em que se encontre relativamente a elas qualquer empresa fornecedora ou cliente, por não dispor de alternativa equivalente” (art.º 12º, nº 1). Pode ser considerada abusivo de dependência económica os comportamento acima apontados como alíneas a) e c).
As empresas não dispõem de alternativas equivalentes quando não podem obter idênticas condições por parte de outros parceiros comerciais num prazo razoável (nº 3, al. b), do mesmo art.º 12º.
À data da prática dos factos, vigorava a Lei nº 18/2003, de 11 de junho, de onde resultava já a proibição de abuso de posição dominante e de abuso de dependência económica (art.ºs 6º e 7º), sendo então já típico dessas práticas, além do mais, a aplicação, de forma sistemática ou ocasional, de condições discriminatórias de preço ou outras relativamente a prestações equivalentes, sendo que, a “falta de alternativa equivalente” relativa ao abuso de dependência económica, se caraterizava já pela impossibilidade de a empresa obter idênticas condições por parte de outros parceiros comerciais num prazo razoável.
Qualquer indemnização que houvesse de ser atribuída por violação das leis da concorrência da R. relativamente à A. não teria a ver com a falta de pré-aviso na situação de denúncia que a própria demandante invocou como forma da sua extinção do contrato, mas com a violação de deveres laterais de proteção na sede do contrato-quadro havido entre as partes, fonte de responsabilidade civil contratual enquanto geradora da obrigação de indemnizar por violação contratual, nos termos gerais dos artigos 798° do Código Civil. Tais deveres de boa fé, probidade e respeito pelos interesses da contraparte “vinculam as partes a evitar a ocorrência de danos, pessoais ou patrimoniais, para qualquer uma delas, no quadro da execução do contrato”, certo que “em caso de desrespeito dão lugar a responsabilidade civil por violação positiva do negócio”[47].
Quem venha a incorrer em responsabilidade contratual, por esta via, deve indemnizar o dano positivo que resultou para a contraparte, previsto pelo Código Civil português, genericamente, no art.º 798º do Código Civil[48].
Esta indemnização não pode funcionar no quadro de extinção do contrato por denúncia e compensação por falta de pré-aviso em que a própria A. a invocou como simples fator de cálculo desta reparação, assim, no âmbito do nº 2 do art.º 29º do Decreto-lei nº 178/86.
Ponderado o que é ponderável nos termos acima expostos, temos como equitativo fixar na quantia de € 140.000,00 a compensação pela falta de pré-aviso na denúncia-modificação do contrato.
Limitados que estamos pelo pedido da ação (transcrito no relatório), para além daquela compensação por falta de pré-aviso na denúncia do contrato a A. pretende:
- A condenação da R. a pagar-lhe uma indemnização de clientela no valor de € 250.000,00, nos termos da lei;
- A condenação da R. a pagar-lhe € 25.000,00 por danos indiretos atuais e futuros, certos e eventuais trazidos à sua imagem e credibilidade empresariais resultantes da cessação inesperada do contrato de distribuição;
- A condenação da R. a pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos, até efetivo e integral pagamento.

Passemos então ao segundo ponto: A indemnização de clientela.
Segundo o art.º 33º, nº 1, do Decreto-lei nº 178/86, “sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, nos termos das disposições anteriores, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos seguintes:
a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;
b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente;
c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a)”.
Pinto Monteiro, a este propósito, escreveu na RLJ[49]:
«(…)
Verificados estes requisitos, não há dúvida de que os benefícios proporcionados pelo agente ao principal eram, na vigência do contrato, de proveito comum; todavia, cessando este, tais benefícios irão aproveitar apenas, unilateralmente, ao principal. A indemnização de clientela visa, justamente, compensar o agente pelo enriquecimento que a sua actividade continua a proporcionar ao principal.
Pese embora o seu nome, não se trata, em rigor, de uma verdadeira “indemnização”, até porque não está dependente — como resulta do art. 33.° — da prova, pelo agente, de danos sofridos (embora estes existam normalmente, pelo menos na forma de lucros cessantes). O que conta são os benefícios que a clientela angariada pelo agente continua a poder proporcionar ao principal, e de que aquele já não aproveita, uma vez extinto o contrato, por deixar de receber comissões pelos negócios com tais clientes (…).
