Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2253/20.9T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
PERICULUM IN MORA
DANO APRECIÁVEL
Nº do Documento: RP202007142253/20.9T8VNG.P1
Data do Acordão: 07/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: “I - O “dano apreciável” causado pela execução da deliberação – o “periculum in mora” do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais – tem que ser alegado e provado, não sendo a sua existência de presumir; porém, tal concreta prova pode/deve resultar da apreciação que o tribunal deve fazer da globalidade dos concretos factos que estão alegados/provados.
II - Sendo o “dano apreciável” a prevenir um dano futuro, tal acontece, só por si, pelos efeitos duma deliberação de exclusão de sócio, já que, quando alguém é excluído de sócio, não perde apenas e só a sua participação social, mas também tudo que isso significa e representa, em termos de efeitos jurídicos, estando o “dano apreciável” nos direitos sociais que se retiram ao sócio excluído, em ver-se afastado da vida da sociedade, não podendo participar e influir nas decisões, passando os restantes sócios a poder deliberar, da forma como bem entenderem, sobre o destino da sociedade.
III - Nestas situações, tendo sido alegada a exclusão do sócio (requerente do procedimento cautelar) e a irregularidade dessa deliberação social, deve considerar-se que essa alegação, a ser provada, pode conduzir à conclusão de serem significativos os prejuízos decorrentes da perda de qualidade de sócio, ou seja, que a alegação pode preencher o perigo do “dano apreciável”, tanto mais que, no caso concreto, o requerente continua alegadamente a assumir responsabilidades bancárias/cambiárias de montante significativos, apesar de ter deixado de poder controlar o destino e a gestão da sociedade/requerida em face da referida exclusão de sócio”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 2253/20.9T8VNG.P1
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Comarca do Porto - Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 5
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
I. RELATÓRIO.
Recorrente(s): - B…;
Recorrida: C…, Lda.;
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B… intentou procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais contra “C…, Lda.”, requerendo a suspensão da deliberação social tomada na assembleia geral de 2 de Março de 2020 e que determinou a sua exclusão como sócio da requerida.
Alegou, em síntese, que é sócio da requerida, padecendo a deliberação social que o excluiu dessa qualidade do vício da anulabilidade, uma vez que não foi precedida do fornecimento de elementos mínimos de informação, solicitados pelo requerente e recusados pela maioria dos sócios, bem como do vício da nulidade, já que os demais sócios e gerentes, ao deliberarem pela exclusão como sócio, agiram com abuso do direito, mantendo a vinculação do requerente como avalista da requerida e, ao mesmo tempo, expulsando-o como sócio por não realizar o capital social sem que as informações que solicitou lhe sejam prestadas, sendo certo que alguns deles desenvolvem actividade concorrencial à da requerida.
A execução da deliberação representa para o requerente dano apreciável. Alega o requerente, com a exclusão de sócio, perde o direito de requerer inquérito judicial, o direito a quinhoar nos lucros, de aceder aos elementos contabilísticos, de requerer instrução do processo crime por eventual não declaração de receitas, lavagem de dinheiro, etc., o direito de, após informação, permanecer como sócio, preenchendo o capital em numerário.
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Em sede de despacho liminar, o Tribunal Recorrido, após fundamentar a sua posição, proferiu a decisão:
“(…) Deste modo, pelos motivos expostos, é de indeferir liminarmente o presente procedimento cautelar.
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Pelo exposto, indefiro liminarmente o presente procedimento cautelar.
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Valor da causa: 30.000,01 euros (arts. 296º, 303º, n.º 1, e 306º do Código de Processo Civil).
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Custas a cargo do requerente.
Notifique”.
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É na sequência desta decisão que o Recorrente veio interpor Recurso, apresentando as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES:
…………………………………..
…………………………………..
…………………………………..
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O Requerido apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES:
………………………………….
………………………………….
………………………………….
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, o Recorrente coloca a seguinte questão que importa apreciar:
- Saber se o Tribunal Recorrido não podia ter indeferido liminarmente o presente procedimento cautelar, uma vez que, contrariamente ao defendido na decisão recorrida, alegou a factualidade subjacente ao requisito “dano apreciável” exigido pelo legislador no art. 380º do CPC.
