Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2756/17.2T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: PROFISSIONAIS QUE INTEGRAM AS ESTRUTURAS UNIDADES DE SAÚDE FAMILIAR
REMUNERAÇÃO MENSAL
PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
RETRIBUIÇÃO-BASE
DIMINUIÇÃO
HORÁRIO SEMANAL DE 40 HORAS
CLÁUSULA
CONTRATO DE TRABALHO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
DISCRIMINAÇÃO
Nº do Documento: RP201904292756/17.2T8MTS.P1
Data do Acordão: 04/29/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º293, FLS.178-203)
Área Temática: .
Sumário: I - O Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de Agosto, veio estabelecer “o regime jurídico da organização e do funcionamento das unidades de saúde familiar (USF) e o regime de incentivos a atribuir a todos elementos que as constituem, bem como a remuneração a atribuir aos elementos que integrem as USF de modelo B. [art.º 1.º], tendo em vista, conforme elucida o respectivo preâmbulo, criar “estruturas constituídas por uma equipa multiprofissional, prestadoras de cuidados de saúde personalizados a uma população determinada, garantindo a acessibilidade, a continuidade e a globalidade dos cuidados prestados”, dotadas de “autonomia organizativa e funcional”, beneficiando os profissionais que as integram de um regime remuneratório especial, embora acolhendo “os princípios orientadores em matéria de vinculação, carreiras e remunerações da Administração Pública, sem prejuízo da sua oportuna revisão aquando da publicação do competente diploma”.
II - Nos termos da definição oferecida pelo art.º 262.º/2/a) do CT, a retribuição base é a contrapartida da actividade do trabalhador no período normal de trabalho.
III - Uma das garantias asseguradas pela lei laboral ao trabalhador consiste na consagração da proibição que imperativamente se impõe ao empregador de “Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho” [art.º 129.º, n.º1, al. d), CT/09].
IV - A lei permite que a composição ou, dito de outro modo, a estrutura da retribuição, possa ser definida por estipulações individuais, regulamento interno ou até uso da empresa (art.º 258.º 1, CT/09). Mas sendo tal possível, é ponto fulcral que qualquer alteração não se traduza numa redução da retribuição base mensal devida ao trabalhador pela disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida.
V - A remuneração mensal dos profissionais que integram as estruturas denominadas como Unidades de Saúde Familiares é composta por três tipos de prestações, assim enunciados na lei (art.ºs 31.º, para os enfermeiros e art.º 33.º para o pessoal administrativo): “remuneração base”; “suplementos”; e, ”compensações pelo desempenho”.
VI - O aumento dos rendimentos mensais das autoras por via das prestações complementares que lhes passaram a ser pagas, não significa que a Ré, ao reduzir-lhes os valores da retribuição base, tenha procedido em conformidade com o disposto no DL 298/07, designadamente, sobre o regime de carreiras, suplementos e incentivos (artigos 27 e segts), nem tão pouco que não tenha violado o princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado no art.º 129.º, n.º1, al. d), CT/09.
VII - Se por um lado é certo que a integração dos trabalhadores nestas estruturas específicas pressupõe a prestação de trabalho ao abrigo de um regime jurídico especial que, por isso mesmo, se reflecte também no regime remuneratório; por outro não o é menos que, concomitantemente, o diploma acautela expressamente os seus direitos essenciais, quer quanto ao regime de prestação de trabalho quer os decorrentes das respectivas carreiras, inclusive no que respeita ao regime remuneratório (cfr. artigos 21.º e 27.º).
VIII - Assim, como regra base, assegura-se aos profissionais que integram a equipa multiprofissional da USF - independentemente do regime jurídico do respectivo contrato – a garantia dos direitos decorrentes dos regimes jurídicos das respectivas carreiras, não podendo ser prejudicados em relação aos restantes profissionais detentores da mesma categoria e grau profissional.
IX - A interpretação correcta dos artigos 21.º e 27.º, salvaguardando a garantia dos direitos assegurados e, refira-se, também o princípio da irredutibilidade da retribuição, apenas permite concluir que as autoras, tendo em conta as habilitações e qualificações profissionais, o que vale por dizer, a respectiva categoria profissional, para efeitos da determinação da retribuição base deveriam ser integradas na categoria e escalão correspondente, mas sempre sem qualquer redução do montante da retribuição base.
X - As USF, no âmbito da autonomia organizativa de que dispõem, assente na auto-organização e na gestão participativa, têm ampla competência para definir as linhas mestras relativamente à sua organização e funcionamento. Como limites desse poder, perfilam-se, a montante os princípios gerais definidos no DL 278/2009, e a jusante o plano de acção previsto no art.º 6.º do diploma, que é igualmente delineado pela própria USF, com aprovação pelo Conselho Geral (art.º 13.º/2). Aquelas linhas constam do regulamento interno, instrumento que é elaborado por cada USF e aprovado pelo respectivo Conselho Geral, sendo este composto por todos os profissionais que dela fazem parte.
XI - Para além do mais, a lei prevê expressamente competir ao Conselho Geral, através da aprovação do respectivo regulamento interno, definir o horário de funcionamento da USF e de cobertura assistencial, bem como o horário de trabalho a praticar por cada elemento da equipa multiprofissional da USF.
XII - É a luz de tudo isto que deve ser entendido que “Em Junho 2010, a autora B… foi informada pela Ré que, por reunião de Conselho Geral da USF E…, foi decidido que o horário de todos os profissionais passaria para 35 horas semanais”. O Conselho Geral da USF em que a autora está integrada, órgão em que participa com todos os demais profissionais dessa mesma USF em plena igualdade de direitos, aprovou necessariamente um regulamento interno, no qual, entre outras matérias, ficou estabelecido que todos eles passariam a desempenhar as respectivas funções num horário semanal de 35 horas.
