Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
812/17.6T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCNDA CABRAL
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
CONTRATO DE COFRE-FORTE
Nº do Documento: RP20190604812/17.6T8PNF.P1
Data do Acordão: 06/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 897, FLS 23-50)
Área Temática: .
Sumário: I - O contrato de cofre-forte (artigo 4º, nº1, p) do RGICSF) e é, de um modo geral, um negócio que combina elementos dos negócios de depósito e de locação, concretizando-se pelas obrigações da distinção bancária em ceder o uso do cofre garantido da sua inviolabilidade e preservação da integridade dos bens ou valores aí guardados.
II – Nestes contratos é ineficaz a cláusula de não indemnização aí inserta, em virtude da mesma ser excludente de obrigação essencial do contrato, que é de guardar o local dos cofres e implicitamente o seu conteúdo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 812/17.6T8PNF.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
B… e mulher C… vieram propor contra D…, NIPC ………, a presente acção de processo comum, pedindo seja que a ré seja condenada a: pagar-lhes a quantia de €203.400, a título de danos patrimoniais e a quantia de €10.000, a cada um dos AA., a título de danos não patrimoniais.
Para tanto, alegaram, em síntese, que tinham um conjunto de bens guardados num cofre situado na sede da D…, no …, em … e que, em virtude de negligência da D… e dos seus representantes, o cofre que haviam locado foi objecto de um furto, tendo desaparecido tal conjunto de bens, o que lhes causou danos patrimoniais correspondentes ao valor dos bens e danos não patrimoniais, melhor caracterizados na petição inicial respectiva.

Contestou a ré, concluindo pela improcedência da acção, posto que o furto efectivamente ocorrido se não deveu a qualquer negligência da ré, antes a acto de terceiros, os AA do furto, altamente especializados, em termos de a respectiva actuação não ser evitável pela ré, que cumpriu todos os deveres contratuais de guarda e diligência que se lhe impunham. Sempre com os mais elevados padrões de segurança aplicáveis a este tipo de actividade. Na verdade, não foi por culpa (aqui se incluindo a negligência) da D… que o assalto se verificou e que os criminosos conseguiram efectuar o assalto. Como não foi por culpa (nem mesmo negligência) dos seus administradores, muito menos do que acorreu ao local nessa noite, que o assalto se efectuou; uma vez que, perante a dimensão dos meios empregues pelos assaltantes, a preparação que demonstraram, o grau de conhecimento dos níveis de segurança existentes e o seu profissionalismo, nada poderia, em termos razoáveis, fazer a D…, mesmo tendo em conta elevados padrões de segurança que aplicou e aplica. Cabendo à ré a obrigação de garantir a integridade exterior do cofre, o que fez, por meio do emprego das mais modernas técnicas de segurança. Sempre a não responsabilidade da ré nestas situações se encontra expressamente prevista no contrato – e disso os AA. tinham e têm perfeito conhecimento, que dispõe que “…a perda ou deterioração desses objectos serão sempre da responsabilidade do CLIENTE…”.
Mais impugna estarem em causa os bens cujo valor vem reclamado pela A., por desconhecimento. Finalmente, aduz a ré D… que tinha contratado com a sociedade comercial E…, SA um contrato de prestação de serviços de segurança e vigilância. Donde, acaso se tivesse verificado, no âmbito da factualidade em apreço, um qualquer incumprimento das obrigações contratuais da D… no âmbito da segurança e vigilância – que não houve – e acaso tal incumprimento decorresse de qualquer actuação abrangida pelo mencionado contrato de prestação de serviços, sendo a D… condenada a indemnizar os AA., teria a D… direito de regresso contra a mencionada E… para ser indemnizada pelos prejuízos que, nesse caso, lhe causaria a perda da demanda. Donde a justificação do interesse em que a E… intervenha no processo, como auxiliar na defesa.

Admitida a intervenção acessória, como pedida, veio a interveniente aduzir o cumprimento por si da totalidade das obrigações contratualmente assumidas e requerer a intervenção, por seu turno, da companhia de Seguros F…, para a qual tinha transferida a respectiva responsabilidade por eventos como o em apreço. Foi ainda admitida a intervenção acessória da F…, que apresentou nos autos articulado basicamente coincidente com o da respectiva segurada, pugnando pela não verificação de qualquer evento coberto pelo contrato convocado.

