Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2651/17.5T8PNF.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
FIXAÇÃO DA INCAPACIDADE
EXIGÊNCIAS DO LAUDO PERICIAL
LIVRE CONVICÇÃO DO JULGADOR
Nº do Documento: RP202002032651/17.5T8PNF.P2
Data do Acordão: 02/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A apresentação de documentos em sede de recurso assume natureza excepcional, sendo apenas admissível quando a apresentação não foi possível em 1.ª instância, (superveniência objectiva ou subjectiva) ou quando a sua junção se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
II - Pretendendo a parte juntar documentos com o recurso, é-lhe exigível que justifique e deixe demonstrado porque razão faz essa apresentação excepcional, isto é: i) se não lhe foi possível antes do encerramento da discussão, qual a razão dessa impossibilidade; ii) se a junção se tornou necessária em virtude do julgamento em 1.ª instância, qual o fundamento dessa necessidade.
III - A função dos peritos médicos é a de “auxiliar do tribunal no julgamento da causa, facilitando a aplicação do direito aos factos”.
IV - O laudo pericial, seja ele obtido por unanimidade dos peritos ou apenas por maioria, deve convencer pela sua fundamentação, pois só assim cumpre o propósito de facultar ao juiz os elementos necessários para fixar a natureza e o grau de incapacidade. Importa é que em face das questões que se colocam em cada caso concreto, o resultado do exame por junta médica se apresente perante o Juiz com a clareza necessária para o habilitar a decidir.
V - As respostas dadas pelos senhores peritos médicos, em entendimento unânime, aos esclarecimentos indicados por esta Relação na apreciação do anterior recurso, não suscitam dúvidas, estando devidamente fundamentadas em termos lógicos, claros, coerentes e com a suficiência necessária, justificando pelas razões de ordem médica que indicam, considerarem a sinistrada curada sem qualquer desvalorização.
VI - Não é o facto de existir divergência entre entendimentos médicos e de o primeiro resultado ser mais favorável à sinistrada que autoriza, sem mais, a que se duvide da certeza da perícia colegial e, consequentemente, da relevância deste laudo para a formação da convicção do julgador na apreciação da questão relativa à incapacidade.
VII - De outro modo, estar-se-ia a fazer tábua rasa da função do exame por junta médica, que tanto pode confirmar como discordar do resultado do exame médico singular. A perícia é colegial justamente para garantir uma avaliação e um resultado mais acertado.
VIII - O Tribunal a quo não podia, como também não pode este Tribunal ad quem, fazer prevalecer o exame médico singular sobre o laudo da perícia colegial, unânime, devidamente fundamentado e formulado por peritos devidamente habilitados, sem que existam fundamentos concretos, lógicos e razoáveis - necessariamente com natureza médica -, que se perfilem e imponham decisão diversa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 2651/17.5T8PNF.P2
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrada B… e entidade responsável C…, S.A, realizada a tentativa de conciliação a que alude o art.º 108.º do CPT, a mesma frustrou-se em virtude da discordância da seguradora quanto ao resultado do exame médico efectuado pelo INML, não aceitando a IPP de 2%, por considerar que aquela se encontra curada sem qualquer grau de incapacidade permanente.
O acidente de trabalho, sobre o qual houve acordo, consistiu no facto da sinistrada ao pegar numa caixa de pão congelada ter dado um jeito na coluna, do que resultou entorse da coluna lombar com lombalgia de esforço.
No prazo legal foi requerido exame por junta médica, o que foi deferido.
Realizado o exame por junta médica, os Senhores Peritos que a integraram responderam aos quesitos e concluíram por unanimidade que a sinistrada se encontra curada sem qualquer desvalorização.
A sinistrada apresentou reclamação do relatório pericial, estribando-se no n.º2, do art.º 485.º do CPC.
Subsequentemente, o tribunal a quo pronunciou-se sobre a reclamação, indeferindo-a, e proferiu sentença, na qual considerou que “em resultado do acidente, a sinistrada não ficou afetada de uma incapacidade permanente parcial (IPP”, a qual foi concluída com o dispositivo seguinte:
Ante o exposto e tendo em conta os factos que resultaram provados e o artº 135º, do C.P.T., condeno a entidade responsável a pagar à sinistrada a quantia de € 89,52, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 27.04.2017 até efetivo e integral pagamento da mesma, e a quantia de € 35,00, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 29.05.2018 até efetivo e integral pagamento da mesma.
(..)».
I.2 Inconformada com essa decisão, a sinistrada apresentou recurso de apelação.
O recurso veio a ser decidido por acórdão de 04-02-2019, concluído com o dispositivo seguinte:
«Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a presente apelação:
1.º revogando a decisão que indeferiu a reclamação apresentada pela sinistrada ao relatório da junta médica e determinando a sua substituição por outra que ordene aos Srs . Peritos se dignem prestar os esclarecimentos enunciados sob o n.º3.1; e
2.º Anulando a sentença proferida para, após os esclarecimentos anteriores, ser substituída por outra que, em conformidade, conheça de novo da incapacidade a fixar (ou não) à sinistrada.
(…)».
I.3Os autos baixaram à 1.ª instância, e em cumprimento do ordenado, o Tribunal a quo proferiu despacho determinando que os senhores peritos prestassem os esclarecimentos seguintes:
- por que motivo consideraram que a dor apresentada pela sinistrada à palpação da sacroilíaca esquerda não tem relação com o acidente?