Numa palavra, a dupla relação de fruição de clientela, que existia durante o contrato, toma-se unilateral pois o agente é excluído dessa relação de fruição e, portanto, despojado de um valor que ajudou a criar e em cujas vantagens participava. Justifica-se, por isso, compensá-lo por esses benefícios que a sua actividade anterior continua a proporcionar ao principal. Não se trata, portanto, de uma indemnização a favor do agente compreendida no âmbito do instituto da responsabilidade civil --- posição que sempre subscrevemos e que a doutrina nacional entretanto vem apoiando ---, antes de uma medida próxima do instituto do enriquecimento sem causa, comungando de idênticas preocupações (…).»[50]
Esta compensação é devida independentemente da forma como terminou o contrato (mútuo acordo, caducidade, denúncia ou resolução, salvo se “imputáveis ao agente”, nos termos do n° 3 do art.º 33°).
Tem sido defendido que a indemnização de clientela é também de atribuir em situações que não se enquadrem perfeitamente nos limites da agência, como são os concessionários e os franquiados, sempre que a analogia o justifique. Estes contratos envolvem, frequentemente, como sabemos, uma atividade e um conjunto de tarefas similares às da agência, estando os contraentes unidos, de modo idêntico, por relações de estabilidade e de colaboração e comungando de um objetivo comum. Mas não basta. Pinto Monteiro[51] argumenta que, num primeiro momento, é de averiguar, em cada caso concreto, se o distribuidor, pese embora juridicamente atue por conta própria, desempenhou funções, cumpriu tarefas e prestou serviços semelhantes aos de um agente, em termos de ele próprio dever considerar-se, pela atividade que exerceu, como um relevante fator de atração da clientela. A sua (maior ou menor) integração na rede do concedente ou do franquiador, as obrigações (mais ou menos extensas, mais ou menos intensas) que assume em ordem à prossecução e defesa dos interesses deste, os deveres de informação a seu cargo e de respeito pelas instruções que dele recebe, o tipo de bens distribuídos, etc., serão, para esse efeito, elementos importantes a considerar. Acrescenta ali este Professor que, num segundo momento, há que ver se a clientela foi angariada pelo agente ou se houve um aumento substancial do volume de negócios e se e em que medida, no futuro, o principal irá beneficiar dessa clientela ou dessa atividade do agente.
É naquele primeiro momento que devemos desde já situar a análise do caso concreto.
Já verificámos que a relação havida entre A. e R. a partir de abril de 2003 tem uma base contratual que não é mais do que um contrato de distribuição autorizada, conforme acima caraterizámos. Mas há algo mais entre A. e R., para além dos sucessivos contratos de compra e venda que foram concretizando ao longo de cerca de seis anos. Há um vínculo que no limite de uma escala alargada ainda permite falar em contrato de distribuição (autorizada) ou de integração na rede da D1.... E há uma relação forte de estabilidade e permanência.
A propósito da distribuição seletiva e acentuando que, nessa situação, a obrigação de compra pelo distribuidor é apenas eventual e que também não está sujeito a restringir a sua atividade ao âmbito do contrato de distribuição, sendo normal que se dedique à comercialização de outros produtos, defende Carlos Ferreira de Almeida[52] que, “com este baixo grau de integração, é geralmente menor a sua dependência económica e menor também o seu peso no êxito da rede de distribuição. Difícil será pois que se verifiquem os requisitos para a aplicação analógica do instituto de compensação de clientela no termo do contrato”.
O caso em análise é de simples distribuição autorizada, em termos gerais, de discutível integração na rede da R. Não havia as obrigações típicas da concessão comercial, designadamente o controlo pela D1... da ação comercial da B1..., tudo conforme acima já especificado aquando da qualificação do contrato.
Todavia, foi criada séria dependência económica da A. relativamente à D1..., ditada pelos descontos que esta lhe fazia, superiores aos preços que praticava com os restantes grossistas, e isso foi um importante fator de crescimento do negócio da B1..., com evidentes vantagens para a D1.... Não há dúvida de que entre as partes havia um relacionamento especial, pelo qual a R. tirou partido comercial das áreas de influência económica da A. No ano de 2005, fruto da sua atividade de compra e revenda de produtos D1... já os revendia a l .049 clientes, no ano de 2006 a 1.244, no ano de 2007 a 1251, e no ano de 2008 a 1.609. Em 2004, fruto da sua atividade de compra e revenda de tais produtos, a B1... faturou aos seus clientes €1.965.181,00, no ano de 2005 € 6.650.483,00, no ano de 2006 € 10.332.719,00, no ano de 2007 € 11.924.596,00, e no ano de 2008 € 10.347.259,00. É um enorme incremento negocial.
