Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11128/11.1TBVNG-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
PENHORA ANTERIOR
PENHORA EM EXECUÇÃO FISCAL
LACUNA
Nº do Documento: RP2019030811128/11.1TBVNG-C.P1
Data do Acordão: 03/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 155-159)
Área Temática: .
Sumário: I - Mantendo-se vigente a penhora incidente sobre o imóvel do devedor (que esteja destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do mesmo ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim) em sede de execução fiscal não poderá ser levantada a sustação da execução cível ocorrida pela anterioridade daquela e atenta a sua prevalência sobre as posteriores, cfr. art.ºs 822.º do C.Civil e 794.º n.º 1 do C.P.Civil.
II – A proibição de venda a que se reporta o n.º2 do art.º 244.º do CPPT apenas se reporta à venda para o pagamento coercivo de créditos fiscais.
III - Não contendo o CPPT uma norma idêntica à prevista no n.º2 do art.º 850.º do C.P.Civil, tratando-se de uma lacuna da lei, ela terá de ser suprida por interpretação analógica, e assim será permitir que o credor que tenha reclamado o seu crédito na execução fiscal, mesmo que a venda para efeitos fiscais se não possa realizar (art.º 244.º nº2 do CPPT), promova a venda, tudo numa situação análoga e com as necessárias adaptações.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 11128/11.1 TBVNG-C.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – Juiz 9
Recorrente – B..., SA (hoje, C..., SA)
Recorridos – D...
Ministério Público
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Maria do Carmo Domingues
Desemb. Maria Cecília Agante

Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)

I – B..., SA (hoje, C..., SA) intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto a presente execução comum para pagamento de quantia certa contra D..., dando à execução uma escritura de mútuo com hipoteca, outorgada a 31.08.2009.
No âmbito do processo executivo foi, em 22.02.2012 penhorado o imóvel dado em hipoteca – prédio urbano composto de casa de habitação de cave e rés-do-chão, com superfície coberta de 83,5 m2 e logradouro de 476,5 m2, sito na freguesia ... e concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00079 – ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3.492.º, avaliado nos termos do CIMI, com valor patrimonial actual de 109.320,00€.
Foi junta aos autos a respectiva certidão do Registo Predial de onde consta que estão inscritas sob o imóvel penhorado três hipotecas voluntárias anteriores à inscrição da que fundamenta o crédito exequendo e, ainda sete penhoras inscritas em data anterior ao registo da penhora dos autos a favor da Fazenda Nacional.
O Agente de Execução, com data de 24.02.20012, veio sustar a presente execução, à luz do disposto no art.º 871.º do C.P.Civil, hoje já revogado.
O exequente, actualmente, o C..., SA, veio em 7.03.2018 requerer o levantamento da sustação da execução, alegando para tanto e em síntese que foi informado pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia-2, que o imóvel penhorado diz respeito à habitação do executado, pelo que não será possível avançar com a venda do bem, por força da Lei n.º 13/2016, de 23.05. E assim, enquanto os referidos processos de execução fiscal não forem extintos, o que poderá nunca vir a acontecer, o exequente, uma vez reclamado o seu crédito, não terá qualquer possibilidade de ser pago naquelas execuções fiscais pelo produto da venda do imóvel penhorado, uma vez que tal venda não se concretizará.
E ainda porque inexiste no Código de Procedimento e Processo Tributário qualquer norma que admita a renovação da execução ou levantamento da suspensão da execução fiscal por iniciativa do credor reclamante, como existe quanto às execuções judiciais, no que respeita ao art.º 809.º n.º 1 do C.P.Civil, mesmo que o exequente reclame os seus créditos hipotecários nas referidas execuções fiscais, ao abrigo do art.º 240.º n.º 1 do CPPT, ficará o reclamante, ora exequente, numa situação de paralisação do exercício dos seus direitos.