Teve lugar a audiência prévia, na qual, aferindo-se pela positiva a totalidade dos pressupostos processuais, foi proposto e logrado, nos termos que da acta respectiva melhor emergem, o acordo das partes quanto a matéria ainda controvertida nos autos, findos os articulados, e relativa ao modo de execução/consumação do furto em apreço. Mais se seleccionaram os temas da prova.
Teve lugar a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal.

Foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenou-se a ré D… a satisfazer aos autores a quantia global de 82.412,39 EUR (oitenta e dois mil, quatrocentos e doze euros e trinta e nove cêntimos) e absolveu-se a mesma do mais peticionado.

D… interpôs recurso, concluindo:
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II – Fundamentação de facto.
O tribunal recorrido considerou:
Factos provados.
A) Os Autores casaram em 19 de Junho de 1993, na Capela …, da paróquia de …, concelho de Penafiel, sem convenção nupcial, pelo que o seu regime de casamento é o da comunhão de adquiridos. (doc. 1 junto com a PI)
B) A Ré - doravante designada por D… -, é uma cooperativa de crédito agrícola de responsabilidade limitada (doc. 2 junto com a PI)
C) O objecto social da Ré consiste no exercício de funções de crédito a agrícola a favor dos seus associados, e a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária nos termos da legislação aplicável e, ainda, o exercício da actividade de agente da D1…, conforme resulta da certidão em anexo. (doc. 2)
D) Na prossecução do seu objecto, a Ré tem diversas dependências ou agências bancárias dispersas por toda a região do …, a principal delas sita no …, em …, onde, de resto, tem instalada a sua sede social.
E) No dia 24 de Fevereiro de 2005, AA. e R., celebraram, por escrito um contrato denominado de “Contrato de locação de Cofre Forte”, junto como doc. 3 com a PI, cujo teor se dá por integralmente por reproduzido.
F) Nos termos desse contrato, os AA. eram designados por “CLIENTES” e a Ré por “D2…”. (doc. 3)
G) Nesse contrato, as partes convencionaram, entre o demais, o seguinte: “1 - A D2… coloca à disposição dos CLIENTES um cofre forte, para nele serem colocados objectos em segurança (sublinhado nosso). 2 – A perda ou deterioração desses objectos serão sempre da responsabilidade dos CLIENTES, pelo que a D2… apenas se responsabiliza pela segurança dos mesmos” – Vidé cláusula 1ª.
H) Na cláusula 2ª., o cofre a utilizar pelos CLIENTES, aqui AA., tinha o número 257, com o volume de 22 dm3 e encontrava-se no Balcão de …, sito no …, ou seja, na sede da Ré.
I) Na cláusula 3ª. ficou estipulado que os CLIENTES, pela utilização do cofre pagariam à D2…, aqui Ré, o valor anual de €40 (quarenta euros), acrescido de Iva à taxa em vigor, por débito em conta.
J) – Na cláusula 4ª., alínea c) ficou estipulado que era obrigação dos CLIENTES o pagamento do preço anual e suas renovações;
K) Entre outros, constituíam deveres da D2…: 1. Entregar aos CLIENTES a única chave de funcionamento do cofre, e/ou dar-lhe as instruções para introduzir o segredo respectivo. 2. Não utilizar o cofre. 3. Garantir a integridade exterior do cofre.– (Cláusula 5ª)
L) De acordo com a cláusula 7ª. a D2… ficou detentora de uma chave mestra, destinada exclusivamente a controlar a abertura e fecho do cofre.
M) O contrato foi celebrado pelo prazo de um ano, considerando-se automaticamente prorrogado por iguais períodos, nas mesmas condições, no caso de não ser denunciado no seu termo. – Cláusula 11ª.
N) Na noite de 17 de Novembro, Sábado, para 18 de Novembro, Domingo, de 2012, o estabelecimento bancário explorado pela D… no …, em …, foi assaltado.
O) Nessa noite, uma ou mais pessoas penetraram indevidamente no interior desse estabelecimento bancário, tendo danificado paredes, bens, equipamentos de vigilância e alarme, arrombado a zona de acesso ao cofre-forte, e danificado cofres de aluguer e retirado haveres.
P) Os autores do assalto introduziram-se ilegitimamente na G…, cujo edifício confina com o da D…, aí tendo permanecido escondidos com intenção de furtar a D….