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A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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Os factos relevantes para a apreciação e decisão do presente recurso são os que constam do relatório elaborado.
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B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
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Já se referiu qual a questão que o Recorrente enuncia.
No fundo, a única questão que se coloca é a de saber se se deve manter a decisão do Tribunal Recorrido que considerou que o Requerente/Recorrente não alegou a factualidade subjacente aos assinalados requisitos da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais que pretendia ver decretada.
Com efeito, o Tribunal Recorrido, depois de enunciar os requisitos de decretamento do procedimento cautelar requerido – em termos que se julga ser pacífico - concluiu que a presente providência está manifestamente destinada à improcedência (liminar), porque a factualidade alegada no requerimento inicial não permite preencher o requisito da existência de um “dano apreciável”.
Refere o Tribunal Recorrido que isso sucede porque:
“No caso em apreço, o requerente, no intuito de demonstrar a existência de um dano apreciável com a execução da deliberação, alega que, com a exclusão de sócio, perde o direito de requerer inquérito judicial, o direito a quinhoar nos lucros, de aceder aos elementos contabilísticos, de requerer instrução do processo crime por eventual não declaração de receitas, lavagem de dinheiro, etc., o direito de, após informação, permanecer como sócio, preenchendo o capital em numerário.
Ora, o dano apreciável não pode corresponder aos efeitos da própria deliberação social (cfr. arts. 21º, 241º e 242º do Código das Sociedades Comerciais).
O alegado não permite, pois, concluir pela real existência de um dano apreciável, cuja gravosidade não se compadeça com a delonga da acção declarativa, não se mostrando, assim, preenchido o requisito supra enunciado, ou seja, resultar da execução imediata da deliberação dano apreciável.
Nestes termos, atenta a natureza cumulativa dos requisitos exigidos para que seja decretada a presente providência, concluindo-se, desde já, face ao alegado, que nunca se verificaria o requisito supra enunciado – dano apreciável –, inexiste fundamento para o prosseguimento do procedimento cautelar”.
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Ora, sobre este requisito legal, o Recorrente insiste, no recurso que apresenta, que efectivamente alegou a factualidade subjacente ao seu preenchimento.
Vejamos, então, se assim é.
Dispõe o artigo 380º do CPC, no seu nº 1, que “se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável”.
O deferimento da providência cautelar de suspensão de deliberação social depende, portanto, da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a) O requerente tem que ser sócio da sociedade que a tomou;
b) A deliberação tem que ser contrária à lei ou ao pacto social; e
c) Há-de resultar da execução da deliberação dano apreciável.
O primeiro dos referidos requisitos é um pressuposto de legitimidade e o segundo satisfaz-se com um juízo de probabilidade e verosimilhança que é próprio das providências cautelares[1].
Porém, a alegação e prova do terceiro pressuposto – que é o que está aqui em causa - tem sido vista com maior exigência na doutrina e na jurisprudência, de molde a permitir a manutenção de um clima de equilíbrio no funcionamento da sociedade e no relacionamento dela com os sócios e daí o estatuído no nº 2 do artigo 381º, do CPC, ao permitir que o juiz deixe de suspender a deliberação social, ainda que ilegal ou contrária aos estatutos ou ao contrato se o prejuízo resultante da suspensão for superior ao que pode advir da respectiva execução.
Dúvidas, não existem de que a providência cautelar serve para obviar às consequências do periculum in mora, exigindo como requisito a alegação e prova de que resulte, antes da acção ser proposta ou na pendência dela, lesão grave ou dificilmente reparável ao direito do requerente.
O ónus da prova é do requerente (artigo 342.º, nº 1, do CC), e o zelo e cautela do seu direito pressupõe, desde logo, no requerimento da providência, a alegação de factos concretos reveladores do perigo de ocorrência de determinadas consequências danosas de relevo que se mostrem sérias e certas ou quase inevitáveis, muito fortemente prováveis[2].
