Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
727/19.3TXPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CLÁUDIA RODRIGUES
Descritores: CANCELAMENTO PROVISÓRIO DO REGISTO CRIMINAL
REABILITAÇÃO
PORNOGRAFIA DE MENORES
ATIVIDADE DE SEGURANÇA PRIVADA
Nº do Documento: RP20220629727/19.3TXPRT-A.P1
Data do Acordão: 06/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Estatui o artigo 11.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio (Lei de Identificação Criminal) que, com o intuito de facilitar a reintegração social do condenado, pode ser determinado pelo tribunal de execução de penas o cancelamento provisório do registo, total ou parcial, desde que: a) já tenham sido extintas as penas aplicadas; b) o interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado; e
c) o interessado haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu cumprimento.
II - Nesta medida pode dizer-se que a natureza jurídica do cancelamento do registo criminal se modificou, deixando de ser entendida com um ato de clemência, e passando a integrar um verdadeiro direito subjetivo à reabilitação, verificados que estejam certos pressupostos.
III - A assim dita reabilitação é aplicável a todos os tipos de crimes, a todos os condenados e a todos os tipos de sanções, decorrência natural da crença na capacidade de ressocialização, e do entendimento de que devem apenas obstar à reabilitação motivos de defesa social imposta pela perigosidade do agente.
IV - A Lei visa deste modo, através do instituto de cancelamento do registo criminal, quer definitivo quer provisório, facilitar a integração social do condenado, num equilíbrio com as finalidades do registo criminal que se relacionam com finalidades de prevenção da delinquência.
V - Estatui, por seu turno o art. 4.º, n.º 4, da Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro (que estabelece medidas de proteção de menores em cumprimento do artigo 5.º da Convenção do Conselho da Europa conta a Exploração Sexual e Abuso Sexual de Crianças), que estando em causa o exercício de emprego, profissão ou atividade que envolva contacto regular com menores, o cancelamento provisório de decisões de condenação pelo crime de pornografia de menores, o tribunal de execução das penas pode determinar, a pedido do titular, a não transcrição, em certificado de registo criminal requerido para os fins previstos no artigo 1.º dessa lei, dessas condenações desde que já tenham sido extintas a pena principal e a pena acessória eventualmente aplicada, quando seja fundadamente de esperar que o titular conduzirá a sua vida sem voltar a cometer crimes da mesma espécie, sendo sensivelmente diminuto o perigo para a segurança e bem-estar de menores que poderia decorrer do exercício da profissão, emprego, função ou atividade a exercer; e sendo esta decisão sempre precedida de realização de perícia de carácter psiquiátrico, com intervenção de três especialistas, com vista a aferir a reabilitação do requerente (n.º 5 desse mesmo artigo).
VI - No caso em apreço, não deverá ser determinado o cancelamento provisório do registo relativo à prática de crime de pornografia de menores, por o condenado, de acordo com a perícia psiquiátrica efetuada, não dever ser considerado reabilitado, pois nega a prática dos factos por que foi condenado (pesquisa, visualização, armazenamento e partilha de conteúdos pornográficos infantis) e desvaloriza a gravidade da prática de atos sexuais de adultos contra menores de 16 ou 17 anos, sendo que a atividade de segurança privada que pretende exercer não se restringe ao hipermercado onde a exerce há quinze anos e implica sempre a possibilidade de contacto com menores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.º 727/19.3TXPRT-A.P1


Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
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I. RELATÓRIO

No âmbito do Processo de cancelamento provisório do registo criminal 727/19.3TXPRT-A. a correr termos no Juízo de Execução das Penas do Porto (Juiz 4), referente a AA foi decidido determinar o cancelamento (condicional) provisório total nos certificados de registo criminal a si respeitantes e a emitir no âmbito do disposto no artigo 10.º, n.º 6, da Lei nº 37/2015 de 5 de Maio e no artigo 4.º, n.º 5 da Lei nº 113/2009, de 17 de Setembro, na versão que lhe foi dada pela lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto, das decisões que deles deveriam constar.

Desta decisão veio o Ministério Público, interpor o presente recurso, rematando a respetiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