Assim, ao longo daquela relação contratual duradoura, a A. angariou novos clientes e aumentou substancialmente, o volume do negócio, em seu benefício e em benefício da D1.... Esta, após a cessação do contrato continuou a beneficiar dessa clientela, ainda que, tal vantagem continuasse a ser proporcionada através de outros distribuidores, para os quais a B1... perdeu grande parte dos seus clientes. Tal situação não é imputável à A.
Ainda que sem integração controlada na rede de distribuição da R., tal como ela é concebida na concessão comercial tout court, havia entre as partes uma relação de compromisso duradoura, estável e de confiança que se deve presumir recíproca, assente numa política especial de preços que, criando dependência económica da A. não fazia supor a cessação abrupta dessa relação em que havia colaboração, e a perda efetiva e significativa de clientela que a A. angariou ao longo de vários anos na sua área de influência comercial; perda ditada pela R. para a A. continuando aquela a beneficiar, em larga media, dos clientes e volume de negócio obtidos por aquela.
Pensamos que esta é justamente uma situação, ainda que incomum, em que a indemnização de clientela se justifica por aplicação adaptada e analógica da norma do art.º 33º, a calcular segundo a regra, também adaptada, do subsequente art.º 34º do Decreto-lei nº 178/86, de 3 de julho, em que pesam as boas regras de prudência, razoabilidade e justiça concreta que caraterizam a equidade e que jamais poderá ultrapassar a média anual dos lucros recebidos pela A. entre 2004 e 2008, segundo uma leitura adaptada daquele art.º 34º, que correspondes, em termos brutos, à quantia de € 288.500,34 (cf. ponto g) dos factos provados).
Importa considerar que a A., não obstante ter sofrido uma diminuição acentuada de clientela, manteve uma parte não apurada dos seus clientes. Para além disso, é muito relevante o que observámos relativamente ao vínculo contratual que unia as partes. Não há aqui a força de um indiscutível contrato de agência, de um contrato de concessão comercial ou de um contrato de franquia em que a aplicação das regras da indemnização de clientela é mais segura pela definição do conceito. O que temos é um contrato que as partes não submeteram à forma escrita (ao contrário do que é habitual), sem previsão nem atos concludentes ou obrigações próprios do controlo económico que, na concessão comercial[53], carateriza a integração do concessionário na rede de distribuição do concedente, mas em que, ainda assim, existe uma ténue integração ditada pela política de preços especiais com alguma troca de informação relativa a clientes em benefício da R.
E porque era significativa a fragilidade e a insegurança do quadro contratual em que atuavam as partes, mais elevado era também o risco de funcionamento da relação negocial que a A. também não acautelou.
É fraca a intensidade com que se afirmam, no caso, as notas que permitem equiparar a A. ao agente.
Tudo ponderado, temos como equitativo fixar a indemnização de clientela a favor da A. na quantia de € 80.000,00.

Pretende ainda a A. uma indemnização de € 25.000,00 por danos indiretos atuais e futuros, certos e eventuais trazidos à sua imagem e credibilidade empresariais resultantes da cessação inesperada do contrato de distribuição.
Praticamente ultrapassada que está a tese, por alguns já defendida, de que os danos morais, de grandezas heterogéneas e dimensão psicológica e espiritual, são por natureza irreparáveis, o próprio legislador consignou o dever da sua reparação sempre que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.º 496º, nº 1, do Código Civil). Hoje, o dano moral é um dano proprio sensu.
É, pelo menos, maioritária a corrente jurisprudencial que defende a admissibilidade do ressarcimento dos danos não patrimoniais em sede de responsabilidade contratual, sendo ainda possível acolher a causação de tais danos em relação às sociedades comerciais.[54] Estamos com esta posição.