Abrantes Geraldes[3] explica que a expressão “dano apreciável” é um conceito indeterminado carecido de densificação através de alegação e prova de factos dos quais se possa extrair que a execução da deliberação no seio da pessoa colectiva (ou dos seus sócios) acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante, mas sem ser uma situação de irrecuperabilidade ou de grave danosidade.
O legislador pretende, pois, compatibilizar os interesses do requerente e da sociedade ou associação, procurando uma menor interferência na vida da sociedade ou associação, procurando suspender deliberações quando apesar de feridas de alguns vícios atendíveis, os efeitos da suspensão sejam superiores aos da execução.
Assim, refere aquele autor que “o modo como está arquitectada a suspensão de deliberações sociais revela que o legislador pretendeu compatibilizar os interesses contrapostos do requerente e da sociedade requerida: aquele a exigir a suspensão da deliberação invocando o risco de ocorrência de dano apreciável; e esta a reclamar a menor interferência jurisdicional na sua actividade, de modo a evitar a suspensão de deliberações quando, apesar das feridas de alguns dos vícios atendíveis, os efeitos da suspensão sejam superiores aos da execução”.
Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa de 28.02.2008[4], “o dano apreciável é o dano significativo que pode resultar da execução da deliberação social ilegal, que a própria providência visa esconjurar reconhecendo o periculum in mora na obtenção de uma decisão através da acção judicial de oposição a uma determinada deliberação”.
Exige-se, portanto, um juízo de forte probabilidade de dano iminente, bem como da medida e extensão do mesmo, que permitam tomá-lo por considerável, não sendo suficiente a alegação de mera possibilidade de prejuízo cujo volume não possa aquilatar-se[5].
“O dano patrimonial ou não, de sócio(s) e/ou da sociedade, é apreciável quando significativo (não insignificante). Não tem de ser julgado irreparável para que a suspensão seja decretada. Mas, porque o dano apreciável aqui relevante é o que pode resultar da demora do processo principal, há-de ser dificilmente reparável sem a suspensão. Se a tutela conferida pela acção principal (procedente) é suficiente para a reparação dos danos, não há razões para decretar a suspensão de deliberação”[6].
Neste âmbito, importa, pois, que não se olvide o que nos parece ser aqui de considerar da maior importância: enquanto a providência em causa visa apenas evitar o dano resultante da deliberação tomada, quando imputável à demora na resolução do litígio, a acção de anulação ou declaração de nulidade (a acção principal de que aquela é dependente), é que se destina, verdadeiramente, a apreciar da própria legalidade do acto. Não pode, portanto, entender-se a providência como uma mera antecipação provisória da sentença de anulação[7].
“A lei criou um expediente que, em regra, precede esta acção (de anulação ou de declaração da nulidade) e que permite uma apreciação tão rápida quanto possível da eventual desconformidade da deliberação social. Esse expediente – que pretende assegurar um conteúdo útil e imediato e relevante à impugnação a propor – é um procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais e contra-se regulado no CPC, nos arts. 380º a 382º, tendo como finalidade paralisar com celeridade a deliberação social viciada, de modo a evitar que seja concretizada a deliberação social (inválida) que se pretende impugnar e a assegurar que num futuro próximo não se vão perdurar ou alicerçar na mesma outras deliberações, com natural e óbvio prejuízo para a própria sociedade”[8].
Neste contexto, a simples aparência de invalidade da deliberação social deverá ser tida como suficiente ao decretamento da suspensão dos efeitos dessa deliberação se o dano necessário estiver devidamente configurado.
Feitos estes considerandos gerais, e sendo cumulativos, como acima se assinalou, os supra-referidos requisitos da suspensão da deliberação social, resultantes do artigo 380º, nº 1 do CPC, vejamos, então, se, no concreto, foi ou não alegado o “dano apreciável”, já que não vêm questionados os dois outros requisitos.
Ora, se compulsarmos o teor do requerimento inicial apresentado pelo Requerente/Recorrente verifica-se que, nesta sede, o apelante alegou, em síntese, a seguinte factualidade:
“(…)
83º
Dano apreciável
Da execução desta deliberação para o aqui sócio representa dano apreciável que por esta providência se pretende evitar.