“1) AA veio solicitar o cancelamento provisório do seu registo criminal com o objectivo de poder exercer a actividade de segurança privada, concretamente para exercer as funções de vigilante num hipermercado;
2) De acordo com o seu certificado do registo criminal, o requerente foi condenado, por decisão proferida no processo n.º 826/15.0TELSB, pela prática de dois crimes de pornografia infantil, um deles p. e p. pelo art. 176, n.º 1, al. c), do Código Penal (punível com prisão de 1 a 5 anos de prisão), e o outro, p. e p. pelo art. 176, n.º 5, do Código Penal (punível com prisão até 2 anos), na pena única de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período acompanhada de regime de prova;
3) No referido processo não foi o requerente condenado ao pagamento de qualquer indemnização cível e essa pena já foi declara extinta;
4) Tais crimes contra a autodeterminação sexual constam do livro II, título I, capítulo V do Código Penal;
5) Uma vez que esta actividade de segurança privada, concretamente num hipermercado, pode envolver o contacto regular com menores, exige a lei, além do mais, a realização de perícia de carácter psiquiátrico (cfr. no art. 4, n.º 5, da Lei n.º 113/2009, de 17/09);
6)Essa perícia encontra-se sujeita ao regime previsto no art. 163, do Código de Processo Penal;
7) De acordo com a perícia médica realizada nos autos, o requerente, além de negar os factos pelos quais foi condenado e legitimar os seus comportamentos, desvaloriza a gravidade de atos ou práticas sexuais contra menores de idades compreendidas entre os 16 e os 17 anos de idade, explicando que as personagens de algumas fotografias são, para si, mulheres, independentemente da sua idade adolescente;
8) Aí se concluindo que “De acordo com a avaliação efetuada, é de admitir que os comportamentos que lhe são imputados (pesquisa, visualização, armazenamento e partilha de conteúdos pornográficos infantis) e os aspetos previamente referidos na discussão (legitimação e minimização dos comportamentos de ofensa e provável dificuldade no estabelecimento de relacionamentos íntimos com pessoas adultas do sexo feminino), podem constituir fatores de risco para a reincidência em atos semelhantes no futuro.
Atendendo ao que foi previamente exposto é aconselhável a integração profissional num contexto que não implique contacto direto com menores”;
9) Na decisão proferida pelo M.º Juiz, este apenas fez apelo à sua convicção pessoal estribada no facto de o requerente pretender exercer a sua actividade num estabelecimento comercial e de aí exercer essas funções há mais de 15 anos, sem que tenha havido notícia de comportamentos violadores da autodeterminação sexual, mais referindo que nessa actividade o contacto com menores é diminuto;
10) Ou seja, não utilizou argumentos de ordem técnica ou científica que contrariem o parecer de natureza científica, violando, pois, o disposto no art. 163, n.º 2, do Código de Processo Penal;
11) Em nossa opinião cumpre ainda acrescentar que, contrariamente ao referido pelo M.º Juiz a quo, a actividade de vigilante num estabelecimento comercial (hipermercado) pressupõe o contacto com todo o tipo de pessoas, inclusive menores, muitas vezes desacompanhados de adultos;
12) Ora, do teor das conclusões do parecer resulta que existe um risco sério de cometimento no futuro de crimes da mesma natureza, o que contraria a exigência legal de que “seja fundadamente de esperar que o titular conduzirá a sua vida sem voltar a cometer crimes da mesma espécie, sendo sensivelmente diminuto o perigo para a segurança e bem-estar de menores que poderia decorrer do exercício da profissão, emprego, função ou atividade a exercer - (cfr. n.º 4 do art. 4, da Lei n.º 113/2009, de 17/09);
13) Desta forma ao deferir o cancelamento provisório do registo criminal de AA, o M. º Juiz violou o disposto nos artigos arts. 10, n.º 6 e 12, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, 2.º e 4.º, n.ºs 3, e 4, da Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro e 163, do Código de Processo Penal.
14) Pelo exposto, pugna-se pela revogação da decisão do M.º Juiz do Tribunal de Execução das Penas do Porto que determinou o cancelamento provisório do registo criminal de AA, substituindo-a por outra que mantenha em vigor as inscrições constantes do certificado do registo criminal de AA.
No entanto, V. Exas. decidindo farão a habitual JUSTIÇA.”

Por despacho proferido em 17.05.2022 foi o recurso regularmente admitido com regime de subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

O recorrido AA notificado do recurso interposto pelo Ministério Público, aderiu às alegações e conclusões da sentença recorrida, pugnando pela manutenção da mesma e não provimento do recurso.

Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso interposto pelo Ministério Público na 1ª Instância.

Cumprido o preceituado no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, nada mais foi acrescentado.
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Colhidos os vistos legais foi o processo à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO:

Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal: a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
No presente caso, atentas as conclusões vertidas no interposto recurso, a única questão submetida ao conhecimento deste tribunal consiste em saber se deverá ser ordenado o cancelamento provisório do registo criminal do arguido por este solicitado.

A decisão recorrida tem o seguinte teor:

