Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
16878/17.6T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
Nº do Documento: RP2018022116878/17.6T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º124, FLS.116-121)
Área Temática: .
Sumário: As relações jurídicas estabelecidas entre a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores e os seus associados são relações de natureza administrativa e cabem na competência geral mencionada na alínea o) do art.º 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: TRPorto.
Apelação nº 16878/17.6T8PRT.P1 - 2017.
Relator: Amaral Ferreira (1138).
1º Adj.: Des. Deolinda Varão.
2º Adj.: Des. Freitas Vieira.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO.

1. Caixa de Previdência B… (…) instaurou, em 21/7/2017, nos Juízos de Execução do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, contra C…, B1…, acção executiva para obter deste o pagamento da quantia de €21.447,17, acrescida de juros de mora vincendos sobre o valor das contribuições em dívida de €18.448,02, respeitantes ao período compreendido entre Abril de 2011 e Março de 2017, apresentando como título executivo a certidão de dívida emitida pela Direcção da B….

2. Conclusos os autos, foi proferido despacho que, declarando incompetentes, em razão da matéria, os Juízos de Execução e competentes os tribunais administrativos e fiscais, indeferiu liminarmente a execução.

3. Dele discordando, apelou a exequente, que, juntando nas respectivas alegações, um documento, que consiste em comunicação proveniente da Autoridade Tributária e Aduaneira, datada de 9/11/2015 e dirigida à Direcção da B…, tendo por assunto «Processo de execução fiscal para cobrança de créditos da B…», nelas formula as seguintes conclusões:
1ª: O Tribunal a quo é o tribunal competente para a decisão e tramitação deste processo executivo.
2ª: Pois a B…, não obstante prosseguir fins de interesse público, tem uma forte componente privatística. Com efeito,
3ª: A B… «é uma instituição de previdência autónoma, com personalidade jurídica, regime próprio e gestão privativa…» (cf. Artº 1º, nº 1 do regulamento aprovado pelo Dec. Lei n.º 119/2015, de 29/06) não fazendo parte do sistema público de segurança social (cf. Ilídio das Neves in “Direito da Segurança Social - Princípios Fundamentais Numa Análise Prospectiva”).
4ª: A B… não está sujeita a um poder de superintendência do Governo, mas a um mero poder de tutela (cf. Art.º 97.º do regulamento aprovado pelo Dec. Lei nº 119/2015, de 29/06), sendo essa tutela meramente inspectiva.
5ª: A B… não faz parte da administração directa ou indirecta do Estado.
6ª: Os seus membros directivos não são designados pelo Governo, mas eleitos «pelas assembleias dos B1… e dos associados da Câmara dos B2…».
7ª: Mas além disso a B… não é financiada com dinheiros públicos, sejam oriundos do Orçamento do Estado ou do Orçamento da Segurança Social.
8ª: Pelo que a B… não deve ser qualificada como uma mera “entidade pública”.
9ª: As contribuições para a B… não têm natureza tributária, mais se assemelhando a contribuições para um fundo de pensões.
10ª: As contribuições para a B… assentam numa verdadeira relação sinalagmática entre o montante das contribuições pagas e a futura pensão de reforma a ser percebida pelo beneficiário.
11ª: A este facto acresce que, nos termos do disposto no artº 80º, nº 4 do regulamento aprovado pelo Dec. Lei nº 119/2015, o montante das contribuições depende em exclusivo da opção e, portanto, da única vontade do beneficiário.
12ª: Nos termos da sentença recorrida, os tribunais administrativos e fiscais seriam os competentes para a tramitação e decisão de execução fundada em certidão de dívida reportada a contribuições para instituição de previdência.
13ª: Todavia, o nº 2 do artº 148º do CPPT impõe, para que se possa fazer uso o processo de execução fiscal, no caso de «dívidas a pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo», que a lei estipule expressamente os casos e os termos em que o pode fazer.
14ª: No novo regulamento da B…, aprovado pelo Dec. Lei n.º 119/2015, de 29/06, não existe norma que, de forma expressa, determine que as dívidas à B… sejam cobradas através de processo de execução fiscal a correr nos serviços de finanças.
15ª: O que foi confirmado, já depois da entrada em vigor do novo regulamento da B…, pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) à Direcção da B…. (doc.1).
16ª: E porque “não há direito sem acção”, não resta à B… outro caminho senão recorrer aos tribunais judiciais, como no presente caso, para cobrar as contribuições em dívida por parte dos seus beneficiários, isto sob pena de ficar sem tutela jurisdicional efectiva para o apontado propósito.
17ª: Assim a interpretação das referidas normas de modo a concluir pela incompetência do Tribunal a quo, acarretaria o incumprimento de preceito constitucional, constante do art.º 20.º, n.º 1 da CRP, que estipula que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos…»
18ª: Tendo em conta o princípio constitucional previsto no artº 20º, nº 1 da CRP que dispõe que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos…», a interpretação conjugada da alínea o) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF (aprovado pela Lei n.º 32/2002, de 19/02) e do n.º 2 do art.º 148.º do CPPT, perfilhada na sentença recorrida, ou seja, de que apenas os tribunais administrativos e fiscais seriam competentes para dirimir os litígios entre a B… e os seus beneficiários, é inconstitucional por violação do disposto no art.º 20.º, n.º 1 da CRP, na medida em que, como vimos, levará a um verdadeiro “beco sem saída” pois a B… ficaria, dessa forma, sem possibilidade de poder cobrar as contribuições em dívida pelos seus beneficiários.
19ª: Pois, as dívidas à B… não poderão ser cobradas judicialmente nem nos tribunais administrativos e fiscais, nem por meio de execuções fiscais promovidas pela AT, nem por meio de execuções fiscais promovidas pela Segurança Social, por falta de norma habilitante para o efeito.
20ª: A sentença recorrida violou, assim, o art.º 2.º, n.º 2 do C.P.C.; o art.º 179.º, n.º 1 e 2 do NCPA e o art.º 148.º, n.º 2 do CPPT; o art.º 81.º, n.º 5 do RB…; a alínea o) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF e, além disso, a interpretação normativa extraída do referido conjunto de preceitos legais é inconstitucional por violar o artigo o art.º 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa
Nestes termos e nos mais de direito, e com o douto suprimento de V. Exas., deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue o Tribunal a quo, como competente em razão da matéria para tramitar e julgar a presente acção executiva, com o que se fará a acostumada JUSTIÇA!