- não o tendo, de que deriva então aquela dor?
Notificados, os senhores peritos vieram dizer ser necessário proceder à observação da sinistrada em novo exame médico.
O Tribunal a quo acolheu a posição dos senhores peritos médicos e designou data para continuação do exame médico colegial.
Realizado esse exame, os senhores peritos, por unanimidade, pronunciaram-se quanto às questões colocadas e concluíram mantendo a posição assumida na anterior Junta médica.
Na sequência deste exame o tribunal a quo determinou que as partes fossem notificadas do auto relativo à perícia por junta médica para, querendo, no prazo de 10 dias, formularem as suas reclamações nos termos previstos no artº 485º, nº 2, do C.P.C..
Nada foi requerido pelas partes.
I.4 Subsequentemente o tribunal a quo proferiu sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
Ante o exposto e tendo em conta os factos que resultaram provados e o artº 135º, do C.P.T., condeno a entidade responsável a pagar à sinistrada a quantia de € 89,52, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 27.04.2017 até efetivo e integral pagamento da mesma, e a quantia de € 35,00, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 29.05.2018 até efetivo e integral pagamento da mesma.
Fixo o valor da causa em € 124,52 - cfr. artº 120º, nº 2, do C.P.T..
(…)».
I.5 Inconformado com esta decisão a sinistrada apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
1. Vem o presente recurso interposto, por discordar a recorrente do sentido da douta sentença que decidiu, que em resultado do acidente, a Sinistrada/Recorrente não ficou afetada de uma incapacidade permanente parcial (IPP).
2. Sendo convicção da ora Sinistrada/Recorrente que a sua I.P.P é de 2,0000% e que dos autos resulta prova que poderia levar a decisão diferente.
3. A Sinistrada/Recorrente recorre assim, mui respeitosamente, desta sentença, devendo a mesma ser revogada quanto à fixação da I.P.P. da Sinistrada/Recorrente, por manifesto erro na apreciação da prova, substituindo-a por decisão que fixe a I.P.P. da mesma em 2,0000%.
4. Dos elementos disponíveis foi possível admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesão é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma estranha relativamente ao traumatismo.
5. A incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual, tendo em contas as sequelas descritas e a consulta da Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais é de 2,0000%.,
6. Dada a sintomatologia que sofre no relatório pericial e com a junção de novo parecer Médico, constata-se que existem elementos suficientes que permitem concluir pela desvalorização supra referida.
7. No parecer datado de 28 de Maio de 2019, formulado pelo Dr. D…, médico especialista em ortopedia e traumatologia, o mesmo refere que “NB: Algumas alterações reveladas na RMN lombar são anteriores ao acidente, mas as queixas da sinistrada e as sequelas resultaram dele. Aceitando a existência de lesões anteriores ao acidente, ela foi agravada pelo tipo de movimento e esforço descrito neste acidente em questão e houve seguramente agravamento de patologia pré-existente, o que pelo espírito da TNI, deve ser passive de atribuir IPP, como já reconhecido no GabML do Tâmega.” Cfr. doc. nº 1 já junto.
8. Nestes termos, sempre se dirá que a considerar-se o vertido no Auto de Exame por Junta Médica realizada no dia 06 de Maio de 2019, deverá também esclarecer-se se, efetivamente, do sinistro ocorrido resultou o agravamento da alegada patologia pré-existente.
9. A sinistrada/Recorrente não se apresenta curada das lesões sofridas, como resulta das queixas apresentadas na perícia médica, tanto de dia 5 de Janeiro de 2018, como de dia 2 de Julho de 2018, como no dia 6 de Maio de 2019 e no dia 28 de Maio de 2019, pelo que se permite, mui respeitosamente, apurar uma IPP diferente.
10. Pelo que não há dúvida que as lesões que a sinistrada refere no relatório do dia 5 de Janeiro de 2018 efetuado pelo Gabinete Médico-Legal e Forense do Tâmega e pelo Parecer Médico ora junto, reitera as referidas no relatório pericial, pelo que enferma de contradição e as respetivas conclusões não se mostram devidamente fundamentadas.
11. Pelo que devem ser notificados os Srs. Drs. Peritos Médicos para, considerando a informação clínica do relatório supra referido, bem como do parecer que ora se junta sob doc. nº 1, para que os mesmos complementem e esclareçam o relatório pericial.
12. Efetivamente, não é exigível aos Senhores Peritos a adesão a um ou outro relatório médico ou a adequada fundamentação para a desconsideração de qualquer dos elementos constantes dos autos.
13. Tal exigência é, todavia, oponível ao Tribunal “a quo”, sobre quem impende não só o elementar dever de fundamentação como também o de prossecução da verdade material.
14. Inexistia, pois, mui respeitosamente, motivo para que o Tribunal “a quo” desvalorizasse os elementos aduzidos pela Sinistrada/Recorrente, corroborados pelo Gabinete Médico-Legal do Tâmega, como desvalorizou, baseando a sua decisão exclusivamente no auto de perícia da junta médica.
15. É certo que a prova é livremente apreciada pelo juiz, que em princípio e, mui respeitosamente, é leigo nestas matérias. No entanto, deve reunir-se das mais variadas cautelas nesta matéria.
16. Para isso a lei prevê a solicitação de esclarecimentos aos senhores peritos por deficiência, obscuridade ou contradição do relatório pericial como modo de superação de dúvidas suscitáveis pelo mesmo.