“AA, melhor identificado nos autos, veio interpor ao abrigo do disposto no artigo 229.º e seguintes do Código de Execução das Penas, o presente processo de cancelamento provisório do registo criminal, com os fundamentos que se colhem a folhas 3, com a finalidade de exercer uma actividade de segurança privada, mais concretamente, as funções de vigilante num hipermercado, fim esse admissível nos termos daquele mesmo Diploma legal.
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O Tribunal é o competente e o requerente tem legitimidade – artigo 229.º, n.º 2 do Código de Execução das Penas.
Procedeu-se à instrução dos autos, com junção dos pertinentes documentos incluindo o CRC e o relatório da DGRSP.
Foi determinada a realização de perícia de caráter psiquiátrico, com intervenção de três especialistas, com vista a aferir a reabilitação do requerente nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 5 da Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro.
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento do requerido.
Mantém-se a validade e regularidade da instância, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa, dado que não ocorrem quaisquer nulidades, excepções, questões prévias ou incidentes de que cumpra de momento conhecer.
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Cumpre decidir.
Com base no CRC, certidões e demais documentos juntos aos autos, com relevância para a discussão da causa, resultou provado o seguinte circunstancialismo fáctico:
1) O requerente foi condenado na pena única de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período acompanhada de regime de prova, no âmbito do Processo n.º 826/15.0TELSB, pela prática em 25/07/2015, de dois crimes de pornografia de menores, previstos e punidos, um deles pelo artigo 176, n.º 1, al. c), do Código Penal e o outro, pelo artigo 176, n.º 5, do Código Penal, pena declarada já extinta em 13/12/2019 (cf. com folhas 33 e seguintes e folhas 54);
2) Dá-se, aqui, por integrado o teor:
a) do relatório social de 43 e seguintes, do qual resulta, além do mais, que o requerente exerce funções há cerca de 15 anos na área da segurança/vigilância privada em espaços comerciais, através da empresa X..., S.A.;
b) da informação policial de folhas 38;
c) do relatório da perícia médico-legal constante de folhas 107, cujo teor aqui se dá por integralmente por reproduzido;
3) O requerente não foi condenado em qualquer pedido de indemnização cível.
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O cancelamento é o acto registral de anulação dos efeitos de uma inscrição, sendo que na pureza conceptual o cancelamento do registo é o registo definitivo – o que determina a ineficácia jurídica definitiva do registo para todos os efeitos legais. Contudo, admite e prevê a lei o cancelamento provisório, o qual é aquele que tão só determina a ineficácia jurídica temporal do registo, procedendo o mesmo da reabilitação judicial plena, a qual admite a sujeição à revogação. Ou seja, o registo é efectivamente trancado, mas não de forma imediatamente plena, porquanto o cancelamento provisório só passa a pleno quando se verificarem os requisitos da reabilitação. De referir que subjacente ao conceito de reabilitação (entendido como sinónimo de socialização do delinquente enquanto finalidade de prevenção especial positiva - definição de Peters: “reabilitação significa a recuperação jurídica da imagem social de um condenado dentro da comunidade jurídica”, citado no § 1046, de F. Dias, in “Consequências Jurídicas do Crime) está a reposição da capacidade de direitos, afectada pela condenação em pena de multa aplicada ao indivíduo/requerente e, por consequência, a recuperação da posição social afectada pela “infamia facti”, em três diferentes perspectivas, a social em que a reabilitação é a reintegração do indivíduo na sociedade, a jurídica em que o reabilitado é reinvestido na posição jurídica que detinha antes de condenações objecto de reabilitação, registral de reabilitação que resulta do cancelamento das inscrições e se traduz na ausência de antecedentes criminais.
Resultando dos autos que a pena em que o requerente foi condenado já foi declarada extinta, não havendo qualquer obrigação de indeminização a seu cargo, resta ponderar a exigência subjectiva de comportamento por parte do requerente em moldes que seja razoável supor encontrar-se o mesmo readaptado. Para uma crítica à exigência do requisito da “readaptação” no âmbito da reabilitação judicial (leia-se, agora, processo de cancelamento provisório do registo criminal), cf. A. M. de Almeida Costa, in “O Registo Criminal – História. Direito Comparado, Análise político-criminal do instituto”, Coimbra, 1985, p. 216, 217 e 234 a 237, onde se defende que a indignidade que interessa ao direito penal é, tão-só, a que se traduz na prática de factos criminosos e não a que decorre de uma apreciação global da personalidade do indivíduo, à luz dos padrões da moral social corrente.
No caso em concreto, o requerente visa com o presente pedido, exercer actividade profissional de segurança privada, actividade que já vem exercendo há cerca de 15 anos, que é um fim válido para os termos da previsão legal a aplicar ao caso concreto, levantando-se, no entanto, a questão de saber se obsta ao cancelamento provisório, a circunstancia de o requerente pretender exercer uma “atividade de segurança num hipermercado, a qual implica o contacto, directo ou indirecto, com menores”, como alega o Ministério Público.