Q) Os assaltantes, após várias tentativas infrutíferas, abriram, com a ajuda de instrumentos específicos, do género de martelos pneumáticos e rebarbadoras, uma passagem na parede do edifício-sede da D… confinante com a da aludida G….
R) Após terem conseguido penetrar no estabelecimento bancário explorado pela D…, os indivíduos em causa desactivaram os alarmes que encontraram, tendo aliás desactivado também a caixa de gravação da videovigilância,
S) Após tudo isto, os assaltantes desceram pelas escadas que permitem o acesso à zona do cofre-forte geral blindado da D… (dentro da qual se situavam os cofres de aluguer), sita na cave do edifício.
T) De novo munidos daqueles instrumentos do género de martelos pneumáticos, os criminosos abriram nova passagem através de uma parede reforçada em betão armado com cerca de 50-60 cm de espessura, do cofre-forte geral da D….
U) Após terem conseguido abrir a referida passagem, os indivíduos em apreço procederam ao arrombamento dos vários cofres de aluguer utilizados por clientes da D….
V) Tal furto foi objecto de investigação criminal, tendo sido proferido despacho de arquivamento no âmbito do processo n.º 989!12.7GBPNF que correu termos na 2.ª Secção do DIAP do Tribunal da Comarca do Porto.
W) A D… tinha contratado com a sociedade comercial E…, SA (de ora em diante, "E…"), com sede na …, n.º …, ….-… Lisboa, um contrato de prestação de serviços de segurança e vigilância, cujos termos são os que constam do documento junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
X) À data em apreço nos autos, a sociedade E…, S.A. tinha validamente contratado com a Interveniente Seguradora um contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil Exploração na modalidade Diversos de Exploração titulado pela apólice n.º ........... (vide Acta Adicional n.º 1 das Condições Particulares da apólice, com data efeito de 28.06.2012, e Informação Pré-contratual/Condições Gerais da Apólice de Responsabilidade Civil Geral, juntos como documentos n.ºs 1 e 2 com a contestação da Interveniente F… e aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os legais efeitos);
Y) A referida apólice garantia a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana da tomadora do seguro em diversos locais de risco, de entre os quais aquele onde ocorreram os factos em causa, pelos danos causados a terceiros até ao montante de €1.250.000,00, decorrentes do exercício de segurança privada, nos termos da legislação em vigor, entendendo-se como tal a actividade que tem por objecto o exercício, exclusivo, dos serviços abaixo mencionados: «Vigilância de bens móveis e imóveis e o controlo de entrada, presença e saída de pessoas, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou susceptíveis actos de violência no interior de edificios ou locais de acesso vedado ou condicionado ao público, designadamente estabelecimentos, certames, espectáculos e convenções, conforme definido na alínea a) do nº 1 do Art° 2° do DL 35/2004 de 21 de Fevereiro; Exploração e gestão de centrais de recepção e monitorização de alarmes, nos termos da alínea c) do art° 2° do DL 35/2004 de 21 de Fevereiro» (vide documento n.º 1 acima identificado, págs. 2 e 3 de 5); Z) Mostrando-se aplicável a este contrato de seguro, in casu, uma franquia contratual a cargo do segurado de «10% no mínimo de 500,00 Eur. por sinistro no máximo de 5.000,00 Eur.» (vide Condições Particulares da apólice acima indicadas como documento n.º 1 - Franquia,
AA) No dia 18 em apreço nos autos, entre as 3hl8m e as 3h20m, na central de alarmes da interveniente E… e com referência às instalações da Ré verificou-se o accionamento dos alarmes de intrusão instalados nas instalações da Ré, sendo-o o detector quebra de vidros entrada frente piso O (zona 5) e da Tamper sirene (zona 32).
BB) Na sequência, a empresa encarregue da colocação, funcionamento e gestão do alarme (a empresa E...), comunicou esse facto à GNR, que se deslocou ao local.
CC) O funcionário da E… tentou entrar em contacto com o funcionário do banco em primeiro lugar da lista de contactos, o senhor H…, por mais do que uma vez, frustrando-se o contacto, o que sucedeu em escassos minutos.
DD) Por esse motivo, entrou em contacto com o Administrador I…, o qual se dirigiu às instalações da R.
EE) Aí chegado, o mesmo efectuou uma vistoria exterior, informando a empresa de Alarmes que estava tudo bem, pelas 04h17m.
FF) Depois de aquele se deslocar às instalações da Ré, para verificar o que se passava, comunicou à Central de Alarmes a informar que se encontrava tudo normal.
GG) A Central de alarmes respondeu que já tinha conhecimento desse facto através da Guarda Nacional Republicana (GNR), que esta também fora informada pela referida Central de alarmes.
HH) O referido I… não era, na ocasião em que se deslocou às instalações da Ré e realizou a vistoria referida na alínea EE), portador de chave das portas das instalações da Ré.
II) Pelas 04h03m os funcionários da E… contactaram telefonicamente a GNR de Penafiel, tendo-lhes sido comunicado que a patrulha daquela força policial se havia deslocado ao local, não tendo detectado, por vistoria ao exterior, qualquer indício de situação anormal.
JJ) Entre as 4h21m15s e as 4h2lm21s, na central de alarmes da interveniente E… e com referência às instalações da Ré verificou-se o accionamento dos alarmes de intrusão instalados nas instalações da Ré, sendo-o pela 2a vez e em três sítios/locais diferentes: detector Porta Emergência Lateral Piso O (Zona 62), detector Hall w.c. Piso O (Zona 60) e Detector Gabinete Fundo Piso O (Zona 64).
KK) Às 4h22, o referido I…, recebe nova chamada da Central de Alarmes (segunda), a dar conhecimento daqueles disparos de alarmes de intrusão naquelas zonas do banco.
LL) O Senhor I…, mais uma vez, desloca-se ao local e, sem entrar dentro das instalações da R. e sem chamar as forças policiais, fez/realizou nova inspecção exterior às instalações.
MM) Às 4h28, aquele mesmo I…, contactou a Central de Alarmes a informar que pela parte exterior se encontrava tudo normal, dando nota da verificação da porta de emergência das instalações.
NN) Cerca das 6h15m verificou-se na central de alarmes uma falha de teste de linha, com relação às instalações da Ré, anomalia que significa uma falha de comunicação do sistema.
00) Às 6h27, o mesmo I… recebeu nova chamada da Central de Alarmes a informar "falha de (teste de) linha", o qual, desta vez, não se deslocou ao local para ver a causa do problema.
PP) Às 9 horas da manhã a R. e a empresa responsável estabelecem contactos no sentido da última enviar um técnico no sentido de averiguar as alegadas avarias no alarme do banco.
QQ) Pelas 11 horas os funcionários da R. vistoriaram o interior do banco e detectaram a existência do furto.
RR) Aquando da sua deslocação ao local o Administrador da Ré não se fez acompanhar das chaves das instalações, das quais, de resto, não dispunha. SS) O Administrador da Ré não contactou ou sequer se cruzou com a GNR. TT) Os cofres de aluguer encontravam-se dentro do cofre-forte geral da D…. UU) Este cofre-forte estava protegido por uma porta blindada, com cerca de 50 cm de espessura.
VV) As paredes laterais do cofre-forte eram feitas em betão armado e tinham igualmente uma espessura de cerca de 50 cm.
WW) Fora do cofre-forte geral da D…, todo o estabelecimento era dotado de portas de segurança.
XX) Todo o estabelecimento estava coberto por um sistema de segurança, incluindo alarme.
YY) O alarme estava ligado à central da empresa de segurança E…, SA ("E…"), empresa especializada neste tipo de serviços, que prestava à D… os serviços de segurança e vigilância, através de um sistema de tecnologia bidireccional, que permitia a comunicação, em tempo real, entre a central de detecção instalada na D… e a central receptora de alarmes da E…, permitindo ao operador da Central da E… controlar remotamente o sistema instalado.
ZZ) Estava estabelecido com a E… um plano de actuação em caso de verificação de qualquer evento suspeito.
AAA) Plano esse que, para além do mais, determinava o contacto, em caso de sinistro, quer com elementos da D…, quer com as autoridades policiais. BBB) De resto, a D… havia informado as autoridade policiais - Guarda Nacional Republicana - por carta datada de 22.02.2006 - de que, a partir dessa data, os alarmes protectores do estabelecimento em apreço passaram a estar ligados àquela empresa de segurança que, em caso de qualquer urgência, contactaria o posto da GNR mais próximo do mesmo (Posto de Penafiel), por forma a permitir a mais rápida e eficiente actuação das autoridades policiais. CCC) As autoridades policiais foram avisadas do evento pela E…, sendo que a GNR esteve presente no local nesse momento e inspeccionou o local e concluiu pela inexistência de qualquer suspeita de assalto.
DDD) Os Autores, à data de 17/18 de Novembro de 2012, tinham colocado no cofre contratado com a Ré: - três barras de ouro de ao menos 0,5 Kg, cada uma, cujo valor, à data do assalto, ascendia a € 66.871,50; - uma colecção de moedas de ouro – “As mais pequenas moedas de ouro do Mundo”, no valor de ao menos €1.160,89; - Diversos objectos em ouro: 1 cordão, vários (6) colares ou fios; 3 pulseiras, 3 medalhas, 3 crucifixos, dois pares de brincos, quatro anéis e dois jogos de botões de punho, no valor global de pelo menos € 4.380 EUR;
EEE) Nas circunstâncias de tempo, lugar e modo já assentes, o cofre forte que os AA haviam locado à Ré foi arrombado, tendo a pessoa ou pessoas que cometeram tal assalto, retirado e levado a totalidade dos bens e todos os valores que lá se encontravam guardados.
FFF) Aquando da verificação/vistoria já assentes em EE), II) e LL), as pessoas ali referidas verificaram o interior das instalações da D…, na parte em que este é visionável do exterior.
GGG) Após a inspecção realizada, o Guarda n.º ……. J… e Guarda n.º……. K…, entenderam não ser necessário, por exemplo, que fosse montado um cerco ao estabelecimento, para evitar a fuga de quem quer que fosse.
HHH) E concluíram, igualmente, nada justificar a chamada de reforços policiais. III) E concluíram, também, nada justificar que a área do estabelecimento fosse isolada.
JJJ) Na sequência da sua inspecção, a GNR não solicitou a qualquer elemento da D… a disponibilização da chave do estabelecimento.
LLL) Com o furto dos bens sofreram os AA. tristeza e mágoa.
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III – Do mérito do recurso
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São estes os factos:
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Sobre tal matéria temos a ponderar o seguinte.
Como se diz na fundamentação da sentença “as declarações do Autor marido em audiência foram basicamente conformes ao teor da participação às autoridades, de fls. 18 verso e ss.”
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B. Enquadramento jurídico.
Sustenta a recorrente que não se verificou nenhum incumprimento contratual da sua parte. Tomou todas as medidas ao seu alcance para que o furto fosse evitado, nomeadamente dotando o seu estabelecimento de estruturas de segurança, e assegurando os meios idóneos a que, no caso de actos abusivos de terceiros, as autoridades fossem de imediato avisadas através de um sistema de segurança altamente especializado, que os assaltantes não conseguiram contornar e o Tribunal a quo reconheceu, aliás, que o assalto se traduziu numa operação de “natureza altamente especializada”, com “reduzida existência estatística”, tendo ocorrido a “escolha cirúrgica da data do crime”
Diz que da própria fundamentação da sentença resulta que o sistema de segurança instalado cumpria - já em 2012 - os requisitos legais que só mais tarde (em 2013) vieram a ser estabelecidos e o mesmo foi suficiente para detectar o evento.
Conclui que o juízo feito pelas autoridades e a sua decisão de não intervenção, e de alheamento da situação, não lhe pode ser imputado e que não consta da matéria provada factualidade que permita concluir que um qualquer outro sistema de alarme poderia ter evitado o assalto.
Ponderemos.
O Supremo Tribunal de Justiça, no recente acórdão de 08-03-2018, Proc. 351/14.7TBPNF.P1.S1, in www.dgsi.pt, pronunciou-se precisamente sobre a responsabilidade da recorrente no caso que nos ocupa – o assalto ocorrido em 18/11/2012 às suas instalações.
A situação, no âmbito jurídico, é totalmente idêntica à que neste processo se prefigura.
Nesse aresto se consignou o seguinte:
“O Recorrente alicerçou a sua pretensão indemnizatória no incumprimento do contrato celebrado com a Recorrida que as instâncias qualificaram convergentemente como aluguer de cofre-forte, qualificação que não foi questionada e que se aceita como adequada.
Este tipo contratual do universo da actividade bancária (“safe deposit boxes”, “Schankfach”, “cofre-fort”, “cassete di sicureza”, “caja de seguridad”), permitido pelo artigo 4º, n.º 1, alínea o) do RGICSF, combina elementos do depósito e da locação e, na essência, caracteriza-se pelas obrigações da instituição bancária de ceder o uso do cofre e garantir a sua inviolabilidade e preservação da integridade dos bens ou valores lá guardados, mediante remuneração pelo cliente.
A este é entregue o código de abertura e uma chave do cofre, situado em compartimento de elevadas condições de segurança, com portas blindadas, cujo acesso é registado e só é possível realizar, com um empregado bancário, detentor de uma chave de passagem (chiave di passo), que, de seguida, abandona a sala, onde fica o cliente para colocar ou retirar os bens ou valores, pelo que só ele (e mais ninguém), sabe o que lá coloca e de lá retira.
Não há, assim, uma verdadeira entrega de bens ou valores à instituição bancária, nem sequer o empregado bancário procede a qualquer conferência. A colocação e retirada de bens e valores do cofre passa unicamente pelo cliente, sendo o seu conteúdo totalmente desconhecido da instituição bancária.
Tendo em conta estas particularidades do contrato, é «unanimemente reconhecido que existe uma presunção de responsabilidade da entidade bancária relativamente ao desaparecimento ou deterioração dos bens e valores depositados, sendo aquela responsável pelos danos causados, a não ser que prove que o evento danoso se ficou a dever a caso fortuito ou de força maior e que agiu com a diligência profissional que lhe era exigível, mas o cliente, por seu turno, tem o ónus da prova do conteúdo do cofre, para efeitos de determinação do dano ressarcível».
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Na verdade, o cliente que utiliza o serviço de locação de um cofre bancário tem como objetivo colocar em segurança os bens ou valores que ali deseja colocar e a entidade bancária, ao oferecer esse serviço, assume um dever de vigilância e custódia, portanto, uma obrigação de resultado e, nessa medida, é da sua responsabilidade a subtração fraudulenta do conteúdo do cofre que mantém sob a sua guarda. Trata-se de risco profissional decorrente da sua actividade comercial da qual obtém lucros, pelo que lhe cabe também, de outra parte, assumir os riscos a ela inerentes, o chamado risco-proveito ou risco do empreendimento.
Acresce que, tratando-se de responsabilidade contratual, a culpa da entidade bancária, no caso a Recorrida, presume-se (artigo 799º, n.º 1, do Cód. Civil), presunção que, saliente-se, não foi afastada, como menos acertadamente entendeu a 2ª instância em divergência com a 1ª, com os disparos dos alarmes e a presença da GNR no local ou sequer por o assalto ter sido levada a efeito por verdadeiros profissionais do furto.
Com efeito, a Recorrida confrontada com os sucessivos disparos dos alarmes não deveria satisfazer-se com o mero registo destes e comunicação à GNR que realizou, tão só, inspecção exterior às instalações bancárias, quando pela persistência daqueles disparos, a denotar que algo de estranho e intrusivo se estava a passar no interior, se impunha que outras medidas de segurança fossem tomadas (e não foram), em ordem a salvaguardar os bens e valores que ali se encontravam depositados pelos clientes, confiantes de que a mesma os manteria em segurança. Aliás, foi justamente o serviço de segurança que a Recorrida como entidade bancária ofereceu que despertou no Recorrente e noutros clientes a contratação, entre outros, do serviço de aluguer de cofre-forte e, incumprindo esse contrato, caber-lhe-ia, em princípio, indemnizar aquele, se acaso estivesse comprovada a existência de dano (artigos 798º, 562º, 563º e 564º, n.º 1, do Cód. Civil).”
Argumenta finalmente a recorrente que foi completamente ignorado pelo Tribunal a quo que as partes haviam contratualmente acordado que a apelante D… não era responsável pelos valores que o cliente guardasse no cofre, dos quais aliás não tinha, nem teria conhecimento, conforme resulta da fundamentação da sentença (e facto provado G); que erra o Tribunal ao dizer que estávamos perante “contratos pré-redigidos, a que o cliente se limita a aderir” pois nada disso consta da matéria provada e que ao invocar que tal cláusula contratual seria nula viola o disposto no artigo 3º, nº 3 do CPC, uma vez que essa questão de Direito não foi objecto de pronúncia entre as partes.
Apuremos.
É preciso dizer, desde logo, que a sentença recorrida abordou de uma forma exaustiva a figura contratual em apreciação nos autos e que todos estes questionamentos da recorrente encontram resposta na proficiente fundamentação jurídica ali desenvolvida.
Para se não cair numa fastidiosa teorização do tema, faremos uma sucinta enunciação do explicitado apenas para responder às questões que a recorrente agora suscita.
O contrato de cofre-forte está previsto no artigo 4º, nº1, p) do RGICSF (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) e é, de um modo geral, um negócio que combina elementos dos negócios de depósito e de locação, que não está sujeito a forma especial, e cujo conteúdo se caracteriza essencialmente pelas obrigações de o banco ceder o uso do cofre alugado e garantir a sua inviolabilidade, mediante remuneração pelo cliente.
Há aqui uma obrigação referente à concessão da utilização do cofre (prestação locatícia) e uma obrigação relacionada com vigilância devida (prestação de custódia), no sentido de que o banco deve não só assegurar a vigilância necessária para evitar que sujeitos diferentes do utente possam aceder ao cofre, mas também responder pela sua integridade.
A qualificação contratual sempre foi um tema de eleição da doutrina, nomeadamente a delimitação dos contratos visto que a lei civil consagra o princípio da autonomia privada que atribui aos contraentes o poder de fixarem, em termos vinculativos, a disciplina que mais convém à sua relação jurídica. (artigo 405º do C. civil).
Por outro lado, sabe-se que a realidade é sempre muito mais rica do que letra de qualquer preceito que o legislador prescreva e a imaginação humana é inesgostável, variando sempre com o quadro dominante num determinado momento histórico.
Como não podia deixar de ser a configuração jurídica deste negócio tem sido controvertida, sendo variadas as denominações avançadas: locação, depósito, contrato misto ou contrato sui generis.
O que importa, porém, é perceber a realidade económica e social que traduz, identificar os elementos relevantes do acordo de vontades e procurar o respectivo respaldo jurídico.
E a realidade é que o banco se obrigou a colocar à disposição dos clientes um local (cofre) e a garantir a integridade deste, apresentando esta obrigação de custódia um carácter principal ou não acessório. O banco obriga-se a garantir a inviolabilidade do cofre e, reflexa ou indirectamente, o conteúdo do mesmo.
O cliente não se limita à obtenção do aluguer de uma caixa onde pretende depositar os bens que deseja guardar porque, sobretudo, exige do banco, a custódia e a protecção dessa mesma caixa. O banco obriga-se a uma determinada actividade de vigilância, a qual não representa um mero elemento secundário. Estes elementos heterogéneos inculcam uma duplicidade de causas.
O C. Civil Português não inclui expressamente a "causa" entre os requisitos do contrato.
Esta noção de "causa" foi primeiramente acolhida através da concepção subjectivista francesa, como reveladora da posição das partes ao contratar, passando depois pela recepção objectivista germânica, como função económico-social determinante ao sancionamento da vontade das partes pelo Direito.
A causa, como função do negócio, distingue-se da declaração e exprime a força dinâmica do acto, uma força que, embora gerando-se nele, se desenvolve e se realiza em momento posterior, acabando por adquirir vitalidade autónoma e valor objectivo no mundo das relações sociais.
Funcionalmente o Direito pretende estabilizar e assegurar expectativas na vertente social.
Convenhamos que aquilo que as pessoas buscam é a protecção e a segurança excepcionais dos valores depositados nos cofres, protecção e segurança que esperam sejam correspondidas pelo serviço prestado.
Patentemente se reconhece que a mera exploração de serviços de natureza bancária com a finalidade lucrativa traz em si o dever anexo de segurança.
Por isso, tem de se alcançar que existe no contrato de depósito uma cláusula de segurança, que constitui a sua essência, o seu objecto específico.
O banco, ao celebrá-lo, actua como profissional da segurança, isto é, vende segurança, assumindo, portanto, uma obrigação de resultado, próxima ao risco integral. De outro modo, estaria desconfigurado o próprio contrato na sua finalidade precípua.
Desta constatação resulta a ineficácia de uma cláusula de não indemnização eventualmente inserta no contrato porque excludente de obrigação essencial do contrato, qual seja, a de guardar o local dos cofres e implicitamente o seu conteúdo.
Ocorrida a ilícita subtracção dos objectos que estavam depositados no cofre, quer em razão de furto com arrombamento, quer em razão de assalto, não tem o cliente que fazer qualquer prova da culpa do banco
Existe até uma orientação que leva ao extremo a presunção de responsabilidade configurando-a como uma responsabilidade objectiva, ou seja, não é apenas de culpa pelo inadimplemento da principal obrigação do contrato - o dever de segurança -, presunção, essa, que não pode ser afastada nem pelo caso fortuito ou de força maior.
A própria ocorrência do furto ou do assalto, por si só, evidencia ter falhado o esquema de segurança e vigilância prestado profissionalmente.
Não é possível invocar o facto exclusivo de terceiro como excludente da responsabilidade - por exemplo, o assalto -, porque esse risco é assumido pelo banco como elemento essencial do contrato. Ao conceder o cofre em locação, o banco assume, quer queira ou não, o risco profissional; como todo profissional, ele responde pela falha, omissão ou mau funcionamento do serviço que se propôs; caso contrário, o próprio negócio em si ficaria juridicamente sem sentido.
Nesta base se apreciou na sentença a cláusula contratualmente acordada em que a apelante D… não era responsável pelos valores que o cliente guardasse no cofre.
E fez-se a destrinça doutrinária entre uma cláusula de não indemnização tout court e aquilo a que se chamam cláusulas limitativas de responsabilidade a determinados bens (ou com exclusão de determinados bens) ou a determinados montantes. Estas cláusulas serão completamente válidas desde que conhecidas e queridas pelas partes.
Mas ainda na consideração de que a presunção de responsabilidade se restringe a uma presunção de culpa, discorreu-se na sentença o entendimento de que houve falta de alegação e, consequente, falta de prova, pela ré, a quem cabia, da suficiência e proficiência do sistema de segurança.
Perante a disponibilidade técnica de outros sistemas de vigilância menos atreitos a “falhas” ou “sinais equívocos”, mormente os de visualização permanente, a ré, ciente de ter à respectiva guarda bens relevantes e valiosos de clientes, estava obrigada a instalar e manter um sistema de vigilância que desde logo e sem margem para dúvidas tivesse permitido a detecção da entrada de “estranhos”, quando menos no cofre-forte, ao invés da opção presuntivamente mais barata de um sistema de alarme de intrusão por sinalização, que, ao fim e ao cabo, tem um grau de imprecisão e falibilidade tal (como a Ré mesma não deixou de insistir na prova respectiva em audiência) que, basicamente, “não serve para nada”! Se o sistema em causa pode oferecer “garantias” de operatividade e eficiência no caso de agências que não disponibilizem o serviço convocado nos autos, temos para nós que não cumpre os deveres de diligência imprescindíveis nos casos em que à guarda da instituição se encontram bens de terceiros. É que o “mínimo exigível” será a instalação de um sistema de vigilância/segurança que permita a detecção efectiva de intrusão (mormente como a que está em causa) … Ora, o instalado (por escolha, naturalmente, da Ré), como se infere da matéria assente, não o permitia/possibilitava, como não possibilitou. Donde, se está perante a responsabilidade contratual da instituição financeira imprudente ou não diligente, por não ter cumprido, em consonância com os ditames da boa fé (art. 762.º, n.º 2 do CC), os deveres de diligência, protecção e de guarda dos cofres e dos legítimos interesses dos seus clientes.”
Cumpre, pois, rematar que, verdadeiramente, não deixou de se apreciar qualquer questão relevante e muito menos se conheceu de matéria que não estivesse amplamente debatida pelas partes nos presentes autos.

Recurso subordinado
Os autores vieram interpor recurso subordinado, nos termos dos números 1 e 2 do artigo 633º do C.P.Civil, da parte da sentença que desconsiderou a actuação negligente e culposa do representante da apelada, I… apenas para o caso de vingar a tese da apelante e soçobrarem os fundamentos da sentença.
Ora julgado que foi o recurso principal em consonância com aquilo que foi decidido na sentença não há que conhecer do recurso subordinado, interposto a título subsidiário, como se disse.
Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 4 de Junho de 2019
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues
Maria Cecília Agante