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De seguida foi proferido despacho: “Requerimento ref.ª 18033111:
O disposto no art.º 244.º n.º 2 do CPPT, traduzindo um compromisso entre a salvaguarda do direito à habitação e a necessidade de acautelar os direitos de crédito do Estado, só é impedimento à realização da venda no âmbito da execução fiscal quando esteja em causa apenas a satisfação de créditos fiscais.
Não sendo a referida proibição de venda oponível aos demais credores, e tendo estes apresentado a competente reclamação de créditos, como devem, na sequência do cumprimento do disposto no art.º 794.º do CPC, assiste-lhes o direito de, ao abrigo do disposto no art.º 850.º n.º2 do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo tributário ex vi art.º 2.º al. e) do CPPT, promover a venda do mesmo. Neste sentido e para o qual para maiores desenvolvimentos se remete, pode ver-se Ac. da RC de 24.10.2017, disponível in www.dgsi.pt e J. H. Delgado de Carvalho “As alterações introduzidas pela Lei 13/2016 de 23.05 no Código de Procedimento e Processo Tributário e na Lei Geral Tributária e as suas repercussões no concurso de credores”, publicado no Blogue do IPPC.
Inexiste, assim, qualquer fundamento para a pretendida desaplicação do disposto no art.º 794.º do CPC e alteração das regras legais relativas à reclamação de créditos, que é no que se traduz a pretensão da exequente plasmada no requerimento sub judicie que vai, assim, indeferido.
Notifique”.
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Inconformada com tal decisão, dela veio o exequente recorrer de apelação pedindo que a mesma seja revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos de execução, com o inerente levantamento da sustação quanto ao imóvel em causa.
O apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. Encontra-se penhorado nos autos o prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., n.º .., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 79.
2. Atendendo à existência de várias penhoras prévias registadas a favor da Fazenda Nacional, a execução foi sustada, nos termos do disposto no artigo 794.º n.º 1 e 788.º n.º 5 do CPC.
3. O que ditou que o Banco exequente ora recorrente, tivesse apresentado a respectiva reclamação de créditos junto dos processos de execução fiscal com penhora anterior.
4. Sucede que, de acordo com as informações apuradas telefonicamente junto do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia-2, o imóvel penhorado diz respeito à habitação do executado, pelo que não será possível avançar com a venda do bem, por força da Lei n.º 13/2016, de 23/5.
5. Pelo que, enquanto os referidos processos de execução fiscal não forem extintos, o que, importa referir, poderá nunca vir a acontecer, o Banco exequente, ora recorrente, uma vez reclamado o seu crédito, não terá qualquer possibilidade de ser pago naquelas execuções fiscais pelo produto da venda do imóvel penhorado, uma vez que tal venda não se concretizará.
6. Inexiste no Código de Procedimento e Processo Tributário qualquer norma que admita a renovação da execução ou levantamento da suspensão da execução fiscal por iniciativa do credor reclamante, tal como previsto através do disposto no artigo 809.º n.º 1 do CPC quanto às execuções judiciais.
7. Assim, aquelas execuções fiscais podem estar activas, ou até mesmo suspensas por acordo de pagamento, por tempo indeterminado ou por longo período de tempo, sem que o Banco exequente tenha qualquer hipótese de exigir legalmente o prosseguimento dessas execuções para promoção da venda do imóvel objecto de penhora, circunstância que impede a garantia de satisfação do seu crédito sobre o devedor, pois que torna pelo menos desproporcionalmente mais difícil ou onerosa a satisfação do seu direito enquanto credor hipotecário, em tempo útil (com violação do artigo 18.º da CRP).
8. Apesar do Banco exequente poder reclamar os seus créditos hipotecários naquelas execuções fiscais ao abrigo do artigo 240.º n.º 1 do CPPT, o facto de não existir no CPPT uma norma equivalente ao artigo 809.º n.º 1 do CPC, acarreta que o reclamante, aqui exequente, fique sempre numa situação de paralisação do exercício dos seus direitos enquanto perdurar aquela situação, o que não é compreensível, nem deveria ser admissível.
9. Ora, salvo melhor entendimento, tal solução legal não pode merecer o acolhimento do exequente, sendo a mesma contrária à razão de ser do artigo 794.º n.º 1 do CPC.