XIII - Esse Regulamento Interno define condições da prestação de trabalho, designadamente, quanto ao número de horas semanais – ou horário diário – apenas para valerem no contexto da própria USF que o aprovou, sendo aplicáveis aos profissionais que dela fazem parte e enquanto se mantiverem integrados na mesma. Cessada a situação de integração em USF, os profissionais retomam funções nas respectivas carreiras e categorias do serviço de origem, sujeitos às condições contratuais normais, ou seja, às negociadas e acordadas com a celebração do contrato de trabalho.
XIV - Por conseguinte, não houve qualquer alteração da cláusula 6.ª do contrato de trabalho da autora, nos termos da qual obrigou-se a cumprir o horário semanal de 40 horas. Houve sim, exclusivamente com efeitos enquanto perdurasse a integração da autora na USF - em conformidade com o permitido no DL 298/07 - um ajustamento da obrigação de prestar a sua actividade em conformidade com o que foi definido pelos próprios trabalhadores da USF, ao fixarem o tempo de trabalho semanal no âmbito dessa estrutura em 35 horas, através do Regulamento Interno aprovado em Conselho Geral.
XV - Tendo-se considerado que não houve qualquer alteração há cláusula 6.ª do contrato de trabalho da autora que fixa o seu horário semanal em 40 horas, é forçoso concluir que a imposição de voltar a prestar 40 horas de trabalho semanais- a partir de Fevereiro 2015 - não colide com aquela estipulação e, logo, que não põe em causa os direitos da autora. Com efeito, apenas passou a ser-lhe exigido que passasse a prestar a sua actividade laboral cumprindo integralmente o período de trabalho semanal a que se obrigou com a celebração do contrato de trabalho.
XVI - Só tem razão de ser fazer apelo ao artigo 24.º CT, quando a alegada violação do princípio da igualdade tenha como fundamento algum dos fatores característicos da discriminação consignados no n.º 1, caso em que cabe ao trabalhador alegar e provar, além dos factos que revelam a diferenciação de tratamento, também, os factos que integram, pelo menos, um daqueles factores característicos da discriminação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 2756/17.2T8MTS.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Matosinhos B…, instaurou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo declarativo comum, a qual veio a ser distribuída ao J3, contra Unidade Local de Saúde C…, EPE, pedindo que pedindo que seja proferida decisão a:
I. a) Fixar-se, a partir de Janeiro de 2009, a remuneração base mensal da autora em €825,08; e, por via disso:
b) Condenar-se a Ré no pagamento da quantia de €12.686,81, a título de diferenças salariais vencidas, desde Junho de 2010 e nas vincendas, acrescida dos juros, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, computando-se os vencidos, na presente data em €1.874,12.
II-A
a) Declarar-se que, a partir de Junho de 2010, o horário de trabalho da autora foi fixado em 35 horas semanais;
b) Declarar-se que, a partir de Fevereiro de 2015, com a alteração do período normal de trabalho semanal da A. de 35 horas para 40 horas, deve ser fixada a remuneração base mensal da A. em montante correspondente a tal alteração – €942,95; e, por via disso:
c) Condenar-se a Ré no pagamento da quantia de €3.653,97, a título de diferenças salariais vencidas, no período compreendido entre Fevereiro de 2015 e Abril de 2017, e nas vincendas, acrescida dos juros, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, computando-se os vencidos, na presente data em €168,61;
Ou, alternativamente,
II-B
a) Fixar-se o horário da A. em 35 horas; e, por via disso:
b) Condenar-se a Ré no pagamento da quantia de €3.200,76, a título de trabalho suplementar vencido, no período compreendido entre Fevereiro de 2015 e Abril de 2017, e no vincendo, acrescida dos juros, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, computando-se os vencidos, na presente data em € 146,93; tudo com as legais consequências.
Alega para fundamentar o seu pedido, em síntese, que celebrou com a ré um contrato de trabalho em 16/4/2003 para desempenhar as funções de assistente administrativo, com um horário semanal de 40 horas, mediante a remuneração mensal ilíquida de €695,91, a que acresce subsídio de alimentação de €3,49; que a sua remuneração base foi sendo aumentada até que em Janeiro de 2008 a ré cindiu a remuneração base em duas parcelas, designando-se uma delas de remuneração base e a segunda de “acréscimo de remuneração base (15%) privados; que em Agosto de 2010 celebram as partes uma alteração ao contrato de trabalho de modo a integrar a autora numa equipa multiprofissional da Unidade de saúde Familiar E…, Modelo B, e em Junho desse mesmo a autora havia sido avisada que o horário de todos os profissionais passaria para 35 horas semanais. A partir dessa data a autora manteve a rubrica designada de remuneração base, tendo a ré suprimido a que denominava de “acréscimo remuneração base (15%) privados”. Porém, em Fevereiro de 2015 a ré comunicou que seu horário passaria a ser novamente de 40 horas semanais, sem que tenha introduzido qualquer alteração em sua retribuição.
Alegou ainda a autora que a ré mantém pelo menos uma trabalhadora com a mesma categoria da autora, a exercer as mesmas funções que aufere a mesma remuneração base da autora para um horário de 35 horas semanais.
Realizada audiência de partes, não foi possível a sua conciliação.
Regularmente notificada para o efeito, a ré contestou invocando a prescrição do direito aos pagamentos pretendidos pela autora relativamente aos que se venceram há mais de três anos. No mais insurgiu-se quanto à pretensão da autora, alegando que sua retribuição foi ajustada ao regime jurídico das USF – Modelo B, tendo a autora dado seu acordo a tal alteração, e que seu contrato de trabalho prevê as 40 horas de trabalho semanais, o que não sofreu qualquer alteração.