17. E podem ser requisitados elementos auxiliares de diagnóstico, determinar-se a realização de exames complementares e requisitados pareceres técnicos.
18. Porém, aqui, não obstante da disparidade de valores e da nova informação vertida no Auto de Exame por Junta Médica nada foi feito!
Conclui pedindo a procedência do recurso, para se revogar a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto à fixação da I.P.P. da Sinistrada/Recorrente, por manifesto erro na apreciação da prova, substituindo-a por decisão que fixe a I.P.P. da mesma em 2,0000%.
I.6 A Recorrida seguradora não veio apresentar contra alegações.
I.7 O Ministério Público emitiu parecer nos termos do art.º 87.º 3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
I.8 Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 657.º n.º2, CPC e determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.9 Junção de Documento
Com as alegações a recorrente juntou um documento, em concreto, um relatório médico datado de 28 de Maio de 2019, elaborado por médico especialista em Ortopedia e Traumatologia.
Percorrendo as alegações, verifica-se que a recorrente invoca o seu conteúdo e transcreve-o, limitando-se a dizer “Cfr. doc. n.º 1 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido”, não requerendo nem justificando a sua junção.
Impõe-se que nos pronunciemos sobre a admissibilidade do documento.
Em princípio a junção de documentos deve ser feita com o articulado em que se alegam os factos que constituem fundamento da acção ou da defesa (art.ºs 63.º/1 do CPT e 423.º/1 do CPC).
A lei permite também que a junção seja feita até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que não os pode oferecer com o articulado (n.º 2, do mesmo artigo 423.º).
Para além disso, a junção documentos é ainda possível após o limite temporal estabelecido naquele n.º2, mas restringida àqueles cuja “apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior” (n.º3, do mesmo art.º 423.º)
Por seu turno, o art.º 425.º dispõe que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”.
Finalmente, sobre a junção de documentos com as alegações e recurso, dispõe o n.º 1 do art.º 651.º que ”[A]s partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o art.º 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido a 1.ª instância”.
Da conjugação destas disposições resulta, pois, que a regra é a junção de documentos na 1.ª instância, com a amplitude permitida no art.º 423.º. A apresentação de documentos em sede de recurso assume natureza excepcional, dependendo de não ter sido possível a sua apresentação até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva) ou, numa segunda ordem de casos, quando a sua junção se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Como é pacificamente entendido, pretendendo a parte juntar documentos com o recurso, é-lhe exigível que justifique e deixe demonstrado porque razão faz essa apresentação excepcional, isto é: i) se não lhe foi possível antes do encerramento da discussão, qual a razão dessa impossibilidade; ii) se a junção se tornou necessária em virtude do julgamento em 1:º instância, qual o fundamento dessa necessidade.
Com efeito, só desse modo pode o Tribunal ad quem ajuizar e decidir sobre a admissibilidade ou rejeição dos documentos.
No caso, na sequência da procedência do recurso interposto sobre a 1.ª sentença pela recorrente, foi determinado que a 1.ª instância ordenasse aos Senhores peritos médicos que prestassem os esclarecimentos que foram indicados, concomitantemente tendo sido anulada a sentença, para ser proferida por outra que conhecesse “de novo da incapacidade a fixar (ou não) à sinistrada”.
Os autos baixaram à 1.ª instância em 08-03-2019. Em 11-03-2019 foi proferido despacho, notificado às partes no dia imediatamente seguinte, determinando aos senhores peritos que prestassem os esclarecimentos em causa. Na sequência dessa notificação os senhores peritos vieram requerer que fosse designada data para continuação do exame, por entenderem ser necessário observar de novo a sinistrada, pedido que foi acolhido pelo Tribunal a quo.
O exame médico realizou-se a 6 de Maio de 2019, conforme foi designado pelo tribunal a quo.
Subsequentemente, em 28 de Maio de 2019, foi proferida a sentença ora recorrida.
É neste quadro circunstancial que o documento, datado de 28 de Maio de 2019, surge agora junto com as alegações.
O processo especial de acidente de trabalho, quando prossegue para a fase contenciosa apenas em razão da discordância quanto à incapacidade atribuída no exame singular, inicia-se com o requerimento para realização de exame por junta médica (art.º 138.º n.º2, do CPT).
Realizado o exame por junta médica, nos termos regulados no art.º 139.º do CPT, segue-se a prolacção da decisão sobre o mérito “fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º” (art.º 140.º n.º1, do CPT).
Em suma, como é sabido, nestes casos o processo emergente de acidente de trabalho não compreende a realização de audiência de julgamento.
Aplicando, por analogia, os princípios acima indicados, cremos poder considerar-se que nos casos em que o processo segue para a fase contenciosa apenas para discussão da incapacidade, a junção de documentos, designadamente, relatórios médicos, deve ser feita, em princípio, conjuntamente com o requerimento para a realização de exame por junta médica. É nele que se alegam os fundamentos que justificam a discordância com a incapacidade atribuída e fundamentam a necessidade de prosseguimento do processo. De resto, só assim fica assegurada a possibilidade do documento, em regra, relatórios médicos ou exames de diagnóstico, ser considerado no exame pericial.
Para além desse momento, a apresentação de documentos estará sujeita às regras do art.º 423.º 2 e 3, e 425.º do CPC.