Vejamos.
Nos termos do artigo 12.º, n.º 1, da Lei 37/2015 de 5 de Maio (diploma que entre outros, revogou a Lei 57/98), «estando em causa qualquer dos fins a que se destina o certificado requerido nos termos dos números 5 e 6 do artigo 10.º, pode o tribunal de execução das penas determinar o cancelamento, total ou parcial, das decisões que dele deveriam constar». Como se acrescenta no mesmo artigo, o cancelamento é determinado desde que:
a) “Já tenham sido extintas as penas;
b) O interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado e
c) O interessado haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu cumprimento” .
No caso em concreto o requerente visa com o presente pedido, como dissemos supra, exercer ou continuar a exercer, a actividade profissional de vigilante/segurança privada, sendo aplicável a Lei n.º 34/2013 de 16/05, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 46/2019, de 8 de Julho, diploma que regula o exercício da atividade se segurança privada e da autoproteção. Os crimes cometidos pelo requerente constam do elenco de crimes referenciados no artigo 22.º, n.º 1, d) daquele diploma legal.
Estabelece o artigo 2.º, n.º 4 da Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, na versão que lhe foi dada pela lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto, que «o certificado requerido por particulares para os fins previstos nos números 1 e 2, tem a menção de se destina a situações que envolvam contacto regular com menores e deve conter (…), as condenações por crime previsto no (…) no capítulo V do Título I, do Livro II do Código Penal». É o caso dos autos em que o requerente foi condenado por crimes de pornografia de menores.
Acresce que estando em causa o exercício de emprego, profissão ou actividade que envolva contacto regular com menores, «o cancelamento provisório de decisões de condenação por crime previsto nos artigos 152.º e 152.º A e no capítulo V do Título I, do Livro II do Código Penal, só pode ocorrer nas condições previstas no artigo 12.º da lei n.º 37/2015, de 5 de maio». No entanto, o «Tribunal de Execução das Penas pode determinar, a pedido do titular, a não transcrição, em certificado de registo criminal requerido para os fins previstos no artigo 1.º da presente lei, de condenações previstas no n.º 1, desde que já tenham sido extintas a pena principal e a pena acessória eventualmente aplicada, quando seja fundadamente de esperar que o titular conduzirá a sua vida sem voltar a cometer crimes da mesma espécie, sendo sensivelmente diminuto o perigo para a segurança e bem-estar de menores que poderia decorrer do exercício da profissão, emprego, função ou atividade a exercer». De acordo com o disposto no número 5 do mesmo artigo, «a decisão referida no número anterior é sempre precedida de realização de perícia de carácter psiquiátrico, com intervenção de três especialistas, com vista a aferir a reabilitação do requerente».
Ora, no caso dos autos, é verdade que resulta do relatório da perícia médico-legal constante de folhas 107, além do mais consta que o requente “nega os factos de que é acusado e tende a legitimar os seus comportamentos, referindo desconhecer o conteúdo das imagens que descarregava e enviava” e que nega ainda, preferências ou interesses sexuais pedófilos. Também é verdade que se concluiu no mesmo relatório, que “de acordo com a avaliação efetuada, é de admitir que os comportamentos que lhe são imputados (pesquisa, visualização, armazenamento e partilha de conteúdos pornográficos infantis) e os aspetos previamente referidos na discussão (legitimação e minimização dos comportamentos de ofensa e provável dificuldade no estabelecimento de relacionamentos íntimos com pessoas adultas do sexo feminino), podem constituir fatores de risco para a reincidência em atos semelhantes no futuro”.
No entanto, há que ponderar o seguinte:
Em primeiro lugar é um facto notório que um segurança de um estabelecimento comercial, não envolve um contacto directo e permanente com menores porque a maioria dos clientes que o frequentam são adultos, sendo que quando se fazem acompanhar dos filhos, estes limitam-se a passar pelos vigilantes, sem se possa vislumbrar qualquer risco para os menores, mesmo que seja o caso de estes se deslocarem desacompanhados de maiores. Na verdade, são espaços normalmente sujeitos a um sistema de vigilância por câmaras de vídeo e que por isso, não favorecem a ocorrência de comportamentos como os que o legislador e o próprio Conselho da Europa, no artigo 5.º da “Convenção sobre a exploração sexual e o abuso Sexual”, tinham em vista evitar. Acresce que segundo a declaração da entidade recrutadora junta a folhas 151, o posto de trabalho do requerente terá um contacto com menores reduzido. Podemos, assim, concluir que é diminuto o perigo para a segurança e bem-estar de menores que poderá decorrer do exercício da atividade em causa. De referir que qualquer outro entendimento, teria como consequência que estaria vedado ao requerente, a colocação laboral num leque muito abrangente de atividades laborais porque todas podem ter, ainda de forma muito residual, contacto com menores.
Em segundo lugar o Tribunal não pode deixar de ponderar que segundo o relatório social junto aos autos, o mesmo exerce funções há cerca de 15 anos na área da segurança/vigilância privada em espaços comerciais, não havendo notícia que tenha em algum momento tido comportamentos violadores da autodeterminação sexual. Aliás, os factos pelos quais foi condenado o requerente, nada tem a ver com a atividade laboral desenvolvida.
