Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
19/18.5SFPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO NUNES MALDONADO
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Nº do Documento: RP2019020619/18.5SFPRT.P1
Data do Acordão: 02/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: DECLARADO NULO O ACORDÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º789, FLS.32-37)
Área Temática: .
Sumário: I – A nulidade de sentença é de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso.
II – Constitui omissão de pronúncia, fundamento de nulidade da sentença, a ausência de apreciação da medida preferencial de execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação da pena de prisão efetiva não superior a dois anos, ou da pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto do período de prisão preventiva sofrido pelo condenado suscetível de desconto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº19/18.5SFPRT.P1

Acórdão deliberado em conferência na 2ºsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto
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I. B… interpôs recurso do acórdão proferido no processo comum colectivo nº19/18.5SFPRT do juízo central criminal do Porto – Juiz 8, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que o condenou pela prática de um crime de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art. 25°, alínea a), do Decreto-Lei n° 15/93, de 22/1, por referência à Tabela l-C anexa, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão (efectiva).
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I.1. Acórdão recorrido (que se transcreve parcialmente na partes relevantes).
(...) 2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto provada
Instruída e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos (…):
6) Pelas 00h18m do dia 3 de Março de 2018, e na sequência do que previamente havia acordado com o arguido C…, o arguido B… deslocou-se à residência do arguido D… para se abastecer de produtos estupefacientes (haxixe), que posteriormente dividiria com o arguido C….
7) Nesse período, pelas 00h21m, em frente à dita residência, o arguido D… entregou ao arguido B… um saco em papel, de cor azul, contendo haxixe (canábis/resina).
8) De seguida, o arguido B… deslocou-se na viatura automóvel, de matrícula .. - … - UU, tendo estacionado na Rua …, junto ao jardim do …, nesta cidade. Entrou, de imediato para o lugar de pendura o arguido C…, com vista a, entre ambos, dividirem o produto estupefaciente previamente entregue pelo arguido D… ao arguido B….
9) Nessa altura, pelas 00h28m do referido dia 3 de Março os arguidos B… e C… foram interceptados, tendo-lhes sido apreendidos:
10) Ao arguido B…:
- a quantia de €315,00, em notas do BCE;
- 1 (um) telemóvel, marca "Samsung", com o IMEI ……/../……/., com o cartão WTF n.° ………….. e bateria inseridos, de sua pertença;
- 1 (um) telemóvel, marca Samsung, com o IMEI ……./../……/., com cartão WTF n …………., com a respectiva carta de protecção, pertença da companheira do arguido B…;
12) Nessa altura, no interior do veículo automóvel foram encontradas e apreendidas dez placas (com o peso líquido de 980,000 gramas) de Canábis (resina), substância vulgarmente designada por "haxixe", com uma THC de "13,1 % que, depois de devidamente doseada, converter-se-ia em 2567 doses individuais (cfr. exame de fls.242).
13) Tais placas de haxixe tinham sido momentos antes entregues pelo arguido D… ao arguido B… que, na sequência do previamente acordado com o arguido C…, destinava a este oito daquelas placas, ficando com duas para si.
19) Os arguidos D…, B…. e C… tinham consciência de que não podiam adquirir, deter, ceder, proporcionar a outrem ou vender as mencionadas substâncias, cujas natureza e características conheciam e, mesmo assim, muniram-se das mesmas, tendo todos eles actuado com o propósito de ceder, mediante contrapartida, pelo menos parte daquelas substâncias a outras pessoas, pretendendo assim obter vantagens económicas de valor não concretamente apurado.
21) Os arguidos, em todas as ocasiões, agiram voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
50) O arguido B… apresenta várias condenações, destacando-se as seguintes:
- por acórdão transitado em 1/7/2010, foi condenado na pena de 5 anos e 9 meses de prisão, pela prática, em 26/2/2008, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21° e 24°, alíneas b) e j), do DL n° 15/93, de 22/1;
- por acórdão transitado em julgado em 16/3/2011, foi condenado na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, pela prática, em 11/10/2009, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.