84º
Em primeiro lugar, com a exclusão do sócio, o requerente perde o direito de requerer por inquérito judicial (artigo 67º do C.S.C.) a apresentação das contas e do relatório de gestão relativas a todos os exercícios anteriores à sua exclusão, os exercícios de 2017,
2018 e 2019, porque já não detém a qualidade de sócio.
85º
Perde o direito a quinhoar nos lucros, relativamente a tais exercícios, se eventualmente se provar que eles ocorreram.
86º
Perde o direito de aceder aos elementos contabilísticos da sociedade, de requerer instrução do processo crime por eventual não declaração de receitas, lavagem de dinheiro, etc.
87º
Perde o direito de, após informação, permanecer como sócio, preenchendo o respectivo capital em numerário.
88º
E o requerente é avalista de avultado empréstimo à sociedade efectuada por uma entidade bancária.
89º
A sua exclusão não foi acompanhada, com a liberação do seu aval, pelo que permanece solidariamente vinculado ao pagamento deste mútuo bancário.
90º
E, constitui, consequentemente um abuso de direito, vincular o requerente, por incumprimento do mútuo bancário, de mais de 70.000.00 euros, e expulsá-lo da sociedade por só pagar os 3.333.33 euros, se as informações e prestação de contas requeridas lhe forem prestadas.
91º
Os titulares do direito à exclusão, não respeitando os deveres acima elencados para com o requerente, manifestamente excedem os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (artigo 334º do C.C.).
92º
À sociedade, o sócio credor das informações exigidas, não interessa como sócio, mas, como avalista solidário, único com bens prediais susceptíveis de responderem pela dívida, já interessa que permaneça vinculado.
93º
E o perigo do incumprimento, é tanto maior, quanto dos autos resulta que o local onde o restaurante e o objecto social se situa, é objecto de um contrato de arrendamento que tem o seu termo em Agosto de 2022, cerca de 2 anos e meio para liquidar o empréstimo mutuado, além de outros não avalisados e que tomam a sociedade em risco falimentar.
94º
Ora, se a sociedade em 3 exercício consecutivos não conseguiu pagar o empréstimo mutuado, é previsível que em 2 anos e meio não gere capacidade de ganho suficiente para liquidar este mútuo bancário, agora acrescido de outros.
95º
Ocorre ainda, que os gerentes desta sociedade, D…, E…, F…, desenvolvem actividade concorrencial, quer em nome próprio - o F… - quer por conta alheia - os dois primeiros.
96º
Porque
O F… arrendou o estabelecimento comercial para restaurante poucos metros abaixo do local onde a requerida tem o seu estabelecimento, também, de restaurante e cedeu a exploração deste espaço à sociedade “C1… Lda.”, de que os dois primeiros são sócios gerentes. (doc. 18)
97º
Nos termos do artigo 254º do C.S.C., os gerentes não podem, sem consentimento dos sócios, exercer, por conta própria ou alheia, actividade concorrente com a sociedade.
98º
Obviamente que esta seria actividade concorrencial prejudica a requerida, o que possibilita ao aqui requerente reclamar a destituição dos gerentes da requerida bem como o de indemnizar a sociedade pelos prejuízos que esta sofra.
99º
Mas
Se a deliberação aqui ajuizada não for suspensa, o requerente porque perdeu a qualidade de sócio, não pode defender a sociedade requerida da ilegal concorrência desenvolvida pelos sócios (…).
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Ora, ponderadas estas alegações fácticas, julga-se que os factos alegados são suficientes para que, a partir deles, se possa perspectivar, como provável, a existência de um dano apreciável para o Requerente/sócio excluído – caso obviamente os factos alegados venham a ser provados.
Na verdade, como decorrerá do que se irá expor de seguida, não podemos acompanhar a decisão recorrida quanto conclui que o Requerente não alegou a factualidade subjacente ao preenchimento deste requisito legal.
Como já dissemos, no caso concreto, o requerente teria que alegar uma causa de pedir complexa consubstanciada pelos requisitos legais cumulativos já atrás mencionados.
Ou seja, a causa de pedir do pedido de suspensão de deliberação social formulado pelo Requerente consubstancia-se na alegação da sua qualidade de sócio (entretanto excluído), pela alegação das razões da invalidade da deliberação social e pela alegação dos factos de onde resulte o perigo de ocorrência de dano apreciável provavelmente decorrente da futura execução da deliberação.
Nesta sequência, não há duvidas que o “dano apreciável”, enquanto elemento da causa de pedir, tem que ser alegado em concreto - e logrado ser provado -, não sendo a sua existência de presumir.
Como decorre do exposto, o “dano apreciável” a prevenir é um dano futuro, porém, importa atender que não raras vezes as deliberações sociais que se pretendem pôr em causa produzem efeitos duradouros, persistentes e prolongados.
É justamente o que sucede com o caso dos efeitos da deliberação de exclusão de sócio imposta ao requerente, já que tal deliberação tem como consequência a perda dessa qualidade de sócio, sendo-lhe retirada a titularidade da participação social, enquanto conjunto unitário de direitos e deveres inerentes àquela sua participação social.
Ora, importa atender a que, “…só por si, mantendo-se tal perda durante o lapso de tempo que leva a ser tomada uma decisão definitiva, evidencia um prejuízo significativo, de importância relevante, longe dos danos irrisórios ou insignificantes.
Não divergimos, pois, da requerida, quando a mesma sustenta que “o dano que serve de fundamento à medida cautelar tem de transcender e destacar-se do valor da quota”, porém, é essa “transcendência” que em boa verdade sempre ocorre quando se exclui alguém de sócio, ou seja, quando alguém é excluído de sócio, não perde apenas e só a quota.
Do ponto de vista cautelar, isto é, circunscrevendo-nos apenas ao dano que decorre da natural demora da decisão definitiva, a perda da quota e do valor da quota até será o dano menos “significante”, na medida em que a decisão definitiva poderá reconstituir a titularidade da quota.
A questão – o “dano apreciável” que cautelarmente merece tutela – está no que significa e representa, em termos de efeitos jurídicos, o simples facto de alguém deixar de ser proprietário duma participação social; o “dano apreciável” está nos direitos sociais que se retiram ao sócio excluído (está na extinção da relação jurídica que liga permanentemente o sócio à sociedade).
Está, concretizando, na perda da qualidade de sócia da requerente, em ver-se afastada da vida da sociedade, não podendo participar e influir nas decisões (designadamente, não podendo opor-se à entrada de novos sócios), passando os restantes sócios da requerida a poder deliberar, da forma como bem entenderem, sobre o destino da sociedade”[9].
Como decorre de todo o exposto, o “dano apreciável” é um dano futuro e sobre o futuro é sempre difícil fazer previsões.
Mas a verdade é que decorre da globalidade dos factos alegados – e que atrás transcrevemos - que se pode/deve extrair que é muito séria e forte a probabilidade de serem significativos os prejuízos decorrentes da perda de qualidade de sócio do requerente, principalmente, no caso concreto, porque o requerente, tendo ficado totalmente afastado da participação na vida da sociedade, continua alegadamente a assumir responsabilidades bancárias/cambiárias de montante significativos, apesar de ter deixado de poder controlar o destino e a gestão da sociedade/requerida em face da referida exclusão – situação que aliás, como vimos, só por si constitui, como refere o citado acórdão da RC, uma situação susceptível de preencher o conceito “dano apreciável” na medida que a retirada dos direitos sociais ao sócio excluído, implica o seu afastamento da vida da sociedade, não podendo participar e influir nas decisões, passando os restantes sócios a poder deliberar, da forma como bem entenderem, sobre o destino da sociedade.
Verifica-se assim que foram alegados todos os requisitos da providência cautelar de suspensão de deliberação social no início referidos.
De qualquer forma, mesmo que assim não fosse, nunca seria caso de indeferimento liminar, pois que não se pode enquadrar o presente caso numa situação em que o requisito “dano apreciável” não tenha sido alegado, mas sim de um caso em que estaríamos perante uma alegação insuficiente, que não permitiria uma decisão no sentido da ineptidão da petição inicial (mas antes à formulação de um convite ao aperfeiçoamento da petição inicial).