Resulta do exposto que se pode fundadamente esperar que o requerente conduzirá a sua vida sem voltar a cometer crimes da mesma espécie, sendo sensivelmente diminuto o perigo para a segurança e bem-estar de menores que poderá decorrer do exercício da atividade em causa – cf. n.º 4 do artigo 4.º, da Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro.
Assim, e valorando o passado criminal do requerente, sem registo de outros antecedentes criminais, o tempo decorrido desde a prática dos factos e o teor do relatório da DGRSP e da informação policial, o certo é que o requerente se tem como pessoa socialmente integrado, com projecto familiar e com fim de pretensão legalmente admissível, tudo assim revelando encontrar-se readaptado, pelo que se considera cumprido tal requisito legal.
Assim sendo, mostram-se reunidos os exigidos requisitos legais necessários ao deferimento da pretensão formulada.
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Decisão:
Pelo exposto, tudo visto e ponderado, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, decido deferir a pretensão do requerente AA e em consequência, determino o cancelamento (condicional) provisório total nos certificados de registo criminal a si respeitantes e a emitir no âmbito do disposto no artigo 10.º, n.º 6, da Lei 37/2015 de 5 de Maio e no artigo 4.º, n.º 5 da Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, na versão que lhe foi dada pela lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto, das decisões que deles deveriam constar.
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Adverte-se o requerente que o cancelamento provisório supra concedido será revogado, nos termos do artigo 233.º do Código de Execução das Penas, caso o mesmo incorra em nova condenação por crime doloso e se se vierem a verificar os pressupostos da pena relativamente indeterminada ou da reincidência.
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Custas pelo requerente, nos termos e para os efeitos conjugados do disposto nos artigos 527.º, nº. 1 do CPC e artigo 8º., nº. 9 RCP aplicável ex vi artigos 524º. CPP, fixando-se o valor da taxa de justiça em 2 Uc´s.
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Notifique o requerente, e o Ministério Público – artigo 232.º, n.º 1 do Código de Execução das Penas.
Comunique, remetendo boletim ao registo criminal – artigo 232.º, n.º 2 do Código de Execução das Penas.”
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Apreciando:
Nos termos do disposto no art. 10º, nº 1, da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio (Lei da Identificação Criminal), “O certificado do registo criminal identifica a pessoa a quem se refere e certifica os antecedentes criminais vigentes no registo dessa pessoa, ou a sua ausência, de acordo com a finalidade a que se destina o certificado, a qual também é expressamente mencionada”.
Por seu turno, à luz do no nº 1 do art. 2º da citada Lei, “A identificação criminal tem por objeto a recolha, o tratamento e a conservação de extratos de decisões judiciais e dos demais elementos a elas respeitantes sujeitos a inscrição no registo criminal e no registo de contumazes, promovendo a identificação dos titulares dessa informação, a fim de permitir o conhecimento dos antecedentes criminais das pessoas condenadas e das decisões de contumácia vigentes”.
“A inscrição de uma condenação penal no registo criminal, ou seja, o registo criminal, visa, desde logo, defender a sociedade dos perigos que estão associados a determinado tipo de delinquência e de delinquentes, pois o acesso ao mesmo permite às autoridades judiciárias conhecer o passado criminal do investigado ou do arguido, dele extraindo as devidas e legais ilações. E permite também aos particulares conhecer o passado criminal das pessoas com quem têm de conviver. Ao conhecer-se o passado criminal, naturalmente que se acautelam ou, no mínimo, podem minimizar-se os referidos perigos” como se observa no Ac. desta Relação de 02/12/2020 proferido no Proc. 470718.0TXPRT-A.P1.
Porém, não se olvidando que as penas visam também, e principalmente, a ressocialização do delinquente, necessariamente, o registo criminal, tendo embora aquele efeito preventivo, não deve e não pode promover a estigmatização do condenado e não deve ser meio de evitar a sua socialização, contrariando a finalidade das penas.
Nessa decorrência, a antedita Lei prevê, por um lado, o cancelamento definitivo das inscrições, que tem lugar decorrido determinado período de tempo a contar da extinção da pena, “desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza” (art. 11º, nº 1, al. a)), mas prevê, outrossim, e com o intuito de facilitar a reintegração social do delinquente, o cancelamento provisório do registo, total ou parcial, determinado pelo tribunal de execução das penas desde que:
a) Já tenham sido extintas as penas aplicadas;
b) O interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado; e
c) O interessado haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu cumprimento, tal como deflui expressamente do art. 12º, isto sem prejuízo do disposto na Lei nº 113/2009 de 17 de setembro.
Os elencados requisitos são cumulativos e hão de ser apreciados pelo Tribunal de Execução das Penas no processo a que aludem os arts. 229º e segs. do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL).