A tal veio a autora responder, opondo-se à invocada prescrição de seus créditos laborais por se aplicar o Código do Trabalho à sua relação laboral.
I.1.1 Por sua vez, D…, instaurou acção declarativa sob a forma de processo comum laboral contra Unidade Local de Saúde C…, EPE., (e distribuída sob o n.º 2797/17.0T8MTS) pedindo que seja proferida decisão a:
I a) Fixar-se, a partir de Janeiro de 2009, a remuneração base mensal da autora em €1.374,40; e, por via disso:
b) Condenar-se a Ré no pagamento da quantia de €17.957,81, a título de diferenças salariais vencidas, desde Julho de 2011, e nas vincendas, acrescida dos juros, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, computando-se os vencidos, na presente data em €2.040,62.
II-A
a) Declarar-se que, a partir de Julho de 2010, o horário de trabalho da autora foi fixado em 35 horas semanais;
b) Declarar-se que, a partir de Fevereiro de 2015, com a alteração do período normal de trabalho semanal da autora de 35 horas para 40 horas, deve ser fixada a remuneração base mensal da autora em montante correspondente a tal alteração – €1.570,74; e, por via disso:
c) Condenar-se a Ré no pagamento da quantia de €6.166,49 a título de diferenças salariais vencidas, no período compreendido entre Fevereiro de 2015 e Abril de 2017, e nas vincendas, acrescida dos juros, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, computando-se os vencidos, na presente data em €283,53;
Ou, alternativamente,
II-B
a) Fixar-se o horário da autora em 35 horas; e, por via disso:
b) Condenar-se a Ré no pagamento da quantia de €5.340,91, a título de trabalho suplementar vencido, no período compreendido entre Fevereiro de 2015 e Abril de 2017, e no vincendo, acrescida dos juros, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, computando-se os vencidos, na presente data em €246,99; tudo com as legais consequências.
Alega para fundamentar o seu pedido, em síntese, que celebrou com a ré um contrato de trabalho em 12/5/2002 para desempenhar as funções de enfermeira, com um horário semanal de 40 horas, mediante a remuneração mensal ilíquida de €1.067,74, a que acresce subsídio de alimentação de €3,49; que a sua remuneração base foi sendo aumentada até que em Dezembro de 2002 a ré cindiu a remuneração base em duas parcelas, designando-se uma delas de remuneração base e a segunda de “acréscimo de remuneração base (20%) privados; em Março de 2004 a ré fundiu aquelas duas parcelas, para as voltar a separar nos mesmos termos em Março de 2005. Em Julho de 2011 celebram as partes uma alteração ao contrato de trabalho de modo a integrar a autora numa equipa multiprofissional da Unidade de saúde Familiar E…, Modelo B, nesse mesmo mês a autora havia sido avisada que o horário de todos os profissionais passaria para 35 horas semanais. A partir dessa data a autora manteve a rubrica designada de remuneração base, tendo a ré suprimido a que denominava de “acréscimo remuneração base (20%) privados”. Porém, em Janeiro de 2015 a ré comunicou que seu horário passaria a ser novamente de 40 horas semanais, sem que tenha introduzido qualquer alteração em sua retribuição.
Realizada audiência de partes, não foi possível a sua conciliação.
Regularmente notificada para o efeito, a ré contestou invocando a prescrição do direito aos pagamentos pretendidos pela autora relativamente aos que se venceram há mais de três anos. No mais insurgiu-se quanto à pretensão da autora, alegando que sua retribuição foi ajustada ao regime jurídico das USF – Modelo B, tendo a autora dado seu acordo a tal alteração, e que seu contrato de trabalho prevê as 40 horas de trabalho semanais, o que não sofreu qualquer alteração.
A tal veio a autora responder, opondo-se à invocada prescrição de seus créditos laborais por se aplicar o Código do Trabalho à sua relação laboral.
I.1.2 De igual modo, F…, instaurou acção declarativa sob a forma de processo comum laboral contra Unidade Local de Saúde C…, (que foi distribuída sob o n.º 2776/17.7T8MTS) pedindo que seja proferida decisão a:
I a) Fixar-se, a partir de Junho de 2009, a remuneração base mensal da autora em €1.374,40; e, por via disso:
b) Condenar-se a Ré no pagamento da quantia de €15.511,77, a título de diferenças salariais vencidas, desde Julho de 2011 e nas vincendas, acrescida dos juros, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, computando-se os vencidos, na presente data em €1.877,42.
c) Condenar-se a ré a pagar à autora a quantia de €2.119,56 pelo prejuízo causado a esta, resultante da diferença entre o valor recebido pela autora e o que deveria ter recebido, quer a título de subsídio de risco clínico durante a gravidez, quer a título de subsídio parental inicial, no período compreendido entre 27/10/2015 e 19/6/2016.
II-A
a) Declarar-se que, a partir de Julho de 2011, o horário de trabalho da autora foi fixado em 35 horas semanais;
b) Declarar-se que, a partir de Fevereiro de 2015, com a alteração do período normal de trabalho semanal da autora de 35 horas para 40 horas, deve ser fixada a remuneração base mensal da autora em montante correspondente a tal alteração – €1.570,74; e, por via disso:
c) Condenar-se a Ré no pagamento da quantia de €4.561,63 a título de diferenças salariais vencidas, no período compreendido entre Fevereiro de 2015 e Abril de 2017, e nas vincendas, acrescida dos juros, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, computando-se os vencidos, na presente data em €207,56;
Ou, alternativamente,
II-B
a) Fixar-se o horário da autora em 35 horas; e, por via disso:
b) Condenar-se a Ré no pagamento da quantia de €3.679,49, a título de trabalho suplementar vencido, no período compreendido entre Fevereiro de 2015 e Abril de 2017, e no vincendo, acrescida dos juros, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, computando-se os vencidos, na presente data em €166,01; tudo com as legais consequências.