4. Não tendo o executado, que foi citado para os termos do recurso e da execução, oferecido contra - alegações, colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Os factos a considerar no conhecimento do mérito do recurso são os que se deixaram relatados, e que aqui se dão por reproduzidos.

2. Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, que nos recursos se apreciam questões e não razões, e não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo teor da decisão recorrida, a questão suscitada no recurso é a de saber quais são os tribunais competentes - comuns ou administrativos e fiscais - para tramitar execução cujo título executivo é uma certidão de dívida emitida pela Direcção da Caixa de Previdência B….
Questão prévia.
Tendo a apelante, com as alegações recursivas, junto o documento referido em I.3., cumpre apreciar da admissibilidade dessa junção.
Consta desse documento, que «Em respeito ao assunto em epígrafe, cumpre informar que, por despacho da Directora-Geral de 08/10/2015, foi sancionado o entendimento que considera não existir actualmente norma legal que habilite a instauração de processo de execução fiscal pela AT para cobrança de contribuições em divida à B…. De facto, essa possibilidade não tem cabimento no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), nem está expressamente consagrada em legislação avulsa especial. Neste âmbito, foi analisado o Regulamento da B…, aprovado pelo Decreto-lei n.º 119/2015, e 29 de Junho. Contudo, também aqui não está prevista a instauração do processo de execução, nem mesmo no nº1 do artigo 85º. O teor desta norma limita-se a indicar os requisitos que devem revestir os títulos executivos a extrair pela B… na qualidade de credora, pelo que se considera não haver suporte na letra da lei que admita a instauração do processo de execução fiscal pela AT».
Da análise dos preceitos legais processuais atinentes à junção de documentos resulta, num primeiro momento, que as partes devem juntar os elementos de prova documentais que entendam por convenientes juntamente com os respectivos articulados e para prova dos correspondentes fundamentos da acção ou dedução da sua defesa.
É o princípio geral ínsito no artº 423º do Código de Processo Civil (CPC).
Ultrapassado esse momento, surgem as restrições à junção de documentos.
Desde logo, com a aplicação de multa, no caso de serem apresentados, não com os articulados, mas já após esse momento e até 20 dias antes da data em que se realiza a audiência final - artº 423º, nº 2, do CPC.
E, depois desse momento, as restrições impõem-se com obstáculos só excepcionalmente ultrapassáveis.
Assim, o nº 3 do artº 423º e o artº 425º exigem que a sua admissão só se efectue se, depois do encerramento da discussão, a sua apresentação não tiver sido possível até àquele momento, princípio esse aplicável em sede de recurso, podendo ainda, nos termos do artº 651º, nº 1, ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Transpondo o exposto para o caso dos autos, entendemos ser admissível a junção efectuada pela apelante, nos termos do citado artº 651º, nº 1, 2ª parte, do CPC.