Nesta medida pode dizer-se que a natureza jurídica do cancelamento do registo criminal se modificou, deixando de ser entendida com um ato de clemência, e passando a integrar um verdadeiro direito subjetivo à reabilitação, verificados que estejam certos pressupostos.
Por seu turno, a assim dita reabilitação é aplicável a todos os tipos de crimes, a todos os condenados e a todos os tipos de sanções, decorrência natural da crença na capacidade de ressocialização, e do entendimento de que devem apenas obstar à reabilitação motivos de defesa social imposta pela perigosidade do agente.
A Lei visa deste modo, através do instituto de cancelamento do registo criminal, quer definitivo quer provisório, facilitar a integração social do condenado, num equilíbrio com as finalidades do registo criminal constantes do sobredito art. 2º que se relacionam com finalidades de prevenção da delinquência.
Perante este imprescindível enquadramento legal, cumpre fazer notar que, subjacente ao pedido de cancelamento provisório, está necessariamente um concreto interesse do requerente relacionado com a finalidade a que tal pedido se destina.
No caso em análise, como se emerge dos autos, pretende o requerente exercer ou continuar a exercer, a actividade profissional de vigilante/segurança privada, designadamente num hipermercado, sendo que comprovadamente exerce o mesmo funções há cerca de 15 anos na sobredita área da segurança/vigilância privada em espaços comerciais.
É assim, como se anotou na decisão recorrida, aplicável ao caso a Lei nº 34/2013 de 16/05, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 46/2019, de 8 de Julho, diploma que regula o exercício da atividade se segurança privada e da autoproteção.
Ora, do respetivo certificado do registo criminal, decorre que o requerente foi condenado por decisão proferida no processo n.º 826/15.0TELSB pela prática de dois crimes de pornografia de menores, um deles p. e p. pelo art. 176, n.º 1, al. c), do Código Penal (punível com prisão de 1 a 5 anos de prisão), e o outro, p. e p. pelo art. 176, n.º 5, do Código Penal (punível com prisão até 2 anos), na pena única de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período acompanhada de regime de prova, pena essa já declarada já extinta em 13/12/2019.
Tais crimes contra a autodeterminação sexual constam do livro II, titulo I, capítulo V do Código Penal.
Por seu turno, os sobreditos crimes cometidos pelo requerente constam do elenco de crimes referenciados no art. 22º (Que rege sobre os requisitos e incompatibilidades para o exercício da atividade de segurança privada) nº 1, d) (“Não ter sido condenado por sentença transitada em julgado pela prática de crime doloso contra a vida, contra a integridade física, contra a reserva da vida privada, contra o património, contra a vida em sociedade, designadamente o crime de falsificação, contra a segurança das telecomunicações, contra a ordem e tranquilidade públicas, contra a autoridade pública, designadamente os crimes de resistência e de desobediência à autoridade pública, por crime de detenção de arma proibida, ou por qualquer outro crime doloso punível como pena de prisão superior a 3 anos, sem prejuízo da reabilitação judicial”) da assinalada Lei nº 34/2013 de 16/05.
Já da referenciada Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, na versão que lhe foi dada pela lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto (Estabelece medidas de protecção de menores, em cumprimento do artigo 5.º da Convenção do Conselho da Europa contra a Exploração Sexual e o Abuso Sexual de Crianças, e procede à segunda alteração à Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto), em concreto do seu art. 2º “Medidas de prevenção de contacto profissional com menores”, nº 4 infere-se que “o certificado requerido por particulares para os fins previstos nos números 1 e 2, tem a menção que se destina a situações que envolvam contacto regular com menores e deve conter (…), as condenações por crime previsto no (…) no capítulo V do Título I, do Livro II do Código Penal”. É o caso dos autos em que o requerente foi condenado por crimes de pornografia de menores.
E rege o art. 4º, nº 3 do mesmo diploma legal no que concerne à identificação criminal que “Estando em causa o exercício de emprego, profissão ou actividade que envolva contacto regular com menores, o cancelamento provisório de decisões de condenação por crime previsto nos artigos 152.º e 152.º A e no capítulo V do Título I, do Livro II do Código Penal, só pode ocorrer nas condições previstas no artigo 12.º da lei n.º 37/2015, de 5 de maio”.
No entanto, o “(…) Tribunal de Execução das Penas pode determinar, a pedido do titular, a não transcrição, em certificado de registo criminal requerido para os fins previstos no artigo 1.º da presente lei, de condenações previstas no n.º 1, desde que já tenham sido extintas a pena principal e a pena acessória eventualmente aplicada, quando seja fundadamente de esperar que o titular conduzirá a sua vida sem voltar a cometer crimes da mesma espécie, sendo sensivelmente diminuto o perigo para a segurança e bem-estar de menores que poderia decorrer do exercício da profissão, emprego, função ou atividade a exercer” - cfr. nº 4. E de acordo com o disposto no nº 5 do mesmo artigo, “a decisão referida no número anterior é sempre precedida de realização de perícia de carácter psiquiátrico, com intervenção de três especialistas, com vista a aferir a reabilitação do requerente”.