Alega para fundamentar o seu pedido, em síntese, que celebrou com a ré um contrato de trabalho em 16/2/2002 para desempenhar as funções de enfermeira, com um horário semanal de 40 horas, mediante a remuneração mensal ilíquida de €1.067,74, a que acresce subsídio de alimentação de €3,49; que a sua remuneração base foi sendo aumentada até que em Dezembro de 2002 a ré cindiu a remuneração base em duas parcelas, designando-se uma delas de remuneração base e a segunda de “acréscimo de remuneração base (20%) privados; em Março de 2004 a ré fundiu aquelas duas parcelas, para as voltar a separar nos mesmos termos em Junho de 2005. Em Julho de 2011 celebram as partes uma alteração ao contrato de trabalho de modo a integrar a autora numa equipa multiprofissional da Unidade de saúde Familiar E…, Modelo B, nesse mesmo mês a autora havia sido avisada que o horário de todos os profissionais passaria para 35 horas semanais. A partir dessa data a autora manteve a rubrica designada de remuneração base, tendo a ré suprimido a que denominava de “acréscimo remuneração base (20%) privados”. Porém, em Janeiro de 2015 a ré comunicou que seu horário passaria a ser novamente de 40 horas semanais, sem que tenha introduzido qualquer alteração em sua retribuição.
Realizada audiência de partes, não foi possível a sua conciliação.
Regularmente notificada para o efeito, a ré contestou invocando a prescrição do direito aos pagamentos pretendidos pela autora relativamente aos que se venceram há mais de três anos. No mais insurgiu-se quanto à pretensão da autora, alegando que sua retribuição foi ajustada ao regime jurídico das USF – Modelo B, tendo a autora dado seu acordo a tal alteração, e que seu contrato de trabalho prevê as 40 horas de trabalho semanais, o que não sofreu qualquer alteração.
A tal veio a autora responder, opondo-se à invocada prescrição de seus créditos laborais por se aplicar o Código do Trabalho à sua relação laboral.
I.1.3 Veio ainda, G…, instaura acção declarativa sob a forma de processo comum laboral contra Unidade Local de Saúde C…, EPE., (que foi distribuída sob o n.º 2830/17.5T8MTS) pedindo que seja proferida decisão a:
I a) Fixar-se, a partir de Junho de 2009, a remuneração base mensal da autora em €1.374,40; e, por via disso:
b) Condenar-se a Ré no pagamento da quantia de €17.059,56, a título de diferenças salariais vencidas, desde Julho de 2011 – ut arts. 41.º a 89.º – e nas vincendas, acrescida dos juros, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, computando-se os vencidos, na presente data em €1.914,88.
II-A
a) Declarar-se que, a partir de Julho de 2011, o horário de trabalho da autora foi fixado em 35 horas semanais;
b) Declarar-se que, a partir de Fevereiro de 2015, com a alteração do período normal de trabalho semanal da autora de 35 horas para 40 horas, deve ser fixada a remuneração base mensal da autora em montante correspondente a tal alteração – €1.570,74; e, por via disso:
c) Condenar-se a Ré no pagamento da quantia de €6.098,27 a título de diferenças salariais vencidas, no período compreendido entre Fevereiro de 2015 e Abril de 2017, e nas vincendas, acrescida dos juros, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, computando-se os vencidos, na presente data em €284,19;
Ou, alternativamente,
II-B
a) Fixar-se o horário da autora em 35 horas; e, por via disso:
b) Condenar-se a Ré no pagamento da quantia de €5.402,07, a título de trabalho suplementar vencido, no período compreendido entre Fevereiro de 2015 e Abril de 2017, e no vincendo, acrescida dos juros, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, computando-se os vencidos, na presente data em €249,77; tudo com as legais consequências.
Alega para fundamentar o seu pedido, em síntese, que celebrou com a ré um contrato de trabalho em 1/4/2004 para desempenhar as funções de enfermeira, com um horário semanal de 40 horas, mediante a remuneração mensal ilíquida de €1.067,74, a que acresce subsídio de alimentação de €3,49; que em Janeiro de 2005 a ré cindiu a remuneração base em duas parcelas, designando-se uma delas de remuneração base e a segunda de “acréscimo de remuneração base (20%) privados. Em Julho de 2011 celebram as partes uma alteração ao contrato de trabalho de modo a integrar a autora numa equipa multiprofissional da Unidade de saúde Familiar E…, Modelo B, nesse mesmo mês a autora havia sido avisada que o horário de todos os profissionais passaria para 35 horas semanais. A partir dessa data a autora manteve a rubrica designada de remuneração base, tendo a ré suprimido a que denominava de “acréscimo remuneração base (20%) privados”. Porém, em Janeiro de 2015 a ré comunicou que seu horário passaria a ser novamente de 40 horas semanais, sem que tenha introduzido qualquer alteração em sua retribuição.
Realizada audiência de partes, não foi possível a sua conciliação.
Regularmente notificada para o efeito, a ré contestou invocando a prescrição do direito aos pagamentos pretendidos pela autora relativamente aos que se venceram há mais de três anos. No mais insurgiu-se quanto à pretensão da autora, alegando que sua retribuição foi ajustada ao regime jurídico das USF – Modelo B, tendo a autora dado seu acordo a tal alteração, e que seu contrato de trabalho prevê as 40 horas de trabalho semanais, o que não sofreu qualquer alteração.
A tal veio a autora responder, opondo-se à invocada prescrição de seus créditos laborais por se aplicar o Código do Trabalho à sua relação laboral.
I.2 Em audiência prévia realizada nestes autos foi determinada a apensação destes três últimos processos aos presentes autos.