Tem-se então perspetivado que a prestação pecuniária a cargo do lesante, além de constituir para este uma sanção adequada, em benefício da vítima, pode contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar os danos por ela sofridos. Não há a intenção de pagar ou indemnizar o dano, muito menos o intuito de facultar o comércio com valores de ordem moral, mas apenas o propósito de atenuar um mal consumado, sabendo-se que a composição pecuniária pode servir para satisfação das mais variadas necessidades, desde as mais grosseiras e elementares às de mais elevada espiritualidade, tudo dependendo, nesse aspeto, da utilização que dela se faça.[55] Com a compensação, o lesado mais facilmente procura alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral.
Como também se tem dito, trata-se de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente, como acontece com a indemnização, mas tão-só um almejo de compensação que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro. A indemnização tem aqui um papel mais compensatório, mais do que reconstitutivo.
Com ensina Antunes Varela[56], “a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.
O dano deve ser de tal modo grave que justifique a tutela do Direito, pela concessão da satisfação de ordem pecuniária.
O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal (nº 3 do referido art.º 496º do Código Civil), através de adequado e equilibrado critério de justiça material e concreta. Devem ser ponderadas as circunstâncias concretas de cada caso, considerando especialmente, em situações de mera culpa, a possibilidade da indemnização ser inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que a culpabilidade do agente e a situação económica deste e do lesado o justifiquem (art.ºs 494º e 496º, nº 3, do Código Civil), o que confere ainda mais a natureza de compensação, de satisfação, do que de indemnização à quantia a atribuir.
A apreciação da gravidade do dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objetivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjetividade inerente a alguma particular sensibilidade humana, e a fixação da indemnização deve orientar-se em harmonia com os padrões de cálculo adotados pela jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências da igualdade no tratamento do caso análogo, uniformizando critérios[57].
Numa síntese feliz, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.6.2007[58] refere-se que “a justa indemnização por danos não patrimoniais deve ser achada tendo o julgador presente todas as regras da boa prudência, do bom senso prático da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, não obliterando, para além dos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, as flutuações do valor da moeda, bem como que a reparação tem uma natureza mista, dado que por um lado visa reparar e, por outro, punir a conduta”.
Importaria aqui atender a danos de imagem presentes ou futuros previsíveis que pudessem colocar em causa a credibilidade da A. no mercado, em função da ação da R. de denunciar o contrato.
Em boa verdade não se mostram provados factos relevantes nesta matéria. Apenas ficou demonstrado que o facto de a A. ter deixado de adquirir à R. os produtos da marca E..., levou a um clima de desconfiança entre clientes e fornecedores sobre as razões do fim dessa relação comercial. Não sabemos qual foi o grau de desconfiança nem em que termos se concretizou, se e que comentários se passaram a fazer e quem os fez, e se isso afetou e em que termos a imagem e o bom nome da B1... no comércio e, por conseguinte, também a sua capacidade para angariar clientes.
Um “clima de desconfiança entre clientes e fornecedores da A.”, para além do seu teor tendencialmente conclusivo, não é mais do que uma suspeita, uma curiosidade sobre as razões que terão levado ao termo da relação comercial entre ela e a R., sem que se conheçam factos concretos pelos quais se revele a efetiva ofensa da imagem e da reputação da B1....
Improcede o pedido de reparação de danos não patrimoniais.

Sobre a quantia total em que a R. vai ser condenada incidem os juros de mora peticionados, nos termos dos art.ºs 559º, nº 1, 804º, nºs 1 e 2, 805º, nºs 1 e 3 e 806º, do Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 8 de abril.

Não há outras questões cujo tratamento se justifique em razão do pedido da ação que, assim, assim procede parcialmente, com condenação da R. a pagar à A. a quanto de € 220.000,00 e os respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação para a ação.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1. No contrato (contrato quadro) de concessão comercial para revenda, além desta obrigação do concessionário de comprar para revender, as partes vinculam-se a outro tipo de obrigações (normalmente concernentes à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes), sendo através delas que verdadeiramente se efetua a integração do concessionário na rede ou cadeia de distribuição do concedente e este passa a exercer sobre a atividade daquele controlo e fiscalização económica mais ou menos intensos.
2. Enquanto o contrato de fornecimento constitui uma modalidade de distribuição indireta não integrada, em que está ausente, no plano jurídico, a política comercial de controlo, por parte do fornecedor, típica dos contratos de cooperação, o contrato de distribuição autorizada tem caraterísticas próximas do contrato de concessão comercial, mas com atenuação significativa, dos fatores de integração na rede e controlo do principal que são, por vezes, muito ténues.