10. Na verdade, o que se pretende com o disposto no artigo 794.º n.º do CPC é evitar a pendência de duas execuções simultâneas, e em curso, sobre os mesmos bens penhorados, com resultados eventualmente distintos, designadamente quanto à modalidade da venda ou valor-base a fixar, ou até no regime de validade da venda, com consequências nos direitos que devem ser salvaguardados quer aos credores, quer aos próprios executados.
11. Não pode querer retirar-se do aludido preceito legal uma consequência que afecte os direitos de crédito e patrimoniais do exequente quando confrontado com a imperatividade de ter de reclamar o seu crédito numa execução fiscal suspensa, ou por qualquer outro motivo parada, porquanto, sendo a satisfação do seu crédito maioritariamente (senão mesmo, unicamente) garantida pela venda em processo executivo do bem dado em hipoteca, ver-se obrigado a assistir à sustação da execução onde penhorou o imóvel, para ficar, indefinidamente, à espera do desenlace da execução fiscal onde reclamou o crédito, sem possibilidades de activar a sua marcha processual para venda do imóvel, consistirá numa violação dos seus direitos de crédito e um prejuízo inegável, desde logo, por não poder ser pago pelo produto dessa venda e de assim ver cumprida a função daquela garantia hipotecária.
12. Impondo-se ao credor, como alternativa para poder fazer valer a sua garantia e cobrar o seu crédito, o recurso ao pedido de declaração de insolvência dos executados, para efeitos de aplicação das prerrogativas previstas nos artigos 85.º n.º 1 e 88.º n.º 1 do CIRE.
13. De tudo o exposto resulta, pois, que, não é admissível, face aos termos e espírito da lei, que quando a penhora mais antiga da casa de morada de família ocorra no âmbito de processo de execução fiscal, esta situação provoque um impedimento subsequente que é a paralisação da execução comum quanto àquele imóvel.
14. Tanto mais que, conforme se disse, não há lugar a prosseguimento do credor reclamante nos autos de execução fiscal, o que, na prática, leva a uma paralisação da execução quanto ao imóvel penhorado,
15. O que impede o exequente de obter a satisfação do seu crédito sobre o executado.
16. Nestes termos, o despacho recorrido padece de falta de fundamento legal, mostrando-se contrário ao disposto na legislação em vigor.
17. Constando do processo meios de prova plena que, só por si, implicariam decisão diversa da proferida.
18. O despacho recorrido violou, assim o art.º 794.º n.º 1 e 809.º n.º 1 do CPC, impondo-se a sua revogação, devendo ser substituído por outro que determine o prosseguimento dos autos de execução, com o inerente levantamento da sustação quanto ao imóvel, citando-se a Fazenda Nacional para, querendo, reclamar os seus créditos, de modo a que possam ser objecto de verificação e graduação em conformidade para pagamento pelo produto da futura venda do indicado bem.
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Não há contra-alegações.

II – Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, os dispensamos de os reproduzir aqui.

III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações do apelante é questão a apreciar no presente recurso:
- Poderá ser levantada a sustação da presente execução, ocasionada pela penhora anterior do mesmo bem, “in casu” a casa de habitação do executado, à ordem de execução fiscal onde, por força da lei, não poderá ser sujeita a venda executiva?
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Como resulta das conclusões recursórias do apelante, entende este que sim, uma vez que, no seu entender, se tal não suceder, em face da paralisação da execução fiscal, onde o bem se encontra penhorado em primeiro lugar, fica impedido de ver a satisfação do seu crédito sobre o devedor, enquanto credor hipotecário.
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Vejamos.
Determina o n.º1 do art.º 794.º do C.P.Civil que “Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga”.
Devida atenção deve ter-se quanto ao preceituado no n.º4 de tal artigo, onde se estatui que “a sustação integral da execução” equivale à extinção da execução, sem prejuízo de o exequente poder requerer a renovação da execução, indicando outros bens à penhora.