Entrando na apreciação do mérito do recurso, como é comummente aceite na doutrina e na jurisprudência, a competência (ou jurisdição) de um tribunal determina-se pela forma como o autor configura a acção, definida pelo pedido e pela causa de pedir, isto é, pelos objectivos com ela prosseguidos.
Na situação em apreço, a causa de pedir é o facto jurídico de o executado, enquanto B1… de profissão, se encontrar obrigatoriamente inscrito na Caixa de Previdência B… (…), nos termos do disposto no artº 29º do Regulamento da B…, aprovado pelo DL nº 119/2015, de 29/6, e, nela estando inscrito, ter de pagar mensalmente as contribuições para a B… a que se refere o artº 79º e seguintes do referido Regulamento, contribuições que não foram pagas pelo executado no período compreendido entre Abril de 2011 e Março de 2017, conforme certidão emitida pela Direcção da B….
Daí o pedido de pagamento das contribuições em dívida, sendo que o referido Regulamento atribui força executiva à referida certidão (artº 81º, nº 5).

A decisão recorrida, apoiando-se no acórdão deste Tribunal de 20/6/2016, disponível em www.dgsi.pt. (Relator Alberto Ruço), que se pronunciou sobre questão idêntica à dos autos e já na vigência do DL nº 119/2015, declarando materialmente incompetentes os Juízos execução e competentes os tribunais administrativos e fiscais, indeferiu liminarmente a execução.
Pugna a exequente, nos termos que constam das alegações de recurso, que se deixaram transcritas, pela competência do tribunal recorrido para a tramitação da execução.
Apreciemos.

Decorre da ordem constitucional vigente que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais - artº 211º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) -, e que na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas - nº 2 do mesmo preceito.
Em consonância com tais princípios constitucionais, o legislador ordinário, no artº 64º do Código de Processo Civil (CPC), e também no artº 40º, nº 1, da Lei nº 62/2013, de 26/8 (Lei da Organização do Sistema Judiciário), estabelece que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Compete, por sua vez, aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas (artº 212º, nº 3, da CRP).
O artº 212º, nº 3, da CRP encontra-se transposto na lei ordinária no artº 1º, nº 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei nº 13/02, de 29/02, alterada pelas Leis nº 4-A/2003, de 19/02, e nº 107-D/2003, de 31/12, que preceitua “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Destes preceitos, e também do artº 209º da CRP, não se pode concluir que a ordem jurisdicional administrativa seja excepcional em face dos tribunais judiciais.
Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, pág. 814, “ a competência dos tribunais administrativos e fiscais deixou de ser especial ou excepcional face aos tribunais judiciais, tradicionalmente considerados como tribunais ordinários ou comuns; aqueles são agora os tribunais ordinários da justiça administrativa”.