Vale isto por dizer, que também aqui, a apresentação de documentos em sede de recurso assume natureza excepcional, sendo apenas admissível quando a apresentação não foi possível em 1.ª instância, (superveniência objectiva ou subjectiva) ou quando a sua junção se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Por conseguinte, a recorrente não podia limitar-se a juntar, sem mais, aquele documento com as alegações, antes lhe cumprindo requerer a junção e justificar as razões porque só o junta nesta fase de recurso.
Assim, como a recorrente não requereu nem justificou a apresentação do documento com as alegações, é forçoso concluir que o mesmo não pode ser admitido, devendo ser rejeitado.
Para além disso, com esta actuação a recorrente deu causa a actividade processual anómala, como tal devendo ser tributada, nos termos do art.º 7.º n.º8, do RCP.
Concluindo, rejeita-se o documento junto com as alegações de recurso.
Custas do incidente do incidente anómalo a cargo da recorrente, fixando-se a TJ em 1 UC.
I.10 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigo 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] a questão a apreciar consiste em saber se o Tribunal a quo, errou o julgamento ao considerar que em “resultado do acidente, a sinistrada não ficou afetada de uma incapacidade permanente parcial (IPP)”.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
Com interesse para a apreciação do recurso relevam os factos mencionados no relatório e os fixados na sentença pelo Tribunal a quo, nomeadamente, os seguintes:
1º- No dia 26.04.2017, cerca das 10:30 horas, em Felgueiras, a sinistrada foi vítima de um acidente de trabalho quando exercia as funções de operadora especializada sob as ordens, direção e fiscalização da entidade empregadora “E…, Ld.ª”, mediante a retribuição anual de € 592,50 x 14 + € 150,26 x 11, cuja responsabilidade se encontrava integralmente transferida para a entidade responsável.
2º- O acidente ocorreu quando ao pegar numa caixa de pão congelada deu um jeito na coluna, do que resultou entorse da coluna lombar com lombalgia de esforço.
3º- Do acidente não resultaram para a sinistrada sequelas, segundo o relatório pericial de fls. 44 a 45 e 122 a 123, que, aqui, se dá por integralmente reproduzido.
4º- A alta ocorreu em 20.06.2017.
5º- A sinistrada despendeu € 35,00 em deslocações obrigatórias ao gabinete médico-legal de Penafiel e a este Tribunal.
6º- À sinistrada não foi paga a quantia de € 89,52 de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária.
7º- A sinistrada nasceu em 25.05.1977.
8º- A tentativa de conciliação a que alude o artº 108º, do C.P.T., realizou-se no dia 29.05.2018.
II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
Discorda a recorrente da sentença, por considerar que o Tribunal a quo errou o julgamento “por manifesto erro na apreciação da prova” ao considerar que em “resultado do acidente, (..) não ficou afetada de uma incapacidade permanente parcial (IPP)”.
No entender da recorrente, “[ D]ada a sintomatologia que sofre no relatório pericial e com a junção de novo parecer Médico, constata-se que existem elementos suficientes que permitem concluir pela desvalorização”, a luz da TNI, de 2,0000%.
A talhe de foice, deixa-se desde já esclarecido que o “novo parecer médico” que a recorrente invoca (conclusão 7), consiste no documento cuja junção não foi admitida pelas razões constantes acima.
Refere, ainda, que a considerar-se o vertido no Auto de Exame por Junta Médica realizada no dia 06 de Maio de 2019, que deverá também esclarecer-se se, efetivamente, do sinistro ocorrido resultou o agravamento da alegada patologia pré-existente, devendo os Senhores peritos médicos “considerando a informação clínica do relatório supra referido, bem como do parecer que ora se junta sob doc. nº 1, para que os mesmos complementem e esclareçam o relatório pericial”.
Por fim, sustenta que inexistia motivo para que o Tribunal “a quo” desvalorizasse os elementos aduzidos pela Sinistrada/Recorrente, corroborados pelo Gabinete Médico-Legal do Tâmega, como desvalorizou, baseando a sua decisão exclusivamente no auto de perícia da junta médica, referindo que a lei “ prevê a solicitação de esclarecimentos aos senhores peritos por deficiência, obscuridade ou contradição do relatório pericial como modo de superação de dúvidas suscitáveis pelo mesmo” e “podem ser requisitados elementos auxiliares de diagnóstico, determinar-se a realização de exames complementares e requisitados pareceres técnicos”, mas que “não obstante da disparidade de valores e da nova informação vertida no Auto de Exame por Junta Médica nada foi feito”.
II.2.1 Em jeito de enquadramento, importa que deixemos algumas breves notas que nos parecem essenciais para melhor compreensão do percurso a seguir na apreciação da questão.
O processo para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, regulado nos artigos 99.º a 150.º do CPT, compreende duas fases distintas: uma primeira, chamada fase conciliatória, de realização obrigatória e sob a direcção do Ministério Público; e, uma segunda, a fase contenciosa, de realização eventual e sob a direcção do Juiz.