Foi depois proferido despacho saneador no qual se afirmou a validade e regularidade da instância, dispensou-se a fixação do objecto do litígio e se fixou os temas de prova na sequência de sugestão da ré.
Realizou-se, depois, a audiência de discussão e julgamento.
I.3 Subsequentemente foi proferida sentença, fixando a matéria de facto provada e aplicando o direito aos factos, concluída com o dispositivo seguinte:
- «Nestes termos, e com fundamento no exposto, julgo parcialmente procedente o pedido formulado nos autos, pelo que:
a) - Fixo, a partir de Janeiro de 2009, a remuneração base mensal da autora B… em €825,08; e, por via disso:
- Condeno a Ré no pagamento a esta autora B… da quantia de €12.686,81, a título de diferenças salariais vencidas, desde Junho de 2010 até Abril de 2017, e nas vincendas, acrescida dos juros de mora vencidos no montante de €1.874,12 e juros vincendos à taxa de 4% contados desde 26/5/2017 até efectivo e integral pagamento.
b) - Fixo, a partir de Janeiro de 2009, a remuneração base mensal da autora D… em €1.374,40; e, por via disso:
- Condeno a Ré no pagamento a esta autora da quantia de €15.149,12, a título de diferenças salariais vencidas, desde Julho de 2011 a Abril de 2017, e nas vincendas, acrescida dos juros à taxa de 4% contados desde o vencimento de cada uma das prestações encontradas e até efectivo e integral pagamento.
c) - Fixo, a partir de Junho de 2009, a remuneração base mensal da autora F… em €1.374,40; e, por via disso:
- Condeno a Ré no pagamento a esta autora da quantia de €15.511,77, a título de diferenças salariais vencidas, desde Julho de 2011 e nas vincendas, acrescida dos juros vencidos no montante de €1.877,42 e vincendos à taxa de 4% contados desde 27/5/2017 até efectivo e integral pagamento.
d) - Fixo, a partir de Junho de 2009, a remuneração base mensal da autora G… em €1.374,40; e, por via disso:
- Condeno a Ré no pagamento a esta autora da quantia de €17.059,56, a título de diferenças salariais vencidas, desde Julho de 2011 e nas vincendas, acrescida dos juros vencidos no montante de €1.914,88 e vincendos à taxa de 4% contados desde 31/5/2017 até efectivo e integral pagamento.
e) Absolvo a ré dos restantes pedidos contra si formulados.
Custas a cargo das autoras e ré, na proporção dos respectivos decaimentos.
Notifique.
Registe.
(..)».
I.4 Inconformada com esta sentença, a Ré Unidade Local de Saúde C…, EPE interpôs recurso de apelação,
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I.6 Discordando igualmente da sentença na parte que lhe foi desfavorável, a autora B… interpôs recurso de apelação,
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I.8 O Ministério Público teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, tendo-se pronunciado no sentido de ser negado provimento a ambos os recursos.
Responderam ambas as recorrentes, reiterando as respectivas posições.
I.9Foram cumpridos os vistos legais e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência.
I.10 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas para apreciação pelas recorrentes consistem em saber o seguinte:
A - Recurso da Ré Unidade Local de Saúde C…, EPE: Se o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação e aplicação das normas do artigo 129º, n.º 1, alínea d), do Código do Trabalho, bem como dos art.ºs 27.º, 31.º e 33.º do Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22/8, ao considerar que a Ré diminuiu a retribuição base das autoras, assistindo-lhes o direito às diferenças reclamadas.
B - Recurso da autora B…: Se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos, ao ter concluído não lhe assistir o direito a ver reconhecido o seu tempo de trabalho como de 35 horas semanais, bem como a obter o acréscimo remuneratório peticionado na sequência do cumprimento efectivo das 40 horas de trabalho semanal ou, alternativamente, o pagamento de trabalho suplementar.
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II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
Como acima mencionado, cumpre-nos apreciar dois recursos, um interposto pela Ré e outro pela autora B….
A Ré Unidade Local de Saúde C…, EPE, insurge-se contra a decisão do Tribunal a quo por entender que foi feita uma incorreta interpretação e aplicação das normas do artigo 129º, n.º 1, alínea d), do Código do Trabalho, bem como dos art.ºs 27.º, 31.º e 33.º do Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22/8, ao ter-se concluído que ela diminuiu a retribuição base das autoras, assistindo-lhes o direito às diferenças reclamadas.
Para melhor se compreender, importa ter presente que autoras vieram pedir seja reconhecido que quando foram integradas nas Unidades de Saúde Familiares Modelo B, a ré diminuiu-lhes ilegalmente os valores das retribuições base que auferiam até então nos termos dos respectivos contratos de trabalho. Pretendem o reconhecimento daquele valor deste então e, consequentemente, a reposição das diferenças alegadamente devidas em razão daquela redução da retribuição base.
O Tribunal a quo acolheu esta pretensão das autoras ao concluir que ocorreu uma efectiva redução da retribuição base, estando a ré obrigada a proceder ao pagamento das quantias em falta desde a data em que tal redução ocorreu, nos termos calculados pelas autoras relativamente à retribuição base que se mostra conforme o trabalho por estas prestado e as reduções salariais impostas pelas Leis de Orçamento de Estado nos períodos compreendidos entre 2011 e 2014.
Quanto ao recurso da Autora, discorda esta do decidido na parte em que o Tribunal a quo concluiu não lhe assistir o direito a ver reconhecido seu tempo de trabalho como de 35 horas semanais, bem como de obter o acréscimo remuneratório peticionado na sequência do cumprimento efectivo das 40 horas de trabalho semanal ou, alternativamente, o pagamento de trabalho suplementar.