O artº 1º, nº 1, do ETAF, é concretizado pela enumeração positiva e negativa constante do seu artº 4º.
Mas, a competência dos tribunais administrativos e fiscais não pode ser vista apenas à luz da noção mais ampla de relação jurídica administrativa adoptada pelo legislador do novo ETAF, por contraposição à noção mais restritiva de ETAF anteriormente vigente, em que o critério para aferir dessa competência assentava nos conceitos de gestão pública e de gestão privada, (Ac. STJ 8/5/2007, www.dgsi.pt), porquanto o artº 4º do ETAF enuncia como competentes os tribunais administrativos para situações que não cabem no critério da existência de um litígio sobre uma relação jurídica administrativa (ou fiscal).
Como é salientado no Ac. da RL de 9/3/2017, www.dgsi.pt. (Relatora Teresa Albuquerque), citando Mário Aroso de Almeida, obra aí citada, “a não convergência total de conteúdo entre alguns dos preceitos do art 4º e o princípio do seu art 1º/1, coloca a questão da respectiva articulação, a qual deve ser obtida deste modo: «Tal como sucede com as múltiplas disposições derrogatórias que, sobre a matéria, existem em legislação avulsa, também as normas do art 4º, sempre que afastem o regime do art 1º/1, devem ser vistas como normas especiais em relação àquele preceito, dirigidas a derrogá-lo, prevalecendo sobre ele, para o efeito de ampliar ou restringir o âmbito da jurisdição. Significa isto que, de um modo geral, pertence ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de todos os litígios que versem sobre matéria jurídica administrativa e fiscal e cuja apreciação não seja expressamente atribuída, por norma especial, à competência dos tribunais judiciais, assim como aqueles que, embora não versem sobre matéria jurídica administrativa ou fiscal, são expressamente atribuídos à competência desta jurisdição - sendo que encontramos no art 4º do ETAF algumas disposições especiais com este alcance», e que, «ao introduzir (…) no art 4º preceitos com um alcance mais amplo ou mais restrito do que aquele que resultaria do art 1º/1, o legislador não pode ter deixado de pretender ampliar ou restringir o âmbito da jurisdição»”.
E nele se acrescenta que, quando se pretenda saber, num determinado caso concreto, se o litígio nele em causa deve ser submetido à apreciação dos tribunais administrativos ou fiscais, ou aos tribunais judiciais, não se deve recorrer em primeira linha ao critério constitucional da relação jurídica administrativa ou fiscal, «antes cumprindo indagar se, sobre a especifica matéria em causa, existe disposição legal que, independentemente daquele critério, dê resposta expressa à questão da jurisdição competente. Essa disposição legal tanto pode constar de legislação avulsa aplicável ao caso, como do próprio art 4º do ETAF».
No entanto, quando não se encontre legislação avulsa aplicável ao caso e tão pouco se enquadre a situação em apreço em qualquer das específicas previsões desse art 4º, sempre se acabará, em função da genérica disposição da al o) do nº 1 desse preceito (“compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a «Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores»”), por ter que se avaliar se se estará na presença de «uma relação jurídica administrativa e fiscal que não diga respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores».
É então que emerge como relevante a natureza pública ou privada da(s) pessoa(s) colectiva(s) sujeito da concreta relação jurídica.

Retira-se das conclusões das alegações recursivas que, para sustentar a competência dos tribunais comuns, entende a apelante (B…), que não obstante prosseguir fins de interesse público, tem uma forte componente privatística, invocando para assim concluir que, sendo «uma instituição de previdência autónoma, com personalidade jurídica, regime próprio e gestão privativa» (cfr. art 1º/1 do Regulamento aprovado pelo DL 119/2015 de 29/06) não faz parte do sistema público de segurança social), que não está sujeita a um poder de superintendência do Governo, mas a um mero poder de tutela (cfr. art 97º do regulamento), sendo essa tutela meramente inspectiva, que os seus membros directivos não são designados pelo Governo, mas eleitos «pelas assembleias dos B1… e dos associados da Câmara dos B2…», e que, além disso, não é financiada com dinheiros públicos, sejam oriundos do Orçamento do Estado ou do Orçamento da Segurança Social.
Daí conclui que não deve ser qualificada como uma mera «entidade pública».
Mais aduz que as contribuições não têm natureza tributária, antes se assemelhando a contribuições para um fundo de pensões, assentando numa verdadeira relação sinalagmática entre o montante das contribuições pagas e a futura pensão de reforma a ser percebida pelo beneficiário, que, nos termos do art 80º, nº, 4 do mencionado regulamento, o montante das contribuições depende em exclusivo da opção e vontade do beneficiário, ao que acresce que o nº 2 do artº 148º do CPPT, impõe, para que se possa fazer uso do processo de execução fiscal, que a lei estipule expressamente os casos e os termos em que o pode fazer, e que no novo Regulamento da B… não existe norma que, de forma expressa, determine que as dívidas à B… sejam cobradas através de processo de execução fiscal.
Carece, a nosso ver, de razão.

Como é sublinhado no Ac. deste Tribunal citado na decisão recorrida, entendimento que foi igualmente sufragado no citado ac. da RL, a B… tem traços de entidade pública, desde logo por ter sido criada pelo Estado - pelo Decreto-Lei nº 36.550, de 22/10/1947 - como constituindo uma instituição de previdência, sendo que a L 4/2007, de 16/1/ (Bases Gerais do Sistema de Segurança Social), a manteve em actividade, referindo no seu artº 106º que, «mantêm-se autónomas as instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 549/77, de 31 de Dezembro, com os seus regimes jurídicos e formas de gestão privativas, ficando subsidiariamente sujeitas às disposições da presente lei e à legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações». É indiscutível, e isso mesmo resulta expresso do art 1º do Regulamento da Caixa de Previdência dos B… publicado em anexo ao DL 119/2015, que a B… visa «fins de previdência e de protecção social», e embora autónoma, se rege, nos termos do nº 2 dessa norma, «pelo presente Regulamento e, subsidiariamente, pelas bases gerais do sistema de segurança social e pela legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações». Não deixa de estar sujeita à tutela dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da justiça e da segurança social - artigo 97º do respectivo Regulamento - e goza das isenções e regalias previstas na lei para as instituições de segurança social e de previdência social e de previdência estabelecidas na alínea c) do nº 1 do art 9º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas - artigo 98º do seu Regulamento.
Mas, se, efectivamente, da totalidade do regime legal a que estão sujeitas, não poderão deixar de se qualificar, como o pretende a apelante, como uma entidade (sui generis) de natureza mista entre o público e privado, a verdade é que as respectivas características públicas têm sido suficientes para conduzirem a uma firmada tendência jurisprudencial nos Tribunais Administrativos no sentido de os mesmos serem os competentes para dirimirem os conflitos entre a B… e os seus associados [para comprovar essa tendência jurisprudencial o referido acórdão deste Tribunal cita os acórdãos do STA de 8/10/1996, do Tribunal de Conflitos (Supremo Tribunal Administrativo) de 2/10/2008, e do STA de 22/9/2015, de 9/1/2014, a que acrescem também os do STA de 16/3/2016, do TCAN de 26/11/2009, do STA 9/10/2003, da RP 23/1/2006 e da RC de 16/1/2018], não se vendo motivo material para se inverter esse enraizado entendimento.

É certo que, de acordo com o documento junto com as alegações de recurso, a apelante se terá deparado com a indisponibilidade da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) para propor os processos executivos para cobrança das contribuições em dívida à B…, por entender verificar-se falta de norma habilitante para o efeito e que «essa possibilidade não tem cabimento no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), nem está expressamente consagrada em legislação avulsa especial, designadamente no Regulamento da B…, aprovado pelo Decreto-lei n.º 119/2015, e 29 de Junho».
Mas, além desse entendimento ser, por si só, insuficiente para afastar a competência dos tribunais administrativos e fiscais, não parece ter em consideração que a remissão para «os requisitos previstos no CPPT», que resulta do nº 5 do art 81º do referido Regulamento - «disposição especial» que, nos termos da al d) do art 703º CPC, visa permitir que a certidão de dívida de contribuições emitida pela direcção da B… valha como título executivo - não pode deixar de implicar a expressa previsão para a utilização do processo de execução fiscal a que alude o nº 2 do art 148º do CPPT, ao dispor que «poderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei: a) outras dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo».
Conclui-se, deste modo, como nos citados arestos deste Tribunal de 20/6/2016 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 9/3/2017, que «As relações jurídicas estabelecidas entre a B… e os seus associados são relações de natureza administrativa e cabem na competência geral mencionada na referida al o) do nº 1 do art 4º do ETAF».

Sustenta ainda a apelante que, face à comunicação da AT que juntou e porque não há direito sem acção, o entendimento ora seguido, viola o princípio constitucional consagrado no artº 20º, nº 1, da CRP, que consagra o acesso ao direito e aos tribunais.
Também quanto à alegada inconstitucionalidade se entende não lhe assistir razão.
É que, além do que se referiu sobre o entendimento da AT ser insuficiente para afastar a competência dos tribunais administrativos e fiscais e de não ter tido em consideração a remissão para «os requisitos previstos no CPPT» que resulta do nº 5 do art 81º do Regulamento da B…, não vem demonstrado que a apelante tenha reagido, através dos meios processuais próprios do processo de execução fiscal, contra o entendimento da AT.
E só se estivesse comprovado o insucesso dessa reacção é que se poderia colocar a questão da inconstitucionalidade que a apelante atribui ao entendimento ora defendido.
Improcede, deste modo, a apelação.
III. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela apelante.
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Porto, 21/02/2018
Amaral Ferreira
Deolinda Varão
Freitas Vieira