3. Não obstante a natureza expressa e receptícia da declaração de denúncia, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a admitir a chamada “denúncia-modificação” e tácita.
4. Havendo falta ou insuficiência do prazo de aviso prévio na denúncia do contrato, a parte responderá pelos danos que sejam causados por essa falta ou insuficiência (e não pelos danos decorrentes da própria cessação do contrato em si), indemnizando a parte contrária em conformidade.
5. Dependendo das caraterísticas de cada relação contratual, não é de excluir, à partida, a indemnização de clientela nos contratos de distribuição autorizada.
6. Sendo de admitir a reparação de danos de imagem e bom nome de uma sociedade comercial, o Direito não dispensa a prova de factos que os revelem.
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V.
Pelo exposto, de facto e de Direito, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação e a ação parcialmente procedentes e, em consequência, revogando-se a sentença recorrida, condena-se a R. D..., S.A. a pagar à A. B..., S.A.:
A) A quantia de € 140.000,00 (cento e cinquenta mil euros) a título de indemnização por falta de pré-aviso na denúncia do contrato de distribuição autorizada que vigorava entre as partes;
B) A quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros) a título de indemnização de clientela;
C) Os juros de mora legais, sobre as referidas quantias, a calcular à taxa legal em cada momento em vigor, desde a data da citação até integral pagamento.
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As custas da ação e da apelação serão pagas pela A e pela R. na proporção do respetivo decaimento.
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Porto, 26 de outubro de 2017
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Adiante, A. 1ª A. ou B1....
[2] Adiante, 2ª A.
[3] Adiante, R. ou D1....
[4] Cfr. a CJ, ano XVII, tomo IV, pp. 245 e ss, esp. 250.
[5] Cfr. CJ, ano XVIII, tomo IV, pp. 133 e ss, esp.135.
[6] Nesta acção as mesmas testemunhas discutiram praticamente os mesmos factos, note-se, porque muito importante.
[7] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[8] Por transcrição.
[9] Por transcrição.
[10] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 224 e 225.
[11] Sob o título “Os Ónus da Alegação e da Prova, em Geral …”, Colectânea de Jurisprudência, Ano VII, T I, pág. 19.
[12] “Provas – Direito Probatório Material”, BMJ 110/82 e 171.
[13] A distribuição comercial direta usa recursos próprios do produtor.
[14] A. Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, I, 2001, págs. 494 e 496.
[15] Menos autónoma no contrato de agência do que na concessão comercial ou na franquia.
[16] Ferreira de Almeida, Contratos III, 2012, Almedina, pág. 134.
[17] A. L. Dias Pereira, Business Law: A Code Study. The Commercial Code of Macau, Coimbra, 2004, p. 98 seg.s.
[18] Diferentemente, o agente atua sempre por conta do principal, zelando pelos interesses deste, ao qual se destinam os efeitos dos atos que aquele pratica, numa estreita relação e confiança. O agente é um colaborador autónomo da empresa, por conta da qual se obriga a promover a celebração de contratos e, algumas vezes a concluí-los ele próprio, mas em nome e por conta do principal (cf., entre outros, o acórdão da Relação de Coimbra de 25.5.2010, proc. 2509/05.0TBAVR.C1, in www.dgsi.pt).
[19] Ferreira de Almeida, ob. vol. cit., pág. 140.
[20] Idem, pág. 449.
[21] Contratos de Distribuição Comercial, Almedina, pág.s 110 e seg.s.
[22] Acórdão da Relação de Lisboa de 17.12.2015, proc. 293697/11.0YIPRT.L1-2, in www.dgsi.pt.
[23] Proc. 02A744, in www.dgsi.pt, citando Pinto Monteiro, Contrato de Agência, 3.ª edição, 1998, págs. 46 e 47, Contratos de Distribuição Comercial, 2002, págs. 110 a 113, Denúncia de um Contrato de Concessão Comercial, separata da RLJ 130, págs. 31 e 39 a 42 e ainda, Maria Helena Brito, O Contrato de Concessão Comercial, 1990, págs. 155 e seg.s.