51) Efectuado cúmulo jurídico das referidas penas, foi condenado na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão, por decisão transitada em julgado em 5/9/2011, pena esta que cumpriu, tendo-lhe sido concedida liberdade definitiva com efeitos reportados a 15/11/2016. (…)
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3.1. Enquadramento jurídico - penal (…)
Já os crimes praticados pelos arguidos B… e C… deverão ser enquadrados, na perspectiva do Tribunal, no âmbito do regime contido no art. 25°, alínea a), do DL n° 15/93, de 22/1, o qual dispõe que "se, nos casos dos artigos 21° e 22°, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a 111, V e VI; b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV". (…)
No presente caso, relativamente aos arguidos B… e C… apenas ficou demonstrada a sua participação numa situação isolada (no dia 3 de Março de 2018), que não pode, em face da prova produzida, ser integrada numa actividade de tráfico de estupefacientes habitual ou reiterada a que os mesmos se dedicariam, conforme se sustentou na acusação.
Por outro lado, estamos perante canábis resina (vulgo. haxixe), substância estupefaciente de menor toxicidade.
Praticaram, assim, os arguidos F… e G… um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25°, alínea a), do DL n° 15/93, de 22/1, por referência à Tabela l-C anexa a tal diploma legal. (...)
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3.2. Da determinação da medida concreta das penas (…)
Relativamente ao arguido B… importa considerar, em sede de culpa, os seguintes factores:
- a ilicitude do facto, ao nível do desvalor da acção, atendendo à quantidade das substâncias estupefacientes por ele detidas e transportadas (cerca de 1 kg de canábis/resina);
- a circunstância de o arguido ter sido previamente condenado por outros crimes, tendo sofrido duas penas de prisão pela prática do mesmo tipo de ilícito, o que denota uma personalidade propensa à prática deste tipo de ilícitos e avessa à observância das decisões judiciais.
Em sede de prevenção, importa assinalar:
- o alarme social que este tipo de criminalidade suscita no seio da comunidade, com repercussões negativas em sede de prevenção geral de integração, traduzidas na necessidade de uma efectiva punição por forma a restabelecer a confiança geral na validade da norma violada;
- a ilicitude do facto, ao nível do desvalor de acção, atendendo à quantidade de estupefacientes detidos e transportados peio arguido (cerca de 1 kg de canábis/resina), tudo com reflexos negativos em sede de prevenção geral de integração e especial de socialização;
- favoravelmente ao arguido, anota-se, porém, a circunstância de ter confessado parcialmente os factos por que vinha acusado, tendo contribuído de forma relevante para a descoberta da verdade, e de beneficiar de apoio familiar, mostrando-se actualmente abstinente, tudo com repercussões positivas em sede de prevenção especial de socialização e geral de integração (…).
Assim, consideramos adequadas à culpa dos arguidos e necessárias para responder às exigências de ressocialização por eles demonstrada, bem como de reafirmação da confiança geral na validade das normas violadas, as seguintes penas (…): no que concerne ao arguido B…, a pena de 2 anos e 6 meses de prisão. (…)
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Importa, agora, ponderar a hipótese de substituição das penas de prisão aplicadas aos arguidos B… e C… por uma pena de carácter não detentivo, sendo certo que o art. 50° do Código Penal prevê tal possibilidade sempre que a pena de prisão concretamente aplicada não seja superior a cinco anos.
Como refere E… o art. 70° do C. Penal consubstancia um critério de prevenção especial como aquele que deve estar na base da escolha da espécie de pena pelo juiz, sendo igualmente um critério de prevenção - agora geral positiva ou de integração - o único que poderá obstar à substituição da pena de prisão.
Deste modo, o juiz deverá substituir a pena de prisão por uma pena de cariz não detentivo sempre que razões de prevenção especial, ligadas à socialização do delinquente no sentido de evitar a reincidência, o aconselhem. Porém, quando a aplicação da pena não detentiva possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a prisão. Trata-se, portanto, de assegurar que o limite mínimo da prevenção geral positiva, no sentido de "defesa do ordenamento jurídico", não seja posto em causa.