Através da primeira, como a sua própria denominação o indica, procura-se alcançar a satisfação dos direitos emergentes do acidente de trabalho para o sinistrado através da composição amigável, embora necessariamente sujeita a regras legais imperativas (direitos indisponíveis), atendendo aos interesses de ordem pública envolvidos. Para possibilitar aquele objectivo, a tramitação desta fase compreende, por sua vez, três fases, uma primeira, de instrução, que tem em vista a recolha e fixação de todos os elementos essenciais à definição do litígio, de modo a indagar sobre a“(..) veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes”, habilitando o Ministério Público a promover um acordo susceptível de ser homologado (art.ºs 104.º 1, 109.º e 114.º); uma segunda, que consiste na realização do exame médico singular, devendo este no relatório “deve indicar o resultado da sua observação clínica, incluindo o relato do evento fornecido pelo sinistrado e a apreciação circunstanciada dos elementos constantes do processo, a natureza das lesões sofridas, a data de cura ou consolidação, as sequelas e as incapacidades correspondentes, ainda que sob reserva de confirmação ou alteração do seu parecer após obtenção de outros elementos clínicos ou auxiliares de diagnóstico” (art.ºs 105.º e 106.º); e, finalmente, a tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público, com a finalidade primordial de obtenção de acordo susceptível de ser homologado pelo Juiz (art.º 109.º) [Cfr. João Monteiro, Fase conciliatória do processo para a efectivação do direito resultante de acidente de trabalho – enquadramento e tramitação, Prontuário do Direito do Trabalho, n.º 87, CEJ, Coimbra Editora, pp. 135 e sgts.].
Como decorre do art.º 117.º, do CPT, o início da fase contenciosa depende da apresentação de petição inicial ou o requerimento a que se refere o n.º2, do art.º 138.º do CPT.
A apresentação de requerimento é o meio processual próprio quando o interessado “se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação da incapacidade para o trabalho” [art.º 138.º2 do CPT], o qual deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos [art.º 117.º n.º2, CPT], a fim de serem respondidos pelos senhores peritos médicos no exame por junta médica previsto no art.º 139.º/1 do CPT, perícia que é de realização obrigatória.
Este exame inscreve-se no âmbito da denominada prova pericial, regendo-se para além do disposto naquela norma, também pelas que no Código de Processo Civil disciplinam este meio de prova (artigos 467.º e seguintes do CPC).
A prova pericial tem por objecto, conforme estatuído no art.º 388.º do CC “(..) a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessário conhecimentos especiais que os julgadores não possuem” ou quando os factos “relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
Recorrendo à lição do Professor Alberto dos Reis, elucida este que “O verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem” [Código do Processo Civil Anotado Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pp. 171].
A sua função é a de “auxiliar do tribunal no julgamento da causa, facilitando a aplicação do direito aos factos”, não impedindo tal que seja “um agente de prova e que a perícia constitua um verdadeiro meio de prova” [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 578].
Por conseguinte, as respostas aos quesitos dos Senhores peritos médicos e a respectiva fundamentação, são a expressão necessária da sua intervenção nesse meio de prova, isto é, o resultado da avaliação feita com base nos seus especiais conhecimentos médico-científicos, exigindo-se, para que cumpram o seu propósito, que sejam claras, suficientes e lógicas. Justamente por isso, importa não esquecer, o n.º8, do Anexo I, da TNI, estabelece o seguinte: “O resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões”.
Pese embora a função preponderante deste meio de prova, tal não significa que o julgador esteja vinculado ao parecer dos senhores peritos, já que o princípio da livre apreciação da prova permite-lhe que se desvie do parecer daqueles, seja ele maioritário ou unânime. Como a esse propósito elucida o Professor Alberto dos Reis, “(..) É dever do juiz tomar em consideração o laudo dos peritos; mas é poder do juiz apreciar livremente esse laudo e portanto atribuir-lhe o valor que entenda dever dar-lhe em atenção à análise critica dele e à coordenação com as restantes provas produzidas. Pode realmente, num ou noutro caso concreto, o laudo dos peritos ser absorvente e decisivo (..); mas isso significa normalmente que as conclusões dos peritos se apresentam bem fundamentadas e não podem invocar-se contra elas quaisquer outras provas; pode significar, também que a questão de facto reveste feição essencialmente técnica, pelo que é perfeitamente compreensível que a prova pericial exerça influência dominante.” [Código do Processo Civil Anotado Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pp. 185/186]
Porém, quer adira ou quer se desvie, precisamente por caber ao Juiz decidir na sua livre convicção, é-lhe sempre exigido que deixe expressa a sua motivação, isto é, os fundamentos ou razões por que o faz, ainda que com diferentes níveis de exigência, dependentes, desde logo, quer da natureza da questão de facto objecto da perícia quer da clareza e suficiência da fundamentação do relatório pericial.
E, para assim poder proceder, certo é, também, que em qualquer caso é sempre necessário que o Juiz conte com um resultado do exame pericial devidamente fundamentado, pois é a partir daí que se desenvolverá toda a apreciação com vista à formulação do juízo crítico subjacente à formação da convicção do julgador. Por outras palavras, o laudo, seja ele obtido por unanimidade dos peritos ou apenas por maioria, deve convencer pela sua fundamentação, pois só assim cumpre o propósito de facultar ao juiz os elementos necessários para fixar a natureza e o grau de incapacidade.
Importa é que em face das questões que se colocam em cada caso concreto, o resultado do exame por junta médica se apresente perante o Juiz com a clareza necessária para o habilitar a decidir.
Mas se assim não acontecer, a lei processual proporciona meios para as partes reagirem.
O primeiro deles consiste na faculdade que assiste às partes de reclamarem do relatório pericial, se “entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas” [art.º 485.º 1 e 2, CPC]. O segundo respeita ao direito de arguirem a nulidade do exame médico por falta de fundamentação do resultado, que se verificará quando tal se verifique e seja susceptível de “influir no exame ou na decisão da causa” (art.º 195.º 1 do CPC).