[24] Revista n.º 4166/07 -6.ª Secção Silva Salazar (Relator) Nuno Cameira e Sousa Leite.
[25] Proc. 1420/06.2TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[26] Proc. 3054/03.4 TCSNT.L1-6, in www.dgsi.pt, citando outra jurisprudência e doutrina.
[27] Acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 13.4.2010, proc. 673/2002.E1.S1, in www.dgsi.pt.
[28] Gabriel Stiglitz, Contrato de Suministro, in, Rúben Sliglifz, Contratos-Teoria General, I, Depalma, Buenos Aires, 1994, pág. 209.
[29] Fernando Baptista Oliveira, Contratos Privados, pág. 740
[30] In www.dgsi.pt.
[31] Colectânea de Jurisprudência, T.II, pág. 92.
[32] Da Compra e Venda no Direito Comercial Português, pág. 537.
[33] Citando Pinto Monteiro, Direito Comercial – Contratos de Distribuição Comercial, Almedina, 2004, pág. 38.
[34] Contratos de Distribuição Comercial, Almedina, 2009, pág. 115 a 117.
[35] Pinto Monteiro, ob. e pág.s cit.
[36] Cita-se ali doutrina estrangeira.
[37] O Contrato de Concessão Comercial, Almedina, 1990, pág.s 13 a 5.
[38] Maria Helena Brito, O Contrato de Concessão Comercial, Almedina, 1990, pág. 237, citando Antunes Varela, Pessoa Jorge, Menezes Cordeiro, Vaz Serra e Baptista Machado.
[39] Carlos Lacerda Barata, Anotações ao Novo regime do Contrato de Agência, Lex, 1994, pág. 74. Como ensinam P. de Lima e A. Varela, Código Civil anotado, vol. I, 2ª edição (anot. ao art.º 217º), “aquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões”.
[40] Pinto Monteiro, Denúncia ..., págs. 65/66, citado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2001, proc. 02A744, in www.dgsi.pt, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.6.2003, proc. 04A381, na mesma base de dados.
[41] Acórdão Relação do Porto de 15.9.1994, BMJ, 439/649, acórdão da Relação de Coimbra de 5.11.2002, proc. 2218/02, in www.dgsi.pt. ………........
[42] Acórdão da Relação do Porto de 17.1.2012, proc. 125351/09.9YIPRT.P1, in www.dgsi.pt.
[43] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.6.2003, proc. 04A381, acórdão da Relação de Coimbra de 6.11.2002, proc. JTRC 01822, in www.dgsi.pt.
[44] Pinto Monteiro, Contratos de Distribuição Comercial, pág. 140.
[45] Entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.5.2004, proc. 04A381 e o acórdão da Relação do Porto de 17.1.2012, proc. 125351/09.9YIPRT.P1, in www.dgsi.pt.
[46] Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
[47] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.9.2009, Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, T. III, pág. 38.
[48] Neste sentido, acórdão da Relação do Porto de 25.1.2011, proc. 3322/07.6TJVNF.P1, in www.dgsi.pt, citando Meneses Cordeiro, Da Boa Fé…, I/594 a 602, ou Obrigações, 2º/457; também Pires de Lima e A. Varela, Anotado, II/4ª ed./pg. 58. Resposta positiva se encontrará também em Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, II/pgs. 1697 e 1698; de forma muito incisiva, na possibilidade de formulação de pedido idêntico ao pedido reconvencional dos autos, Meneses Cordeiro, Tratado (Direito das Obrigações), IV/185 (§70-II).
[49] 133º-274 e seg.s.
[50] Neste sentido, ainda o mesmo distinto Professor, in Contratos de Distribuição Comercial, Almedina 2009, pág. 152 e, entre muito outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça na Rev. nº n.° 1366/01-l.ª, de 26.6.2001: Sumários, 52°.
[51] Contratos de Distribuição Comercial, pág.s 165 e 166.
[52 Contratos III, Almedina 2012, pág.s 142 e 143.
[53] Ou no franchising com o franquiado.
[54] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.06.2013, proc. 178/07.2TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[55] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 5ª edição, pág.s 563 e 564.
[56] Ob. cit., pág. 568.
[57] Não é não incompatível com o exame das circunstâncias de cada caso.
[58] Proc. 07B1543, in www.dgsi.pt.