Ora, “in casu” foi o que sucedeu nos presentes autos.
Cremos que estamos perante uma situação em que o legislador não terá ponderado devidamente todas as implicações do assim estatuído, pois se a sustação integral determina a extinção da execução (sem prejuízo da sua renovação), parece-nos evidente a consequência dessa extinção – ou seja, deverão ser canceladas as penhoras que conduziram à referida sustação, sem se aguardar sequer que o crédito a reclamar e reclamado na execução na qual se realizou a primeira penhora seja reconhecido e verificado.
Em regra, existindo uma dupla penhora, segundo o disposto no art.º 794º do C.P.Civil, na pendência de mais de uma execução sobre os mesmos bens, é sustada, quanto a estes, aquela em que a penhora tenha sido posterior. Caso em que o exequente da segunda execução (ou sustada), para poder obter o pagamento do seu crédito através dos bens assim duplamente penhorados, terá de o ir reclamar à execução com penhora anterior, sendo, pois, nessa execução que o crédito há-de ser reconhecido, verificado e graduado, cfr. art.º 791.º do C.P.Civil, a fim de ser pago, pelo produto da venda de tais bens e no lugar que lhe competir, segundo a ordem de preferência das garantias reais.
Ora “in casu” está provado que existe e mantêm-se vigente uma penhora em sede de processo de execução fiscal efectuada em data anterior à dos presentes autos e incidente sobre o mesmo bem imóvel do executado. Tal situação determinou, nos termos da lei, a sustação da presente execução.
E perante o assim preceituado no art.º 794.º do C.P.Civil, julgamos não ser possível conceder razão ao peticionado pelo apelante, por se não verificar qualquer facto que permita o levantamento da sustação da presente execução, o que equivale a dizer que se permita a renovação da presente instância executiva enquanto se mantiver o bem imóvel em apreço penhorado em execução fiscal. Pois que é para nós manifesto que a execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada, atenta a sua prevalência sobre as posteriores, cfr. art.ºs 822.º do C.Civil e 794.º n.º 1 do C.P.Civil, que, designadamente, não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior.
No que concerne à execução fiscal, preceitua o art.º 244.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT) que:
Realização da venda”
1 – A venda realiza-se após o termo do prazo de reclamação de créditos.
2 – Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim”. (aditado pela Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio).
3 - O disposto no número anterior não é aplicável aos imóveis cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fracção autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis.
4 - Nos casos previstos no número anterior, a venda só pode ocorrer um ano após o termo do prazo de pagamento voluntário da dívida mais antiga.
5 - A penhora do bem imóvel referido no n.º 2 não releva para efeitos do disposto no artigo 217.º, enquanto se mantiver o impedimento à realização da venda previsto no número anterior, e não impede a prossecução da penhora e venda dos demais bens do executado.
6 - O impedimento legal à realização da venda de imóvel afecto a habitação própria e permanente previsto no n.º 2 pode cessar a qualquer momento, a requerimento do executado”.
A Lei 13/2016, de 23 de Maio, veio alterar o art.º 244.º do CPPT, tendo em vista com resulta do seu art.º 1.º, a protecção da casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado. Sendo de aplicação imediata e ainda aos processos de execução fiscal que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor.
O art.º 244.º faz parte do CPPT e dispondo sobre o processo de execução fiscal, tem subjacente, conforme se preceitua no art.º 148.º do mesmo diploma, que “o processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das seguintes dívidas:
a) Tributos, incluindo impostos aduaneiros, especiais e extrafiscais, taxas, demais contribuições financeiras a favor do Estado, adicionais cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais;
b) Coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças ou acórdãos relativos a contra-ordenações tributárias, salvo quando aplicadas pelos tribunais comuns.
c) Coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes da responsabilidade civil determinada nos termos do Regime Geral das Infracções Tributárias.
2 - Poderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei:
a) Outras dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo;
b) Reembolsos ou reposições”.
Ou seja, a execução fiscal destina-se ao pagamento coercivo de dívidas fiscais. Logo a proibição da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim, prevista no n.º2 do art.º 244.º do CPPT apenas diz respeito à venda a impulso da administração fiscal e destinada ao pagamento coercivo de dívidas fiscais do devedor, quanto às dívidas do devedor de outra natureza não preceitua, nem pode preceituar, o CPPT, pois nada nos indicia que o legislador quis criar, ainda que indirectamente, um entrave ao prosseguimento das execuções cíveis.
Pelo que mantendo-se vigente a penhora incidente sobre o imóvel do devedor (que esteja destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do mesmo ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim) em sede de execução fiscal, até porque o dito Código não prevê, para tal situação (proibição de venda do bem para pagamento coercivo de dívidas fiscais) o levantamento dessa penhora, nem a suspensão da execução fiscal, todavia, esta “suspensão” existirá de facto.
Mas será que “in casu” a satisfação do crédito do banco exequente ficará irremediavelmente comprometida?
Entendemos que não.
E isto porque, preceitua o art.º 239.º do CPPT - “Citação dos credores preferentes e do cônjuge” que:
“1 - Feita a penhora e junta a certidão de ónus, serão citados os credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados, e o cônjuge do executado no caso previsto no artigo 220.º ou quando a penhora incida sobre bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo, sem o que a execução não prosseguirá.
2 - Os credores desconhecidos, bem como os sucessores dos credores preferentes, são citados por éditos de 10 dias”.
Continuando o art.º 240.º do CPPT –“Convocação de credores” que:
“1 - Podem reclamar os seus créditos no prazo de 15 dias após a citação nos termos do artigo anterior os credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados.
2 - O crédito exequendo não carece de ser reclamado.
3 - O órgão da execução fiscal só procede à convocação de credores quando dos autos conste a existência de qualquer direito real de garantia.
4 - O disposto no número anterior não obsta a que o credor com garantia real reclame espontaneamente o seu crédito na execução, até à transmissão dos bens penhorados”.
No caso presente, o Banco/apelante é um credor com garantia real sobre o bem penhorado na execução fiscal, logo foi citado para os termos da mesma, nos termos dos art.ºs 239.º e 240.º do CPPT. E tendo aí, decerto reclamado o seu crédito, dúvidas não temos de que a autoridade fiscal terá de dar início ao procedimento de venda do bem penhorado, por força do n.º1 do art.º 244.º n.º1 do CPPT, embora esteja impedida de ter, com tal venda, o objectivo de pagamento coercivo dos créditos fiscais, mas não poderá ignorar o legítimo pagamento dos créditos reclamados e que venham a ser verificados, reconhecidos e graduados conforme lhes competir.
É certo que o CPPT não contém uma norma idêntica à prevista no n.º2 do art.º 850.º do C.P.Civil, todavia trata-se de uma lacuna que terá de ser suprida por interpretação analógica, até porque segundo o disposto no art.º 246.º n.º 1 do CPPT “Na reclamação de créditos observam-se as disposições do Código de Processo Civil, excepto no que respeita à reclamação da decisão de verificação e graduação, que é efectuada exclusivamente nos termos dos artigos 276.º a 278.º deste código”.
E assim sendo, julgamos que a interpretação mais adequada e justa à satisfação dos interesses em causa, será permitir que o credor que tenha reclamado o seu crédito na execução fiscal, mesmo que a venda para efeitos fiscais se não possa realizar (art.º 244.º nº2 do CPPT), promova a venda, tudo numa situação análoga e com as necessárias adaptações.
Finalmente sempre se dirá que a questão em apreço tem merecido decisões jurisprudenciais díspares, vide Acs. da Relação de Évora de 12.07.2018 e da Relação de Coimbra de 24.10.207, ambas in www.dgsi.pt.
Pelo exposto e sem necessidade de outros considerandos, improcedem as respectivas conclusões do apelante, havendo de ser confirmar a decisão recorrida.

Sumário
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Porto, 2019.03.08
Anabela Dias da Silva
Maria do Carmo Domingues
Maria Cecília Agante