Em conformidade, considerando que a actividade em questão - de segurança privada, designadamente num hipermercado -, pode envolver o contacto regular com menores, foram os autos instruídos quer com os elementos a que aludem o art. 229º, n.ºs 1 e 2, do CEPMPL e o art. 12º, da Lei n.º 37/2015, de 05/05, e bem assim solicitado à DGRSP relatório social adequado à verificação dos pressupostos a que aí se alude, quer ainda com a perícia de carácter psiquiátrico exigida pelo disposto no art. 4, nº 5, da Lei n.º 113/2009, de 17/09.
Desta feita, da análise do caso concreto verifica-se que a pena em que o requerente foi condenado já se encontra extinta, por decisão de 13.12.2019, e que inexiste condenação em obrigação de indemnização, pelo que, o que está em causa, é ponderar a exigência subjectiva de comportamento por parte do requerente em moldes que seja razoável supor encontrar-se o mesmo readaptado.
E, para além disso, tal como alega o Ministério Público recorrente é necessário averiguar, além do mais, o requisito adicional que a lei exige neste tipo de situações, designadamente, importa aferir se se encontram preenchidos os requisitos exigidos pelo art. 4.º, n.º 3, da referida Lei n.º 113/2009, ou seja, é necessário que seja fundadamente de esperar que o titular conduzirá a sua vida sem voltar a cometer crimes da mesma espécie, sendo sensivelmente diminuto o perigo para a segurança e bem-estar de menores que poderia decorrer do exercício da profissão, emprego, função ou atividade a exercer.
Nesse particular, o tema dissidente prende-se, por conseguinte, com a possibilidade de contacto do requerente com menores no âmbito da actividade de segurança em estabelecimentos comerciais.
E o certo é que, compulsadas as conclusões ínsitas na perícia de carácter psiquiátrico realizada com vista a aferir a reabilitação do requerente (realizada com a intervenção de três especialistas), lê-se: “O examinado nega os factos de que é acusado e tende a legitimar os seus comportamentos, referindo desconhecer o conteúdo das imagens que descarregava e enviava. Da mesma forma, nega preferências ou interesses sexuais pedófilos. Contudo, o diagnóstico de preferências ou interesses sexuais pedófilos é clínico e difícil de efetuar, não existindo instrumentos ou meios que nos permitam objetivar a sua existência. Assim sendo, neste caso, não é possível afirmar a sua presença, mas também não é possível excluí-la. Salienta-se, porém, que o examinando desvaloriza a gravidade de atos ou práticas sexuais contra menores de idades compreendidas entre os 16 e os 17 anos de idade, explicando que as personagens de algumas fotografias são, para si, mulheres, independentemente da sua idade adolescente”.
E remata que “De acordo com a avaliação efetuada, é de admitir que os comportamentos que lhe são imputados (pesquisa, visualização, armazenamento e partilha de conteúdos pornográficos infantis) e os aspetos previamente referidos na discussão (legitimação e minimização dos comportamentos de ofensa e provável dificuldade no estabelecimento de relacionamentos íntimos com pessoas adultas do sexo feminino), podem constituir fatores de risco para a reincidência em atos semelhantes no futuro.
Atendendo ao que foi previamente exposto é aconselhável a integração profissional num contexto que não implique contacto direto com menores. (destacado nosso)
Contudo, na decisão em escrutínio ponderou o tribunal recorrido que, não obstante, o quadro desfavorável traçado na perícia, na situação em apreço ainda era possível fazer um juízo favorável a no que à reabilitação do requerente diz respeito, baseada em duas ordens de razões, as quais atenuam ou se sobrepõem a tal contexto:
Por um lado, entende o tribunal recorrido que a referenciada actividade não envolve um contacto directo e permanente com menores porque a maioria dos clientes que frequentam os ditos espaços são adultos, sendo que quando se fazem acompanhar dos filhos, estes limitam-se a passar pelos vigilantes, sem se possa vislumbrar qualquer risco para os menores, mesmo que seja o caso de estes se deslocarem desacompanhados de maiores, acrescendo que se trata de espaços normalmente sujeitos a um sistema de vigilância por câmaras de vídeo.
Por outra via, exercendo o requerente funções há cerca de 15 anos na área da segurança/vigilância privada em espaços comerciais, e não havendo notícia que tenha em algum momento tido comportamentos violadores da autodeterminação sexual, sequer os factos pelos quais foi condenado têm a ver com a atividade laboral desenvolvida, as conclusões da perícia não obstam a um juízo favorável, pelo qual o tribunal a quo enveredou.
O recorrente (Ministério Publico), por seu turno, contrapõe que essa concreta actividade implica o contacto, directo ou indirecto, com pessoas de todas as idades, incluindo, como é obvio, com menores.
Enfatizando que de acordo com a perícia realizada, o requerente, além de negar os factos pelos quais foi condenado e legitimar os seus comportamentos, desvaloriza a gravidade de atos ou práticas sexuais contra menores de idades compreendidas entre os 16 e os 17 anos de idade, explicando que as personagens de algumas fotografias são, para si, mulheres, independentemente da sua idade adolescente.