Para além disso, cabe também ter presente que igualmente é atribuído ao Juiz, quando se aperceba que não encontra no relatório do exame médico o apoio suficiente e necessário para proferir a sentença, o poder de fazer uso do disposto no n.º4, do artigo 485.º d CPC, que lhe permite “mesmo na falta de reclamações, determinar oficiosamente a prestação dos esclarecimentos ou aditamentos previstos nos números anteriores”, isto é, quando exista “(..) qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas».
Por outro lado, não deve também esquecer-se que nos termos do art.º 139.º do CPT, o juiz não só pode formular quesitos se a dificuldade ou a complexidade da perícia o justificarem [n.º6], como para além disso, “(..) se o considerar necessário, pode determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos” [n.º7].
II.2.2 Revertendo ao caso, começaremos por relembrar que o processo prosseguiu para a fase contenciosa em razão da seguradora ter discordado do resultado do exame médico singular, realizado pelo INML, atribuindo à sinistrada uma IPP de 2%.
No relatório do exame singular, a Senhora perita médica fundamentou esse laudo referido o seguinte:
-“Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesão é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões e se exclui a existência de uma estranha relativamente ao traumatismo”.
Para dar início à fase contenciosa a seguradora apresentou requerimento, apresentando quesitos para serem submetidos aos senhores peritos médicos, nomeadamente, os seguintes:
1 – Do acidente resultou alguma sequela?
2 – Em caso afirmativo, qual e como se objectiva?
3- Qual a IPP a atribuir? Ou deve ser considerado ACSD?
A sinistrada, notificada para, querendo-o, apresentar quesitos, não os apresentou.
Realizado o exame por junta médica, os senhores peritos médicos responderam aos quesitos acima transcritos conforme segue:
Os peritos médicos, após observação da examinanda e consulta do processo, respondem por unanimidade aos quesitos de fl. 38:
1- Não. A examinanda apresenta dor à palpação da sacroilíaca esquerda (sem relação com o acidente); sem lássegue; ROT’s positivos e simétricos; mobilidades normais; marcha em calcanhares e pontas normal.
2- Prejudicado
3- ACSDR».
Notificada para o efeito, a sinistrada apresentou reclamação, formulando um conjunto de questões para serem esclarecidas pelos Senhores peritos médicos.
O Tribunal a quo entendeu que as respostas dos senhores peritos não padeciam de contradição e indeferiu o requerido, após o que proferiu sentença.
Recorreu a sinistrada, tendo o recurso procedido nos termos acima mencionados no relatório inicial.
Esta Relação julgou procedente o recurso e determinou que os senhores prestassem esclarecimentos respondendo às questões que foram definidas. Entendeu-se que não havia contradição nas respostas dos senhores peritos, mas que a fundamentação não era suficiente ou clara. Em concreto, no que aqui importa, consignou-se nesse acórdão o seguinte:
No entanto e já quanto à questão da fundamentação, não nos parece que a mesma se mostre suficiente ou clara, já que, apesar de terem concluído que a sinistrada não tinha sequelas quando foi examinada em junta médica, os srs. Peritos não deixaram de observar, na resposta ao mesmo quesito 1°, que: “A examinanda apresenta dor à palpação da sacroilíaca esquerda (sem relação com o acidente) …”
Tendo sido constatada dor e estando assente o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões a que foi examinada — cfr. o art. 131º, nº 1, al. c) do CPT — não se percebe porque é que tal dor não foi considerada como tendo relação com o acidente; e, se não tinha, então era derivada de que outro evento?
Nesta parte e salvo o devido respeito, o relatório, ainda que apresentado por unanimidade dos médicos, mostra-se deficiente, se não mesmo obscuro. E o esclarecimento impõe-se tanto mais quanto é certo que os fenómenos dolorosos, se advindos do acidente são susceptíveis de valoração face à Tabela Nacional de Incapacidades; tendo-o sido, no caso, no âmbito do exame singular, do qual e além do mais, consta não terem sido notados “antecedentes patológicos e/ou traumáticos” e, como exame objectivo, ter sido detetada “raquialgia lombar residual”, valorada pela rubrica I 1.1.1, b) da TNI.
Assim, em vez de indeferir a reclamação da sinistrada e proferir logo decisão final a declarar a sinistrada sem IPP, afigura-se-nos que o Mmo Juiz poderia e deveria ter solicitado esclarecimentos aos peritos: não todos ou com a formulação enunciada pela sinistrada, então reclamante (que, relembre-se, não formulou oportunamente quesitos a colocar à junta médica - art. 139°, n° 6, do CPT), mas, pelo menos, os seguintes:
1º Porque motivo consideraram que a dor apresentada pela sinistrada à palpação da sacroilíaca esquerda não tem relação com o acidente?
2ª Não o tendo, de que deriva então aquela dor?
Como se deixou também assinalado no relatório inicial, notificados pelo Tribunal a quo para prestarem aqueles esclarecimentos, os senhores peritos médicos entenderam necessário observar de novo a sinistrada, o que foi deferido. Realizado esse novo exame pela mesma junta médica, os senhores peritos, por unanimidade, pronunciaram-se como segue:
SITUAÇÃO ACTUAL (..)