Contextualizado a questão, a autora veio alegar que, em Junho 2010, foi informada pela Ré que, por reunião de Conselho Geral da USF E…, foi decidido que o horário de todos os profissionais passaria para 35 horas semanais, horário que passou a cumprir durante 4 anos e 8 meses, mantendo os valores da retribuição.
Em Fevereiro de 2015, foi informada pela Ré que, nas situações associadas a profissionais integrados em USF – Modelo B a praticarem carga horária inferior à resultante do respectivo contrato de trabalho, se deveria regularizar tal situação, pelo que passou a ser-lhe imposto o horário semanal de 40 horas.
Nessa base, veio sustentar que a partir do momento em que a Ré alterou o período normal de trabalho semanal de 35 horas para 40 horas, deve ser-lhe reconhecido uma remuneração base mensal correspondente a tal aumento de horário. Em alternativa, as horas em acréscimo devem ser pagas como prestação de trabalho suplementar.
A apreciação de ambas as questões exige que nos detenhamos sobre alguns pontos essenciais do Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de Agosto, diploma que veio estabelecer “o regime jurídico da organização e do funcionamento das unidades de saúde familiar (USF) e o regime de incentivos a atribuir a todos elementos que as constituem, bem como a remuneração a atribuir aos elementos que integrem as USF de modelo B. [art.º 1.º].
Por essa razão, começaremos por fazer uma breve incursão sobre as normas para aqui relevantes.
Como ideia de conjunto importa começar por ter presente que, conforme elucida o respectivo preâmbulo do diploma, o legislador teve em vista criar “estruturas constituídas por uma equipa multiprofissional, prestadoras de cuidados de saúde personalizados a uma população determinada, garantindo a acessibilidade, a continuidade e a globalidade dos cuidados prestados”, dotadas de “autonomia organizativa e funcional”, beneficiando os profissionais que as integram de um regime remuneratório especial, embora acolhendo “os princípios orientadores em matéria de vinculação, carreiras e remunerações da Administração Pública, sem prejuízo da sua oportuna revisão aquando da publicação do competente diploma”.
Iniciando o percurso pelo quadro normativo consagrado, cabe reter, desde logo, que de acordo com o estabelecido no art.º 2.º, o mesmo “aplica-se a todos os modelos de USF, com excepção do disposto no capítulo vii, que apenas se aplica às USF de modelo B” [n.º1], sendo “aplicável aos profissionais que integram as USF, independentemente do vínculo laboral estabelecido com as entidades sob direcção, tutela ou superintendência do Ministro da Saúde”.
Segue-se o art.º 3.º, definindo as USF como “unidades elementares de prestação de cuidados de saúde, individuais e familiares, que assentam em equipas multiprofissionais, constituídas por médicos, por enfermeiros e por pessoal administrativo e que podem ser organizadas em três modelos de desenvolvimento: A, B e C. [n.º1]. Do mesmo normativo merece aqui realce o n.º 4, afirmando a “autonomia organizativa, funcional e técnica” das USF, ainda que sendo parte integrante do centro de saúde [n.º5].
De realçar, também, que de acordo com o art.º 5.º, entre os princípios ai enunciados a serem observados na orientação da actividade das USF, surgem os seguintes: [al.d)] “Autonomia, que assenta na auto-organização funcional e técnica, visando o cumprimento do plano de acção”; [al. f)] “Avaliação, que, sendo objectiva e permanente, visa a adopção de medidas correctivas dos desvios susceptíveis de pôr em causa os objectivos do plano de acção”; e, [al.g)] “Gestão participativa, a adoptar por todos os profissionais da equipa como forma de melhorar o seu desempenho e aumentar a sua satisfação profissional, com salvaguarda dos conteúdos funcionais de cada grupo profissional e das competências específicas atribuídas ao conselho técnico”.
Seguindo para o art.º 10.º, retira-se que “A organização e funcionamento da USF constam do seu regulamento interno e regem-se pelo disposto no presente decreto-lei” [n.º1], consagrando aquele primeiro, para além do mais [n.º2],o horário de funcionamento e de cobertura assistencial [al.d)]. A sublinhar, ainda, que “Cada USF elabora o seu regulamento interno e submete-o ao centro de saúde, que aprecia da conformidade do mesmo com o plano de acção previsto no artigo 6.º do presente decreto-lei” [n.º3].
Nos termos do n.º1, do art.º 6.º., “O plano de acção da USF traduz o seu programa de actuação na prestação de cuidados de saúde de forma personalizada e contém o compromisso assistencial, os seus objectivos, indicadores e metas a atingir nas áreas da acessibilidade, desempenho assistencial, qualidade e eficiência.” A competência para aprovação do plano de acção é atribuída ao Conselho Geral (art.º 13.º/2).
Interessam-nos também os artigos 11.º e 12.º. O primeiro estabelecendo que “A estrutura orgânica das USF é constituída pelo coordenador da equipa, o conselho técnico e o conselho geral”; o segundo, para retermos que [nº1] “O conselho geral é constituído por todos os elementos da equipa multiprofissional, constando o seu funcionamento do regulamento interno da USF”, entre as suas várias competências, enumeradas no n.º2, cabendo-lhe “Aprovar o regulamento interno [al. a)];
Avançando, impõe-se que tenhamos a noção de que as USF não são entidades necessariamente permanentes, já que podem ser extintas sem especiais exigências, desde que verificadas as situações previstas no art.º 19.º n.ºs 1 e 3, em síntese: por deliberação do conselho geral [1/al. a)]; quando o coordenador da USF se demite e nenhum outro elemento médico da equipa multiprofissional está disposto a assumir o cargo [1/al. b)]; e, ainda, por iniciativa do centro de saúde [n.º3], com fundamento em incumprimento sucessivo e reiterado da carta de compromisso.
O art.º 20.º merece também uma referência, para ficar claro que qualquer elemento da equipa multiprofissional da USF pode deixar de a integrar, quer por sua iniciativa quer por proposta do coordenador da USF (aprovada por maioria de dois terços, no conselho geral, e comunicada ao próprio, ao centro de saúde e ao serviço de origem). Os profissionais que deixam de integrar a equipa multiprofissional da USF retomam as suas funções nas respectivas carreiras e categorias do serviço de origem [n.º3].
Relevam igualmente os art.º 21.º, estabelecendo este, como princípio geral [n.º1] que “O regime de prestação de trabalho é o previsto no regime jurídico das respectivas carreiras profissionais, no regime jurídico do contrato individual de trabalho e no presente decreto-lei, sem prejuízo das regras adoptadas por acordo expresso dos elementos da equipa multiprofissional nos casos legalmente possíveis”; e, o art.º 22.º, dispondo no seu n.º1 que “ A forma de prestação de trabalho dos elementos da equipa multiprofissional consta do regulamento interno da USF e é estabelecida para toda a equipa, tendo em conta o plano de acção, o período de funcionamento, a cobertura assistencial e as modalidades de regime de trabalho previstas na lei”.
Pela sua importância para a questão colocada no recurso da autora, merece especial destaque o artigo 23.º, com a epígrafe “Horário de trabalho”, estabelecendo que “O horário de trabalho a praticar por cada elemento da equipa multiprofissional deve resultar da articulação e do acordo entre todos os profissionais, tendo em conta o previsto no n.º 1 do artigo anterior”.
Prendendo-se com a questão suscitada no recurso da Ré, releva o art.º 24.º, de onde resulta que a ausência dos membros da equipa não pode exceder o período de 120 dias, a partir do qual, sob proposta da USF, o centro de saúde deve proceder à substituição do elemento ausente, excepto nos casos em que a ausência resulta do exercício da licença de maternidade [n.º3], bem assim, sendo esse o ponto de maior interesse, que em caso de ausência que não exceda duas semanas os elementos da equipa ausentes mantêm o direito à forma de remuneração prevista no diploma (n.º4).
Por último, para a apreciação do recurso da Ré merecem especial interesse os artigos 27.º “Regime jurídico da relação de trabalho”; 31.º “Remuneração dos enfermeiros”; e, 33.º “Remuneração do pessoal administrativo”, estabelecendo o seguinte:
[artigo 27.º]
1 - Aos profissionais que integram a equipa multiprofissional da USF são garantidos os direitos decorrentes dos regimes jurídicos das respectivas carreiras, não podendo ser prejudicados em relação aos restantes profissionais detentores da mesma categoria e grau profissional.
2 - Os direitos referidos no número anterior são aplicáveis, com as devidas adaptações, aos profissionais abrangidos pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, os níveis retributivos dos trabalhadores em regime de contrato individual de trabalho são determinados em função das habilitações e qualificações detidas.
[Artigo 31.º]
1 - A remuneração mensal devida aos enfermeiros das USF integra uma remuneração base, suplementos e compensações pelo desempenho.
2 - A remuneração base corresponde à remuneração da respectiva categoria e escalão, em regime de tempo completo.
3 - São considerados os seguintes suplementos:
a) O suplemento associado ao aumento das unidades ponderadas, nos termos do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 9.º;
b) O suplemento associado às UC do alargamento do período de funcionamento ou cobertura assistencial, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 5 do artigo 10.º, quando contratualizado.
4 - A compensação pelo desempenho integra:
a) A compensação associada à carteira adicional de serviços nos termos do previsto no n.º 6 do artigo 6.º, quando contratualizada;
b) A atribuição de incentivos financeiros previstos no artigo 38.º
5 - As componentes previstas nas alíneas a) e b) do n.º 3 são devidas ao grupo de enfermeiros, divididas igualmente por todos, sendo paga, mensalmente, a cada enfermeiro a respectiva quota-parte.
6 - A remuneração referida neste artigo implica o pagamento de subsídios de férias e de Natal nos termos da lei.
[Artigo 33.º]
1 - A remuneração mensal devida ao pessoal administrativo das USF integra uma remuneração base, suplementos e compensações pelo desempenho.
2 - A remuneração base integra a remuneração da respectiva categoria e escalão, em regime de tempo completo.
3 - São considerados os seguintes suplementos:
a) O suplemento associado ao aumento das unidades ponderadas, nos termos do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 9.º;
b) O suplemento associado às UC do alargamento do período de funcionamento ou cobertura assistencial, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 5 do artigo 10.º, quando contratualizado.
4 - A compensação pelo desempenho integra:
a) A compensação associada à carteira adicional de serviços nos termos do previsto no n.º 6 do artigo 6.º, quando contratualizada;
b) A atribuição de incentivos financeiros previstos no artigo 38.º
5 - As componentes previstas nas alíneas a) e b) do n.º 3 são devidas ao pessoal administrativo, divididas igualmente por todos, sendo paga, mensalmente, a cada um, a respectiva quota-parte.
6 - A remuneração referida neste artigo implica o pagamento de subsídios de férias e de Natal nos termos da lei.
Não é despicienda mais uma referência, esta dirigida ao artigo 37.º, que prevê a possibilidade (Podem) de ser “atribuídos outros incentivos, que consistem na atribuição de prémios institucionais e financeiros à equipa multiprofissional e que visam estimular e apoiar o desempenho colectivo tendo em conta os ganhos de eficiência conseguidos” [n.º1], os quais serão “repartidos por todos os profissionais da equipa multiprofissional da USF.[n.º2].
Por último, refira-se, ainda, que o diploma prevê um regime remuneratório similar para os médicos que integram as Unidades de Saúde Familiares (cfr. artigos 28.º. 29.º e 30.º).