Ora, vem sendo sustentado pelo STJ que nos crimes de tráfico de estupefacientes as razões de prevenção geral só excepcionalmente se satisfazem com uma pena de substituição: os efeitos nocivos para a saúde resultantes do tráfico, especialmente quando se trata de drogas duras, e as situações em que os actos de venda se prolongam no tempo e/ou atingem um elevado número de pessoas, despertam um sentimento de reprovação social do crime; que impedem a aplicação da suspensão da execução da pena, sob pena de ser posta em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais (cfr., a título exemplificativo, os acórdãos do STJ de 19/12/2007, de 8/10/2008 e de 9/4/2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jsti.nsf) (…).
Por outro lado, a suspensão da execução da pena de prisão constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, tendo na sua base uma prognose social favorável ao arguido: a esperança fundada - e não uma certeza - de que a socialização em liberdade será possível, que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência solene e que, em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito (cfr., neste sentido, o acórdão do STJ de 14/5/2009, disponível em www.dgsj.pt/jstj.nsf) (…).
Já no que diz respeito ao arguido B…, importa observar que a sua actividade - embora esporádica - envolveu a detenção e transporte de uma quantidade já apreciável de produto estupefaciente (de uma única vez, o arguido transportou cerca de 1 kg de haxixe). Além disso, nada indica que o arguido interiorizou minimamente o desvalor da sua conduta pois, tendo sido condenado numa pena relativamente longa de prisão pela prática de dois crimes de tráfico de estupefacientes, voltou a reincidir na prática do mesmo tipo de crime.
Consideramos, assim, que a aplicação de uma pena não detentiva sempre seria entendida, pela comunidade, como uma prova de fraqueza e indulgência do sistema jurídico-penal, afigurando-se, portanto, a pena de substituição insuficiente para garantir a manutenção da confiança comunitária na validade da norma violada e, bem assim, para prevenir a reincidência do arguido na prática de novos crimes, designadamente da mesma natureza.
Reconhece-se que o arguido tem desenvolvido esforços no sentido de se inserir social e profissionalmente, havendo ainda informação de que se encontra actualmente abstinente do consumo de substâncias psicotrópicas.
Contudo, parece manifesto que a anterior condenação e reclusão não lhe serviram de suficiente advertência contra o crime, denotando o arguido, com o seu comportamento, que a pena sofrida e o tempo de prisão cumprido não tiveram sobre si o esperado efeito dissuasor.
Deste modo, evidenciando o arguido propensão para a prática deste tipo de ilícito é de esperar que, em liberdade, volte a reincidir, tanto mais que o tratamento à problemática da toxicodependência, já iniciado, ainda não se mostra totalmente consolidado.
Opta-se, assim, pela aplicação ao arguido de uma pena de prisão efectiva - que, sendo de relativamente curta duração, lhe permitirá reingressar na sociedade em liberdade, retomando o seu projecto de socialização.
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I.2. Recurso do arguido (conclusões que se transcrevem parcialmente).
1- O recorrente contesta a medida da pena a que foi condenado, pelo crime p.p pelo artigo 25 do D.L15/93 de 22/01
4 - Face aos critérios legais (arts 70 e 71) o recorrente deveria ser punido numa pena até 2 anos de prisão atento as razões aduzidas na motivação do recurso ora interposto, com relevo para a sua colaboração muito relevante para a descoberta da verdade material, inexistência de uma estrutura organizativa e/ou a redução do acto ilícito a um único negócio de rua, sem recurso a qualquer técnica ou meio especial, sendo que no caso concreto, o mesmo, iria com a transacção efectuada “ganhar”, 1 placa de haxixe. A qualidade de droga transacionada, produto cujo consumo se mostra menos nefasto para quem consome sendo menores os lucros obtidos com a sua comercialização.