E chama à colação o texto da Convenção do Conselho da Europa para a Protecção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais, designadamente no art. 5.º: - Recrutamento, formação e sensibilização das pessoas que trabalham em contacto com crianças
1. Cada Parte toma as necessárias medidas legislativas ou outras para sensibilizar as pessoas que contactam regularmente com crianças nos sectores da educação, saúde, protecção social, justiça e manutenção da ordem, bem como nos sectores relacionados com as actividades desportivas, culturais e de lazer, para a protecção e os direitos das crianças.
2….
3. Cada Parte toma as necessárias medidas legislativas ou outras, em conformidade com o seu direito interno, para que as condições de acesso às profissões cujo exercício implique, de forma habitual, contactos com crianças permitam garantir que os candidatos a tais profissões não foram anteriormente condenados por actos de exploração sexual ou abusos sexuais de crianças.”, a que a citada Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro deu cumprimento.
Considerando o que se deixa exposto, não obstante se antever que o contacto regular com menores possa ocorrer residualmente, todavia esse contacto afigura-se real, e tão pouco a decisão recorrida o nega, apenas frisa que dificilmente haverá risco para os menores dado que estes maioritariamente se farão acompanhar por maiores, havendo ademais câmaras de vigilância.
Para além disso, e mais flagrante quanto a nós, razão pela qual não perfilhamos do entendimento adoptado na decisão recorrida, é a atitude ou postura do requerente evidenciada na perícia psiquiátrica, o qual, além de negar os factos pelos quais foi condenado e legitimar os seus comportamentos, desvaloriza a gravidade de atos ou práticas sexuais contra menores de idades compreendidas entre os 16 e os 17 anos de idade, não podendo por isso concluir que o aquele se tem comportado de forma que é razoável supor encontrar-se readaptado, o mesmo é dizer reabilitado.
Donde, existindo factores de risco de reincidência, os mesmos desde logo impedem o cancelamento provisório do registo criminal para o fim pretendido.
E nem se diga que se está a minimizar a capacidade de ressocialização que a lei almeja para todos os condenados posto que não distingue crimes nem sanções, já que os motivos de defesa social se sobrepõem em razão da perigosidade do agente, e nessa decorrência o bem-estar dos menores está acima de todo e qualquer outro interesse.
Ora no presente caso, mediante indagação prévia e individualizada, não podia dar-se como comprovada a readaptação do condenado já que o parecer psiquiátrico - imprescindível no contexto em questão como supra se explanou - não é favorável e não foi nessa medida valorado à luz do disposto no art. 163º do Código de Processo Penal que preceitua “O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador” (n.º 1). “Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência” (n.º 2).
Mas como já se enfatizou, os argumentos adiantados pelo tribunal recorrido para fundamentar a divergência face ao juízo contido no sobredito parecer não colhem, posto que se o contacto com menores é possível na actividade em apreço, não podendo a sociedade ficar refém de um eventual sistema de videovigilância a funcionar em pleno para garantir a segurança daqueles, já o argumento de que os factos pelos quais foi o aqui requerente condenado nada terem que ver com a atividade laboral desenvolvida, é falacioso. Com efeito, in casu, os fatores de risco para a reincidência em atos semelhantes no futuro não estão arredados e é por demais evidente que estamos perante crimes frequentemente cometidos em função da oportunidade e do momento.
Acresce que o cancelamento provisório do registo criminal sempre permitiria que o requerente pudesse vir a exercer aquela actividade de segurança privada não apenas em estabelecimentos comerciais, mas em qualquer outro local, seja em estabelecimentos de ensino, desportivos ou quaisquer outros, onde pode ocorrer o contacto com menores, pois que que não contém a especificado o local onde vai ser exercida aquela actividade de segurança privada, como se resto chama a atenção o recorrente.
De todo o modo, não havendo evidência de que o requerente se encontra readaptado (art. 12º, al. b) da lei nº 37/200115 de 05/05) não se antevendo outrossim que que aquele conduzirá a sua vida sem voltar a cometer crimes da mesma espécie, sendo sensivelmente diminuto o perigo para a segurança e bem-estar de menores que poderia decorrer do exercício da profissão, emprego, função ou atividade a exercer - (cfr. n.º 4 do art. 4º, da Lei nº 113/2009, de 17/09), obviamente não poderia o tribunal recorrido ter deferido a sua pretensão.
Assim, não se mostrando reunidos todos os requisitos legais necessários ao deferimento da pretensão do requerente, revoga-se a decisão recorrida, e, em consequência determina-se a manutenção em vigor das inscrições constantes do certificado do registo criminal de AA.
Consequentemente, procede o recurso interposto pelo Ministério Público.
*
3. DECISÃO.
Em face do exposto, acordam os Juízes desta segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, em consequência revoga-se a decisão recorrida e, em consequência, determina-se a manutenção em vigor das inscrições constantes do certificado do registo criminal de AA.

Sem custas.

Notifique.

Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelo Meritíssimo Juíz Adjunto.

Porto, 29 de junho de 2022
Cláudia Rodrigues
João Pedro Pereira Cardoso