Os peritos médico após nova observação da examinanda e consulta do processo, respondem aos esclarecimentos de fls. 116:
A examinanda refere que teve recaída em Dezembro de 2018 com agravamento das queixas álgicas, tendo realizado tratamento analgésico.
Atualmente refere dor na região sacroilíaca esquerda com irradiação para o membro inferior esquerdo.
Ao exame objetivo refere dor à palpação da região sacroilíaca esquerda e dor à palpação da face lateral da anca, coxa e perna esquerda. Sem lássegue. Sem défices sensitivos ou motores evidentes. ROT's aquiliano e rotuliano vivos e simétricos. Sem rigidez na flexão do tronco. Marcha em calcanhares e pontas normal.
Segundo os registos clínicos, do acidente terá resultado lombalgia de esforço.
A dor na região sacroilíaca pode ter origem numa patologia inflamatória degenerativa ou auto-imune (doença natural) a qual deverá ser estudada e eventualmente tratada no Serviço Nacional de Saúde.
Mais referem manter a posição assumida na Junta Médica de fl. 44».
Em suma, decorre deste laudo que os Senhores peritos médicos entendem, sublinha-se, unanimemente, que a dor apresentada pela sinistrada à palpação esquerda e dor à palpação da face lateral da anca, coxa e perna esquerda não está relacionada com a lombalgia de esforço que foi consequência do acidente de trabalho. Referem ainda, em resultado dessa observação directa: Sem lássegue. Sem défices sensitivos ou motores evidentes. ROT's aquiliano e rotuliano vivos e simétricos. Sem rigidez na flexão do tronco. Marcha em calcanhares e pontas normal.
No seu parecer médico, “[A] dor na região sacroilíaca pode ter origem numa patologia inflamatória degenerativa ou auto-imune (doença natural) a qual deverá ser estudada e eventualmente tratada no Serviço Nacional de Saúde”.
Dito por outras palavras, os senhores peritos médicos excluem o nexo causal entre a sintomatologia verificada - A dor na região sacroilíaca – e a lombalgia de esforço que resultou do acidente. É por essa razão que concluem que a sinistrada, no que respeita às lesões decorrentes do acidente, está curada sem desvalorização.
As partes foram notificadas deste laudo, designadamente, para apresentarem reclamação querendo, no prazo de 10 dias, formulando as suas reclamações nos termos previstos no art.º 485º, nº 2, do C.P.C.
Não foram apresentadas reclamações.
O tribunal a quo proferiu a sentença sob recurso, constando da respectiva fundamentação, no que aqui releva, o seguinte:
-«(..)
Decorre do ponto 3º, dos factos que resultaram provados, que os peritos que intervieram na perícia por junta médica concluíram, por unanimidade, que do acidente não resultou uma incapacidade permanente parcial (IPP).
Considerando que a conclusão dos peritos que intervieram em tal perícia foi por unanimidade e se mostra consentânea com os elementos, designadamente clínicos, existentes nos autos e devidamente fundamentada e alicerçada na Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais e uma vez que não há razões para discordar de tal conclusão, declaro que, em resultado do acidente, a sinistrada não ficou afetada de uma incapacidade permanente parcial (IPP)”.
Discorda a sinistrada, com os fundamentos que assinalámos, mas cabendo agora deixar uma nota mais, nomeadamente, para referir que a argumentação utilizada no primeiro recurso foi praticamente transposta para o presente, excepto quando ao documento que agora juntou e aos argumentos sustentados no mesmo. Justamente por isso, excepto as 6.ª e 7.ª conclusões, as demais replicam quase textualmente as daquele recurso.

Pois bem, adianta-se já, sem que lhe assista razão. As respostas dadas pelos senhores peritos médicos, em entendimento unânime aos esclarecimentos indicados por esta Relação na apreciação do anterior recurso, não suscitam dúvidas, estando devidamente fundamentadas em termos lógicos, claros, coerentes e com a suficiência necessária, justificando pelas razões de ordem médica que indicam, considerarem a sinistrada curada sem qualquer desvalorização. Vale isto por dizer, que os senhores peritos prestaram os esclarecimentos que foram entendidos necessários para se perceber o percurso lógico que sustentara o laudo na anterior perícia.
A dúvida que a recorrente procura lançar sobre o laudo médico, alegando que deveria também ser esclarecido se do sinistro ocorrido resultou o agravamento da alegada patologia pré-existente, devendo os Senhores peritos médicos “considerando a informação clínica do relatório supra referido, bem como do parecer que ora se junta sob doc. nº 1, para que os mesmos complementem e esclareçam o relatório pericial”, não tem fundamento.
Por um lado, procura sustentar-se no parecer médico que apenas juntou com as alegações e não foi admitido, por isso não podendo dele servir-se. Por outro, procura apoio no exame médico singular, mas sem ter em conta que nesse laudo não se suscita essa hipótese, antes se tendo entendido que existia “ nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano”, ou seja, que a situação de doença verificada era resultado das lesões causadas pelo acidente de trabalho.