Como é sabido, o despacho convite ao aperfeiçoamento é uma decisão que constitui um remédio destinado aos casos em que os factos alegados pelo autor ou pelo réu (os que integram a causa de pedir e os que fundam as excepções) são insuficientes ou não se apresentam suficientemente concretizados.
Assim, o que “… no primeiro caso, está em causa (é) a falta de elementos de facto necessários à completude da causa de pedir ou duma excepção, por não terem sido alegados todos os que permitem a subsunção na previsão da norma jurídica expressa ou implicitamente invocada. No segundo caso, estão em causa afirmações feitas, relativamente a algum ou alguns desses elementos de facto, de modo conclusivo (abstracto ou jurídico) ou equívoco”[10].
Nesta conformidade, mesmo que se entendesse que as alegações do Requerente padeceriam dessa insuficiência, sempre a consequência que deveria ser retirada era a de que o requerente deveria ter sido convidado a concretizar o “dano apreciável” que teria alegado em termos genéricos[11] – o que, como já referimos, julgamos não ocorrer.
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Em suma, tendo em consideração a factualidade alegada, julga-se que se poderá efectivamente considerar que o Requerente alegou a matéria de facto correspondente ao preenchimento do requisito da existência de dano apreciável, podendo esse preenchimento ser discutido através da prova que certamente irá ser produzida por ambas as partes.
Nesta conformidade, face ao exposto, a decisão recorrida não se pode manter, já que não estamos perante um caso em que se justifique o indeferimento liminar da petição inicial.
Impõe-se, pois, nesta sequência que seja ordenado o prosseguimento dos autos, com ponderação da oposição entretanto deduzida pela recorrida.
Procede o recurso.
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Sumário (elaborado pelo Relator- art.º 663º, nº 7 do CPC):
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III - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o Recurso, com a consequência de se revogar a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
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Custas pela recorrida (art. 527º do CPC).
Notifique.
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Porto, 14 de Julho de 2020
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
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[1] Cfr. acórdãos da RP de 1.4.1993 e do STJ de 19.1.1994 e de 24.10.1994, in Dgsi.pt.
[2] Cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.5.2000 e da Relação de Lisboa de 28.02.2008, in Dgsi.pt.
[3] In “Temas do processo civil”, Vol. IV, págs. 96 e 97. No mesmo sentido, v. “CPC anotado”, Vol. I (A. Geraldes, Luís P. Sousa, Paulo Pimenta), págs. 450/1.
[4] Disponível in Dgsi.pt.
[5] Como escreve Lobo Xavier, in Revista de Direito e Estudos Sociais, XXII, pág. 215 “não é toda e qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação, ou a sua execução, em si mesmas comportem, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora no processo de anulação. Não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos de concessão de providência à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença naquela acção preferida”. No mesmo sentido, v. Marco Gonçalves, in “Providências cautelares” (e-book), notas 903 e 904.
[6] In “Cód. Sociedades Comerciais em comentário”, Vol. I, págs. 698 e 699 (anotação de J. M. Coutinho de Abreu).
[7] Cfr. Palma Carlos, in Revista dos Tribunais, 62/212 e Vasco Xavier Rev. Dir. Est. Sociais, pág. 268.
[8] Paulo Olavo da Cunha, in “Impugnação de deliberações sociais”, pág. 204.
[9] Neste sentido, entre outros, v. o ac. da RC de 2.4.2019 (relator: Barateiro Martins), in Dgsi.pt.
[10] Lebre de Freitas, in “A Acção Declarativa Comum”, pág. 144;
[11] V. neste sentido, Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in “CPC anotado”, Vol. I, pág. 112 que em comentário ao ac. da RC de 21.6.2011 (relator: Carlos Moreira) defendeu que “… alegados, como no caso havia acontecido, os factos (essenciais) dos quais resultaria a nulidade (anulabilidade) da deliberação, a causa de pedir estava identificada, embora não completa, pelo que o vício não era de ineptidão da petição inicial e o despacho de aperfeiçoamento, ao menos à luz do novo código, impunha-se”.