5-Considerando o tribunal, ser no caso concreto, necessário e adequado a aplicação de uma pena efectiva, face às condenações anteriormente sofridas, entende o recorrente, que, a medida da pena ora sugerida de 2 anos de prisão, permite, face ao disposto no artigo 43 do C.P, a sua execução por permanência na habitação sujeita a controlo por vigilância electrónica, ainda que subordinando o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, susceptíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, tais como, sujeitar-se a tratamento médico ligado ao consumo de drogas, não contactar ou receber pessoas conotadas com o consumo ou o tráfico de estupefacientes, não ter na sua posse droga ou objectos ligados ao seu manuseamento. Podendo desta forma ser asseguradas as razões de prevenção geral, e especial que no caso concreto se pretende acautelar, sendo mais prementes as de prevenção especial, face às condenações por crimes da mesma natureza, mas que serão acauteladas, não só porque se trata de uma pena privativa da liberdade, subordinada a regras de conduta.
6- Violou-se o disposto nos artigos 44, 70 e 71 do C.P.
7- Caso, o tribunal entenda manter a pena que foi fixada, atento ao aduzido, no ponto 4 a 8 da motivação de recurso, assumindo particular relevo, o seu enquadramento familiar e o facto de ter assegurada colocação profissional, estando abstinente do consumo de drogas, tal circunstancialismo, constitui factor que permite criar um juízo de prognose favorável, quanto ao seu comportamento futuro. Tanto mais que, o arguido esteve até à decisão recorrida sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.
8- Pelo que, a pena aplicada deveria ser suspensa na sua execução, mediante o cumprimento das obrigações e regras de conduta, indicadas no ponto 11 da motivação de recurso, que aqui se dão por reproduzidas.
9- A decisão recorrida violou, nessa parte, os arts 50, 52 nº 1 al b) nº 2 e d) e f) 70 e 71,
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I.3. Resposta do MºPº (conclusões que se transcrevem em parte).
1 - Não fere os princípios da proporcionalidade, adequação, da proibição de excesso e da legalidade na elaboração de pena, a aplicação da pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime p. p. pelo art. 25º, al. a), do Dec. Lei nº 15/93, de 22/01, ao arguido que já fora condenado, por decisão transitada em 05/09/2011, na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico das penas de 5 anos e 9 meses de prisão, aplicada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelos art. 21º e 24º, als. b) e j), e da pena de 1 ano e 9 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. p. pelo art. 25º, al. a), todos do Dec. Lei nº 15/93, de 22/01.
2- Como se alcança do artigo 42º do Código Penal, a execução da pena de prisão serve a defesa da sociedade e prevenir a prática de crimes, para além da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
3- A existência de condenações anteriores por crimes da mesma natureza, associados a grande alarme social, e com ressonância ética significativa, e reveladoras de o arguido não ter interiorizado a gravidade das condutas, inculca que as finalidades da punição não ficam salvaguardadas se a pena não for cumprida em estabelecimento prisional.
4- Como assim, parece-nos que, caso a pena seja alterada e reduzida, de forma a enquadrar a previsão das als. a) a c) do nº 1 do art. 43º do C. Penal, não deve tal regime ser aplicado por falência do seu pressuposto primordial, ou seja, por não ser possível concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.
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I.4. Parecer do Ministério Público na Relação
Pugnou pela improcedência do recurso nos termos argumentados na resposta.
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II. Objecto do recurso.
O objecto do recurso está limitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt: “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”, sem prejuízo da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal nas decisões finais (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95), bem como das nulidades da sentença, nos termos infra expostos.
São as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões e se vão além também não devem ser consideradas porque são um resumo da motivação e esta é inexistente (neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2015, págs. 335 e 336).
O recorrente não questiona a deliberação sobre a matéria de facto e o enquadramento jurídico da mesma no crime imputado. Limita a sua discordância à medida da pena concreta determinada, pugnando pela fixação de pena de prisão não superior a 2 anos de prisão e, na procedência de tal desiderato, a sua execução em regime de permanência na habitação. Na improcedência de tal pedido, questiona a não aplicação do instituto da suspensão da sua execução.
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II.1. Da nulidade da sentença.
O recorrente foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão e já sofreu mais de 6 meses de prisão preventiva à ordem do presente processo (tal medida de coacção foi declarada extinta no acórdão recorrido).
Não sofre contestação a opção do legislador ordinário pelo princípio da legalidade ou taxatividade das ilegalidades (entendidas como o desvio, por acção ou omissão, das regras estabelecidas pelas disposições processuais penais, quer referidas a pressupostos do acto, como à sua validade intrínseca) e na adopção de um critério puramente formal de distinção entre as nulidades e entre estas e as irregularidades que consiste na cominação legal expressa (naturalmente que, apesar de formal, tal critério tem fundamento substancial por traduzir, através das sanções aplicáveis, a equação efectuada pelo legislador da gravidade das violações em causas).
Neste sentido, e de forma pacífica, as nulidades da sentença constituem nulidades relativas, susceptíveis de sanação (pelo decurso do tempo e pelas causas legalmente especificadas - cfr. artigos 120º, nº3, e 121º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal). Porém, tais nulidades relativas são essencialmente caracterizadas pelo seu funcionamento ope exceptionis (arguidas perante a autoridade judiciárias que não pode delas conhecer por sua própria iniciativa).
O artigo 379º, nºs1 e 2, do Código de Processo Penal, estabelece que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso.
Para parte da doutrina (Germano Marques da Silva, DPPP, 2015, pág.285, e Oliveira Mendes, CPPC, 2016, pág. 379) o legislador ordinário quis consagrar um regime próprio e diferenciado do regime geral das nulidades dos restantes actos processuais. Estaríamos perante um nulidade sanável mas de conhecimento oficioso, conclusão que decorre da alteração legislativa efectuada pela Lei nº58/1998, de 25 de Agosto, que aditou o nº2 do citado preceito e da Lei nº20/2013, de 21 de Fevereiro, que lhe deu nova redacção.
Já outro segmento doutrinário (P.P.Albuquerque, CCPP, 4ª edição, pág.984, e Maia Gonçalves, CPPA, 17º edição, pág. 873) entende que seria incompreensível que o legislador consagrasse uma nulidade anómala (sanável mas de conhecimento oficioso) em ruptura com o princípio da legalidade que adoptou (note-se, porém, que tal entendimento foi expresso antes das alterações legais supra referidas).
Começando por este último argumento sempre se dirá que o legislador, em relação às situações de violação, por acção ou omissão, da legalidade na prática de um acto processual que, nos termos expressos na lei, não produz nulidade (a irregularidade, com natureza residual, prevista no artigo 118º, nº2, do Código de Processo Penal), onde vigora o princípio da arguição pelos interessados (e proibição da declaração ex officio da invalidade) e apertados limites temporais para a mesma, consagrou, apesar da diferença de gravidade das violações que conduzem à nulidade relativa e à irregularidade, um regime de conhecimento oficioso em relação à reparação da irregularidade susceptível de afectar o valor do acto praticado.
Por outro lado, seria de todo incompreensível que o tribunal de recurso, na ausência de arguição, confirmasse sentenças com os vícios descritos no preceito legal indicado, muitas das vezes com reflexos na sua exequibilidade (p.ex. na ausência de indicação do dispositivo), absoluta insusceptibilidade de formar qualquer caso julgado em relação aos elementos temporais e espaciais do comportamento do arguido condenado ou absolvido (p.ex. na ausência de narração da decisão sobre a matéria de facto) ou tradutoras de condenações por factos distintos dos descritos na acusação ou pronúncia. A relevância material da ilegalidade e o seu grau ofensivo (em relação às finalidades do processo penal – realização da justiça, protecção dos direitos fundamentais das pessoas e do arguido, em especial, e restabelecimento da paz jurídica, com forte conexão com o valor da segurança jurídica) justificam a obrigação de conhecimento pelo tribunal superior, independentemente da sua arguição, do conjunto de nulidades da sentença, tendo sido esse o objectivo expresso pelo legislador na reforma efectuada em 1998 e, seguramente, confirmada em 2013.
Aqui chegados, a sentença será nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (artigo 379º, nº1, alínea c), do Código de Processo Penal). A omissão de pronúncia em causa consiste na absoluta ausência de equação da execução da pena de prisão através do regime de permanência na habitação (artigo 43º, nº1, alínea b), do Código Penal).
Do regime de execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação.
Pode, com o consentimento do condenado, ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, a pena de prisão não superior a dois anos resultante do desconto previsto no artigo 80º, nº1 (artigo 43º, nº1, alínea b), ambos do Código Penal).
Encarada originariamente como pena de substituição (cfr. P.P.Albuquerque, CCP, 3ª edição, pág.288) em sentido impróprio (cfr. M.M.Garcia e J.M.Castela Rio, CPC 2ª edição, pág.315) a sua aplicação dependia do juízo da sua apetência para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Tal doutrina foi claramente ultrapassada pela reforma legislativa operada pela Lei nº94/2017, de 23 de Agosto, na qual tal regime foi estabelecido como um meio (medida) de execução da pena tendo como quadro referencial a sua adequação e suficiência para a realização da finalidade preventiva especial de reintegração integrada na exigências de prevenção geral positiva da execução da pena (a defesa da sociedade e prevenção da prática de crimes e a reintegração social do condenado no sentido de permitir a sua adequação comportamental em comunidade – artigo 42º, nº1, do Código Penal.
A referida opção politico-criminal do legislador ordinário (com conforto constitucional – artigos 27º, nº1, e 30º, nº5, da Constituição da República Portuguesa) obriga o julgador, por força do referido princípio constitucional da proporcionalidade das restrições dos direitos, a equacionar a possibilidade de aplicação do regime menos restritivo possível do direito à liberdade. Consagrou, assim, claramente (tal como em sede de medidas de coacção privativas da liberdade) o princípio da preferência pela execução da penas de prisão até dois anos (originária ou resultante do desconto de medidas processuais) em regime de permanência na habitação.
Nos termos constantes da Exposição de motivos da proposta que deu origem à referida lei de 2017, na hipótese de o julgador concluir pela necessidade de aplicação de uma pena de prisão, ficam à sua disposição duas possibilidades de execução, pela seguinte ordem: em regime de permanência na habitação ou em reclusão dentro dos muros da prisão. Trata-se de um poder-dever do tribunal “(…) com a consequência de dever fundamentar a decisão que dê preferência à execução da pena de prisão em meio prisional (…) em detrimento da execução em regime de permanência na habitação (…)” – ct. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2017, pág.93).
A aplicação de tal meio preferencial da execução da pena de prisão, da competência exclusiva do tribunal de julgamento, pressupõe, formalmente, no caso concreto:
a) o consentimento do condenado (artigo 43º, nº1, do Código Penal, e artigo 1º, alínea b), da Lei nº33/2010, de 02 de Setembro, relativa à vigilância electrónica);
b) o consentimento das pessoas que com ele coabitem maiores de 16 anos (artigo 4º, nº2, da Lei nº33/2010);
c) a condenação em pena de prisão efectiva não superior a dois anos após dedução do tempo de prisão preventiva sofrida no processo (artigos 43º, nº1, alínea b), e 80º, nº1, do Código Penal).
O tribunal não se pronunciou sobre a preterição do regime preferencial de execução da pena de prisão aplicada (após eliminação da aplicação, também preferencial, da única pena substitutiva legalmente concebível – a suspensão da execução da pena de prisão).
Em conclusão: constitui omissão de pronúncia, fundamento de nulidade da sentença, vício de conhecimento oficioso do tribunal de recurso, a ausência de apreciação da medida preferencial de execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação da pena de prisão efectiva não superior a 2 anos ou da pena de prisão efectiva não superior a 2 anos resultante do desconto do período de prisão preventiva sofrida pelo condenado susceptível de desconto.
Nestes termos, o acórdão proferido é nulo e deverá seja proferida nova deliberação que contemple a apreciação da aplicação da execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação (negando-a ou concedendo-a, na modalidade simples ou com subordinação a regras de conduta).
O eventual recurso interposto do renovado acórdão deverá ser distribuído ao mesmo relator deste tribunal superior (artigo 379º, nº3, do Código de Processo Penal).
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III. Pelo exposto, declara-se a nulidade do acórdão e, em consequência, determina-se que seja proferido novo acórdão que contemple a questão omitida.
Sem custas.
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Porto, 06 de Fevereiro de 2019
João Pedro Nunes Maldonado
Francisco Mota Ribeiro