Ora, esse entendimento médico, se bem que respeitável, é contrariado pelo parecer unânime de três outros médicos, importando não esquecer que dois deles são os peritos do tribunal e o nomeado à sinistrada, o que vale por dizer, seguramente imparciais. Não é o facto de existir divergência entre entendimentos médicos e de o primeiro resultado ser mais favorável à sinistrada que autoriza, sem mais, a que se duvide da certeza da perícia colegial e, consequentemente, da relevância deste laudo para a formação da convicção do julgador na apreciação da questão relativa à incapacidade. De outro modo, estar-se-ia a fazer tábua rasa da função do exame por junta médica, que tanto pode confirmar como discordar do resultado do exame médico singular. A perícia é colegial justamente para garantir uma avaliação e um resultado mais acertado. E, no caso estão devidamente explicadas as razões da divergência: assentam em diferentes entendimentos sobre as reais sequelas resultantes das lesões sofridas com o acidente de trabalho.
Sendo de deixar claro que o laudo da junta afasta, em termos lógicos, a possibilidade que a recorrente procura suscitar de eventual agravamento de predisposição patológica. Para que não subsistam dúvidas, ainda que repetindo-nos, passamos a justificar esta asserção.
Dispõe o art.º 11 da Lei 98/2009, no que aqui releva, o seguinte:
1 - A predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada.
2 - Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da presente lei.
Como elucida o Acórdão desta Relação de 18-02-2013, “Os nºs 1 e 2 do art. 11º da Lei 98/2009, de 04.09 (tal como os anteriores art. 9º, nºs 1 e 2, da Lei 100/97, de 13.04 e Base VIII, nºs 1 e 2, da Lei 2127, de 3.08.65) contemplam situações distintas: o primeiro, uma situação de predisposição patológica (que não doença) anterior ao acidente de trabalho que, com este, se desencadeia; o segundo, uma situação de doença consecutiva ao acidente agravada por doença ou lesão anterior ou uma situação de doença anterior agravada pelo acidente. [Proc.º 118/10.1TTLMG.P1, Desembargadora Paula Leal de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt].
Em qualquer desses casos distintos é necessário que exista um nexo causal: na primeira situação, as lesões verificadas foram desencadeadas pelo sinistro em razão da existência de predisposição patológica; na segunda, as sequelas resultantes do acidente resultam agravas pela pré-existência de lesão ou doença anterior, ou a doença anterior é agravada pelo acidente.
Ora, no caso vertente, segundo o parecer médico de três peritos, não há qualquer relação, ou melhor dito, nexo causal, entre as lesões provocadas pelo acidente - lombalgia de esforço – e a dor na região sacroilíaca. Esta, referem os senhores peritos médicos, “pode ter origem numa patologia inflamatória degenerativa ou auto-imune (doença natural”.
Prosseguindo, a recorrente também não tem também razão - limitando-se a repetir as anteriores alegações e conclusões- para vir de novo dizer que inexistia motivo para que o Tribunal “a quo” desvalorizasse o exame médico singular, baseando a sua decisão exclusivamente no auto de perícia da junta médica, referindo genericamente que a lei “prevê a solicitação de esclarecimentos aos senhores peritos por deficiência, obscuridade ou contradição do relatório pericial como modo de superação de dúvidas suscitáveis pelo mesmo” e “podem ser requisitados elementos auxiliares de diagnóstico, determinar-se a realização de exames complementares e requisitados pareceres técnicos”, mas que “não obstante da disparidade de valores e da nova informação vertida no Auto de Exame por Junta Médica nada foi feito”.
Na verdade, se a recorrente entende que mesmo agora depois dos esclarecimentos prestados pelos senhores peritos médicos ainda subsiste alguma “deficiência, obscuridade ou contradição do relatório pericial”, então mal se percebe que não tenha feito uso da possibilidade de reclamar, tanto mais que até foi expressamente notificada para o efeito. Ademais, se porventura o relatório pericial, após complementado com os esclarecimentos, ainda enfermasse de algum daqueles vícios, então cumpria à recorrente concretizá-lo com precisão, o que manifestamente não faz, limitando-se a usar, diga-se até, sem critério, as alegações e conclusões anteriores.
Mais, pelas mesmas razões, é despropositado vir invocar genericamente que o tribunal podia requisitar “elementos auxiliares de diagnóstico, determinar-se a realização de exames complementares e requisitados pareceres técnicos”, como que a sugerir que o deveria ter feito, mas não fez, sem concretizar quais são então as razões que tal exigiam e quais as precisas diligências que deveriam ter sido realizadas. Com o devido respeito, repete-se, a recorrente usa, sem critério, as alegações e conclusões anteriores.
Pode, pois, afirmar-se com segurança que o Tribunal a quo, após os esclarecimentos prestados pelos senhores peritos médicos, dispunha de um resultado do exame pericial devidamente fundamentado, facultando-lhe os elementos necessários para desenvolver toda a apreciação necessária com vista à formulação do juízo crítico subjacente à formação da convicção do julgador, a fim de fixar a IPP à sinistrada.
Não vimos qualquer razão para pôr em causa o decidido. O Tribunal a quo não podia, como também não pode este Tribunal ad quem, fazer prevalecer o exame médico singular sobre o laudo da perícia colegial, unânime, devidamente fundamentado e formulado por peritos devidamente habilitados, sem que existam fundamentos concretos, lógicos e razoáveis - necessariamente com natureza médica -, que se perfilem e imponham decisão diversa.
Conclui-se, pois, pela improcedência do recurso.
III. DECISÃO
- Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, em consequência confirmando a sentença recorrida.
- Custas do recurso – e do incidente anómalo - a cargo da recorrente (art.º 527.º CPC).

Porto, 3 de Fevereiro de 2020
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira