Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
810/07.8TBETR.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE SEABRA
Descritores: DOMÍNIO PÚBLICO MARÍTIMO
DESAFECTAÇÃO
PRAIAS
PROPRIEDADE PRIVADA
MUNICÍPIO
DOCUMENTOS
LEI 54/2005
TITULARIDADE DE RECUSOS HÍDRICOS
Nº do Documento: RP20221024810/07.8TBETR.P2
Data do Acordão: 10/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Pretendendo obter o reconhecimento da propriedade, por título legítimo, sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, o interessado apenas pode fazer a prova de tais factos por documentos que comprovem que tais terrenos eram por título legítimo objecto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 ou antes de 22 de Março de 1868, se se tratar de arribas alcantiladas - artigo 15º, n.º 2, da Lei n.º 54/2005 de 15.11, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 78/2013 de 21.11, Lei n.º 34/2014 de 19.06 e, por último, pela Lei n.º 31/2016 de 23.08.
II - Na falta de documentos susceptíveis de comprovar a propriedade nos termos do n.º 2, tem o interessado que demonstrar, por qualquer meio de prova (salvo a confissão), que, antes das datas ali referidas, os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa - artigo 15º, n.º 3, da citada Lei.
III - Demonstrando-se que a parcela de terreno em causa era administrada por uma Câmara Municipal e que esta, na qualidade de possuidora e arrogada proprietária da mesma parcela, a dava, enquanto senhoria, em aforamento a determinados particulares (foreiros) mediante o pagamento de um foro anual, mostra-se excluída a prova da posse particular e em nome próprio do foreiro (que possuía em nome alheio, a senhoria) e, ainda, a posse ou fruição comum dessa parcela de terreno por um conjunto de pessoas residentes em determinada circunscrição administrativa e para efeitos de aplicação do citado n.º 3 do artigo 15º.
IV - A aplicação da previsão do n.º 4 do artigo 15º da citada Lei n.º 54/2005 supõe sempre que o interessado alegue e demonstre que os documentos que lhe permitiriam provar a propriedade privada sobre o terreno em causa em data anterior a 1864 se tornaram ilegíveis ou foram destruídos por incêndio (ou fenómeno equivalente) que atingiu a conservatória ou o registo onde os mesmos estariam arquivados.
V - São de afastar as exigências de prova previstas nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 15º, da citada Lei n.º 54/2005, quando a parcela de terreno em causa tenha sido, através de disposição legal, desafectada do domínio público, nos termos da alínea a), do artigo 15º, da mesma Lei, pois que, verificada essa hipótese, essa parcela presume-se particular.
VI - Todavia, a dita desafectação (expressa ou tácita) tem, à luz do preceituado no artigo 19º da mesma Lei n.º 54/2005, que decorrer de previsão legal, não sendo passível de ser levada a cabo por decisão administrativa ou, por maioria de razão, por meio de contrato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 810/07.8TBETR.P2 - Apelação
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Aveiro – J1

Relator: Jorge Miguel Seabra.
1º Adjunto: Juiz Desembargador Dr.ª Maria de Fátima Andrade
2º Adjunto: Juíza Desembargadora Dr.ª Eugénia Cunha
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Sumário (elaborado pelo Relator):
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto,

I. RELATÓRIO:
1. Município da Murtosa, com sede no Edifício dos Paços do Concelho, ..., ..., intentou a presente acção popular contra AA, casado, residente na Quinta ..., ..., Viseu, e contra BB, divorciado, residente na Av. ..., Estarreja, pedindo:
a) a condenação dos RR. a absterem-se de praticar qualquer ato na praia do ..., em toda a zona assinalada a amarelo na planta junta como documento n.º 1 com a petição da providência cautelar apensa aos presentes autos, nomeadamente impeditivo do acesso e fruição da mesma por qualquer cidadão, nela colocando quaisquer objectos, vedando-a, impedindo a sua manutenção e arranjo pela A., realizando qualquer ato que desvirtue a utilização da mesma como praia pública e de livre acesso;
b) que seja reconhecido que a zona identificada a amarelo na planta junta como documento n.º 1 com a petição da referida providência cautelar é domínio público;
c) para a hipótese de assim se não entender, sempre deveria tal zona ser considerada como sujeita a uma servidão de uso público como praia, podendo qualquer cidadão por aí circular livremente, utilizá-la como praia, aí permanecendo, aceder à ria, não podendo aí exercer quaisquer atos que impeçam ou alterem a sua função de praia;
d) que os RR. sejam condenados, solidariamente, a pagar ao A. a quantia de €26.227,88, a que devem acrescer juros à taxa legal contados desde a citação e até integral pagamento, respeitando €1.277,88 ao montante despendido pelo A. para limpeza da praia, e €25.000,00 a título de danos morais, pela lesão ao ambiente e qualidade de vida e pela lesão do património natural e cultural, que o A. destinará exclusivamente a acções de promoção de defesa do ambiente e de lazer da população.
Articula, para o efeito, que, na freguesia ..., concelho da Murtosa, existe, desde tempos imemoriais, uma praia de areia na Beira-Ria (Ria de Aveiro) denominada de ..., junto à Casa dos Marinheiros.
Tal praia estende-se de sul para norte, iniciando-se a sul do local onde até há cerca de 15 ou mais anos esteve um bar de praia instalado num barco de pesca de arte xávega e vai até um armazém (antigo armazém da aviação naval) que existe junto à Ria para recolha de barcos e, antigamente, há mais de 40 anos, para apoio aos hidroaviões da aviação nacional, tendo a extensão e localização assinalada com a cor amarela na planta junta a folhas 7 do procedimento cautelar apenso.
Em frente à Praia e a separá-la da EN nº ..., no espaço compreendido entre o seu início, a sul, e sensivelmente a Casa dos Marinheiros, a norte, a Câmara Municipal ... construiu há mais de 30 anos um passeio em cimento com uma largura de 2,75 metros e, ao lado desse passeio, ainda existe uma berma, em terra batida, com cerca de três metros de largura que é utilizada para estacionamento de automóveis.
Desde tempos imemoriais que, nesse espaço, as pessoas armam barracas de praia, colocam guarda-sóis, estendem toalhas, deitam-se na areia, jogam, brincam e vão tomar banho na Ria, usam o passeio para passear e, ao sair da praia, para se sentarem e limparem a areia dos pés, tudo isto sem impedimento de qualquer pessoa e aos olhos de todos, na plena convicção de estarem a exercer um direito, convictos que estão num local público, sendo o acesso permitido à generalidade das pessoas.
A praia, na zona em que existe o passeio, estende-se desde a Ria até ao passeio, sendo que, todos os anos, durante a época balnear, o Município da Murtosa coloca, na praia, areia branca, procede à limpeza da praia, coloca caixotes de lixo e faz a respectiva recolha.
No dia 22/05/2007 a Câmara Municipal ... transportou 400 m3 de areia da praia oceânica para a Praia ....
Quando, no dia 23/05/2007, os seus funcionários se aprestavam para espalhar a areia na praia, foram impedidos pelos RR., tendo, ainda, no dia 24/05/2007, com o auxílio de uma máquina, arrancado os lancis dos passeios e espalhado os mesmos pela praia. Mais, ainda, no dia 26/05/2007, espalharam pela praia ramos de acácias, outra vegetação e detritos.
Os Réus serão donos de um terreno de grande extensão aí situado, mas do lado oposto da EN ..., ou seja, a poente desta, pretendendo construir em tal terreno, tendo apresentado, na Câmara Municipal, um pedido para o efeito, pedido que ainda não lhe foi deferido. Assim, procurando pressionar a Câmara, desencadearam as aludidas acções, aparecendo agora a intitularem-se donos da dita praia.

2. Os Réus, na sua contestação, excepcionaram: a) a ilegitimidade do Réu AA, por este estar desacompanhado do seu cônjuge CC; b) a ilegitimidade do A., por este, com a presente acção, não pretender defender o domínio público marítimo, mas reivindicar uma parte de uma propriedade privada para os seus munícipes.
Mais, ainda, impugnaram a factualidade alegada pelo A., defendendo que o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob o nº ..., de que são proprietários, se estende, a nascente da EN nº ..., até à Beira-Ria (salvaguardada a zona de 11 metros do domínio hídrico) e a norte abrange também, para além de uma parte assinalada no mapa a amarelo, todo o terreno onde se encontra edificada a casa ..., desde a Beira-Ria até à EN nº ..., em espaço assinalado na aludida planta a branco e a verde.
Por outro lado, ainda, invocaram que esse seu imóvel fazia parte outrora dos baldios municipais que se estendiam por toda a costa da ..., entre a Ria e o Mar, desde Ovar a ... (artigo 43º da contestação), que esses «baldios» já antes de 1864 estavam na fruição conjunta das populações radicadas na circunscrição administrativa correspondente ao então concelho de Estarreja (artigo 44º da mesma peça), que, desses «baldios», no uso dos poderes que a CM de Estarreja detinha, foram desaforadas (isto é, transmitidas), em 1926, várias parcelas situadas na costa da ..., nelas se incluindo, a pedido de DD (representado por EE) um terreno «baldio» de que fazia parte o aludido prédio dos RR., terreno que veio assim, por aquele meio, a pertencer ao dito DD.
Posteriormente, por óbito deste último e dos seus herdeiros (FF e GG) veio o dito terreno a caber aos seus respectivos herdeiros, herdeiros esses que vieram, posteriormente, em 1968, a vender o prédio ora em causa ao aqui Réu AA, o qual, por sua vez, vendeu, em 1972, metade indivisa do mesmo imóvel ao seu irmão e também Réu BB.
Dito de outra forma, através de tal alegação, visaram os Réus demonstrar, para efeitos do preceituado no artigo 15º da Lei n.º 54/2005 de 15.11. (Lei que estabelece a titularidade dos recursos hídricos), que o prédio de que se arrogam proprietários por mor da aquisição em 1968 e 1972 era, antes de 1864, objecto de propriedade comum e que passou a integrar, desde 1926, o domínio privado, situação em que se manteve desde essa data e até hoje por força das sucessivas transmissões antes descritas.
E, assim, nesse contexto, alegaram, ainda, que há mais de 30 anos que ocupam esse imóvel com a implantação e delimitação referida, usufruindo deles à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, cultivando-os com árvores de folha perene, cortando e utilizando a sua madeira, pagando os seus impostos, na convicção de serem seus proprietários.
Por outro lado, ainda, invocaram que todos os imóveis que confrontam com o areal do ... têm como limite a nascente a Beira-Ria, apenas tendo sido divididos em duas parcelas pela construção da EN nº ... em 1955.
Em razão do comportamento da A. viram-se obrigados a interromper os trabalhos de limpeza que andavam a executar no seu prédio a nascente da EN ... e impedidos de utilizar a totalidade do seu prédio desde a decisão proferida a 06/07/2007 na providência cautelar, o que os faz sentir humilhados e envergonhados com a desconsideração perpetrada pela actuação do Autor.
Nestes termos, pugnaram pela improcedência da acção, deduzindo reconvenção, na qual pedem a final:
a) a condenação do A./Reconvindo a pagar aos RR./Reconvintes, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados, importância não inferior a €10.000,00 e, ainda, os danos patrimoniais cujo montante relegam para execução de sentença;
b) que lhes seja reconhecido o seu direito de propriedade plena sobre a totalidade do prédio situado na zona do ..., ..., ..., do concelho da Murtosa, descrito na Conservatória do Registo Predial da Murtosa sob o nº ... (...) e inscrito na matriz da freguesia ..., ... sob os nºs. ..., ..., ... e ....
Peticionaram, ainda, a condenação do A., como litigante de má-fé, em indemnização no valor de € 5.000,00.

3. O A., na sua réplica, respondeu à matéria de excepção, pugnando pela sua improcedência, tendo, ainda, impugnado parcialmente a factualidade alegada pelos RR.
Terminou pela improcedência das excepções e da reconvenção deduzida.

4. Os Réus, na tréplica, mantiveram o alegado na sua contestação.

5. Nesta sequência, foi o Autor convidado a deduzir incidente de intervenção provocada relativamente a CC, incidente que veio a ser deduzido e admitido.

6. A Interveniente CC veio contestar, mantendo, no essencial, a posição já antes adoptada no processo pelos demais RR.
Termina pedindo a condenação do Autor como litigante de má-fé, em multa e numa indemnização a pagar à Interveniente, para além da pedida pelos Réus, em importância não inferior a €5.000,00.

7. Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade da A. e dos Réus, procedendo à fixação dos factos assentes e controvertidos, que foram objecto de reclamações das partes, ambas indeferidas.

8. Procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção, assim condenando os RR. e a Interveniente a absterem-se de praticar qualquer ato, na praia do ..., por esta ser do domínio público, em toda a zona assinalada a amarelo na planta junta como documento n.º 1 na petição da providência cautelar apensa, que se dá por reproduzida para fazer parte desta sentença, nomeadamente impeditivo do acesso e fruição da mesma por qualquer cidadão, nela colocando quaisquer objectos, vedando-a, impedindo a sua manutenção e arranjo pelo A., realizando qualquer ato que desvirtue a utilização da mesma como praia pública e de livre acesso e, ainda, a pagarem aos A., Município da Murtosa, a quantia de € 1. 227, 88.

9. Inconformados, vieram os Réus e a Interveniente a interpor recurso, tendo este Tribunal da Relação decretado a anulação da sentença proferida e para efeitos de ampliação da matéria de facto (artigo 662º, n.º 2, alínea c), do novo CPC), como melhor consta do Acórdão desta Relação datado de 4.11.2019 e transitado em julgado.

10. Nesta sequência, foi realizado novo julgamento para os efeitos assinalados no referido Acórdão desta Relação, tendo vindo, a final, a ser proferida nova sentença que manteve a decisão já antes proferida e referida em 8 deste relatório.

11. De novo inconformados, vieram os Réus e Interveniente interpor recurso de apelação, recurso que foi admitido, nele oferecendo alegações e aduzindo, a final, as seguintes
CONCLUSÕES
1. Sem prejuízo desta nova sentença datada de 04/01/2021 fazer constar de uma única peça processual toda a argumentação de facto e de direito, a verdade é que a mesma não deixa de ser tributária da previa separação, não se verificando uma efectiva tentativa de compatibilização, designadamente no que diz respeito ao reconhecimento do trato sucessivo no que diz respeito à propriedade dos Réus e a relevância de tal realidade dada como provada.
2. O Tribunal a quo que considerou procedente a pretensão do Autor e improcedente a Reconvenção apresentada pelos RR, daí se apresentar o presente recurso – não por se pretender impedir que as pessoas venham a fazer praia nos terrenos dos RR, como o A. afirma, mas sim – para que reconhecida a propriedade dos RR, o Município actue em conformidade com a legalidade para aplicar os seus planos no terreno em questão.
3. A matéria de facto dada como provada nos pontos 11 a 26, 37 e 38 em função dos respectivos quesitos da base instrutória, não corresponde à efectiva matéria que podia ter sido considerada como provada.
4. Ainda que em parte os quesitos em que se basearam tais factos dados como provados pudessem ter sido dados como provados em função da prova testemunhal produzida – ainda que os Réus considerem que grande parte do afirmado pelas testemunhas indicadas pelo A. não corresponde à verdade – a factualidade a ser dada como provada devia-o ter sido em função da prova produzida e não com a extensão e amplitude em que foram dados como provados.
5. A resposta à matéria de facto quesitada não pode ser por aproximação ou biunívoca (provado, não provado), deve ser objectiva e em função da concreta prova produzida, podendo não se dar um facto totalmente como provado ou "provado apenas que....".
6. Não podiam ter sido dados como provados com base na prova testemunhal produzida e indicada na sentença os pontos 11., 12., 13. 14., 17., 19., 22., 23., 25. dados como provados.
7. Devendo ao invés tais pontos ter sido levados à matéria de facto não provada já que os mesmos, ao contrário do afirmado na sentença não se podem considerar provados em função dos depoimentos das testemunhas (HH, II, JJ, KK, LL) aí apresentadas como tendo sustentado a prova.
8. Resumidamente, não resulta desde logo do depoimento das testemunhas qualquer existência da praia desde tempos imemoriais com a configuração pretendida pelo A. e muito menos com a utilização sustentada pelo A..
9. Pelo contrário face à efectiva prova testemunhal produzida (tendo ainda em atenção os depoimentos das testemunhas MM e NN), à realidade constatada aquando da inspecção ao local e com as numerosas fotos juntas pelo próprio Autor com a providência cautelar (fotos a fls 24 a 29 – fotografias 1 a 9 juntas com o requerimento da Providência Cautelar) e com a Petição Inicial ( doc.s 1 e 2 - painel de azulejos no fontanário da Praça ... [referido no ponto 29 da factualidade da como provada]), as fotografias juntas em requerimentos dos RR de 02/07/2018 (nas quais se pode visualizar o local em 1955 [doc.s 1 e 2], em 2010 [doc.s 3 e 4] e em Maio de 2018 [doc.s 5 e 6]) é visível que a área da Praia é essencialmente em frente à casa de marinheiros e desta até ao barracão dos hidroaviões e que a mesma só foi utilizada como praia após a construção da EN ... entre 1955 e 1960 (cfr. doc. 2 junto com a Contestação (a fls 54 dos Autos, o que é assumido na própria sentença recorrida (cfr. Fls 21 da mesma).
10. Neste sentido, vide ainda fotografias (doc.s A, B e C juntos pelos RR com o seu requerimento de 17/09/2018).
11. Ora, a expressão tempos imemoriais tem um claro significado e relevância jurídica, tal como afirmado no Ac. STJ de 18.5.2006, proc. n.º 06B1468 (disponível em www.dgsi.pt):"A expressão tempo imemorial significa o tempo passado que já não consente a memória humana directa de factos, ou seja, quando os vivos já não conseguem percepcioná-los pelo recurso à sua própria memória ou ao relato da sua verificação pelos seus antecessores.".
12. Ora, é manifesto que no presente caso, não foi desde logo provada a existência desde tempos imemoriais da referida praia.
13. Pelo supra exposto e demonstrado, sem conceder caso não fossem dados como não provados, apenas poderiam ser dados como provados os referidos pontos nos seguintes termos (nos termos mais desenvolvidos no ponto II.A) destas alegações, paginas 18 a 52):
11 - Na freguesia ... existe, desde a construção da estrada nacional em 1955, uma praia de areia na Beira-Ria (Ria de Aveiro) denominada de ....
12 - Tal praia estende-se de sul para norte, iniciando-se a sul do local onde até há cerca de 15 ou mais anos esteve um bar de praia instalado num barco de pesca de arte xávega.
13 - E vai até um armazém (antigo armazém da aviação naval) que existe junto à Ria para recolha de barcos e, antigamente, há mais de 40 anos, para apoio aos hidroaviões da aviação nacional.
14 - O Areal tem desde a construção da estrada nacional a extensão e localização assinalada com a cor amarela na planta junta a folhas 7 do procedimento cautelar apenso.
(...)
17 - As pessoas mais velhas da freguesia sempre se recordam de ver aí a praia na época de verão com a referida configuração após a construção da estrada nacional.
(...)
19 – Após a construção da estada nacional que nesse espaço as pessoas armam barracas de praia, colocam guarda-sóis, estendem toalhas, deitam-se na areia, jogam, brincam e vão tomar banho na Ria, predominantemente no espaço em frente entre o denominado barracão dos hidroaviões e o espaço em frente à casa de marinheiros e na zona mais próxima da Ria.
(...)
22 - Na plena convicção de o poderem fazer.
23 - Convictos que ninguém os impedirá.
25 - O areal, na zona em que existe o passeio, estende-se desde a Ria até ao passeio.
14. Também não podiam ter sido dados como provados com base na prova testemunhal produzida e indicada na sentença os pontos 37 e 38 (quesitos 27 e 18).
15. Sendo certo que o Município A. não juntou qualquer autorização ou licença (designadamente da CCDR) para fazer tais alegadas descargas de areia, tratando-se de zona de REN, ZPE (zona de protecção especial da Ria de Aveiro), margem, e espaço natural definido como tal no PDM.
16. Note-se que o Município A., sendo uma entidade administrativa e estando sujeito ao princípio da legalidade, não podia desconhecer, que para efectuar quaisquer descargas de areia naquela zona carecia de autorização e da prévia existência de um plano (cfr. Designadamente o art. 69º do DL 226-A/2007). Porém nenhum documento foi junto aos autos que corroborasse uma qualquer autorização, pelo que tais alegadas descargas de areia por parte do Autor, a terem existido, sempre foram ilegais.
17. Devendo ao invés tais pontos ter sido levados à matéria de facto não provada já que os mesmos, ao contrário do afirmado na sentença não se podem considerar provados em função dos depoimentos das testemunhas (II, JJ, OO, PP) aí apresentadas como tendo sustentado a prova.
18. Resumidamente, resulta do afirmado pelas referidas testemunhas que os caixotes do lixo, eram afinal contentores junto à estrada e, quando lá existiu um bar, junto ao bar.
19. Sendo que a testemunha PP só há 3 ou 4 anos refere que já muito depois da providência cautelar em 2007, é que para ser atribuída a bandeira azul, e para cumprir com "obrigatoriedades" é que foram colocados recipientes para o lixo.
20. Pelo supra exposto e demonstrado, sem conceder, caso não fossem dados como não provados, apenas poderiam ser dados como provados os referidos pontos nos seguintes termos (nos termos mais desenvolvidos no ponto II.A) destas alegações, paginas 52 a 62):
37 – Em vários anos quando se acumulava muita areia branca por força do vento junto à marginal o Município da Murtosa colocava no areal junto à Ria tal areia.
38 – Previamente à instauração da providência cautelar e da presente acção, o Município da Murtosa colocava contentores de lixo junto ao passeio e estrada e fazia a recolha respetiva.
21. Também não podia ter sido dado como provado com base na prova documental e testemunhal indicada na sentença o ponto 43 já que a única testemunha indicada (QQ) não viu os alegados estragos, detritos e/ou vegetação nem acompanhou os alegados trabalhos, nem sabia quanto tempo demoraram ou deixaram de demorar pelo que se limitou a afirmar que os preços hora do camião e retroescavadora eram aceitáveis (não confirmou sequer o número de horas constante do documento foi o efectivamente necessário, ou sequer que esses equipamentos e mão de obra foi de facto utilizada).
22. Sendo que o documento a fls 28 (doc. 9 invocado no artigo 119 da PI que foi impugnado pelos RR no artigo 105º da Contestação) consiste numa folha A4 sem qualquer timbre com uma assinatura ilegível (sendo que nem sequer quem elaborou tal documento foi chamado a depor pelo Município Autor), onde sob a epigrafe "Avaliação dos custos da limpeza Praia ..." consta apenas um elenco – sem qualquer documento de suporte – de alegado aluguer de um camião (que a ter existindo tinha que ter um documento comprovativo, no mínimo uma factura, já que estamos a falar de uma entidade pública) e maquinas alegadamente utilizadas e numero de trabalhadores.
23. É claro que face ao ónus da prova que impendia sobre o Autor de fazer prova dos alegados montantes que teria despendido, e ao facto de não ter feito prova de que efectivamente despendeu tal quantia, deveria ter sido considerado como não provado o quesito 33, que foi dado como provado no ponto 43. da matéria de facto dada como provada (nos termos mais desenvolvidos no ponto II.A) destas alegações, paginas 62 a 65). Pelo que tal facto deve constar na matéria de facto dada como não provada.
24. Os factos não provados c) (quesito 34), d) (quesito 35), e) (quesito 36). F) (quesito 37), (quesito 40); J) (quesito 41), K) (quesito 42), deviam ter sido dados como provados tal como exposto no ponto II.B) destas Alegações (paginas 92 a 126).
25. Devendo, ao invés, tais pontos ter sido levados à matéria de facto provada já que os mesmos, ao contrário do afirmado na sentença não se podem considerar como não provados nos termos indicados no ponto II. B) destas alegações em função dos depoimentos das testemunhas (RR, OO, SS, NN e II) aí apresentadas como tendo sustentado a prova.
26. Tal como resulta da apreciação efectuada na sentença tais factos estão relacionados entre si, sendo que em função da factualidade dada como provada nos pontos 4, 6, 7, 8, 9 e 10, e 48 a 52 e numerosos documentos identificados resulta que o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob o nº ..., outrora fazia parte dos baldios municipais que se entendiam por toda a costa da ..., entre a Ria e o Mar, desde Ovar a ....
27. Tais baldios já anteriormente a 1864 estavam na fruição conjunta das populações radicadas na Circunscrição Administrativa que na altura era o Concelho de Estarreja (abrangendo toda a área do concelho da Murtosa que é de criação posterior), como se pode constatar de algumas actas das sessões camarárias (cfr. Docs.ns°. 10 e 11 junto com a contestação – vide fls 77 a 119 dos autos – que por se encontrarem manuscritas tendo e na sequência de notificação do tribunal para esse efeito foram transcritos para formato legível passado a computador, identificando o respectivo texto transcrito pelas folhas do processo para mais fácil comparação e verificação da transcrição efectuada a qual foi junta por requerimento de 05/09/2018 dos RR.).
28. Tinham as Câmaras Municipais a faculdade de alienar os terrenos baldios, faculdade essa que lhes provinha da legislação anterior e posterior a 1864 e que lhes concediam o poder de desamortização.
Tendo a Câmara Municipal de Estarreja aforando sucessivas parcelas desses terrenos baldios situados na costa da ....
29. O Tribunal a quo não considerou de forma minimamente adequada a numerosa documentação junta aos autos, nem tão pouco a prova testemunhal produzida relativamente a tais factos.
30. É assim no uso destes poderes que a Câmara Municipal do Concelho de Estarreja em suas reuniões de 27/10/1926 e 03/11/1926, a pedido do Sr. EE, como procurador de DD, concede a este o desaforamento de um Terreno que era baldio, como aliás o já era anteriormente a 1864, do qual faz parte o terreno dos RR (cfr. doc. n°. 12 junto com a contestação – documentos do processo de remissão de foros de DD – fls 121 a 140 cuja transcrição foi junta, nos termos supra referidos, em requerimento de 05/09/2018 dos RR.).
31. Dos referidos documentos resulta como absolutamente certo e inquestionável que o prédio/terreno, objecto da presente acção, é objecto de descrições sucessivas e documentadas na C.R.P. respectiva desde, pelo menos, 1935 (sob o artigo n.º 28.278 – cfr. Doc. 5 junto também com o referido requerimento de 07/04/2011), o qual, desde sempre, confinou – no seu todo – do lado Nascente com a ria e do Poente com as areias do mar, o que, aliás, está reconhecido pela sentença referida na al. b) supra.
32. Verificando-se a aquisição da propriedade plena de DD e demais factos dados como provados nos pontos 48 a 52 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo.
33. O prédio dos RR., fazia parte do descrito na Conservatória Predial da Comarca de Estarreja sob o nº. ..., a fls. 162 v. do Livro ... encontra-se registado na presente data, na Conservatória do Registo Predial da Murtosa, freguesia ..., sob o nº. ..., inscrição em livro nº. ..., Livro ..., (desanexado do nº. ..., fls. ... do Livro ...),o que faz presumir que o direito existe e pertence ao seu titular, conforme documentos a fls 77/79 dos autos de procedimento cautelar. (cfr. Docs. 4,5 e 6 juntos com a oposição ao procedimento cautelar).
34. O Tribunal a quo fez clara confusão entre a proveniência do prédio e a sua inscrição em livro, fazendo depois uma leitura incompleta e inquinada da descrição predial sobre o nº ... (referindo apenas parte dos artigos inscritos na respectiva matriz) deturpando o que aliás consta nos factos dados como provados nos pontos 6 a 9.
35. Sendo manifesto o erro do Tribunal manifestado no supra transcrito parágrafo, verificando-se uma contradição entre o afirmado na referida argumentação e a matéria de facto dada como provada, bem como uma violação dos artigos 363º e 371º do Código Civil ao não ter considerado a factualidade constante dos documentos autênticos juntos pelos RR em 07/04/2011 supra identificados.
36. Resulta do exposto e demonstrado que os imóveis em questão tinham uma área ab initio de 106.000m2, sendo que foi após a execução das terraplanagens no ano de 1955 e a abertura da Estrada Nacional n° ..., que o atravessou para ligar a freguesia ... a ... e a alteração das matrizes nos primeiros anos da década de 1970, (Doc. nº.... [a fls 54 dos autos] junto com a Contestação dos Réus e o afirmado na sentença a fls 18) que acabou por originar as diferentes inscrições na matriz.
37. Aliás, a realidade deste atravessamento dos terrenos fica muito clara da análise das fotografias juntas como doc.s A. B. e C. juntas com o requerimento de 17/09/2018 dos Réus.
38. Prédios estes, que os RR sempre trataram como propriedade sua há mais de trinta anos, usufruindo deles publicamente à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.
39. Note-se que dificilmente se pode conceber um acto mais público de exercício de propriedade e de reconhecimento da mesma do que participar na delimitação do domínio público hídrico da área relativa ao seu terreno (cfr. ponto 10 da factualidade dada como provada).
40. Devido à referida prova documental – grande parte dela documentos autênticos e em coerência com a factualidade dada como provada nos pontos 48 a 52 da sentença – a prova testemunhal produzida (designadamente, depoimentos das testemunhas MM e NN), deviam ter sido dados como provados os factos referidos na sentença como não provados C) (quesito 34), D) (quesito 35), E) (quesito 36). F), i) (quesito 40), (quesito 37), os quais devem ser considerados como provados nos seguintes termos (cfr. no ponto II.B) destas Alegações páginas 92 a 126):
c) o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob o nº ... estende-se, a nascente da EN nº ..., até à Beira-Ria (salvaguardada a zona do domínio hídrico);
d) e a norte abrange também, para além de uma parte assinalada no mapa a amarelo, todo o terreno onde se encontra edificada a casa dos marinheiros, desde a Beira-Ria até à EN nº ..., em espaço assinalado na aludida planta a branco e a verde;
e) desde há mais de 30 anos que os RR. ocupam esse imóvel com a implantação e delimitação referida, desde logo desde o auto de delimitação referido em 10. dos factos provados;
i) na convicção de serem seus proprietários;
f) … usufruindo deles à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém;
j) todos os imóveis que confrontam com o areal do ... têm como limite a nascente a Beira-Ria;
– sem conceder, caso assim não se entenda, sempre deveria ser pelo menos dado como provado alternativamente que:
j) todos os imóveis que resultaram do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob o nº ..., a fls.162 verso, e inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo ... têm como limite a nascente a Beira-Ria;
k) apenas tendo sido divididos em duas parcelas pela construção da EN nº ... em 1955;
41. Também sempre se deveria ter dado como provado por força dos documentos juntos aos autos de procedimento cautelar a fls. 92 e 93 e dos Docs. n°s...., ..., ... e ... juntos com a Contestação dos RR. o ponto h) (quesito 39), ainda que condicionado à prova efectivamente realizada constante de tais documentos nos seguintes termos (cfr. no ponto II.B) destas Alegações pagina 127):
h) … e pagando os seus impostos tal como constante dos documentos juntos aos autos de procedimento cautelar a fls. 92 e 93 e dos Docs. n°s...., ..., ... e ... ;
42. Também o facto dado como não provado N) deveria ter sido dado como provado em face do supra referido (cfr. no ponto II.B) destas Alegações, paginas 127 a 129), designadamente em face do afirmado pela testemunha NN (Presidente da Câmara Municipal ... entre 1989 a 1998), do constante da escritura junta como doc. 4 com a PI e da própria factualidade dada como provada no ponto 10.
43. Pelo que tal facto N) (quesito 45) devia ter sido considerado como provado.
44. Sem conceder, caso se entendesse que face ao âmbito da acção estaríamos aí perante uma questão de direito sempre se devia ter dado como provado pelo menos que:
n) o A. sabia que os RR se arrogavam proprietários da área que é objeto do seu pedido na ação e actuou em conformidade com tal propriedade privada dos RR em situações no passado, designadamente aquando da delimitação do domínio público hídrico constante do ponto 10. da factualidade dada como provada.
45. Há também erro de julgamento relativamente à factualidade dada como provada nos pontos 44, 45, 46 e 47 na qual não foi dada integralmente como provada a factualidade aditada nos pontos 46, 47, 49 e 50 (vide supra ponto II.A) destas alegações, paginas 65 a 89).
46. O Tribunal a quo ao dar como provado os referidos pontos retirou a referência a “terrenos baldios” e “baldios municipais” substituindo-a simplesmente por “terrenos municipais”.
47. O julgamento desta matéria de facto foi claramente inquinado pelo entendimento manifestado na sentença a propósito das questões de Direito quanto ao que era um “baldio municipal” e a legislação aplicável ao mesmo previamente a 1864 e mesmo previamente ao Código Administrativo de 1940 e aos poderes das câmaras municipais sobre os mesmos. Limitando-se o tribunal a quo a fazer uma análise singela da legislação posterior a 1940, com especial incidência sobre a Lei nº 68/93, de 04/09 e suas alterações e sobre a Lei 75/2017, de 17-08.
48. Desde logo, o Tribunal a quo assentou no errado pressuposto que “se os terrenos fossem baldios municipais a Câmara Municipal de Estarreja não os podia ter dividido em parcelas (ou prazos) e cedê-los a particulares mediante o pagamento de um foro.”
49. Como resulta do supra exposto, era natural face ao quadro legal bem descrito na obra de TT que terrenos que já tivessem sido baldios previamente a 1864 e tivessem deixado entretanto de o ser e/ou continuassem a sê-lo fossem, posteriormente, objecto de alienação através de venda ou aforamento e posterior desaforamento com passagem não só do domínio útil, mas também do domínio directo, propriedade.
50. Atente-se também no Acórdão do STJ de 29/10/1968, na Lei de Lei de 28 de Agosto de 1869 aí referida, na portaria de 18 de Dezembro de 1872 e designadamente nos anteriores a Alvarás de 23 de Julho de 1766, de 7 de Novembro de 1804 e de 11 de Abril de 1815.
51. Pelo que dúvidas não podem existir quanto ao erro do Tribunal a quo, que inquinou toda a resposta à matéria de facto (e de direito) já que enviesou a análise dos numerosos documentos juntos aos autos e o depoimento da própria testemunha que foi ouvida, meios de prova dos quais resulta efectivamente o afirmado pelos RR.
52. Designadamente, os doc.s 10 a 12 a fls 77 a 140 dos autos (documentos do processo de remissão de foros de DD cuja transcrição dactilografada foi junta em requerimento de 05/09/2018 dos RR) que deram origem aos respectivos quesitos e a documentação também sobre essa matéria junta com a contestação de CC, os documentos 1 a 5 juntos com requerimento de 07/04/2011, o afirmado nas paginas 202 a 212 do Boletim da Comissão do Domínio Público Marítimo, nº 95 (supra transcritas) as quais foram juntas aos autos pelos RR como o doc. 1 do requerimento probatório de 23/04/2010 (onde se faz expressa referência aos aforamentos dos terrenos da Costa da ... feitos pela Câmara Municipal de Estarreja no Século XIX anteriormente a 1864) .
53. A que acresce os documentos juntos pelos RR em requerimento de 06/10/2020:
− certidão dos processos n.º 111 e 112 (números que correspondem unicamente à identificação realizada no documento "REGISTO DOS PROCESSOS DE FOROS OU REMISSÃO DE FOROS EXISTENTES EM ARQUIVO" que se encontra no sitio da internet para o qual remeteu o Município de Estarreja e que foi junta como doc. 1 como esse requerimento para que não houvessem dúvidas quanto a identidade dos mesmos), procede-se a junção dos mesmos como doc. 2 (proc. ... – DD Processo de remissão de foros de terrenos em ... e no Areal da Costa da Torreira) e doc. 3 (proc. ... - UU Processo de remissão de foros, um a ... nº 66, e dois no Areal da Costa da Torreira, limites da Freguesia ...).
− documentos que faziam expressa referência a baldios do ..., e que acresciam aos documentos já juntos aos autos (cfr. Doc.s 10 a 12 da contestação que já foram objecto de transcrição nos autos), e sem prejuízo das expressas referências na própria identificação dos processos pelo próprio Município de Estarreja no documento que se junta como doc. 2 procede-se à junção a titulo exemplificativo dos seguintes documentos:
- Doc. 4 – certidão nº 27 - VV – Aforamento de terreno no ... 1862 25 + 1 (Capa)
- Doc. 5 – certidão nº 30 – WW (XX) – Processo de Aforamento de um terreno baldio no ... junto à Ribeira ... - ... 1867;
- Doc. 6 – certidão nº 31 – Edital datado de 30/09/1867 para reclamarem o aforamento de terreno baldio no sítio do ... na Freguesia ...
Documentos estes cuja transcrição dactilografada foi junta pelos RR a pedido do Tribunal por requerimento entregue em 10/11/2020.
54. Atente-se ainda que foi junto com o requerimento de 06/10/2020 a transcrição dos documentos juntos a folhas 1081v a 1084, 1118 a 1121, 1127 e 1145 a 1151 dos autos:
- transcrição de folhas 1081 verso a 1084 (que correspondem ao doc 2, do processo 45/72 e que se junta como doc. A);
- procede-se à junção da transcrição de folhas 1118 a 1121 (que se junta como doc. B);
- quanto a fls 1127 esta integra também o doc. 12 da contestação, mais precisamente fls 124 verso dos autos cuja transcrição já foi junta em requerimento de 05/09/2018 e que, para facilitar, se junta novamente como doc. C;
- quanto a folhas 1145 a 1151 esta integra o doc. 12 da contestação, mais precisamente fls 134 a 137 dos autos cuja transcrição já foi junta em requerimento de 05/09/2018 e que, para facilitar, se juntam novamente como doc. D;
55. Recordem-se ainda os documentos que já haviam sido juntos com o requerimento de 07/04/2011 à junção aos autos de 5 documentos que então, após aturadas buscas realizadas no Arquivo Distrital conseguiu descobrir (aos quais o Tribunal a quo não faz qualquer efectiva referência na sentença recorrida) e que se afiguram relevantes para que não haja dúvidas sobre o encadeamento de actos sucessivos e translativos da propriedade que aqui se expõem.
56. Do Doc.1 certidão de partes concretas de uma acção proposta no Tribunal Judicial de Estarreja, em 16/04/1953, em que foi Autor DD, mulher e outros, contra YY e mulher, relativa ao terreno em causa nos presentes autos da qual resulta:
a) em 1.º da petição, é identificado o prédio do qual os aí AA. se dizem donos e possuidores, sito na ... e que fez parte integrante – até 24/04/1945 – de um outro inscrito na matriz rústica da freguesia ..., sob o art.º ... e descrito na C.R.P. de Estarreja, sob o n.º ... (terreno esse que, no seu todo, se estendida desde o limite Sul da povoação da ... até à ...);
b) esta acção foi declarada totalmente procedente e tal prédio reconhecido como sendo, efectivamente, pertença dos aí AA., decisão essa confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça e transitada;
c) tal terreno é aí identificado – com os indicados artigo matricial e descrição predial – como confrontando de “… Nascente com a ria e do Poente com as areias do mar”, pelo que tendo sido proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente, existe caso julgado no que se refere – além do mais – às confrontações Nascente e Poente do indicado prédio;
d) tal terreno, correspondente no seu todo ao art.º 1.177 da matriz, foi sujeito, em 19/04/1968 a um “Termo de Avaliação e Discriminação” (cfr. o Doc. 2) e dele resultaram perfeitamente individualizados 5 (cinco) prédios rústicos, todos confrontando do “… Nascente com a Beira Ria e do Poente com Areias do Domínio Público Marítimo…”, aí se podendo ler relativamente ao prédio situação mais a norte:
– «Parte que ficará a pertencer a AA:
Terreno a pinhal e terreno inculto, com a área de 106 000 m2 (cento e seis mil metros quadrados), a confrontar do Norte com Dr. EE, nascente com Beira Ria e do poente com Areias do Domínio Público Marítimo, a que comissão atribui o rendimento colectável de 95$00 (noventa e cinco escudos)»
Prédio esse ao qual foi atribuído o art.º ... da matriz (cfr. Doc. 3 junto com o requerimento de 07/04/2011);
e) o terreno em causa, com o art.º ... (e que resulta da Discriminação do art.º ... – cfr. Doc. 2 junto com o requerimento de 07/04/2011), fazia parte do descrito na C.R.P. de Estarreja, sob o n.º ..., a fls. 162 verso do Livro ... (cfr. o expressamente afirmado na certidão da Conservatória do Registo Predial que integra o Doc. 3 junto com o requerimento de 07/04/2011), inscrição esta consequente à “Escritura de Declaração de Sucessão ou Habilitação de Herdeiros”, outorgada em 04/07/1935, no Cartório Notarial de Estarreja (cfr. Doc. 4, fls. 18 in fine e 19), com origem na qual se procedeu à descrição registral n.º ... (cfr. Doc. 5).
f) posteriormente, desta descrição, foram desanexados três prédios, um dos quais passou a constar da descrição n.º ..., a fls. 172 do Livro ..., da C.R.P. de Estarreja, aí sendo identificado do seguinte modo:
“Prédio rústico, composto de terra de semeadura, pinhal e juncal, sito na Costa da ..., freguesia ..., concelho da Murtosa.
Confronta do norte com Dr. ZZ e outros, sul com a Federação das Caixas de Previdência, nascente com a ria e poente com domínio público marítimo – Inscrito na matriz sob parte do artigo n.º ...…” (cfr. Doc. 5);
g) o terreno original, no seu todo e que corresponde ao identificado na alínea d) anterior, fora – aliás – objecto de escritura de habilitação de herdeiros, realizada em 04/07/1935 e referida na alínea e) antecedente, na qual é referido sob a já indicada descrição n.º ... (Docs. ... e ...), a qual, mais tarde, deu origem (por desanexação – Cfr. Doc. 2) ao prédio inscrito na matriz rústica da freguesia ..., sob o art.º ... (cfr. alínea F) dos Factos Assentes).
57. Todos os referidos documentos juntos com Requerimento de 07/04/2011 são documentos autênticos (art. 363º nº2 do C.C.) fazendo nos termos do artigos 371º nº 2 prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.
58. Devendo ainda atender-se ao ponto 10. da matéria dada como provada mas também ao constante das paginas 202 a 212 do Boletim da Comissão do Domínio Público Marítimo, nº 95, as quais foram juntas aos autos pelos RR como o doc. 1 do requerimento probatório de 23/04/2010, o qual relata o procedimento prévio em que assentou o despacho da Direcção-geral dos Serviços de Fomento Marítimo.
59. Sendo que o aí afirmado serve para compreender melhor a referência constante do auto de delimitação aforamentos dos terrenos da Costa da ... feitos pela Câmara Municipal de Estarreja no Século XIX (anteriormente a 1864) – corroborando a origem dos terrenos supra referida –.
60. Maís aí se referindo que desde data anterior a 1859 a Câmara Municipal de Estarreja era detentora da posse dos terrenos baldios existentes na área da costa da ... exercendo sobre eles não só actos administrativos mas também actos de posse privada que nunca foi contestada por pessoa alguma e que os foi desaforando até 1905.
61. E foi na sequência de tais desaforamentos e sucessivos actos translativos (os quais relativos aos RR foram referidos e documentados supra e dados como provados nos pontos 48 a 52) que a propriedade chegou aos RR e daí a sua intervenção no referido procedimento de delimitação.
62. Sendo manifesto e documentalmente demonstrado nos autos, que a zona assinalada a amarelo na planta junta como documento nº 1 na petição da providência cautelar entrou no domínio privado antes de 31/12/1864 e, além do demais, demonstrou-se documentalmente como esse terreno chegou à propriedade dos RR e inclusivé, nos termos acabados de expor, os termos em que esse terreno deixou de estar delimitado pelo ulterior domínio público marítimo de 50 m e passou a estar delimitado pelo domínio público hídrico de 11 metros nos termos supra definidos.
63. De facto, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob o nº ..., outrora fazia parte dos baldios municipais (cfr. Docs.ns°. 10 e 11 junto com a contestação – vide fls 77 a 119 dos autos – que por se encontrarem manuscritas tendo e na sequência de notificação do tribunal para esse efeito foram transcritos para formato legível passado a computador, identificando o respectivo texto transcrito pelas folhas do processo para mais fácil comparação e verificação da transcrição efectuada a qual foi junta por requerimento de 05/09/2018 dos RR.) que se entendiam por toda a costa da ..., entre a Ria e o Mar, desde Ovar a ....
64. Tendo as Câmaras Municipais a faculdade de alienar os referidos terrenos baldios, faculdade essa que lhes provinha da legislação supra identificada tal como, aliás, referido por AAA (cfr. Parecer de AAA emitido a 4 de Maio de 1698 para uma situação semelhante junto como doc. 31 quando da Contestação da Interveniente Principal que aqui se dá por transcrito para todos os efeitos legais) e que lhes concediam o poder de desamortização /desaforamento.
65. É assim no uso destes poderes que a Câmara Municipal do Concelho de Estarreja em suas reuniões de 27/10/1926 e 03/11/1926, a pedido do Sr. EE, como procurador de DD, concedeu, nos termos referidos, a este o desaforamento de um Terreno que tudo leva a crer era baldio anteriormente a 1864 (cfr. doc. n°. 12 junto com a contestação – documentos do processo de remissão de foros de DD – fls 121 a 140 cuja transcrição foi junta, nos termos supra referidos, em requerimento de 05/09/2018 dos RR.)
66. Sendo nos documentos mais antigos e próximos a 1864 mais comum a referência a baldios, o que é compreensível, e nos processos posteriores (como o dos RR de 1926), apesar dos terrenos terem a mesma origem já que eram contíguos, já não aparece essa expressa referência.
67. Face aos numerosos documentos supra identificados e à própria prova testemunhal (NN) é manifesto que o Tribunal a quo não podia ter dado como provados nos termos em que o foram os factos 44, 45, 46 e 47, devendo ao invés ter sido considerados com a redacção que constava dos factos controvertidos aditados PONTOS 46, 47, 49 e 50. Devendo pois serem tais pontos da matéria de facto dada como provada ser alterada passando a sua redacção para (vide supra ponto II.A) destas alegações, paginas 65 a 89):
44) O prédio dos RR. identificado em F) dos Factos Assentes, outrora fazia parte dos baldios municipais que se estendiam por toda a Costa da ..., entre a Ria e o Mar, desde Ovar a ....
45) Tais baldios já anteriormente a 1864 estavam na fruição conjunta das populações radicadas na Circunscrição Administrativa que na altura era o Concelho de Estarreja (abrangendo toda a área do Concelho da Murtosa que é de criação posterior), como se pode constatar em algumas atas das sessões camarárias.
46) Foi assim a Câmara Municipal de Estarreja aforando sucessivas parcelas desses terrenos baldios situados na costa da ....
47) É assim no uso destes poderes que a Câmara Municipal do Concelho de Estarreja em suas reuniões de 27/10/1926 e 03/11/1926, a pedido do Sr. EE, como procurador de DD, concede a este o desaforamento de um terreno que era baldio, como aliás já o era anteriormente a 1864, do qual faz parte o terreno dos RR..
68. Sem conceder, note-se que sempre resultaria da matéria de facto dada como provada e da referida documentação que o terreno em causa nos autos já estava na posse de DD pelo menos há mais de 20 anos antes do desaforamento do terreno, o qual o adquiriu a propriedade plena na sequência dos actos de desaforamento constantes das reuniões da Câmara Municipal do Concelho de Estarreja de 27/10/1926 e 03/11/1926 (cfr. facto provado 51).
69. Terrenos esses que foram objecto de trato sucessivo (cfr. factos provados 52 a 55) até que foi vendido ao R. AA o prédio descrito em F) (ponto 6 da factualidade dada como provada) dos Factos Assentes, tendo posteriormente (nos termos dos factos provados nos pontos 7 a 8 da matéria dada como provada) chegado a propriedade dos RR.
70. Resulta assim de tudo o afirmado e da documentação que se vem de referir que os terrenos dos RR. eram propriedade privada anteriormente a 1864 e como tal continuam.
71. Na análise do direito o Tribunal a quo reproduziu o que havia afirmado a propósito da matéria de facto o que inquinou a própria argumentação de direito. Sendo certo que em alguns pontos, designadamente no que à questão dos baldios municipais (como identificámos supra) diz respeito, o entendimento do direito inquinou também a resposta dada à própria matéria de facto.
72. O Tribunal a quo considerou erradamente que seria impossível as autarquias realizarem o aforamento de terrenos que haviam sido ou ainda eram baldios, em violação do designadamente previsto na Lei de 28 de Agosto de 1869 (referida no Acórdão do STJ de 29-10-1968 Proc. 062275) e na portaria de 18 de Dezembro de 1872 e designadamente nos anteriores a Alvarás de 23 de Julho de 1766, de 7 de Novembro de 1804 e de 11 de Abril de 1815.
73. É, pois, errada a afirmação do Tribunal a quo que terrenos aforados pelos municípios não podiam ser e/ou ter sido baldios previamente a 1864, sendo que foi com base nessa afirmação que o Tribunal respondeu quer a matéria de facto quer à matéria de direito.
74. Como resulta do exposto supra aquando da análise da matéria de facto, se o terreno adjacente aos dos RR. era em 1868 e posteriormente (aquando da sua transmissão em 1904) terreno baldio municipal também o terreno que, por trato sucessivo (bem evidenciado na própria factualidade dada como provada nos pontos 48 a 52 da factualidade), chegou à propriedade dos RR o seria nessa data e anteriormente e foi, enquanto tal, objecto de aforamento e posteriormente de desaforamento nos termos referidos.
75. É assim no uso dos supra referidos poderes que a Câmara Municipal do Concelho de Estarreja em suas reuniões de 27/10/1926 e 03/11/1926, a pedido do Sr. EE, como procurador de DD, concede a este o desaforamento de um Terreno que, tal como o terreno adjacente, era certamente baldio anteriormente a 1864, do qual faz parte o terreno dos RR (cfr. doc. n°. 12 junto com a contestação – documentos do processo de remissão de foros de DD – fls 121 a 140 cuja transcrição foi junta, nos termos supra referidos, em requerimento de 05/09/2018 dos RR.)
76. Aliás, sendo evidente ao tempo a legalidade do acto de desaforamento da Câmara Municipal de Estarreja, são válidos todos os actos que se lhe seguiram. Não tendo existindo qualquer reclamação nem por parte do Estado, nem de particulares.
77. Resulta como absolutamente certo e inquestionável da factualidade dada como provada pelo próprio Tribunal a quo que o prédio/terreno, objecto da presente acção, é objecto de descrições sucessivas e documentadas na C.R.P. respectiva desde, pelo menos, 1935 (sob o artigo n.º 28.278 – cfr. Doc. 5), o qual, desde sempre, confinou – no seu todo – do lado Nascente com a ria e do Poente com as areias do mar.
78. Sendo assim, manifesto e documentalmente demonstrado nos autos, que a zona assinalada a amarelo na planta junta como documento nº 1 na petição da providência cautelar eram ou terrenos baldios na posse do Município de Estarreja ou que já estava na posse de privados antes de 31/12/1864 e, além do demais, demonstrou documentalmente como esse terreno chegou à sua propriedade e inclusive, nos termos acabados de expor, os termos em que esse terreno deixou de estar delimitado pelo ulterior domínio público hídrico de 50 m e passou a estar delimitado pelo domínio público hídrico de 11 metros nos termos supra definidos.
79. A natureza privada de tal terreno não foi discutida ao longo dos anos, antes vindo o Estado através dos seus serviços a reconhecê-la.
80. Os terrenos dos RR que tal como registado na Conservatório do Registo Predial e provado nos factos 6 a 8 e 48 a 52 são objecto de trato sucessivo há quase 100 anos, não podem ser, como pretendido pelo Autor, integrados automaticamente no domínio público pois estaríamos perante um verdadeiro e inconstitucional confisco em violação do direito de propriedade privada (constitucionalmente garantido – cfr. art. 62º da CRP) registado em seu nome (com as presunções resultantes do artigo 7º da Código de Registo Predial).
81. Ao contrário do afirmado na sentença recorrida, sempre teria aqui aplicação o previsto na redacção actual do número 2 do Artigo 15.º da Lei nº 54/2005 já que se deve considerar como provado documentalmente que os terrenos eram, por título legítimo, objecto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864.
82. Acresce, por maioria de razão, que se devem presumir particulares os terrenos em relação aos quais se prove, por qualquer meio, que naquela data estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa (art.15º nº3 da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro), o que como vimos acontece na presente situação.
83. Por outro lado, o nº 5 do artigo 15º da Lei 54/2005 prevê que não estão sujeitos sequer ao referido regime de prova que: a) Hajam sido objeto de um ato de desafetação do domínio público hídrico, nos termos da lei;" o que também se deve considerar que ocorre em função do facto dado como provado no ponto 10.
84. Sendo que o Tribunal a quo continua a não dar qualquer atenção e muito menos relevância à desafectação do terreno em causa do domínio público hídrico dada como provada no ponto 10, nem aos demais factos dados como provados e muito menos aos que, nos termos expostos, deviam ter sido dados como provados.
85. É manifesto que a sentença recorrida ao decidir como decidiu, errou na interpretação e aplicação do direito, tendo violado frontalmente os artigos 15º nºs 2.º, 3 e 5 da Lei 54/2005 e o art. 62º da CRP devendo ser revogada.
86. Acresce que, sem prejuízo de os Autores manterem que depositaram os ramos no seu terreno (e numa altura em que ainda não era época balnear), é manifesto que os RR não podiam ser condenados ao pagamento da quantia de € 1.227,88 ao Autor que não provou que a gastou.
Nestes termos e melhores de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e revogada a sentença recorrida, julgando-se o peticionado pelo Autor totalmente improcedente e concedido provimento parcial à reconvenção dos RR, devendo em consequência ser reconhecido aos RR. o seu direito de propriedade plena sobre a totalidade do prédio situado na zona do ..., ..., ..., do concelho da Murtosa, descrito na Conservatória do Registo Predial da Murtosa sob o nº ... (...) e inscrito na matriz da freguesia ..., ... sob os nºs. ..., ..., ... e ....
*
12. O Digno Magistrado do Ministério Público e o Autor ofereceram contra-alegações, nas quais pugnam pela improcedência do recurso interposto.
*
13. Observados os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26.06. [doravante designado apenas por CPC].
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes em 1ª instância e, por isso, não apreciadas na decisão proferida, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões judiciais, mas ao reexame ou à reapreciação pela instância hierarquicamente superior da decisão proferida, em função das questões suscitadas pelas partes e dos fundamentos da própria decisão recorrida. [1]
Por conseguinte, a esta luz, as questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
I. Admissibilidade dos documentos juntos com as alegações de recurso pelos Recorrentes;
II. Impugnação da decisão de facto;
III. Do mérito da causa.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
O Tribunal de 1ª instância julgou provada a seguinte factualidade:
01. O concelho da Murtosa compreende a freguesia ....
02. Anualmente deslocam-se para a ... milhares de pessoas para aí passarem as suas férias.
03. A “Praia ...” tem, na Ria, há mais de 50 anos, uma construção em cimento com prancha de saltos para ser utilizada livremente pelas pessoas.
04. Os Réus são donos de um terreno de grande extensão situado do lado poente da EN n.º ... até à Praia do Mar.
05. E pretendem construir em tal terreno, tendo apresentado na Câmara Municipal um pedido para tal, o que ainda lhes não foi deferido, tanto mais que, no PDM, tal zona consta como zona de equipamento.
06. Por escritura pública de compra e venda lavrada, no Cartório Notarial da Murtosa, a 5 de Julho de 1968, AA declarou comprar a BBB e mulher, CCC e mulher, DDD e mulher, DD e mulher, um terreno sito nas ..., freguesia ..., concelho da Murtosa, a confrontar, do norte, com ZZ e outros, sul, com EE, nascente, com Beira-Ria e, poente, com areias do domínio público marítimo, a fazer parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob o nº ..., a fls. 162 verso, e inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo ....
07. Por escritura pública de compra e venda lavrada, no Cartório Notarial da Murtosa, a 30 de Março de 1972, o R. AA declarou vender a seu irmão, o R. BB, metade indivisa de um pinhal sito nas ..., freguesia ..., concelho da Murtosa, a confrontar, no todo, do norte, com ZZ e outros, sul, com EE, nascente, com Beira-Ria e, poente, com areias do domínio público marítimo, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob o nº ....
08. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob o nº ... (nº ..., do Livro ...) e aí inscrito a favor dos RR., o prédio rústico composto por pinhal, sito nas ..., freguesia ..., concelho da Murtosa, a confrontar, do norte, com EEE e ZZ, sul, com EE e praia, e, nascente e poente, com domínio público marítimo.
09. Dessa descrição predial consta que o imóvel se encontra inscrito na respectiva matriz rústica sob os artigos ..., ..., ... e omisso.
10. Dá-se como integralmente reproduzido o Despacho da Direcção-geral dos Serviços de Fomento Marítimo publicado no DR IIIª Série, nº 259, de 10 de Novembro de 1981, que homologou o parecer nº 4668 da Comissão do Domínio Público Marítimo sobre a delimitação de um terreno na Praia ..., freguesia ..., concelho da Murtosa, requerida pela Câmara Municipal ..., constante do seguinte (além do mais) auto de delimitação:
Aos 28 dias do mês de Agosto de 1980, na sede da Câmara Municipal ..., reuniu a comissão nomeada por portaria inscrita no Diário da República, 2ª série, nº 103, de 4 de Maio de 1977, para proceder à delimitação com o domínio público hídrico de terrenos sitos na Praia ..., ..., concelho da Murtosa, comissão constituída pelo capitão-de-mar-e-guerra (RA) FFF, representante da Marinha, servindo de presidente, pelo engenheiro GGG, representante da Junta Autónoma do Porto de Aveiro, e pelos interessados, Dr. HHH, representante de III, Dr. JJJ, representando o Dr. ZZ, que, por sua vez, é o representante de KKK, pela própria, EEE, pela própria, LLL, e pelo próprio, AA, todos servindo de vogais.
A comissão, tendo estudado detidamente o assunto, tanto no gabinete como no campo, verificou que a planta em estudo abrange não só os terrenos, sitos na Praia ..., mas ainda duas extensas zonas de terreno à beira-ria e confinantes por norte e sul com aquela praia. Dessa forma, a comissão considerou que, por ser do interesse público, devia propor à Comissão do Domínio Público Marítimo que a delimitação com o domínio público hídrico dos terrenos sitos na Praia ..., requerida pela Câmara Municipal ..., fosse também extensiva aos terrenos à beira-ria adjacentes à dita praia e compreendidos entre os paralelos + 121 071,4 e + 120 668,9, que definem, respectivamente a norte e a sul, os pontos A e H da poligonal de delimitação, e que na delimitação fosse seguido o critério estabelecido nos aforamentos dos terrenos da Costa da ... feitos pela Câmara Municipal de Estarreja no século XIX (anteriormente a 1864), ou seja, com a estrema situada a 11 metros de distância da linha dos máximos preia-mares de águas vivas” – fls. 120/121.
11. Na freguesia ... existe, desde tempos imemoriais, uma praia de areia na Beira-Ria (Ria de Aveiro) denominada de ....
12. Tal praia estende-se de sul para norte, iniciando-se a sul do local onde até há cerca de 15 ou mais anos esteve um bar de praia instalado num barco de pesca de arte xávega.
13. E vai até um armazém (antigo armazém da aviação naval) que existe junto à Ria para recolha de barcos e, antigamente, há mais de 40 anos, para apoio aos hidroaviões da aviação nacional.
14. A praia tem a extensão e localização assinalada com a cor amarela na planta junta a folhas 7 do procedimento cautelar apenso.
15. Em frente à Praia e a separá-la da EN nº ..., no espaço compreendido entre o seu início a sul e sensivelmente a Casa dos Marinheiros a norte, a Junta de Turismo ... construiu, há mais de trinta anos, um passeio em cimento com uma largura de 2,75 metros (fls. 191/200).
16. Ao lado desse passeio, ainda existe uma berma em terra batida com cerca de três metros de largura que é utilizada para estacionamento de automóveis.
17. As pessoas mais velhas da freguesia sempre se recordam de ver aí a praia.
18. De a ver ser utilizada, como praia, livremente por todas as pessoas que o quiseram.
19. Desde tempos imemoriais que nesse espaço as pessoas armam barracas de praia, colocam guarda-sóis, estendem toalhas, deitam-se na areia, jogam, brincam e vão tomar banho na Ria.
20. As pessoas usam o passeio para passear.
21. Tudo isto sem impedimento de qualquer pessoa e aos olhos de todos.
22. Na plena convicção de estarem a exercer um direito.
23. Convictos que estão num local público.
24. Sendo o acesso permitido à generalidade das pessoas.
25. A praia, na zona em que existe o passeio, estende-se desde a Ria até ao passeio.
26. Existiam uns pastéis tradicionais denominados “...”, fabricados, há mais de 40 anos, por uma pastelaria da ..., que eram vendidos embrulhados num papel onde se retractava a Praia ....
27. Há postais ilustrados e prospectos turísticos que ilustram a Praia ....
28. A praia tem servido de tema para pintores.
29. E existe há mais de 40 anos um painel de azulejos no fontanário da Praça ... que a retracta.
30. Nunca nenhum particular, designadamente os Réus, até Maio de 2007, impediu o acesso à praia.
31. … Ou aí colocou qualquer vedação ou placa indicando tratar-se de “propriedade privada”.
32. A Casa dos Marinheiros situa-se para poente da linha dos 11 metros da preia-mar.
33. Essa Casa foi construída, pela Marinha, há mais de quarenta anos e pertence à Junta Autónoma do Porto de Aveiro.
34. … Inicialmente, sem muros, e posteriormente, há mais de vinte anos, com muros que demarcam uma porção de terreno onde se implanta a casa e terreno envolvente.
35. Essa casa sempre foi utilizada pela Marinha Portuguesa.
36. … Tendo içada, durante muitos anos, a bandeira nacional.
37. Todos os anos, durante a época balnear, o Município da Murtosa coloca, na praia, areia branca que vai buscar à orla marítima.
38. E procede à limpeza da praia, coloca caixotes de lixo e faz a recolha respectiva.
39. No dia 22 de maio de 2007, a Câmara Municipal ... transportou 400 m3 de areia da praia oceânica para a Praia ....
40. Quando, no dia 23 de Maio de 2007, os seus funcionários se aprestavam para espalhar a areia na praia, os Réus impediram-nos de o fazer.
41. No dia 24 de Maio de 2007, com o auxílio de uma máquina, os réus arrancaram os lancis dos passeios e espalharam-nos pela praia.
42. E, no dia 26 de Maio de 2007, espalharam pela praia ramos de acácias, outra vegetação e detritos.
43. Para limpar a praia e remover os detritos aí colocados pelos RR., o A. teve de despender €1.227, 88.
44. O prédio dos Réus identificado em F) dos factos assentes [n.º 6], outrora fazia parte dos terrenos municipais que se estendiam por toda a Costa da ..., entre a Ria e o Mar, desde Ovar a ....
45. Tais terrenos, já anteriormente a 1864, estavam sob a administração e policiamento da Circunscrição Administrativa que, na altura, era o concelho de Estarreja (abrangendo toda a área actual do Município da Murtosa).
46. A Câmara Municipal de Estarreja aforou parcelas dos terrenos municipais situados na costa da ..., designadamente a requerimento de VV, o VV, na sessão ordinária de 6.08.1862, deliberou dar de aforamento 1. 400 m 2 de terreno maninho ou areal da Costa da Torreira, terreno esse que foi demarcado por auto de 19.08.1862, mediante o foro anual de mil e trinta e seis réis – documento de fls. 1216 v./1229, dactilografado a fls. 1241/1247 -, terreno que foi, depois, arrematado, pelo foro anual de 8. 000, 00 réis, por MMM, a 12.10.1862 – documento de fls. 1229 v. e segs., dactilografado a 1249 e segs.
47. No uso dos seus poderes, a Câmara Municipal do Concelho de Estarreja, em suas reuniões de 27.10.1926 e 3.11.1926, a pedido de EE, como procurador de DD, concedeu a este o desaforamento de um terreno do qual faz parte o terreno dos Réus.
48. Tendo o terreno passado para a propriedade plena de DD.
49. DD faleceu, em 1931, no Pará do Brasil, no estado de viúvo de NNN, deixando como únicos e universais herdeiros seus filhos legítimos DD, casado com OOO, PPP, solteiro, maior, DDD, casado com QQQ, GG, solteira, maior, RRR, casado com SSS, TTT ou UUU, casada com VVV – fls. 142/143.
50. Em 11.03.1957 faleceu, na cidade do Rio de Janeiro, FF, no estado de casado com GG, deixando como herdeiros legítimos os filhos WWW que também usa o nome XXX, casada com CCC, e BBB, casado com YYY – fls. 144/145.
51. Em 1963 faleceu, na cidade do Rio de Janeiro, GG, no estado de viúva do referido FF, sucedendo-lhe como herdeiro legitimário seu filho BBB – fls. 144/145.
52. Herdeiros estes que, por escritura de 5.07.1968, outorgada no Cartório Notarial da Murtosa, venderam ao Réu AA o prédio descrito em 6 dos factos provados – fls. 62/68 apenso A.
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Por seu turno, o Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
a) O passeio em cimento com uma largura de 2,75 metros referido em 15 dos factos provados tenha sido construído pela Câmara Municipal ... (fls. 191/200);
b) As pessoas usam o passeio, ao sair da praia, para se sentarem e limparem a areia dos pés;
c) O imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob o nº ... estende-se, a nascente da EN nº ..., até à Beira-Ria (salvaguardada a zona do domínio hídrico);
d) E a norte abrange também, para além de uma parte assinalada no mapa a amarelo, todo o terreno onde se encontra edificada a casa dos marinheiros, desde a Beira-Ria até à EN nº ..., em espaço assinalado na aludida planta a branco e a verde;
e) Desde há mais de 30 anos que os Réus ocupam esse imóvel com a implantação e delimitação referida;
f) … Usufruindo dele à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém;
g) … Cultivando-o com árvores de folha perene, cortando e utilizando a sua madeira;
h) … E pagando os seus impostos;
i) Na convicção de serem seus proprietários;
j) Todos os imóveis que confrontam com o areal do ... têm como limite a nascente a Beira-Ria;
k) Apenas tendo sido divididos em duas parcelas pela construção da EN nº ... em 1955;
l) Os RR viram-se obrigados pelo comportamento do A a interromper os trabalhos de limpeza que andavam a executar no seu prédio a nascente da EN ...;
m) … E à interrupção dos contratos estabelecidos com máquinas e trabalhadores que contrataram para tais serviços;
n) O A, na pessoa do Presidente da Câmara Municipal, sabe que a área que é objecto do seu pedido na acção é propriedade privada dos RR.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
IV.I. Documentos juntos com o recurso:
Antes de nos centrarmos na substância do recurso, cumpre conhecer, a título oficioso, da admissibilidade nesta instância dos documentos n.º s 3, 4 e 5 juntos pelos Recorrentes.
Como é consabido, a prova deve ser efectuada, por princípio, perante o Tribunal de 1ª instância, sendo certo que, no modelo de recurso que entre nós vigora (modelo de reponderação por oposição ao modelo de reexame), ao Tribunal da Relação não incumbe fazer um novo latitudinário julgamento da causa, mas, em termos mais limitados, fazer a reapreciação da decisão do Tribunal de 1ª instância nas mesmas condições em que aquele a proferiu, nomeadamente, tendo em conta apenas as provas que as partes apresentaram nos momentos processuais definidos para o efeito e que ali foram sujeitas a contraditório. [2]
A única excepção a este princípio refere-se às questões de conhecimento oficioso, relativamente às quais o Tribunal de 2ª instância deve delas conhecer (proporcionando os autos os elementos essenciais para esse efeito), mesmo que não tenham sido invocadas e decididas pelo Tribunal de 1ª instância.
No entanto, uma coisa são questões – pedido, causa de pedir; excepção, causa de pedir; contra excepção, causa de pedir – e outras, sãos os meios de prova que servirão de meio de demonstração dos factos que, depois, permitirão ao Tribunal conhecer das questões suscitadas pelas partes ou, em última análise, conhecer das questões de conhecimento oficioso.
Feita esta referência, quanto à junção de documentos para além do encerramento da discussão em 1ª instância, prevê o artigo 425º, do CPC, que “ Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Por outro lado, ainda, segundo o n.º 1 do artigo 615º, do mesmo Código, “ As partes apenas podem juntar documentos nas alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Com efeito, visando a prova, a demonstração de factos relevantes para a resolução do litígio, é compreensível que essa sua pertinência cesse, em regra, com o encerramento da discussão, pois que, uma vez encerrada a discussão, cabe já ao Tribunal fixar os factos em função dos meios de prova que os autos lhe disponibilizam até esse momento limite.
Depois deste momento, apenas é possível congeminar a junção excepcional de documentos nos termos do artigo 651º, n.º 1, do CPC, em sede de recurso de apelação, (i) no caso de documentos objectiva ou subjectivamente supervenientes [isto é, que só foram produzidos após aquela data limite ou, de que a parte só teve conhecimento após aquela mesma data, para o que terá que efectuar a parte interessada, neste último caso, prova dessa superveniência subjectiva), ou, ainda, ii) no caso de documentos cuja junção aos autos se tenha vindo a revelar necessária com a prolação da sentença proferida, o que (só) pode justificar-se pela imprevisibilidade do resultado, isto é quando a sentença se baseie em outro meio de prova não oferecido pelas partes ou que se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as mesmas não podiam, actuando com a diligência e prudência medianamente exigível, contar ou prever. [3]
Nesta perspectiva, conforme tem sido posição unânime da jurisprudência, não é admissível a junção de documentos em 2ª instância de um documento potencialmente útil à decisão da causa, mas que esteja relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabiam estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado alcançado em 1ª instância ou, ainda, de documentos potencialmente úteis mas que contendem com a solução jurídica que a parte tinha o dever, agindo com alguma prudência e cautela, de prever, não estando, pois, em causa uma qualificação ou interpretação absolutamente inovatória ou estranha à discussão jurídica já antes levada cabo no processo.
Ora, dito isto, os documentos que os Recorrentes pretendem que sejam admitidos nesta instância (3), não preenchem nenhuma das ditas condições.
Desde logo, os documentos em causa não são objectivamente supervenientes, pois que trata-se de diplomas legais datados de 1815-1816, 1838 e 1911.
Também não se podem qualificar como subjectivamente supervenientes, pois que não existe qualquer prova – que incumbia aos Recorrentes fazer – de que os ditos documentos apenas chegaram ao seu conhecimento pessoal depois do encerramento da causa em 1ª instância.
E, por último, também não se podem qualificar como documentos necessários em razão da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, sendo certo que o Tribunal de 1ª instância não fez uso oficioso de qualquer meio de prova para o julgamento da matéria de facto alegada e controvertida – que se mostra definida/estabilizada desde o encerramento da fase dos articulados – e, ainda, não conheceu de nova questão de direito que, desde o início, não estivesse em discussão e da qual as partes estavam (ou deviam estar) cientes, qual seja, em termos essenciais, a natureza da parcela de terreno em causa nos autos e a sua integração ou não no domínio hídrico público do Estado e, em especial, nesse contexto, a questão de saber se o dito terreno, antes de 1864, era propriedade privada, baldio municipal ou, ainda, propriedade do próprio município de Estarreja, àquela data.
De facto, esta discussão perspassa por todo o processo e pela posição que ambas as partes nele defendem em termos opostos, não existindo, pois, uma decisão surpreendente e com a qual as partes, agindo com a prudência normal, não pudessem contar.
O que significa, pois que, em nosso julgamento – e sem prejuízo de este Tribunal fazer ele mesmo a consulta de tais documentos (pois que se trata de diplomas legais, a que o Tribunal tem, necessariamente, acesso, enquanto documentos públicos) -, os aludidos documentos, enquanto documentos juntos pelos Recorrentes, não podem deixar de não ser admitidos, pois que não ocorrem as condições previstas no artigo 651º, n.º 1, do CPC, para a sua junção por iniciativa da parte recorrente.
Concluindo, não se admite a junção dos documentos n.ºs 3, 4 e 5 oferecidos pelos Recorrentes com as suas alegações.
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IV.II. Impugnação da decisão de facto:
Como é consabido, é hoje entendimento unânime, reforçado pelo preceituado no artigo 662º, do novo CPC, que, no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que assistem ao juiz em 1ª instância, em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo, nesse contexto, sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras da experiência e da lógica na apreciação dos meios de prova produzidos (valoração crítica), como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto.
Neste sentido, como refere A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 235-236, a Relação, “ … Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607º, n.º 5) ou da aquisição processual (art. 413º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo.
Trata-se, pois, segundo cremos, no âmbito da modificação da decisão de facto – delimitada, por princípio, pela estrita iniciativa processual da parte interessada quanto aos pontos da matéria de facto de cujo discorda -, de o Tribunal da Relação dever procurar formar a sua própria e autónoma convicção, sujeito às mesmas regras de direito probatório material aplicáveis em 1ª instância, reapreciando, nesse contexto, não apenas os meios de prova indicados pelas partes, mas, ainda, todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência, estabelecendo e deixando expressa, assim, a sua própria convicção e introduzindo na decisão de facto provinda do Tribunal de 1ª instância as modificações que julgue devidas em função dessa sua convicção.
Note-se que, neste outro contexto, como tem sido acentuado pela mais recente jurisprudência e decorre do citado artigo 662º, do CPC, não é suposto, para efeitos de alteração da decisão de facto provinda do Tribunal de 1ª instância, a existência de um erro ostensivo ou grosseiro, bastando, apenas, que a autónoma e livre convicção formada pelo juiz no Tribunal da Relação se revele, à luz da apreciação crítica da prova produzida, distinta da convicção formado pelo juiz de 1ª instância, sem prejuízo de se reconhecer que este último, em razão da oralidade e da imediação, está, à partida, em melhores condições para a percepção e julgamento dos factos controvertidos. No entanto, importa salientá-lo, esta circunstância – que é inegável - não constitui obstáculo a que o Tribunal da Relação reaprecie a decisão de facto e que nela introduza as alterações que, em função da sua própria apreciação crítica da prova, se justifiquem, justificando, de forma objectiva e racional, a sua divergência.
Com efeito, como dá nota, ainda, o mesmo Autor, op. cit., pág. 243, por via do segundo nível de jurisdição de facto que o sistema adjectivo visa assegurar, “ … A Relação poderá modificar a decisão da matéria de facto se puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado. “ [4]
No entanto, importa, ainda, neste contexto, a bem da transparência da decisão, dar nota que o Tribunal da Relação, no caminho a trilhar para o estabelecimento da sua própria e autónoma convicção, não tem que fazer uma análise exaustiva de todos e cada um dos meios probatórios invocados pelas partes, invocados pelo Juiz e/ou disponibilizados pelo processo, bastando que estabeleça e analise, em termos autónomos, aqueles que, em seu julgamento, se revelam decisivos para a formação da sua própria e independente convicção, seja ela igual ou distinta da firmada pelo juiz de 1ª instância, seja ela igual ou distinta da que é defendida pelo Recorrente.
Neste sentido, como se sumaria em termos lapidares no AC STJ de 7.09.2017, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Tomé Gomes, disponível in www.dgsi.pt, cuja posição vimos seguindo em sede de impugnação da decisão de facto nos acórdãos por nós relatados, escreveu-se o seguinte: “ 1. É hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa. 2. No âmbito dessa apreciação, dispõe o Tribunal da Relação de margem suficiente para, com base na prova produzida, em função do que for alegado pelo impugnante e pela parte contrária, bem como da fundamentação do tribunal da 1.ª instância, ajustar o nível de argumentação probatória de modo a revelar os factores decisivos da reapreciação empreendida. 3. Todavia, a análise crítica da prova a que se refere o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, mormente por parte do Tribunal da Relação, não significa que tenham de ser versados ou rebatidos, ponto por ponto, todos os argumentos do impugnante nem que tenha de ser efectuada uma argumentação exaustiva ou de pormenor de todo o material probatório. Afigura-se bastar que dessa análise se destaquem ou especifiquem os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do tribunal. 4. Também nada obsta a que o tribunal de recurso secunde ou corrobore a fundamentação dada pela 1.ª instância, desde que esta se revele sólida ou convincente à luz da prova auditada e não se mostre fragilizada pela argumentação probatória do impugnante, sustentada em elementos concretos que defluam da prova produzida, em termos de caracterizar minimamente o erro de julgamento invocado ou que, como se refere no artigo 640.º, n.º 1, aliena b), do CPC, imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida. “ [5]
Destarte, sendo cumpridos os ónus prescritos no artigo 640º, do CPC, deve (poder vinculado) o Tribunal da Relação reapreciar a prova produzida nos moldes acima expostos, tendo em vista a reapreciação da decisão de facto quanto aos pontos ou afirmações de facto contidos na sentença e impugnados pelo Recorrente.
É o que se fará em seguida, analisando os meios de prova que, ponto por ponto, os Recorrentes invocam e que, segundo advogam, deveriam impor decisão diversa.
Em primeiro lugar, impugnam os Recorrentes os pontos 11, 12, 13, 14, 17, 19, 22, 23 e 35 do elenco dos factos provados (vide conclusão 6).
Relativamente a estes pontos, em primeira linha, sustentam os Recorrentes que os mesmos deveriam ter sido julgados como não provados ou, concedendo-se, a serem julgados como provados, nesta hipótese, deveriam ter sido julgados tal como consta da conclusão 13 do recurso e não como constam da sentença recorrida.
Vejamos.
Para sustentar a sua convicção quanto a esta matéria, o Tribunal de 1ª instância aduziu a seguinte fundamentação: (sic)
Nºs. 11 a 25 dos Factos Provados: depoimento das testemunhas: - HH, de 88 anos de idade, que disse conhecer a ... e a Praia ... desde pequenito. Também sempre aí conheceu a chamada casa dos Marinheiros ou Posto dos Marinheiros. A Praia ... era utilizada livremente por todas as pessoas. Colocavam lá o guarda-sol e tomavam banho. Havia uma prancha de saltos. O passeio de cimento foi construído mais tarde. A praia estendia-se desde um bar instalado num barco de arte xávega, conhecido como “O Barquinho” até ao barracão dos hidroaviões. E as pessoas utilizavam-se de toda esta extensão de areia. Nas alturas de maior afluência (julho/agosto) havia lá um nadador-salvador. O Sr. ZZZ explorava as barracas de praia que as pessoas alugavam à semana ou à quinzena. A praia está hoje muito mais limpa e arranjada do que quando era rapazote, mas é a mesma praia. Sempre se recorda do Posto dos Marinheiros. Existia lá uma guarnição. Chegou a ir lá renovar as licenças das suas bateiras. Sempre entrou livremente no Posto dos Marinheiros. Pensava que era um sítio público. Antes da abertura da EN ... havia um “monte” de areia a poente do local onde foi aberta a EN ... e as pessoas iam também para lá tomar banhos de sol. As barracas do Sr. ZZZ ficavam do lado nascente da estrada, junto à água; - II, de 85 anos de idade, agricultor, que disse ser de ..., ..., do outro lado da ria. Foi vereador da Câmara ... desde 1975 até 1985 (data da morte do XX, que era o presidente da Câmara). Foi depois presidente da Câmara durante um curto período até às eleições. E foi depois vereador durante mais de dois mandatos. Tem uma propriedade do lado da ria onde fica a Praia .... Nunca a frequentou como praia, pois os seus afazeres não lho permitirem. Desde os seus 7 anos que vê frequentar a Praia ... como praia. Nunca a viu ser cultivada. A praia estendia-se desde a casa dos marinheiros, a norte, até a um bar montado num barco de arte xávega a sul. A sul deste barco havia, ainda, um navio restaurante que ardeu. Desde o barracão dos hidroaviões até ao navio restaurante era tudo praia, e para poente até ao passeio largo em cimento. Sempre conheceu a Casa dos Marinheiros naquele sítio. Havia lá uma brigada de marinheiros e era aí que os pescadores iam tirar as licenças. A Câmara Municipal na época balnear levava para lá areia; - JJ, de 83 anos de idade, foi bancário e, durante 4 mandatos (até 2013) presidente da Junta de Freguesia .... É amigo do 2º R.. Enquanto presidente da Junta de Freguesia ..., quando tinha algum problema mais grave com o ..., colocava-o à consideração da Câmara Municipal ... e esta resolvia-o. Confrontado com a planta junta a fls. 313 dos autos disse que no local correspondente à mancha amarela sempre viu uma praia, a Praia .... Começou a frequentar aquela praia com 15, 16 anos. Havia lá um nadador-salvador. A parte mais estreita, aquela que se situa em frente ao posto da Polícia Marítima e daí até ao barracão dos hidroaviões, era a parte mais chique, aquela onde se instalavam as pessoas que vinham de Lisboa e as que tinham filhos a estudar na universidade. As restantes pessoas instalavam-se mais a sul, na parte mais larga. Ao abrigo da Casa dos Marinheiros havia um bar de gelados. Os guarda-sóis eram pagos. A Capitania tinha lá um cobrador. Existia uma prancha de saltos quase a meio da praia. Havia areia que desaparecia com o vento e a Câmara Municipal trazia areia da praia do mar e espalhava-a na Praia ..., tanto antes do mandato da testemunha como depois. Havia contentores do lixo junto à Estrada e o lixo era retirado por pessoal da Câmara. A praia tinha um aspeto diferente de verão e de inverno. A vegetação crescia e a Câmara limpava mais de verão. Mas, mesmo de inverno, se a vegetação era exagerada a testemunha pedia à Câmara para limpar a praia. Outras vezes era preciso fazer a limpeza, mesmo de inverno, devido aos detritos trazidos pela ria. A areia que os ventos traziam para o paredão (da praia de mar) era sempre trazida para a Praia ... e estendida ao longo da praia. Havia apenas algumas árvores na zona que consta a branco no mapa, junto à Casa dos Marinheiros. Havia um acesso direto da EN nº ... ao portão da Casa dos Marinheiros. Viu o R. BB uma única vez a fazer uma limpeza com uma máquina, na Praia ..., pouco antes da instauração da providência cautelar, estranhou, comunicou o facto à Câmara Municipal e esta encarregou-se do assunto. Chegou a estar uma guarnição na Casa dos Marinheiros até à década de 90 do século XX. No início da sua juventude ia para a Praia ... pela beira-ria. Havia uma pequena estrada, que não era como a que lá está hoje; - KK, de 87 anos de idade, agente da Polícia Marítima, reformou-se há cerca de 30 anos. A Praia ... fazia parte da área que tinha de fiscalizar. Era conhecido como cabo do mar. Antes de ser cabo do mar, esteve como marinheiro na Casa dos Marinheiros. A testemunha passava licença aos particulares que armavam barracas particulares e guarda-sóis. E havia um concessionário de barracas durante três meses ao ano. Era a Capitania que “legalizava” as barracas do concessionário. Para ocupações mais duradouras (por exemplo, o café do Sr. AAAA), as “licenças” eram emitidas pela JAPA (atual APA). A praia era utilizada na sua totalidade. Desde o passeio até à ria e desde a o barracão dos barcos para sul até um barquinho de arte xávega coberto que funcionava como bar. As pessoas utilizavam aquela praia como se fosse pública. Nunca se apercebeu nem lhe constou que alguém reclamasse a propriedade da praia; LL, de 80 anos de idade, professor e informático, que disse ser do Monte, ..., e que desde que se recorda (desde muito pequeno) que frequenta a ..., designadamente a Praia .... Era fraquito e o médico aconselhou praia. Tinha duas irmãs mais velhas, uma delas com mais 10 anos, que gostavam de ir à Praia ... e que o levavam com elas. A mãe deixava-o ir sozinho com as irmãs a esta praia, mas não à praia de mar que era perigosa. Quando começou a ir à Praia ... ainda não havia a EN nº ... que rasgou um bocado a duna do .... A duna que deu o nome a esta zona descia até à praia. Recorda-se de estar no próprio ..., na encosta virada a nascente, pequenito, com as irmãs e as amigas da irmã, antes da construção da estrada, a apanhar sol. As pessoas frequentavam todo o areal até à ria. A praia foi sempre utilizada por todos, era do povo, era uma praia. Havia um banheiro que alugava barracas. Frequentou a praia até meados dos anos 80. Continua a passar por lá e vê sempre muita gente, principalmente aos fins-de-semana. Havia areia desde o barracão dos hidroaviões até ao barco de arte xávega que estava transformado num bar, na parte sul do .... Quem queria utilizava a Praia .... Nunca ninguém disse que esta era propriedade privada. Recorda-se da Casa dos Marinheiros desde muito novo; aproveitava-se o abrigo da casa para estender a toalha quando havia vento do norte. Tinha lá normalmente marinheiros. A testemunha BBBB, de 68 anos de idade, indicada pelos RR. ao nº 12 dos Factos Provados, e amiga do R. BB, também se recorda do bar instalado num barco de pesca de arte xávega. Este situava-se no estremo sul da praia e a praia estendia-se para norte. A testemunha CCCC, de 54 anos de idade, indicada ao nº 23 dos Factos Provados, disse ser funcionário do Município da Murtosa desde 03/12/1990, exercendo as funções de chefe da divisão administrativa e financeira. Exerceu funções de notário privativo do Município. Fez centenas de escrituras, lia-as sempre da primeira à última linha e explicava-as. As confrontações que coloca nas escrituras vai buscá-las aos documentos apresentados. Nunca fez análise crítica às confrontações apresentadas. Só controla se os documentos são os oficiais. A testemunha MM, de 57 anos de idade, indicada ao nº 23 dos Factos Provados, disse ter explorado um quiosque de gelados no .... Ia buscar as licenças à JAPA, na Capitania do Porto de Aveiro. E na Câmara Municipal, nos anos 90, pediam-lhe a autorização da D. DDDD (tia dos RR.). Esta dizia-lhe que tinha de aguardar alguns dias para os sobrinhos assinarem. Começou por dizer que colocava o quiosque entre o passeio e os pinheiros, por baixo dos pinheiros, antes de chegar ao Posto dos Marinheiros. Depois, acrescentou que o colocava em cima da areia, entre o passeio e a praia.
Dos documentos juntos pela Interveniente a fls. 191/200 constata-se que o passeio-esplanada foi construído pela Junta de Turismo ..., em 1968, ao longo da EN nº ..., alegadamente “em terreno do domínio público”.
Confrontados com os ditos meios de prova, em abono da sua impugnação, invocam os Recorrentes os depoimentos das testemunhas HH, II, JJ, KK e LL – para afirmarem que de tais depoimentos não é possível extrair a prova dos factos acima referidos -, da testemunha MM e NN, conjugados estes meios de prova pessoal com a realidade resultante da inspecção ao local, com as fotos juntas pelo Autor com a providência cautelar (fls. 24 a 29), com a petição inicial (documentos 1 e 2), com as fotos juntas com o requerimento dos RR de 2.07.2018 (em que é possível visualizar o local em 1955, em 2010 e em Maio de 2018), de tudo resultando que a praia fica situada em frente à casa dos marinheiros e desta até ao barracão dos hidroaviões e que a mesma só foi utilizada como paria após a construção da EN n.º ..., construção essa que teve lugar entre 1955 e 1960, ou seja, que a praia não existe “ desde tempos imemoriais “.
Este Tribunal, em função dos meios probatórios convocados pelos Recorrentes e dos meios probatórios que, na sentença recorrida, serviram de suporte à convicção do Tribunal de 1ª instância, procedeu à audição integral nesta instância dos depoimentos das testemunhas HH, II, JJ, KK, LL.
Ora, basta ouvir atentamente os ditos depoimentos para deles se alcançar que a matéria dos pontos 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25 colhe pleno apoio naqueles meios de prova pessoal, seja, não só pelo tom seguro, sereno e imparcial dos depoimentos em causa, como, sobretudo, pelo conhecimento directo/pessoal que as testemunhas revelaram sobre os factos em apreço e que confirmaram, conhecimento esse proveniente da circunstância de serem pessoas que conhecem e frequentam o local em apreço desde crianças e jovens, sendo certo que todas elas têm idade igual ou superior a 80 anos.
Na verdade, escutados os seus depoimentos, o rigor, o pormenor e a razão de ciência evidenciada pelas ditas testemunhas, assim como ponderando que as mesmas nenhum interesse têm quanto ao objecto do litígio, tudo nos conduz, segundo as regras da lógica e da experiência – em total sintonia com a avaliação probatória efectuada pelo Tribunal de 1ª instância -, a ter como provada a matéria de facto feita constar dos pontos antes referidos, matéria esta que resulta evidenciada, repete-se, do conhecimento directo, pessoal das testemunhas, que narraram, em termos seguros e absolutamente plausíveis/razoáveis, as razões e as circunstâncias em que tomaram conhecimento dos factos a que depuseram e que, repete-se, confirmaram na íntegra e tal como constam da factualidade provada.
Já no que diz respeito ao depoimento da testemunha MM, que também escutámos nesta instância, dele não colhemos qualquer elemento que possa contrariar os factos acima referidos, sendo certo, aliás, que a testemunha só revelou conhecer e frequentar o local em apreço já depois da construção da EN n.º ..., nada sabendo sobre a praia antes daquela data e da sua utilização. Neste conspecto, o seu depoimento é totalmente irrelevante no contexto do julgamento da matéria de facto antes referida e, em particular, não coloca em causa a convicção que, a partir dos demais depoimentos, é possível estruturar e firmar.
Relativamente ao depoimento da testemunha NN, sem prejuízo da sua qualidade de ex-Presidente da Câmara Municipal ..., o mesmo, com o devido respeito, revelou-se-nos, quando colocado em confronto com os demais depoimentos das testemunhas HH, II, JJ, KK, LL, como pouco assertivo, desleixado e vago, apelando a conjecturas e juízos de valor claramente opinativos, numa clara – mas pouco conseguida – tentativa de corroboração da posição dos RR e da tese ou versão defendida por estes.
Em suma, o seu depoimento, repete-se, sem desconsiderar os conhecimentos que o mesmo tem do local, até pelas funções que exerceu, afigurou-se-nos pouco rigoroso, algo tendencioso e enquistado à posição e versão defendida pelos RR no presente processo, versão esta que, acentua-se, apenas colhe apoio, de facto, na versão da testemunha NN, mas já não colhe qualquer apoio na versão trazida a juízo pelas testemunhas HH, II, JJ, KK e LL, as quais, pelo conhecimento directo, pelo rigor e equidistância que revelaram face ao conflito ora em causa, nos merecem, indubitavelmente, um crédito superior.
Com efeito e como já o dissemos em outras situações semelhantes a esta, o tribunal não está impedido de dar maior crédito a uma versão em detrimento, naturalmente, da versão oposta, desde que esse superior crédito se mostre objectivamente justificado, segundo uma análise crítica, prudente, rigorosa e séria das várias versões trazidas a juízo, sendo, aliás, essa a função dos Juízes, qual seja a de não serem meros receptáculos de depoimentos, antes os devendo ponderar em conjunto toda a prova, apreciando-a criticamente e decidindo segundo aquela que é a sua livre (não arbitrária) convicção, ou seja, aquilo que é o mais razoável, o mais credível, o mais provável, para o que contribui, obviamente, a serenidade, a objectividade, a seriedade, a imparcialidade e conhecimento directo dos factos por parte das testemunhas, quando conjugados com todos os demais meios de prova.
Por último e quanto a esta matéria de facto ora em apreciação é, ainda de dizer, que a versão dos factos narrada pelas ditas testemunhas não se nos mostra minimamente posta em crise pelo conjunto de documentos invocados pelos Recorrentes, que nos são acessíveis e que consultámos, sendo certo que, ao contrário do que as mesmas sustentam, essas fotos não desdizem ou afastam a versão que as testemunhas antes referidas deram quanto à praia, quanto à sua configuração e quanto à sua utilização, seja antes, seja depois da construção da EN n.º ..., ainda que todas tenham reconhecido que, naturalmente, só após a construção da dita estrada, a praia passou a ter uma utilização mais intensiva e a ser procurada por mais pessoas, embora, insiste-se, ela já existisse (com outra configuração física, pois que a estrada cortou o areal/duna de areia ali existente e que descia até à beira-rio) e fosse utilizada inicialmente apenas pelas pessoas da beira-ria que aproveitavam das condições do local e da proximidade da Ria de Aveiro para banhos de sol e de água da Ria de Aveiro, sendo certo que a praia oceânica, como foi referido pela testemunha LL era mais longínqua e até perigosa.
Por conseguinte, quanto aos aludidos pontos 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 21, 22, 23, 24 e 25, procedendo-se à análise crítica da prova pessoal e documental produzida e antes referida não se vislumbram razões para divergir da convicção formada pelo Tribunal de 1ª instância quanto à mesma, convicção essa que, não só colhe apoio na prova pessoal produzida – não desmentida por qualquer outra -, como, ainda e sobretudo, colhe apoio na sua apreciação crítica, ou seja, segundo as regras da experiência e da lógica.
A nossa única divergência, face aos ditos meios de prova, que, como se disse, voltámos a ouvir e a analisar criticamente, reside apenas nos pontos 11 e 19, mas apenas quando ali se faz referência a “ desde tempos imemoriais “, na medida em que – aqui em consonância com a posição dos Recorrentes -, em nosso julgamento, à luz dos mesmos depoimentos e do conjunto de documentos juntos aos autos, não existe prova bastante que sustente essa afirmação de facto.
A expressão tempos imemoriais, como referem os Recorrentes, tem a ver com algo de que os próprios vivos (as testemunhas) não conheceram ou já não têm memória pessoal; São, pois, factos que vão para além do nosso conhecimento e da nossa própria memória pessoal, a que não assistimos ou presenciámos e de que só os antigos (já falecidos) terão tido conhecimento. [6]
Ora, sendo assim, de facto, analisados aqueles meios de prova pessoal, não há base probatória para se poder afirmar que a praia em causa (com a configuração acima referida e mesmo antes da construção da EN n.º ...) existe desde tempos imemoriais; O que, segundo cremos, se pode afirmar com algum rigor e prudência, à luz dos ditos depoimentos – que temos por decisivos para a matéria ora em causa - é tão-só que, desde há, pelo menos, mais de 70 anos (recorde-se que todas as referidas testemunhas têm mais de 80 anos e todas elas deram, como se disse, nota da existência da praia, para banhos de sol e banhos na ria, desde a sua meninice ou juventude) existia uma praia na beira-ria denominada de Praia ... (por ser, antes da construção da dita EN constituída por uma duna em areia que se estendia em declive até à beira-ria) e, ainda, que, depois, já após a construção da EN n.º ... (entre 1955 e 1960), essa praia passou a ser utilizada pela generalidade das pessoas que ali se deslocavam, seja através da armação de barracas de praia, colocação de guarda sóis, estendendo toalhas, deitando-se na areia, jogando, brincando e tomando banho na ria.

Destarte, apenas quanto aos aludidos pontos da matéria de facto impugnados pelos Recorrentes, decide-se alterar a decisão de facto nos seguintes termos:
a) – Manter os pontos 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 21, 22, 23, 24 e 25 tal como constam da sentença;
b) – Alterar apenas os pontos 11 e 19 que passam a ter a seguinte redacção:
11. Na freguesia ... existe, pelo menos, desde há cerca de 70 anos, uma zona de praia de areia na beira-ria (Ria de Aveiro), denominada de Praia ....
19. Desde, pelo menos, a construção da EN n.º ... (entre 1955 e 1960), que liga a ... a ..., as pessoas utilizam indiscriminadamente a Praia ..., ali armando barracas de praia, colocando guarda-sóis, estendendo toalhas, deitando-se na areia, jogando, brincando e tomando banhos na Ria.
Em seguida colocam em causa os Recorrentes a factualidade constante dos pontos 37 e 38, a qual, segundo advogam, deveria constar do elenco dos factos não provados.
Nos pontos em causa consta o seguinte:
37. Todos os anos, durante a época balnear, o Município da Murtosa coloca, na praia, areia branca que vai buscar à orla marítima.
38. No dia 22 de Maio de 2007, a CM da ... transportou 400 m3 de areia da praia oceânica para a Praia ....
Relativamente a esta matéria cumpre dizer tão-só o seguinte: - a factualidade em causa é, no contexto da presente acção, totalmente irrelevante, pois que, quer julgada como provada, quer julgada como não provada, a dita factualidade rigorosamente nada acrescenta de relevante ao objecto do litígio e à sua decisão jurídica e, em especial, à solução da questão essencial de saber, na perspectiva dos RR/Recorrentes, se a praia em causa, rectius, a parcela de terreno em disputa, se situa no domínio público hídrico ou, ao invés, se a mesmo faz parte do prédio (propriedade privada) dos RR/Recorrentes ali sito.
Neste sentido, em matéria de impugnação da decisão de facto vale, em nosso ver e conforme já o decidimos em outros acórdãos, uma regra que se pode dizer prévia ou prejudicial quanto à reapreciação da decisão de facto reclamada do Tribunal da Relação.
Essa regra, que vem sendo sucessivamente reafirmada pela jurisprudência, é a de que a impugnação da decisão de facto não é um fim em si mesmo antes assume caracter instrumental face à pretensão do Recorrente, no sentido de que só colhe sentido e utilidade o Tribunal da Relação conhecer da impugnação da decisão de facto se, à luz do enquadramento jurídico aplicável ao litígio em causa, a alteração da factualidade provada ou não provada assumir interesse efectivo para o acolhimento da pretensão do Recorrente e para o provimento do recurso.
Nesta perspectiva, a impugnação da decisão de facto é um meio ou um instrumento que a lei adjectiva coloca funcionalmente ao dispor do Recorrente apenas para, através dele e da consequente alteração da decisão de facto, atingir a alteração do sentido decisório acolhido pelo Tribunal de 1ª instância e a consequente procedência, total ou parcial, do recurso por si interposto.
Como assim, conforme tem sido reafirmado pela jurisprudência, a impugnação da decisão de facto não pode ser vista de forma autónoma e independente face ao resultado que o Recorrente visa alcançar através do recurso e, nesse contexto, desligada do quadro jurídico aplicável ao concreto litígio em causa, sendo certo que o Tribunal não visa, através da sua actividade jurisdicional, resolver dúvidas ou problemas abstractos ou teóricos, mas, de forma pragmática, resolver um concreto litígio em face das específicas regras de direito que se lhe mostrem aplicáveis.
Por conseguinte, se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante/inócuo para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser inócuo ou insuficiente para efeitos decisórios.
Quer isto dizer, em suma, que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto objecto da impugnação não for susceptível de, face ao quadro normativo aplicável e às regras do ónus de prova, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente ou inútil. [7]
Neste mesmo sentido, se pronuncia A. Geraldes quando refere que “ … de acordo com as diversas circunstâncias, isto é, de acordo com o objecto do recurso (alegações e, eventualmente, contra-alegações) e com a concreta decisão recorrida, são múltiplos os resultados que pela Relação podem ser declarados quando incide especificamente sobre a matéria de facto. Sintetizando as mais correntes: (…) abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados.» [8] [sublinhados nossos]
Ora, neste contexto, é isto que sucede, precisamente, com os pontos 37 e 38 da factualidade provada impugnados pelos Recorrentes, pontos esses que nenhum relevo assumem para a decisão do objecto do litígio e do presente recurso, razão pela qual não há que conhecer do fundamento da impugnação deduzida, mantendo, ao invés, os ditos pontos da factualidade julgada como provada.
Por outro lado, ainda, impugnam também os Recorrentes o ponto 43 do elenco dos factos provados, defendendo que a dita factualidade deveria ter sido julgada como não provada.
No dito ponto 43 mostra-se provado que para limpar a praia (vide ponto 42) e remover os detritos aí colocados pelos RR, o Autor teve de despender € 1. 227, 88.
A matéria em causa, como consta da respectiva fundamentação da sentença, foi julgada como provada pelo depoimento da testemunha QQ, que se limitou a dar conta da razoabilidade dos valores em causa e constantes do documento de fls. 28 dos autos, que lhe foi exibido.
Nesta matéria sustentam os mesmos Recorrentes, no essencial, que a testemunha QQ não assistiu aos trabalhos em causa, não soube quanto tempo foi neles gasto, não soube as máquinas que alegadamente neles foram empregues e quantos os homens que efectuaram tais trabalhos, sendo certo, ademais, que o dito documento de fls. 28 não vem acompanhado de qualquer documento de suporte a tal alegada despesa.
Em nosso julgamento, em sentido concordante com os Recorrentes, não vemos que a dita matéria de facto possa ser dada como provada à míngua de prova quanto à mesma.
Com efeito, a testemunha QQ, engenheiro civil e funcionário da Câmara, única testemunha que depôs sobre tal matéria, não participou nos trabalhos em causa, nem os verificou, dando apenas nota que os mesmos terão sido efectuados e que os valores apresentados no documento de fls. 28 são os comuns/razoáveis à data, Julho de 2007, embora, como também esclareceu, não saiba quanto tempo foi despendido nesses trabalhos e quantos homens e máquinas em concreto ali se deslocaram.
A testemunha confirmou, portanto e apenas o documento de fls. 28 e opinou sobre a razoabilidade dos valores ali inscritos em tese geral e partindo do pressuposto de que os elementos ali constantes são verdadeiros.
Ora, com o devido respeito, estando em causa uma Camara Municipal julgamos que é de exigir mais, no sentido de que, no mínimo, seria suposto que a dita entidade tivesse em seu poder a identificação da empresa que deu de aluguer as máquinas em causa (camião, máquina retro escavadora, máquina de rasto, máquina de limpeza de praia), que detivesse uma factura ou recibo de tais serviços alegadamente prestados ou, ainda, o meio de pagamento daqueles valores.
Não se coloca em causa que os valores sejam razoáveis ou apropriados para a época (2007) ou, ainda, que a Autora tenha efectuado a limpeza da praia na sequência do antes sucedido, mas estando em causa a exigência de reembolso a terceiros de alegadas despesas efectuadas pela CM da ... com tais trabalhos, não basta, em nosso ver, para demonstrar-se a realização efectiva daqueles concretos trabalhos e daquelas despesas, apresentar-se apenas um documento com o somatório de várias parcelas, sem qualquer timbre oficial, sem menção a qualquer empresa que tenha executado os serviços em causa, ou, admitindo, que os serviços tenham sido realizados por maquinaria e funcionários da própria Câmara, sem qualquer elemento que permita aquilatar da verificação e confirmação pela mesma Câmara ou por alguém responsável pela fiscalização dos seus serviços, da execução dos serviços em causa, do tempo despendido, dos meios humanos e materiais empregues ali empregues e, ainda, do comprovativo do pagamento daquele valor.
Note-se, nesta sede, que a alegação da CM da ... e o seu pedido não é no sentido de ser compensada do preço/valor dos trabalhos que ali terá efectuado, procedendo a uma avaliação abstracta do que, em condições normais de mercado, ela gastaria se recorresse a terceiros, mas antes – o que é distinto – que lhe seja pago pelos RR aquilo que ela, CM, efectivamente gastou e pagou para a execução de tais trabalhos a esses terceiros, que ali actuaram em seu nome.
Ora, sendo assim, para essa prova não basta, pelas razões apontadas, o dito depoimento e o documento junto, sendo mister juntar documentos atinentes a tais serviços e ao seu pagamento, o que não sucede.
Por conseguinte, em nosso ver, o documento em causa (que foi impugnado pelos RR), quando conjugado com o depoimento da testemunha QQ (que, repete-se, não teve qualquer intervenção nos alegados trabalhos e apenas os considerou, em termos quantitativos e de preços, razoáveis para a data em referência – sem, no entanto, saber sequer com precisão a situação da praia antes da limpeza da mesma e, portanto, quais os precisos trabalhos que nela eram precisos fazer e os meios humanos e materiais a empregar e durante quanto tempo…), não é bastante, em nosso ver, segundo um juízo de prudência e de rigor, para dar como provada a dita matéria de facto, que deve ser alterada, passando a ter apenas seguinte redacção:
43. A CM da ... procedeu à limpeza da praia e à remoção dos detritos aí colocados pelos RR.
Defere-se, assim, apenas nesta parte, a impugnação da decisão de facto, passando o ponto 43 do elenco dos factos provados a figurar com a referida redacção.
Em seguida, impugnam os RR/Recorrentes a factualidade constante das alíneas c), d), e), f), h), i), j), k) e n) do elenco dos factos não provados, que, segundo advogam, devem passar a constar do elenco dos factos provados tal como por si alegados.
Em alternativa, caso assim não se entenda, quanto às alíneas j) e k), segundo os Recorrentes, pelo menos, deveria julgar-se como provado:
j) Todos os imóveis que resultaram do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob o n.º ..., a fls. 162 verso, e inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo ... têm como limite a Beira-Ria.
k) Apenas tendo sido divididos em duas parcelas pela construção da EN n.º ..., em 1955.
Em alternativa, quanto à alínea n), ainda segundo os mesmos Recorrentes, pelo menos, deveria julgar-se como provado:
n) O Autor sabia que os RR se arrogavam proprietários da área que é objecto do seu pedido na acção e actuou em conformidade com tal propriedade privada dos RR em situações no passado, designadamente aquando da delimitação do domínio público hídrico constante do ponto 10 da factualidade provada.
Nesta conformidade e lógica, dissentem ainda os Recorrentes também dos pontos 44, 45, 46 e 47 do elenco dos factos provados, na parte em que na sua descrição é eliminada a referência a “ terrenos baldios “ e a “ baldios municipais “, sendo esta substituída pela referência a “ terrenos municipais ”.
Decidindo.
Na extensão e prolixidade das alegações (que se repete nas próprias conclusões – longe, portanto, da “ forma sintética “, como o legislador prevê as conclusões do recurso – artigo 639º, n.º 1, do CPC…), é possível descortinar como meios de prova que, na perspectiva dos Recorrentes, deveriam conduzir às respostas que os mesmos propõe, os depoimentos das testemunhas RR, OO, SS, NN, II e MM.
Por outro lado, ainda, invocam os Recorrentes, quanto aos pontos c), d), e), f), i), j) e k) do elenco dos factos não provados, os documentos juntos sob o n.º 12 com a sua contestação, a certidão do registo predial junta a fls. 77/79 da providência cautelar apensa, assim como os documentos juntos com o seu requerimento de 7.04.2011 (fls. 373/461).
Começando a nossa análise pelos meios de prova pessoal, cumpre-nos dizer que da prova pessoal produzida, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas HH, II, JJ, KK, LL, a que já nos referimos no âmbito da reapreciação de outra matéria de facto, não se colhe qualquer apoio para a demonstração da factualidade constante das alíneas c), d), e), f), i), j) e k), o mesmo sucedendo, aliás, com os depoimentos das testemunhas RR, OO, SS, NN, II e MM.
Com efeito, tendo nós escutado na íntegra os ditos depoimentos, o que se colhe, com segurança da ponderação crítica e conjunta dos mesmos é que a zona ora em discussão, constituída pelo areal da Praia ... e até à Beira-Ria, nele incluída a zona onde se situa a denominada casa dos marinheiros, sempre foi considerada pelas pessoas como uma zona pública, que todos utilizavam indiscriminadamente para banhos de sol e para banhos na ria, sendo certo que essa utilização existia antes da construção da EN que liga a ... a ... e continuou a existir após essa construção, ainda que, após esta última construção, de forma mais intensiva.
Resultou, ainda, claro do conjunto dos mesmos depoimentos, em especial dos depoimentos das testemunhas HH, JJ e LL – e não apenas, como pretendem os Recorrentes de uma ou outra alusão esparsa e descontextualizada de algumas testemunhas, nomeadamente de algumas afirmações genéricas das testemunhas RR ou NN – que aquela zona de areal (antes e depois da construção da referida estrada) sempre foi tida como pública, sendo acedida e utilizada por todos nessa convicção, não existindo nota de algum acto material (corpus) de posse levado a cabo pelos Recorrentes nesse espaço que era considerado como praia, sendo certo que nunca lhes foi pedida autorização ou licença para essa ocupação ou utilização da praia, nem nunca existiu qualquer vedação ou limite a essa utilização indiscriminada das pessoas que ali acorriam para fazerem praia nos moldes sobreditos, nomeadamente pelos ora RR/Recorrentes.
Note-se que a única testemunha que afirmou que a parcela de terreno ora em causa (repete-se, a zona do areal que constitui parte da denominada Praia ... e situada a nascente da estrada), nela incluindo, além da zona assinalada a amarelo no mapa, ainda a área de implantação da citada casa dos marinheiros, tudo até à beira-ria, foi a testemunha NN, mas não deu notícia de um único acto concreto e material de posse (v.g., vedação do terreno, limpeza do terreno, etc., etc.) levado a cabo pelos Recorrentes nessa parte (salvo a sua participação na Comissão a que se alude no ponto 10) e não deixando, ainda, de reconhecer que a população sempre utilizou e considerou essa área de areal como pública, a ela acedendo de forma indiscriminada e sem nunca lhe ter sido colocado qualquer limitação ou obstáculo por parte dos RR/Recorrentes.
Ora, com o devido respeito, conjugando a utilização indiscriminada e sem obstáculos que a população fazia daquela zona do areal ora em causa, conjugando a convicção que todos, sem excepção, tinham que aquele espaço era público e, ainda, conjugando a circunstância de nunca ter existido (pelo menos, até à data dos factos que vieram a dar origem ao presente conflito) qualquer acto concreto de posse naquela área de terreno por parte dos Recorrentes, o que é razoável, o que é crível, segundo as regras da experiência e da lógica, é, precisamente, que aquele terreno fosse terreno público, público no sentido de ser uma terreno cuja utilização/fruição era efectuada de forma indiscriminada por todos e sem carecer da autorização de alguém em particular, sobretudo dos ora RR/Recorrentes.
Dito isto quanto à prova pessoal produzida nos autos, relativamente às certidões do registo predial e artigos matriciais juntos a fls. 77/91 dos autos de providência cautelar, os ditos documentos, em particular as certidões do registo predial, como é consabido, apenas fazem prova da existência do direito e de que o mesmo pertence ao titular nele inscrito (artigo 7º, do Cód. Registo Predial) – ainda que sujeita a impugnação, dado o caracter de presunção ilidível -, não constituindo, porém, qualquer prova quanto à área dos prédios inscritos, quanto à sua composição e, ainda, quanto às suas confrontações.
Neste sentido, estes outros factos, ainda que levados ao registo (e concordantes com os artigos matriciais, que, aliás, apenas relevam para efeitos fiscais), não estão abrangidos pela presunção (ilidível) que decorre do citado artigo 7º, do Cód. do Registo Predial e, portanto, não é possível, a partir do registo e daqueles elementos descritivos do prédio em causa (área, composição e confrontações), extrair a prova dos mesmos, sendo certo, ademais, que esses elementos descritivos do prédio em causa, como é consabido, não resultam de qualquer averiguação ou verificação oficiosa, mas da simples declaração do interessado. [9]
Por conseguinte, a partir destes documentos não é possível extrair, de per si e, sobretudo, quando conjugados também com a demais prova pessoal a que antes se fez referência, a conclusão probatória que os Recorrentes pretendem extrair quanto à prova dos factos acima referidos.
No entanto, aqui em dissonância com o Tribunal de 1ª instância, cremos, ao invés, existir prova da factualidade das alíneas c), d), h), i) e k) do elenco dos factos não provados, mesmo que a prova realizada não corresponda estritamente à alegação dos RR/Recorrentes.
Já quanto às alíneas e), f) e j), não existe, segundo julgamos e como se mostra decidido pelo Tribunal de 1ª instância e pelas razões acima expostas, prova que permita dar como assentes esses factos, sendo certo que não é possível definir-se sequer o que seja (sic) “ todos os imóveis que confrontam com o areal do ... “, podendo neles estar incluídos imóveis que nem sequer se discutem na presente acção.
Vejamos, no entanto, quanto às aludidas alíneas c), d), h), i) e k) do elenco dos factos não provados.
Segundo julgamos não é matéria sujeita a discussão que o prédio que é hoje dos RR fazia parte de um terreno dado de aforamento pela CM de Estarreja em finais do século XIX.
Ora, tendo por assente este pressuposto que resulta da factualidade provada sob o ponto 47 (note-se que nem a Autora, nem os RR colocam em causa esta factualidade, esgrimindo apenas a natureza que o terreno possuía à data do aforamento), emerge, em nosso ver, claro dos vários documentos transcritos fls. 755/796 (III volume), a fls. 1241/1257 (V volume), e do documento a fls. 328/334 (II volume – Boletim da Comissão do Domínio Público Marítimo - 1981), que os terrenos dados de aforamento pela CM e que faziam estrema a nascente com a Ria de Aveiro (beira-ria) tinham todos como limite a beira-ria, salvaguardado, no entanto, sempre o limite do domínio público hídrico de 11 metros a contar da linha das máximas preia-mares.
De facto, isso resulta à evidência de todos os documentos atinentes aos foros constituídos pela CM de Estarreja, como também é, aliás, salientado no já referido parecer da Comissão do Domínio Público Marítimo sobre, precisamente, os terrenos situados na Praia ... e a sua delimitação do domínio público hídrico.
Ora, sendo assim, julgamos que a única conclusão lógica a tirar desta constatação em termos factuais – independentemente da solução jurídica do litígio que a seu tempo se exporá – é que, de facto, o terreno de que os RR são titulares inscritos (o prédio referido em 8 dos factos provados) se estendia a nascente da EN n.º ... até à beira-ria, salvaguardada sempre a zona do domínio hídrico (os já referidos 11 metros a partir da linha das máximas da preia-mar) - e que, como tal, abrangia também a zona norte e o terreno referido em d) do elenco dos factos não provados, sendo certo que é indiscutido que toda essa zona fica situada para aquém da dita linha das máximas da preia-mar, ou seja, fora daquela (obrigatória e intransponível) zona do domínio público hídrico.
Como assim, em nosso julgamento, os factos constantes das alíneas c) e d) devem passar a constar do elenco dos factos provados, em sentido oposto ao decidido pelo Tribunal de 1ª instância.
Por outro lado, em decorrência lógica do antes exposto, tal significa, necessariamente, que o dito terreno que ia, como se disse, a nascente até à beira-ria (sem prejuízo da zona de 11 metros a contar da linha máxima de preia-mar), foi, com a construção da EN n.º ..., cortado e dividido em duas parcelas, uma situada a poente da dita estrada (e que não está em discussão nos autos), e uma outra a nascente da mesma estrada e até à beira-ria, que é zona que ora está em causa e que constitui o objecto essencial dos presentes autos.
Destarte, em nosso julgamento, a matéria constante da alínea k) deve também ser julgada como provada, ainda que apenas com a seguinte redacção:
O prédio inscrito em favor dos RR e referido em 8 dos factos provados foi, com a construção da EN n.º ..., dividido em duas parcelas, uma situada a poente daquela estrada e outra situada a nascente da mesma estrada.
Por último, quanto à alínea i) dos factos não provados também é nosso julgamento que o mesmo deve ser julgado como provado, ainda que com redacção diversa da que ali consta.
De facto, resulta à evidência, além do mais do dito parecer da Comissão do Domínio Público antes referida datada de 1981, que o Réu AA interveio em 1970 (quando era ainda o único proprietário do prédio em causa, pois que só transmitiu uma parte indivisa desse prédio a seu irmão BB em 1972 – vide escritura referida em 7 dos factos provados) numa anterior Comissão do Domínio Público que visava a delimitação do domínio público hídrico na zona da Praia ... precisamente porque se arrogava como proprietário de um prédio (o prédio ora em causa) ali sito e confinante com o domínio público hídrico, sendo que essa comissão visava emitir parecer precisamente sobre a delimitação dos prédios em causa ali sitos, intervindo, pois, nessa sua arrogada qualidade de proprietário na dita comissão.
Com efeito, como se refere no dito parecer a fls. 329, a aludida Comissão de 1970 foi composta por “ um representante da Marinha como presidente, um representante da Junta Autónoma do Porto de Aveiro e um por cada um dos proprietários, ou seus representantes, das áreas confinantes, participando os interessados particulares apenas nos trabalhos relativos aos seus respectivos terrenos. “
Ora, se o Réu AA interveio nessa comissão e interveio nessa sua arrogada qualidade de proprietário isso significa, à luz das regras da experiência e da lógica, que o mesmo se arrogava como proprietário do prédio ora em causa (único de que os RR. são proprietários e que confina com a Praia ...), sendo-lhe reconhecida essa qualidade, repete-se a qualidade de alguém que se arrogava ser (mal ou bem não releva) proprietário do prédio em causa, sendo certo que, como também como consta do dito documento, os presentes nessa comissão foram convidados a “ apresentarem os elementos que cada um tivesse disponíveis capazes de demonstrar a posse privada, pacífica e continua dos respectivos prédios, desde 1864 e de definir as suas estremas no lado mais próximo da ria. “
Destarte, em nosso ver, resulta provado quanto à matéria da alínea i) do elenco dos factos não provados, que a mesma deve passar a constar da factualidade provada com a seguinte redacção:
Os RR estavam (e estão) convictos de que são proprietários do terreno situado a nascente da EN n.º ..., acima referido, até à linha definida pelos 11 metros a contar da máxima da preia-mar da ria.
Por conseguinte, em nosso julgamento, os pontos constantes das alíneas c) e d) do elenco dos factos não provados devem, ao invés, passar para o elenco dos factos provados, assim como deve ser julgada como provada a matéria de facto das alíneas i) e k), como antes exposto, o que se decide.
Relativamente já ao ponto h), à luz dos documentos juntos a fls. 72-75 dos autos (I volume), julga-se, pelas mesmas razões, que é de ter como provado que os RR procederam, pelo menos, no ano de 2007, ao pagamento de impostos (IMI) sobre o dito prédio.
Como assim, deverá também ser aditado um novo ponto de facto – 8º-C -, com a seguinte redacção:
Os RR procederam, pelo menos, no ano de 2007, ao pagamento de impostos (IMI) atinentes ao prédio antes referido em 8.
Note-se, nesta sede, sem prejuízo do que antes se expôs, que as decisões judiciais a que alude a certidão junta a fls. 373/473 dos autos, não podem ter, ao contrário do advogam os RR/Recorrentes, o efeito de caso julgado por eles invocado e quanto à factualidade ali dada como provada, sendo – como é – indiscutido que a aqui Autora, CM da ... (ou à data de Estarreja), nem sequer foi parte nesse outro processo e, portanto, não existe a identidade de sujeitos a que aludem os artigos 580º, n.º 1 e 581º, n.º 2, do CPC, de tal sorte que aquelas decisões judiciais não lhe são oponíveis no âmbito do presente litígio, enquanto terceira alheia (mas não totalmente indiferente) a tal litígio e que, como tal, não teve sequer a possibilidade de contraditar aqueles factos.
Neste sentido, como refere A. Varela, “ Manual de Processo Civil “, 2ª edição, pág. 720-721, a propósito da eficácia subjectiva do caso julgado, “ Só as partes intervieram ou tiveram possibilidades de intervir no processo, para defender os seus interesses e para alegarem e provarem os factos informativos do seu direito. Por isso, é justo e legítimo que o caso julgado lhes seja oponível, isto é que, uma vez transitada em julgado a decisão proferida na acção, nenhuma delas possa requerer nova apreciação jurisdicional sobre as pretensões objecto da decisão.
Os terceiros, não participando no processo, não tiveram oportunidade de defender os seus interesses, que podem naturalmente colidir, no todo ou em parte, com os da parte vencedora. Não seria, por isso, justo que, salvo casos excepcionais, a decisão proferida numa acção em que eles não intervieram lhes fosse oponível com força de caso julgado, coarctando-lhes total, ou mesmo só parcialmente, o seu direito fundamental de defesa.
É certo, como se sabe, que é possível, em casos excepcionais, fazer estender a força do caso julgado a terceiros (eficácia reflexa do caso julgado), mas estes têm de que ser terceiros indiferentes à decisão proferida, ou seja, terceiros que não sofram qualquer tipo de prejuízo jurídico, nem sequer reflexamente, com a decisão que foi proferida e transitou em julgado.
Ora, no caso dos autos, não é assim, precisamente por que os factos que os RR pretender extrair daquela decisão judicial são opostos à versão que a Autora, CM da ..., invoca nos autos e, logicamente, a mesma não é uma terceira indiferente em face daquela decisão que, desta forma, não lhe é nunca oponível, pois que nela não foi parte e não pode ali esgrimir os argumentos de facto e de direito que ora invoca.
Isto dito, ainda quanto ao elenco dos factos não provados, sustentam os RR/Recorrentes que a matéria de facto constante da alínea n) deve ser julgada como provada ou, em alternativa, pelo menos, ser dado como provado que o Autor sabia que os RR se arrogavam proprietários da área que é objecto do seu pedido na acção e actuou em conformidade com tal propriedade privada dos RR em situações no passado, designadamente aquando da delimitação do domínio público hídrico constante do ponto 10 da factualidade provada.
Nesta matéria e conforme já antes o referimos, este Tribunal procedeu à audição integral do depoimento da testemunha NN, que foi, como também já antes se referiu, presidente da CM da ... no período compreendido entre 1989-1998.
Ora, sem prejuízo do que já ficou acima dito quanto ao seu depoimento e à credibilidade que o mesmo nos inspirou, o que dele emerge é que apenas e só que a CM da ..., em concreto no período da sua presidência, sabia que os RR/Recorrentes se arrogavam como proprietários da parcela de terreno ora em causa, invocando ter adquirido a mesma, enquanto parte integrante do imóvel que adquiriram pela escritura pública referida sob o ponto 6.
O mesmo, aliás, resulta do teor do parecer da Comissão do Domínio Público a que antes se fez referência, não havendo, pois, em nosso julgamento e com o devido respeito por opinião em contrário, dúvidas de que os RR se arrogavam como proprietários da área de terreno que constitui objecto do presente litígio e que a CM da ... sabia dessa posição dos RR.
No entanto, uma coisa é a CM (seja na presidência da testemunha, seja na actual presidência ou na presidência à data dos factos) reconhecer a existência da reclamação dos RR/Recorrentes e do seu arrogado direito de propriedade sobre a parcela em causa e outra é, ela própria, reconhecer e aceitar esse direito de propriedade dos RR sobre a dita parcela de terreno – vide, a este título, o ofício da CM a fls. 211.
Ora, quanto a este último aspecto (e sendo certo que nada é possível extrair, em termos seguros ou inequívocos, quanto a um tal reconhecimento apenas a partir da participação do Réu AA como «interessado» na sobredita comissão), certo é que não existe nos autos qualquer documento oficial que demonstre daquele reconhecimento de direitos por parte da CM da ..., enquanto entidade distinta dos seus sucessivos Presidentes, pois que se o houvesse, naturalmente o presente litígio nem sequer teria vindo a ocorrer.
Por conseguinte, a partir do depoimento da testemunha NN e conjugando-o com o documento a que se faz referência sob o ponto 10 do elenco dos factos provados ou com o já referido Boletim da Comissão do Domínio Público, apenas é possível, em nosso ver, ter-se como provada a seguinte matéria de facto:
A CM da ..., nomeadamente através dos seus Presidentes, teve conhecimento de que os RR invocavam ser proprietários da parcela de terreno que constitui o objecto da sua pretensão nestes autos, tendo conhecimento dessa sua reclamação.
Destarte, quanto ao ponto n) do elenco dos factos não provados deverá o mesmo passar para o elenco dos factos provados, mas apenas com esta redacção.
Dirimidos estes pontos da matéria de facto, cabe, por último, reapreciar os pontos 44, 45, 46 e 47.
Quanto a estes pontos a divergência essencial dos RR/Recorrentes cinge-se à questão da qualificação dos terrenos ali em referência, defendendo os mesmos, em dissídio com o decidido pelo Tribunal de 1ª instância, que os terrenos em causa eram baldios/baldios municipais e não, como ali se deu como provado, terrenos municipais.
Vejamos.
A matéria de facto posta em crise pelos Recorrentes é a seguinte:
44. O prédio dos RR identificado em 6 outrora fazia parte dos terrenos municipais que se estendiam por toda a costa da ..., entre a Ria e o Mar, desde Ovar a ....
45. Tais terrenos, já anteriormente a 1864, estavam sob a administração e policiamento da circunscrição administrativa que, na altura, era o concelho de Estarreja (abrangendo a área actual do Município da Murtosa).
46. A Câmara Municipal de Estarreja aforou parcelas dos terrenos municipais situados na Costa da ..., designadamente a requerimento de VV, o “ VV “, na sessão ordinária de 6.08.1862, deliberou dar de aforamento 1. 400 m 2 de terreno maninho ou areal da Costa da Torreira, terreno esse que foi demarcado por auto de 19.08.1862, mediante o foro anual de mil e trinta e seis réis – documento de fls. 1216 verso/1229, dactilografado a fls. 1241/1247 -, terreno esse que foi, depois, arrematado pelo foro anual de 8. 0000, 000 réis, por MMM, a 12.10.1862, – documento de fls. 1229 verso e segs, dactilografado a fls. 1249 e segs.
47. No uso dos seus poderes, a Câmara Municipal do Concelho de Estarreja, em suas reuniões de 27.10.1926 e 3.11.1926, a pedido de EE, como procurador de DD, concedeu a este o desaforamento de um terreno do qual faz parte o terreno (hoje) dos RR.
Como se referiu os RR/Recorrentes sustentam que, ao invés de terrenos municipais, os ditos terrenos deveriam antes ter sido tidos como terrenos baldios municipais, estribando-se, para tanto, em termos essenciais, no depoimento da testemunha NN e, ainda, nos documentos que se encontram transcritos a fls. 755/796 (III volume), a fls. 1241/1257 (V volume), nos documentos juntos a fls. 373/461 (II volume) e no documento a fls. 328/334 (II volume – Boletim da Comissão do Domínio Público Marítimo - 1981).
Este Tribunal procedeu à análise atenta daquele conjunto de documentos antes referidos e procedeu, como também já se referiu, à audição do depoimento da testemunha NN, já antes identificado.
Quanto ao depoimento da testemunha NN o mesmo referiu que os terrenos situados entre o Mar e a Ria de Aveiro na costa da ..., entre a ... e ... eram terrenos baldios que eram geridos e administrados pelo Município... data a CM de Estarreja, hoje parte integrante da CM da ....
A sua versão decorre, segundo disse, de vários documentos que existiam nos arquivos da CM e que chegou a ler. Não soube, no entanto, explicar a diferença entre terrenos baldios e terrenos foreiros, tendo, no entanto, admitido que vários dos ditos terrenos baldios foram dados em foro a particulares e que alguns desses terrenos foram, posteriormente, adquiridos por particulares (por remissão do foro), que passarão a ser proprietários dos mesmos, estando, assim, convicto de que o prédio que é hoje dos RR/Recorrentes foi assim adquirido e, posteriormente, transmitido aos mesmos pela escritura de compra e venda que se encontra junta aos autos (inicialmente, apenas a favor do Réu AA, que, posteriormente, vendeu metade indivisa desse terreno ao seu irmão e aqui também Réu, BB).
Independentemente desta versão da testemunha e de a mesma ter na sua base a leitura ou a interpretação pessoal dos factos e dos documentos que a dita testemunha referiu ter lido, certo é que, de facto, nos vários documentos juntos aos autos existem referências à existência de terrenos baldios na zona costeira ora em causa (situada entre ... e ... e entre o Mar e a Ria de Aveiro), mas também existem outras referências que dão conta de a então CM de Estarreja se arrogar proprietária de terrenos públicos/municipais nessa mesma zona costeira, terrenos esses que, no entanto, independentemente da sua qualidade de baldios ou não, estavam na sua posse e administração e que, enquanto senhoria dos mesmos (e como tal reconhecida pelos particulares), os aforava a particulares (foreiros), mediante o pagamento por estes de um foro anual, sob determinadas condições por si estabelecidas e que, em caso de incumprimento, revertiam àquela propriedade/posse da mesma senhoria, enquanto arrogada proprietária de tais terrenos.
Esta realidade é absolutamente patente nos documentos transcritos a fls. 755,/756 a fls. 757/758, datados de 4.08.1859, (onde se faz a expressa referência a “ terreno público no areal da Costa da Torreira “ e à então CM de Estarreja como “ directa senhoria “ do terreno em causa, que lhe (a ela CM) deveria ser devolvido em caso de não pagamento do foro), a fls. 759/762, datado de 12.10.1862 (onde a mesma CM se arroga como senhoria directa e a quem o terreno deveria ser devolvido em caso de incumprimento do foro previsto), a fls. 763/766, datado de 20.11.1864 (com o mesmo teor da anterior), o mesmo sucedendo, ainda, nos documentos de fls. 767/768, 769/770, datados, respectivamente, de 9.03.1892 e 12.10.1904 (aqui fazendo-se referência a “ gleba de terreno baldio “, mas com o exacto teor antes referido quanto ao foro anual e à devolução à CM, enquanto senhoria, em caso de incumprimento do mesmo foro), assim como em todos os demais documentos juntos a fls. 771/798, documentos estes que dão conta de aforamentos de terrenos pela CM de Estarreja em favor de particulares (mantendo-se aquela como senhoria directa desses terrenos) e, ainda, da posterior remissão desse foro, com a consequente aquisição da propriedade plena por parte dos foreiros, em documentos datados já de 1926.
A mesma realidade mostra-se, ainda, revelada nos documentos transcritos a fls. 1241/1257, sendo de notar que todos os requerimentos em apreço são dirigidos à CM de Estarreja e decididos pela mesma quanto ao deferimento dos ditos aforamentos e remissão do foro, sinal, pois, segundo cremos, que a mesma CM era reconhecida como a entidade que possuía e geria, como proprietária plena (senhoria), aqueles terrenos, mesmos dos ali denominados como “ baldios “ ou “ maninhos “, no sentido, segundo julgamos, a partir do contexto dos ditos documentos, de terrenos não ocupados por outrem ou incultos (nomeadamente terrenos de areal próximos da ria) e que os particulares pretendiam aproveitar para deles retirarem as utilidades tidas por convenientes.
No que diz respeito, em concreto, ao terreno que veio depois a ser adquirido pelos aqui RR, os autos e os variadíssimos documentos que deles constam, não fazem luz sobre a sua natureza, enquanto terreno baldio ou terreno municipal, não restando, no entanto, dúvidas que o terreno que veio a dar origem ao prédio hoje dos RR estava na posse e administração da CM de Estarreja à data e que o mesmo foi dado em foro, foro esse que veio a ser remido em 1926 – vide, por todos, os documentos a fls. 121-140 -, sendo certo que o documento a fls. 141, tanto quanto dele consta, já não se refere ao terreno ora em causa, mas a um outro terreno.
Por conseguinte, em nosso julgamento, o que é possível concluir, aliás como já consta do Boletim da Comissão do Domínio Público a fls. 328-334 (II volume), é que na zona costeira compreendida entre a ... e ... existiam, nomeadamente em 1862 e 1864, entre o mar e a ria de Aveiro terrenos incultos, nomeadamente, terrenos de areal, que estavam na posse, administração e fiscalização da CM de Estarreja (à data), dos quais a mesma se arrogava proprietária e, como tal, enquanto senhoria, dava em aforamento a particulares (foreiros) mediante o pagamento de um foro anual, sendo que alguns desses foros vieram a ser remidos em hasta pública pelos respectivos foreiros, em particular a partir de 1926.
E, segundo cremos, à luz dos elementos documentais a que já se fez referência, o terreno que hoje é dos RR/Recorrentes era um terreno foreiro, dado em foro pela CM de Estarreja (em data não apurada), tal com outros, cujo foro veio a ser remido em hasta pública no ano de 1926, passando, assim, a partir desta última data para a propriedade plena de DD, que o passou a possuir, a partir dessa mesma data, como possuidor em nome próprio.
Ora, sendo esta a nossa própria e autónoma convicção face à nossa apreciação crítica dos meios de prova produzidos nos autos e acima referidos, os pontos da matéria de facto postos em crise pelos Recorrentes devem ser julgados como provados com a seguinte redacção:
44. O prédio dos RR identificado em 6 fez parte outrora de terrenos que, como outros existentes na costa da ..., entre o mar e a ria de Aveiro, se encontravam na posse e administração da CM de Estarreja e que a mesma, enquanto proprietária e senhoria, aforava a particulares (foreiros) mediante o pagamento de um foro anual.
45. Esses terrenos, já antes de 1864, encontravam-se sob a administração e fiscalização da CM de Estarreja, que, naquela data, abrangia a área que faz hoje parte integrante do Município da Murtosa.
46. A CM de Estarreja aforou várias parcelas de terrenos situados na costa da ..., designadamente a VV, “ o VV “, na sua sessão ordinária de 6.08.1862, deu de aforamento um terreno maninho ou areal na costa da ... com 1. 400 m2, terreno este que foi, posteriormente, demarcado por autor de 19.08.1862, mediante o foro anual de mil e trinta réis, conforme documento de fls. 1216 verso a 1229, dactilografado a 1241 a 1247, terreno que veio a ser arrematado pelo foro anual de 8. 000, 00 réis por MMM, a 12.10.1862, conforme documento de fls. 1229 verso e segs.
47. No uso dos seus poderes, a CM de Estarreja, nas suas reuniões de 27.10.1926 e 3.11.1926, a pedido de EE, enquanto procurador de seu irmão, DD, concedeu a este último o desaforamento de um terreno do qual faz parte o prédio dos RR e referido em 6 e 8 dos factos provados.
No mais e, em particular – pois que é o que essencialmente releva na presente acção – quanto à alegada (de forma algo conclusiva) natureza de baldio e/ou terreno municipal do terreno que veio depois a dar origem ao prédio dos aqui RR/Recorrentes, julgamos que os autos, seja a prova pessoal, seja a vasta prova documental que os mesmos se esforçaram em carrear aos autos, não permite, com o rigor e a seriedade que sempre é suposto ser empregue numa decisão judicial, definir com a necessária precisão essa matéria, a qual, em última instância, há-de resultar do enquadramento jurídico e da subsunção do quadro legal ao caso concreto ora sobre juízo.
Destarte, em nosso julgamento, procede parcialmente a impugnação da decisão de facto, passando a factualidade provada a ser a seguinte (com nova numeração):
01. O concelho da Murtosa compreende a freguesia ....
02. Anualmente deslocam-se para a ... milhares de pessoas para aí passarem as suas férias.
03. A “Praia ...” tem, na Ria, há mais de 50 anos, uma construção em cimento com prancha de saltos para ser utilizada livremente pelas pessoas.
04. Os Réus são donos de um terreno de grande extensão situado do lado poente da EN n.º ... até à Praia do Mar.
05. E pretendem construir em tal terreno, tendo apresentado na Câmara Municipal um pedido para tal, o que ainda lhes não foi deferido, tanto mais que, no PDM, tal zona consta como zona de equipamento.
06. Por escritura pública de compra e venda lavrada, no Cartório Notarial da Murtosa, a 5 de Julho de 1968, AA declarou comprar a BBB e mulher, CCC e mulher, DDD e mulher, DD e mulher, um terreno sito nas ..., freguesia ..., concelho da Murtosa, a confrontar, do norte, com ZZ e outros, sul, com EE, nascente, com Beira-Ria e, poente, com areias do domínio público marítimo, a fazer parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob o nº ..., a fls. 162 verso, e inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo ....
07. Por escritura pública de compra e venda lavrada, no Cartório Notarial da Murtosa, a 30 de Março de 1972, o R. AA declarou vender a seu irmão, o R. BB, metade indivisa de um pinhal sito nas ..., freguesia ..., concelho da Murtosa, a confrontar, no todo, do norte, com ZZ e outros, sul, com EE, nascente, com Beira-Ria e, poente, com areias do domínio público marítimo, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob o nº ....
08. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob o nº ... (nº ..., do Livro ...) e aí inscrito a favor dos RR., o prédio rústico composto por pinhal, sito nas ..., freguesia ..., concelho da Murtosa, a confrontar, do norte, com EEE e ZZ, sul, com EE e praia, e, nascente e poente, com domínio público marítimo.
09. Dessa descrição predial consta que o imóvel se encontra inscrito na respectiva matriz rústica sob os artigos ..., ..., ... e omisso.
10. Dá-se como integralmente reproduzido o Despacho da Direcção-geral dos Serviços de Fomento Marítimo publicado no DR IIIª Série, nº 259, de 10 de Novembro de 1981, que homologou o parecer nº 4668 da Comissão do Domínio Público Marítimo sobre a delimitação de um terreno na Praia ..., freguesia ..., concelho da Murtosa, requerida pela Câmara Municipal ..., constante do seguinte (além do mais) auto de delimitação:
Aos 28 dias do mês de Agosto de 1980, na sede da Câmara Municipal ..., reuniu a comissão nomeada por portaria inscrita no Diário da República, 2ª série, nº 103, de 4 de Maio de 1977, para proceder à delimitação com o domínio público hídrico de terrenos sitos na Praia ..., ..., concelho da Murtosa, comissão constituída pelo capitão-de-mar-e-guerra (RA) FFF, representante da Marinha, servindo de presidente, pelo engenheiro GGG, representante da Junta Autónoma do Porto de Aveiro, e pelos interessados, Dr. HHH, representante de III, Dr. JJJ, representando o Dr. ZZ, que, por sua vez, é o representante de KKK, pela própria, EEE, pela própria, LLL, e pelo próprio, AA, todos servindo de vogais.
A comissão, tendo estudado detidamente o assunto, tanto no gabinete como no campo, verificou que a planta em estudo abrange não só os terrenos, sitos na Praia ..., mas ainda duas extensas zonas de terreno à beira-ria e confinantes por norte e sul com aquela praia. Dessa forma, a comissão considerou que, por ser do interesse público, devia propor à Comissão do Domínio Público Marítimo que a delimitação com o domínio público hídrico dos terrenos sitos na Praia ..., requerida pela Câmara Municipal ..., fosse também extensiva aos terrenos à beira-ria adjacentes à dita praia e compreendidos entre os paralelos + 121 071,4 e + 120 668,9, que definem, respectivamente a norte e a sul, os pontos A e H da poligonal de delimitação, e que na delimitação fosse seguido o critério estabelecido nos aforamentos dos terrenos da Costa da ... feitos pela Câmara Municipal de Estarreja no século XIX (anteriormente a 1864), ou seja, com a estrema situada a 11 metros de distância da linha dos máximos preia-mares de águas vivas ”.
11. Na freguesia ... existe, pelo menos, desde há mais de 70 anos, uma zona de praia de areia na Beira-Ria (Ria de Aveiro) denominada de ....
12. Tal praia estende-se de sul para norte, iniciando-se a sul do local onde até há cerca de 15 ou mais anos esteve um bar de praia instalado num barco de pesca de arte xávega.
13. E vai até um armazém (antigo armazém da aviação naval) que existe junto à Ria para recolha de barcos e, antigamente, há mais de 40 anos, para apoio aos hidroaviões da aviação nacional.
14. A praia tem a extensão e localização assinalada com a cor amarela na planta junta a folhas 7 do procedimento cautelar apenso.
15. Em frente à Praia e a separá-la da EN nº ..., no espaço compreendido entre o seu início a sul e sensivelmente a Casa dos Marinheiros a norte, a Junta de Turismo ... construiu, há mais de trinta anos, um passeio em cimento com uma largura de 2,75 metros (fls. 191/200).
16. Ao lado desse passeio, ainda existe uma berma em terra batida com cerca de três metros de largura que é utilizada para estacionamento de automóveis.
17. As pessoas mais velhas da freguesia sempre se recordam de ver aí a praia.
18. De a ver ser utilizada, como praia, livremente por todas as pessoas que o quiseram.
19. Desde, pelo menos, a construção da EN n.º ... (entre 1955 e 1960), que liga a ... a ..., as pessoas utilizam indiscriminadamente a Praia ..., ali armando barracas de praia, colocando guarda-sóis, estendendo toalhas, deitando-se na areia, jogando, brincando e tomando banhos na Ria.
20. As pessoas usam o passeio para passear.
21. Tudo isto sem impedimento de qualquer pessoa e aos olhos de todos.
22. Na plena convicção de estarem a exercer um direito.
23. Convictos que estão num local público.
24. Sendo o acesso permitido à generalidade das pessoas.
25. A praia, na zona em que existe o passeio, estende-se desde a Ria até ao passeio.
26. Existiam uns pastéis tradicionais denominados “...”, fabricados, há mais de 40 anos, por uma pastelaria da ..., que eram vendidos embrulhados num papel onde se retractava a Praia ....
27. Há postais ilustrados e prospectos turísticos que ilustram a Praia ....
28. A praia tem servido de tema para pintores.
29. E existe há mais de 40 anos um painel de azulejos no fontanário da Praça ... que a retracta.
30. Nunca nenhum particular, designadamente os Réus, até Maio de 2007, impediu o acesso à praia.
31. … Ou aí colocou qualquer vedação ou placa indicando tratar-se de “propriedade privada”.
32. A Casa dos Marinheiros situa-se para poente da linha dos 11 metros da preia-mar.
33. Essa Casa foi construída, pela Marinha, há mais de quarenta anos e pertence à Junta Autónoma do Porto de Aveiro.
34. … Inicialmente, sem muros, e posteriormente, há mais de vinte anos, com muros que demarcam uma porção de terreno onde se implanta a casa e terreno envolvente.
35. Essa casa sempre foi utilizada pela Marinha Portuguesa.
36. … Tendo içada, durante muitos anos, a bandeira nacional.
37. Todos os anos, durante a época balnear, o Município da Murtosa coloca, na praia, areia branca que vai buscar à orla marítima.
38. E procede à limpeza da praia, coloca caixotes de lixo e faz a recolha respectiva.
39. No dia 22 de maio de 2007, a Câmara Municipal ... transportou 400 m3 de areia da praia oceânica para a Praia ....
40. Quando, no dia 23 de Maio de 2007, os seus funcionários se aprestavam para espalhar a areia na praia, os Réus impediram-nos de o fazer.
41. No dia 24 de Maio de 2007, com o auxílio de uma máquina, os réus arrancaram os lancis dos passeios e espalharam-nos pela praia.
42. E, no dia 26 de Maio de 2007, espalharam pela praia ramos de acácias, outra vegetação e detritos.
43. A CM da ... procedeu à limpeza da praia e à remoção dos detritos aí colocados pelos RR.
44. O prédio dos RR identificado em 6 fez parte outrora de terrenos que, como outros existentes na costa da ..., entre o mar e a ria de Aveiro, se encontravam na posse e administração da CM de Estarreja e que a mesma, enquanto proprietária e senhoria, aforava a particulares (foreiros) mediante o pagamento de um foro anual.
45. Esses terrenos, já antes de 1864, encontravam-se na posse e sob a administração e fiscalização da CM de Estarreja, que, naquela data, abrangia a área que faz hoje parte integrante do Município da Murtosa.
46. A CM de Estarreja aforou várias parcelas de terrenos situados na costa da ..., designadamente a VV, “ o VV “, na sua sessão ordinária de 6.08.1862, deu de aforamento um terreno maninho ou areal na costa da ... com 1. 400 m2, terreno esse que foi, posteriormente, demarcado por auto de 19.08.1862, mediante o foro anual de mil e trinta réis, conforme documento de fls. 1216 verso a 1229, dactilografado a 1241 a 1247, terreno que veio a ser arrematado pelo foro anual de 8. 000, 00 réis por MMM, a 12.10.1862, conforme documento de fls. 1229 verso e segs.
47. No uso dos seus poderes, a CM de Estarreja, nas suas reuniões de 27.10.1926 e 3.11.1926, a pedido de EE, enquanto procurador de seu irmão, DD, concedeu a este último o desaforamento de um terreno do qual faz parte o prédio dos RR e referido em 6 e 8 dos factos provados.
48. Tendo o terreno passado para a propriedade plena de DD.
49. DD faleceu, em 1931, no Pará do Brasil, no estado de viúvo de NNN, deixando como únicos e universais herdeiros seus filhos legítimos DD, casado com OOO, PPP, solteiro, maior, DDD, casado com QQQ, GG, solteira, maior, RRR, casado com SSS, TTT ou UUU, casada com VVV – fls. 142/143.
50. Em 11.03.1957 faleceu, na cidade do Rio de Janeiro, FF, no estado de casado com GG, deixando como herdeiros legítimos os filhos WWW que também usa o nome XXX, casada com CCC, e BBB, casado com YYY – fls. 144/145.
51. Em 1963 faleceu, na cidade do Rio de Janeiro, GG, no estado de viúva do referido FF, sucedendo-lhe como herdeiro legitimário seu filho BBB – fls. 144/145.
52. Herdeiros estes que, por escritura de 5.07.1968, outorgada no Cartório Notarial da Murtosa, venderam ao Réu AA o prédio descrito em 6 dos factos provados – fls. 62/68 apenso A.
53. O imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob o nº ... estende-se, a nascente da EN nº ..., até à Beira-Ria (salvaguardada a zona do domínio hídrico);
54. O prédio inscrito em favor dos RR e antes referido foi, com a construção da EN n.º ..., dividido em duas parcelas, uma situada a poente daquela estrada e outra situada a nascente da mesma estrada.
55. Esse prédio abrange a norte também, para além de uma parte assinalada no mapa a amarelo, todo o terreno onde se encontra edificada a casa dos marinheiros, desde a Beira-Ria até à EN nº ..., em espaço assinalado na aludida planta a branco e a verde.
56. Os RR procederam, pelo menos, no ano de 2007, ao pagamento de impostos (IMI) atinentes ao prédio antes referido em 6 e 8.
57. Os RR estavam (e estão) convictos de que são proprietários do terreno situado a nascente da EN n.º ..., acima referido, até à linha definida pelos 11 metros a contar da máxima da preia-mar da ria.
58. A CM da ..., nomeadamente através dos seus Presidentes, teve conhecimento de que os RR invocavam ser proprietários da parcela de terreno que constitui o objecto da sua pretensão nestes autos, tendo conhecimento dessa reclamação dos RR.
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IV.III. Do mérito da sentença recorrida:
Definido o quadro factual a ter em conta para a decisão do litígio, cumpre decidir, tendo por referência as questões suscitadas e tendo presente que, em sede de recurso, não está em causa um novo julgamento da causa, mas a reapreciação de uma prévia decisão judicial à luz das questões suscitadas no recurso e que constituem o seu objecto, delimitado, como se referiu, pelas respectivas conclusões.
Isto dito, a questão nuclear que é esgrimida no recurso, em função da posição dos Recorrentes e da Recorrida, assume-se em saber se a zona identificada a amarelo na planta junta como documento n.º 1 com a petição da providência cautelar apensa à presente acção – uma zona de praia situada à Beira-Ria (Ria de Aveiro) faz parte do domínio público, sendo certo que constitui uma das atribuições das autarquias locais, no caso a CM da ..., a defesa do domínio público – cfr. artigo 2º, n.º 2 da Lei n.º 83/95, de 31.08 (Acção Popular).
Com efeito, sendo esta a posição a Recorrida, por seu turno, os Recorrentes, sem colocarem em crise a pública utilização daquela zona de praia (ainda que não com a extensão temporal “ imemorial “ invocada pela Autora), sustentam que aquela zona de praia faz parte do seu prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob o n.º ..., prédio esse que, apesar de ter sido seccionado pela construção da EN n.º ... (que liga a ... a ...), se estende, a nascente, até à linha de delimitação do domínio público, ou seja, até 11 metros, a partir da linha da preia-mar máxima da Ria de Aveiro, englobando, portanto, aquela zona assinalada a amarelo e, ainda, a norte, todo o terreno onde se encontra edificada a casa dos marinheiros, desde a Beira-Ria até à dita EN n.º ....
Nesta perspectiva, poder-se-á dizer que a presente acção popular só pode proceder se, efectivamente, ficar provado que a praia existe (o que resulta à evidência da factualidade provada), que é de utilização indiscriminada pelo povo que a ela acede e a utiliza como tal (o que também resulta à evidência da factualidade provada) e, ainda, que a mesma faz parte do domínio público; ao invés, a reconvenção deduzida pelos RR/Recorrentes, na parte que ora está em causa, só poderá proceder se os mesmos lograrem demonstrar que aquela zona ora em discussão não faz parte daquele domínio público, antes é de sua propriedade privada.
É este o conflito de interesses subjacente à presente acção, sendo certo, por um lado, que a Autora não coloca em causa a propriedade dos RR/Reconvintes quanto à parte do seu prédio situado a poente da EN n.º ... e os RR/Reconvintes, como se referiu, não colocam em crise a utilização pública daquele outro terreno a nascente da mesma estrada, mas pretendem, por via da presente reconvenção, lhes seja reconhecido o seu direito de propriedade sobre o mesmo.
Tendo presente este contexto, pode também dizer-se que o núcleo essencial do presente litígio se reconduz em saber se a denominada Praia ..., com as dimensões ou configuração que lhe são atribuídas pelo Autor Município da Murtosa, é um espaço integrado no domínio público marítimo (enquanto parte integrante da margem da Ria de Aveiro naquele ponto específico) para efeitos do preceituado nos artigos 3º, al. e), 4º, 11º, n.ºs 1, 2 e 5 da Lei n.º 54/2005 de 15.11. (correspondentes aos artigos 1º, 3º e 5º do anterior DL n.º 468/71 de 5.11.) ou, ao invés, como sustentam os RR., se nessa zona delimitada pelo Autor se insere um outro prédio – melhor descrito nos autos – que é sua propriedade privada, propriedade esta que pretendem ver reconhecida pelo Autor à luz do preceituado no artigo 15º da citada Lei n.º 54/2015 (correspondente ao anterior artigo 8º do DL n.º 468/71).
Estamos, portanto, como é pacífico entre as partes, perante um litígio que nos remete para o preceituado no citado diploma legal de 2005, diploma este que estabelece a titularidade pública ou privada, no que ora releva, de prédios situados nas margens das águas costeiras e das águas interiores sujeitas à influência das marés, como é o caso da Ria de Aveiro, mais concretamente na ..., que faz parte do Município da Murtosa.
Dito isto, a citada Lei n.º 54/2005 teve por escopo clarificar a problemática atinente à titularidade dos recursos hídricos, delimitando quais os recursos hídricos que integram o domínio público e aqueles que, ao invés, pertencem a particulares.
Assim, nos termos do seu artigo 2º, o domínio público hídrico compreende o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial, e ainda o domínio público das restantes águas.
Em conformidade com o disposto na al. a) do artigo 5º o domínio público lacustre e fluvial compreende os cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos, e ainda as margens pertencentes a entes públicos, sendo que de acordo com o n.º 1 do seu artigo 11º, “ entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que delimita o leito das águas ”, acrescentando o n.º 3 do mesmo normativo que a margem das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direcção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias (como é o caso da Ria de Aveiro), tem a largura de 50 metros, sendo certo, ainda, que, nos termos do n.º 5, mesmo para além destes 50 metros, a margem estender-se-á ainda até «onde o terreno apresentar tal natureza (no caso, de praia)», o que conduz, à partida e por presunção «juris tantum», à natureza pública ou dominial dessa margem assim delimitada.
Com efeito, como resulta do artigo 12º, n.º 1 al. a), parte final, da citada Lei n.º 54/2005, o legislador consagrou uma presunção (juris tantum) de dominialidade pública das águas navegáveis e flutuáveis e das respectivas margens antes definidas pelo artigo 11º, presunção que se mostra, aliás, consagrada no nosso ordenamento jurídico desde o Decreto Régio de 31.12.1864 [10], sendo que a partir de 22.03.1868 (data da entrada em vigor do Código Civil de 1867) passou igualmente a estabelecer-se essa presunção sobre as arribas alcantiladas (isto é, arribas com inclinação superior a 50%).

No entanto, como é pacífico, essa presunção de dominalidade pública, atenta a sua natureza de presunção ilidível, não obsta a que possam subsistir direitos de natureza privada já existentes nessas datas, não impedindo, pois, que os interessados comprovem a sua propriedade privada sobre bens presuntivamente integrados no domínio público hídrico, desde que o facto aquisitivo desse direito seja anterior às mencionadas datas, posto que a partir de então esses bens passaram a estar excluídos do comércio jurídico privado. [11]
Isso mesmo veio a ser estabelecido em letra de forma pelo citado artigo 15º, no qual se prevê e regula a acção de reconhecimento da propriedade privada sobre terrenos do domínio público hídrico.
O legislador optou, assim, por admitir expressamente a existência, designadamente, de margens de propriedade pública e de margens de propriedade privada, condicionando, contudo, a afirmação daquela propriedade a um regime de prova particularmente exigente, sob pena de, não se mostrando ilidida a aludida presunção, essas margens se deverem considerar como públicas e, por conseguinte, dominiais (artigo 5º).
Dito de outra forma, o legislador permite a afirmação do direito de propriedade privada sobre margens de águas públicas, muito embora tendo presente que, na falta de comprovação daquele direito, o relevo dos terrenos para o interesse público importa necessariamente a sua dominialidade, ou seja, a assunção da conveniência da sua afectação e destino públicos, e, logo, por presunção legal (ilidível), a recondução à propriedade de entes públicos, nomeadamente do Estado/Autarquias Locais. [12]
Isso mesmo é posto em evidência no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 326/2015, de 23.06, onde se sublinha que o regime jurídico acolhido no aludido artigo 15º “ … persegue
um equilíbrio entre, por um lado, o princípio do respeito pelos direitos adquiridos pelos particulares, e, por outro, a conveniência de que as margens de águas públicas, por condicionarem a utilização dessas águas, integrem o domínio público, ou seja, estejam sujeitas a um regime especial de direito público caracterizado por um reforço das medidas de protecção das coisas que o integram. “ [13]
No que se refere a este último normativo - e no que tange concretamente à demonstração da propriedade privada sobre a margem de águas públicas -, verifica-se que nele se contempla, a título principal, um critério geral de prova e, a título subsidiário, regimes probatórios especiais.
O critério geral mostra-se enunciado no seu n.º 2 nos termos do qual “[q]uem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis deve provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objecto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de Março de 1868 “. [sublinhados nossos]
Portanto, de acordo com o dito normativo, ao particular que pretenda ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre determinada parcela de terreno inserida nas margens de águas públicas está atribuído o ónus de comprovar documentalmente que a mesma ingressou antes de 1864 (1868, se se tratar de arribas alcantiladas, o que não tem aplicação ao caso dos autos) no domínio comum ou no domínio privado dos particulares por título legítimo, sendo certo que como escrevem Freitas do Amaral e Pedro Fernandes [14] a expressão legal título legítimo terá de ter por referência o regime jurídico vigente à altura do acto ou facto jurídico
dos quais emerge o direito de propriedade privada reclamada, ou seja, o regime anterior à vigência do Código Civil de 1867, elencando os autores, nesse contexto, como títulos legítimos de aquisição, ou justos títulos, o contrato, a sucessão por morte, a usucapião, a acessão, a preocupação, a doação régia e a concessão.
Todavia, para atenuar este grau de exigência probatória, ressalvou o legislador a possibilidade de os particulares apelarem a critérios subsidiários para o reconhecimento da propriedade privada, que dispensam a aludida prova documental.
Assim, na eventualidade de o interessado não dispor de documentos que comprovem a propriedade particular ou comum, poderá o mesmo, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 15º, obter o reconhecimento do seu direito mediante a prova da “ posse em nome próprio de particulares ou a fruição conjunta de certos indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa ” [sublinhado nosso], antes da aludida data de referência (1864).
Nessa hipótese, deve o interessado, agora através de todos os meios de prova admitidos em direito, com ressalva da prova por confissão (posto que o artigo 354º, al. b) do Cód. Civil expressamente afasta a sua admissibilidade “se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis”, como é o caso do domínio público que, por definição, é indisponível - artigo 202º do Cód. Civil), demonstrar não só aquela posse particular ou comum anterior à data de referência (1864), mas também que o imóvel, depois dessa data, se manteve sempre na esfera particular (ou comum), bem como a sua condição de actual proprietário do mesmo, para o que releva a presunção de titularidade emergente do registo predial. [15]
Por conseguinte, nesta outra hipótese, contemplada no n.º 3, do citado artigo 15º, pode o particular ilidir a já referida presunção de dominalidade pública através de qualquer meio
de prova, salvo a confissão, cabendo-lhe, no entanto, demonstrar, em primeiro lugar, que é actual proprietário do imóvel em causa (valendo-se, portanto, da presunção de titularidade emergente do registo predial em seu favor – artigo 7º, do Código Registo Predial) e que o mesmo se encontrava na data em referência (1864 ou antes) na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa, assim se mantendo durante todo o período temporal em causa e até à sua aquisição.
Além, ainda, desta previsão, importa também ponderar a hipótese contemplada no n.º 4 do mesmo artigo 15º, onde se prevê que “ Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove antes que, antes de 1 de Setembro de 1892, eram objecto de propriedade ou posse privadas. “ [sublinhados nossos]
Neste último caso, demonstrando o particular que é o actual proprietário do terreno em causa e que os documentos que poderiam demonstrar a posse ou a propriedade privada do mesmo antes de 1892 foram destruídos em incêndio (ou fenómeno equivalente) que atingiu a conservatória ou o registo competente, o dito terreno presumir-se-á privado, cabendo já ao Estado a prova do contrário. [16]
Por outro lado, ainda, fora da aplicação do sobredito regime estrito de prova, ficam os prédios ou as parcelas de terreno: (1) que tenham sido desafectadas do domínio público hídrico; (2) situadas nas margens de cursos de águas navegáveis ou flutuáveis, que não se encontrem sujeitas à jurisdição da Direcção-Geral da Autoridade Marítima ou das Autoridades Portuárias; e (3) as que estejam integradas em zona urbana consolidada, fora da zona de risco de erosão ou de invasão de mar, desde que se encontrem ocupadas por construção anterior a 1951.
Nesta hipótese, demonstrado algum destes três pressupostos, basta ao autor/reconvinte demonstrar que é o actual proprietário do imóvel ou parcela de terreno em causa, pois que fica afastado o regime probatório geral do n.º 2 e os regimes probatórios especiais dos n.ºs 3 e 4 do citado artigo 15º.
Feita esta resenha do regime jurídico aplicável ao caso dos autos, cumpre, pois, decidir do litígio que opõe a Autora/Reconvinda e os RR/Reconvintes e a Interveniente.
Relativamente à primeira hipótese, prevista no n.º 2 do citado artigo 15º, como já se expôs, no caso, os RR/Interveniente teriam que fazer prova documental (e só documental), em primeiro lugar, da propriedade privada ou comum anterior a 31 de Dezembro de 1864 ou a 22 de Março de 1868, no caso de arribas alcantiladas – que não é, manifestamente, o caso dos autos -, de forma a demonstrar a legitimidade para a parcela de terreno em causa ser passível de titularidade por um particular ou por um conjunto de particulares. Depois, terá, adicionalmente, que provar que, depois daquela data, a parcela de terreno em causa permaneceu ininterruptamente sob propriedade particular ou comum. Só com a prova cumulativa destes dois factos poderá o autor/reconvinte afastar a presunção de dominialidade que recai sobre a parcela em causa, como acima se expôs. Por fim, terá, ainda, o autor/reconvinte que fazer prova de que o terreno lhe pertence, sob pena de não poder ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre o imóvel em causa. [17]
Ora, tendo isto por assente, no caso dos autos, em nosso ver e salvo melhor opinião, falece de todo a prova documental acima referida, nomeadamente que, em 1864 ou antes dessa data, a parcela de terreno ora em causa e que, posteriormente, veio a integrar o prédio adquirido pelos RR/Reconvintes, era propriedade particular ou comum.

Com efeito, a única coisa que, relativamente à dita parcela de terreno, é possível, em termos documentais, ter como certa e adquirida para o presente processo é que, em 1926, a CM de Estarreja concedeu o desaforamento de um terreno, que passou a ser propriedade (nessa data) de DD, do qual faz parte o prédio dos RR e que os mesmos adquiriram posteriormente – vide factos provados em 47 e 48.
Note-se que não existe um qualquer documento que comprove – cujo ónus é indiscutivelmente dos ora RR/Reconvintes – que aquele terreno em concreto era, antes de 1864, propriedade particular fosse de quem fosse, ou, ainda, que fosse propriedade conjunta ou comunitária dos residentes no concelho ou no município de Estarreja à data (hoje, município da Murtosa).
O que significa, pois, logicamente, que os RR/Reconvintes, não obstante todos os documentos que fizeram juntar aos autos, não lograram cumprir o ónus de prova (documental) que sobre eles incidia e que decorre do preceituado no artigo 15º, n.º 2, da citada Lei n.º 54/2005, de 15.11., com as suas sucessivas alterações [18] e, ainda, do previsto no artigo 342º, n.º 1, do Cód. Civil.
Neste segmento, não colhe, pois, provimento a apelação.
A segunda hipótese de procedência da pretensão dos RR/Reconvintes decorre da aplicação ao caso da norma do n.º 3 do artigo 15º, do citado diploma legal.
Esta norma, como é pacífico, visa facilitar o regime de prova que decorre da previsão do n.º 2, prevendo a possibilidade de o interessado invocar outra causa de pedir que se reconduz à demonstração, por qualquer meio de prova, excepto a confissão, de que o terreno em disputa, em data anterior a 1864, se encontrava na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa.
Neste sentido, como referem José Miguel Júdice e José Miguel Figueiredo, op. cit., pág. 99, “ … neste caso, a dispensa ao autor da propriedade, admitindo que este faça apenas prova da posse ou da fruição conjunta, o que simplifica grandemente a sua actividade probatória. Na verdade, ao estabelecer uma excepção ao regime anterior, o legislador pretende introduzir causas de pedir mais simples que a exigente causa de pedir prevista no n.º 2, devendo ser com base nesse pressuposto que a norma deverá ser interpretada.
Com efeito, como também se dá nota no AC RP de 27.06.2022, antes citado, no caso do n.º 3 do artigo 15º, a simplificação do ónus probatório a cargo do interessado desdobra-se em dois aspectos: - em primeiro lugar, não é exigível apenas prova documental, podendo, assim, o interessado lançar mão de qualquer meio de prova (salvo da confissão); - em segundo lugar, não está em causa a prova da propriedade, mas apenas da posse particular ou da fruição conjunta pelos indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa, sendo certo que, através, desta última referência, como também salientam José Miguel Júdice, José Miguel Figueiredo, op. cit., pág. 99, o legislador tem em vista os denominados baldios municipais ou paroquiais. [19]
É, segundo julgamos, esta a tese fundamental que estriba a posição dos RR/Reconvintes no presente processo e que, em seu ver, deveria conduzir ao reconhecimento da sua propriedade privada sobre a parcela de terreno acima descrita e que se integra na denominada Praia ....
Julgamos, no entanto, com o devido respeito, que a sua pretensão não pode ser acolhida.
Desde logo, os RR/Reconvintes não lograram fazer prova de que o terreno em causa, em 1864 ou antes dessa data, estava na posse em nome próprio de algum particular, pois que a factualidade provada é totalmente falha quanto a este pressuposto.
Com efeito, apenas se apurou que o prédio dos RR fez parte outrora de terrenos, como vários outros existentes na costa da ..., situados entre o mar e a ria de Aveiro, que se encontravam na posse e administração da CM de Estarreja e que a mesma, enquanto arrogada proprietária e senhoria, aforava a particulares (foreiros), mediante o pagamento de uma contrapartida (foro) anual – vide factos provados em 44 e 45 (e a respectiva fundamentação quanto a tal matéria).
Por outro lado, se os baldios são sempre uma forma de propriedade comunitária em que todos os que residem em determinada circunscrição administrativa (freguesia ou concelho) detêm, de forma indistinta e ideal, o gozo e a fruição conjunta de todo o baldio (para cultivo, para recolha de lenha, para a pastagem do gado, etc.), no caso dos autos o que emerge da factualidade provada é que os terrenos em causa não estavam adstritos àquela fruição indistinta e conjunta das populações antes estavam, pelo contrário, no domínio/posse em nome de próprio da CM de Estarreja, a qual, enquanto arrogada proprietária de tais terrenos e consequente senhoria, os dava em foros a determinados particulares, os foreiros, que os possuíam em nome alheio (da CM), sob determinadas condições estabelecidas pela mesma senhoria e mediante o pagamento de um foro anual, que, caso fosse incumprido, implicava a reversão do terreno em causa à senhoria directa, ou seja, à dita CM de Estarreja.
Digamos que, mal ou bem (na perspectiva das populações residentes), a CM de Estarreja assenhoreava-se daqueles terrenos incultos ou não ocupados e, nessa qualidade de senhoria (proprietária plena), concedia o seu gozo e fruição a particulares, colhendo os proventos dessa sua posição de proprietária plena, ou seja, arrecadando os foros anuais e, em caso de remissão do foro, a contrapartida a que ela própria se julgava com direito pela transmissão (aí sim) da propriedade plena para o anterior foreiro.
Ora, esta realidade, que, como se refere na sentença recorrida, se traduzia num contrato de enfiteuse [20] -, exclui, por si mesma, a existência de uma propriedade radicada em particulares ou a sua posse (pois que a propriedade plena radicava no senhorio directo, a quem o terreno sempre teria que ser restituído no final do contrato e em caso de incumprimento e a posse do foreiro era exercida em nome do senhorio e não em nome próprio) e, em simultâneo, também exclui a existência de uma propriedade comum ou comunitária, uma vez que a propriedade e a posse em nome próprio radicavam na CM de Estarreja, enquanto senhoria de tais terrenos dados em aforamento.
Por conseguinte, a hipótese do n.º 3 do citado artigo 15º também não colhe demonstração, demonstração essa que, como já antes se deixou claro, é sempre ónus do interessado no afastamento da presunção de dominialidade sobre o terreno ou parcela do terreno em causa.
O que vem a significar que também neste outro segmento a apelação não pode colher provimento, por inverificação dos pressupostos erigidos pelo citado n.º 3 do artigo 15º.
Dito isto, quanto às hipóteses do n.º 4 e das alíneas b) e c) do n.º 5 do mesmo artigo 15º, as mesmas nem sequer se mostram invocadas pelos RR/Reconvintes enquanto causa de pedir da sua pretensão reconvencional e, portanto, não releva, neste contexto, tecermos outras considerações sobre essas hipóteses, para além do que já acima se referiu, sendo certo, no entanto, que, à luz do quadro factual provado nos autos, não existe base para defender a aplicação ao caso dos autos de qualquer uma das ditas hipóteses previstas nas normas antes referidas.
Resta-nos, assim, a hipótese da alínea a), do n.º 5 do citado artigo 15º, preceito que reza o seguinte: “ O reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis pode ser obtido sem sujeição ao regime de prova estabelecido nos números anteriores nos casos de terrenos que (a) hajam sido objecto de um acto de desafectação do domínio público hídrico, nos termos da lei.
Neste âmbito, como já antes se referiu, demonstrada pelo interessado a desafectação do terreno ou parcela de terreno do domínio público, nos termos da lei, ao mesmo interessado basta provar (v.g., através do registo predial em seu favor) que é o actual titular do direito de propriedade sobre o dito terreno ou parcela.
Neste sentido, como referem José Miguel Júdice, José Miguel Figueiredo, op. cit., pág. 105, “ Esta solução bem se compreende: tendo havido desafectação, é indiferente a situação do bem em data anterior a 31 de Dezembro de 1864, a 22 de Março de 1868 ou a 1de Dezembro de 1892. A desafectação retira os bens do domínio público em que se achavam, tornando possível a sua propriedade particular.
Neste conspecto, dúvidas não existem que os RR/Reconvintes são os titulares inscritos do direito de propriedade sobre o terreno em disputa nos autos.
Mas, como se viu, isso não basta, sendo mister demonstrar que os mesmos demonstrem que existiu, nos termos da lei, um acto de desafectação daquela parcela de terreno do domínio público hídrico.
A desafectação pode ser definida “ como o facto jurídico pelo qual uma coisa é distraída do regime de dominialidade a que se encontra sujeita, passando à categoria de coisa do domínio privado “. [21]
A desafectação implica assim a cessação da dominialidade, o que ocorre “ … por virtude do desaparecimento das coisas ou em consequência do desaparecimento da utilidade pública que as coisas prestavam ou de surgir um fim de interesse geral que seja mais convenientemente preenchido noutro regime. “
A desafectação pode ser expressa ou tácita, subdividindo-se a primeira ainda em desafectação genérica (quando uma lei retira a natureza dominial a toda uma categoria de bens) e em desafectação singular (quando por lei se determina que certa coisa não possui carácter dominial ou não está afecta a uma utilidade pública).
Todavia, de acordo com o artigo 19º da Lei n.º 54/2005, existe uma reserva de lei em matéria de desafectação de bens do domínio público hídrico, não sendo admissível que tal operação seja promovida mediante acto administrativo ou, por maioria de razão, por mero efeito de um contrato de alienação. [22]
De facto, seja a desafectação expressa (resultante de nova delimitação ou demarcação, que deixa no domínio privado, v.g., o terreno abandonado pelo recuo das águas do mar e consequente avanço da praia), seja a desafectação tácita (por falta de utilização pelo público, com a consequente perda da característica pública da respectiva utilidade), essa desafectação tem sempre que resultar de uma opção adoptada em forma de diploma legal.

Com efeito, como decorre do citado artigo 19º, da Lei n.º 54/2005, pode “ … mediante diploma legal, ser desafectada do domínio público qualquer parcela do leito ou da margem que deva deixar de ser afecto exclusivamente ao interesse público do uso das águas que serve, passando a mesma, por esse facto, a integrar o património do ente público do ente público a que estava afecto “ e, como tal, a poder ser objecto de alienação, enquanto bem integrado no domínio privado daquele ente público.
Ora, no caso dos autos, a despeito da parcela de terreno ora em causa ter sido objecto de remissão do foro e consequente desaforamento em 1926 (vide facto provado em 47), certo é que, não obstante isso, os autos não dão conta da existência de qualquer diploma legal que tenha, expressa ou tacitamente, desafectado a zona em causa do domínio público em que, presuntivamente, se considera inserida, como já acima se expôs.
Por conseguinte, também nesta outra perspectiva, em nosso julgamento, não se colhem fundamentos bastantes para alterar a sentença recorrida na parte em que na mesma não foi acolhida a pretensão dos RR/Reconvintes (e Interveniente) quanto ao reconhecimento da sua propriedade privada sobre o terreno ora em causa.
Com efeito, não tendo os mesmos RR/Reconvintes (e Interveniente) feito prova de qualquer uma das hipóteses contempladas na previsão dos n.ºs 2, 3, 4 e 5 do citado artigo 15º, da Lei n.º 54/2005 de 15.11., seja na sua versão original – vigente à data da propositura da presente acção, seja, ainda, nas suas versões subsequentes decorrentes da Lei n.º 78/2013, de 21.11 e da Lei n.º 34/2014, de 19.06 (sendo que a Lei n.º 31/2016, de 23.08, apenas releva para as Regiões Autónomas), a parcela de terreno pelos mesmos reivindicada nos presentes autos é de considerar como parte integrante do domínio público hídrico, por inverificação dos pressupostos ao afastamento da respectiva presunção (legal) de dominialidade.
Neste sentido e neste segmento decisório, nenhuma censura nos merece a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância e que ora constitui objecto do presente recurso.
O mesmo já não sucede, naturalmente, na parte atinente à condenação dos RR/Reconvindos no pagamento da quantia de € 1. 277, 88, pois que, tendo sido alterado (nos moldes acima expostos) o ponto 43 da factualidade provada, não logrou a Autora, CM da ..., demonstrar o dano (na vertente de despesas por si efectuadas) por si alegado, sendo certo que, constituindo aquele alegado prejuízo/dano um elemento constitutivo da sua pretensão, lhe incumbia prová-lo (artigo 342º, n.º 1, do Cód. Civil), o que não ocorreu.
Destarte, em função do antes exposto, julga-se apenas nesta parte procedente a apelação, improcedendo em tudo o mais.
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V. DECISÃO:
Nestes termos, acordam os Juízes desta Relação do Porto julgar parcialmente procedente a apelação interposta pelos RR/Reconvintes e, em consequência, decidem:
a) – Decretar a absolvição dos RR/Reconvintes do pedido de condenação dos mesmos no pagamento à Autora da quantia de €1.227, 88.
b) – Manter, em tudo o mais, a sentença recorrida.
* *
Custas em 1ª instância e quanto à acção, pelos RR e Interveniente e pela Autora, na proporção de 65% por aqueles e 35% por esta última – artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Custas da Reconvenção pelos RR e Interveniente, pois que ficaram totalmente vencidos – artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
* *
Custas do recurso pelos Recorrentes e pela Recorrida, na proporção de 90% por aqueles e 10% por esta última – artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
* *
Custas do incidente pela junção indevida de documentos nesta instância, pelos Recorrentes, que lhe deram causa e nele ficaram vencidos, com taxa de justiça que se fixa em 1 UC.
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Porto, 24.10.20222
Jorge Seabra
Fátima Andrade
Eugénia Cunha


[O presente acórdão não segue na sua redacção o novo acordo ortográfico]
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[1] Vide, neste sentido, por todos, F. AMÂNCIO FERREIRA, “ Manual dos Recursos em Processo Civil ”, 8ª edição, pág. 147, A. ABRANTES GERALDES, “ Recursos no Novo Código de processo Civil ”, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] Vide, neste sentido, F. AMÂNCIO FERREIRA, op. cit., pág. 147-148 e RUI PINTO, “ Manual do Recurso Civil ”, I volume, pág. 62-63.
[3] Vide, neste sentido, por todos, A. ABRANTES GERALDES, P. PIMENTA, L. PIRES de SOUSA, “ CPC Anotado ”, I volume, 2ª edição, pág. 813 e A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 191-192.
[4] Vide, ainda, neste sentido, A. ABRANTES GERALDES, P. PIMENTA, L. PIRES de SOUSA, op. cit., I volume, 2ª edição, pág. 823 e FRANCISCO FERREIRA de ALMEIDA, “ Direito Processual Civil ”, II volume, 2ª edição, pág. 462-473, com indicação de outra doutrina e jurisprudência no mesmo sentido.
[5] Vide, ainda, no mesmo sentido, AC STJ de 30.05.2013, relator Sr. Juiz Conselheiro Serra Baptista e AC STJ de 14.02.2012, relator Sr. Juiz Conselheiro Alves Velho, ambos disponíveis in www.dgsi.pt
[6] Vide, neste sentido, por todos, A. CARAVLHO MARTINS, “ Caminhos Públicos e Atravessadouros ”, 2ª edição, pág. 61.
[7] Vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 17.05.2017, relator FERNANDA ISABEL PEREIRA, AC RP de 19.05.2014, relator CARLOS GIL, AC RP de 7.05.2012, relator ANABELA CALAFATE, AC RC de 24.04.2012, relator A. BEÇA PEREIRA, todos disponíveis in www.dgsi.pt e, ainda, AC STJ de 23.01.2020, relator TOMÉ GOMES, este último in CJ (STJ) XXVII, Tomo I, pág. 13.
[8] A. ABRANTES GERALDES, “ Recursos em Processo Civil, Novo Regime ”, 2ª edição, 2008, pág. 297-298.
[9] Sobre a matéria vide, por todos, neste sentido, AC STJ de 14.11.2013, relator SERRA BAPTISTA, AC STJ de 15.05.2008, relator PEREIRA da SILVA, AC STJ de 19.02.2013, relator MOREIRA ALVES e AC STJ de 27.03.2014, relator ALVARO RODRIGUES, todos in www.dgsi.pt e, ainda, na doutrina, SEABRA LOPES, “ Direito dos Registos e do Notariado ”, 3ª edição, pág. 360.
[10] Em cujo artigo 2º foi declarado “do domínio público imprescriptível, os portos de mar e praias e os rios navegáveis e flutuáveis, com as suas margens, os canais e valas, os portos artificiais e docas existentes ou que de futuro se construam (…) ”.
[11] Vide, neste sentido, por todos, ainda sob o domínio do DL n.º 468/71, de 5.11.
[12] Vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 14.07.2021, relator NUNO PINTO OLIVEIRA, AC STJ de 4.10.2018, relatora ROSA RIBEIRO COELHO e, ainda, AC STJ de 5.06.2018, relator ALEXANDRE REIS, todos disponíveis in www.dgsi.pt
[ 13] Publicado no DR, Iª série, de 29.07.2015.
[14]Comentário à Lei dos Terrenos do Domínio Hídrico, Coimbra Editora, 1978, págs. 127 e seguintes. Vide, ainda, no mesmo sentido, por todos, JOSÉ MIGUEL JÚDICE, JOSÉ MIGUEL FIGUEIREDO, “ Acção de Reconhecimento da Propriedade Privada sobre Recursos Hídricos “, 2015, 2ª dição, pág. 96 e MANUEL ANTÓNIO BARGADO, “ O reconhecimento da propriedade privada sobre terrenos do domínio público hídrico “, pág. 18, disponível in www.trg.pt (Estudos).
[15] Vide, neste sentido, por todos, JOSÉ MIGUEL JÚDICE, JOSÉ MIGUEL FIGUEIREDO, op. cit., pág. 97-98 e na jurisprudência, por todos, AC RP de 23.03.2017, relatora INÊS MOURA, AC RP de 10.9.2018, relator MIGUEL BALDAIA MORAIS, AC RP de 4.12.2017 e AC RP de 27.06.2022, ambos tendo como relatora ANA PAULA AMORIM, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[16] Vide, neste sentido, JOSÉ MIGUEL JÚDICE, JOSÉ MIGUEL FIGUEIREDO, op. cit., pág. 101-103 ou, ainda, AC RP 4.10.2021, relator JOSÉ EUSÉBIO de ALMEIDA, disponível in www.dgsi.pt [17] Vide, neste sentido, por todos, JOSÉ MIGUEL JÚDICE, JOSÉ MIGUEL FIGUEIREDO, op. cit., pág. 98.
[18] A Lei n.º 54/2005 foi, sucessivamente, alterada pela Lei n.º 78/2013, de 21.11, pela Lei n.º 34/2014, de 19.06 e, por último, pela Lei n.º 31/2016, de 23.08.
[19] Sobre os denominados baldios municipais ou paroquiais e sua evolução, vide, por todos, JAIME GRALHEIRO, “ Comentário à(s) Lei(s) dos Baldios ”, 1990, pág. 20-62 e, em especial, págs. 46-53 ou, ainda, MARCELLO CAETANO, “ Manual de Direito Administrativo “, II volume, 1990, pág. 970 e segs.
Vide, ainda, na matéria, já sob o regime vigente após o DL n.º 39/76, de 19.01., o Parecer da Procuradoria-Geral da República, n.º 37/87, de 22.10.1987, in BMJ, 378, Julho de 1988, pág. 27-42.
[20] Segundo o artigo 1653º, do Cód. Civil de Seabra: “ Dá-se o contrato de emprazamento, aforamento ou enfiteuse, quando o proprietário de qualquer prédio transfere o seu domínio útil para outra pessoa, obrigando-se esta a pagar-lhe anualmente certa pensão determinada, a que se chama foro ou cânon. ”
Por seu turno, o Código Civil de 1966, no seu artigo 1491º, n.º 1, previa que “ Tem o nome de emprazamento, aforamento ou enfiteuse o desmembramento do direito de propriedade em dois domínios, denominados directo e útil. ”
Como é consabido, o contrato de enfiteuse veio a ser abolido quanto aos prédios rústicos pelo DL n.º 195-A/76, de 16.03. e quanto aos prédios urbanos pelo DL n.º 233/76, de 2.04.
Sobre o contrato de enfiteuse, vide, por todos, J. OLIVEIRA ASCENSÃO, “ Direito Civil – Reais “, 5ª edição, Revista e Ampliada, pág. 639-648.
[21] Vide, neste sentido, por todos, FREITAS do AMARAL, JOSÉ PEDRO FERNANDES, op. cit., pág. 131 e JOSÉ MIGUEL JÚDICE, JOSÉ MIGUEL FIGUEIREDO, op. cit., pág. 105-106.
[22] Vide, neste sentido, por todos, JOSÉ MIGUEL JÚDICE, JOSÉ PEDRO FIGUEIREDO, op. cit., pág. 104, FREITAS do AMARAL, JOSÉ PEDRO FERNANDES, op. cit., pág. 135-139 e, ainda, MANUEL ANTÓNIO BARGADO, op. cit., pág. 20.