II.2.1 Recurso da Ré Unidade Local de Saúde C…, EPE
Na fundamentação da sentença, na parte aqui em crise, consta o seguinte:
-«(..)
Como resulta dos factos provados, nos termos da política salarial da Ré para a contratação em regime privado, a contratação em regime de 40 horas confere ao profissional o direito a uma remuneração que é calculada tendo por base a remuneração de escalão e índice, da Administração Pública, acrescida de 20%, para Enfermeiros, e 15% para Assistentes Técnicos.
A determinada altura no sistema “RHV” (sistema de processamento de vencimentos do Ministério da Saúde) a remuneração das autoras foi decomposta em duas parcelas, uma a que se chamou de remuneração base e outra de acréscimo, sendo que a primeira correspondia à remuneração da Administração Pública e a segunda ao acréscimo de 20% ou 15% que constavam na referida política salarial.
Esta decomposição nas duas referidas parcelas esteve apenas relacionada com o facto de o sistema “RHV” apenas disponibilizar no ecrã das remunerações automáticas os valores correspondentes aos escalões e índices da Administração Pública (as remunerações anteriores estavam lançadas manualmente, o que criava problemas ao sistema, por exemplo, quando havia aumentos da função pública – todas tinham de ser alteradas manualmente, uma a uma, enquanto que as automáticas se alteravam automaticamente, passe a redundância). Essa situação inerente apenas ao processamento veio posteriormente a ser corrigida informaticamente pela ACSS em 2011, com a criação de valores no ecrã das remunerações automáticas correspondentes às remunerações dos contratos individuais de trabalho.
Estes factos, que resultam das contestações apresentadas pela ré, permitem a conclusão inequívoca que a parcela denominada “Acréscimo de Remuneração Base Privados” que existia nos recibos da retribuição das autoras em determinado período de tempo era parte integrante da retribuição base.
O conceito de retribuição tem vindo a manter-se ao longo da evolução legislativa, abrangendo assim a retribuição o conjunto de valores pecuniários ou não que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o empregador está obrigado a pagar, regular e periodicamente ao trabalhador como contrapartida do seu trabalho.
Nas palavras de JOÃO LEAL AMADO (Contrato de Trabalho - À Luz do Novo Código do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 295), “a retribuição ou salário traduz-se, afinal, no preço da mercadoria força de trabalho, constituindo um elemento essencial do contrato de trabalho, enquanto obrigação capital e nuclear a cargo da entidade empregadora”.
Tradicionalmente tem vindo a ser feita a distinção entre retribuição em sentido estrito e retribuição em sentido amplo. Na primeira acepção, e intimamente correlacionada com o desempenho do trabalho, surge a retribuição base, as diuturnidades e as demais prestações pecuniárias pagas regularmente como contrapartida da actividade (nomeadamente a compensação a título de isenção de horário de trabalho ou de trabalho nocturno). A remuneração em sentido amplo engloba o conjunto das vantagens patrimoniais de que o trabalhador beneficia em razão do seu contrato de trabalho, e podem não decorrer do trabalho prestado. (cfr. Maria do Rosário Palma, ob cit., pg. 561, e Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 3ª ed. Almedina, pg. 559).
E esta dicotomia de conceitos tem vindo a ter espelho na legislação ao longo dos tempos – cfr. art. 88º da LCT, art. 261º do Código do Trabalho 2003 e art. 260º do Código do Trabalho de 2009.
Perante os factos que resultaram provados, sem dúvida que aquela parcela, identificada pela ré como de “acréscimo” fazia parte integrante da retribuição em sentido estrito, da retribuição base, não constituindo qualquer prestação retributiva complementar.
Nos anos de 2010 e 2011 as autoras passaram a integrar Unidades de Saúde Familiar, Modelo B, com o que se operou uma alteração na sua estrutura retributiva. A ré suprimiu a parcela que denominada de “Acréscimo de Remuneração Base Privados” (sem que a reintegrasse na parcela denominada de retribuição base), acrescentando uma parcela denominada “USF – Lst. Pond. – Administ.”.
E é contra esta redução que as autoras se insurgem.
Defende a ré sua posição com a argumentação de qua as autoras ficaram sujeitas ao enquadramento normativo resultante do disposto no DL n.º 298/2007 quando integraram as USF Modelo B, nomeadamente na referência aí feita à remuneração da respectiva categoria e escalão que tem de se considerar como se referindo à remuneração das tabelas da Administração Pública.
Conforme resulta também dos factos provados, com a integração das autoras nas USF Modelo B foi reduzida a escrito uma alteração aos respectivos contratos de trabalho, sujeitando-os às disposições constantes do DL n.º 298/2007 e, em relação às autoras D…, B… e G…, suspendendo ainda as respectivas cláusulas 2ª (que se prende com o valor da remuneração mensal ilíquida) e 4ª (que respeita a outros complementos da retribuição).
Alega a ré que a aplicação deste diploma e suspensão das referidas cláusulas tem como interpretação única a sujeição das autoras às tabelas remuneratória da Administração Pública. Vejamos.
Como resultou provado na sequência da própria alegação da ré, com a contratação das autoras ao abrigo de um contrato individual de trabalho, com um horário de 40 horas semanais (quando os trabalhadores com vínculo de emprego público apenas cumpriam um horário de 35 horas semanais) foi também fixada a sua retribuição por referência à remuneração de escalão e índice da Administração Pública, acrescida de 20% para enfermeiros e de 15% para administrativos (face à carga horária superior destes trabalhadores).
De acordo com o art. 21º, n.º 1, do DL n.º 298/2007, “o regime de prestação de trabalho é o previsto no regime jurídico das respectivas carreiras profissionais, no regime jurídico do contrato individual de trabalho e no presente decreto-lei, sem prejuízo das regras adoptadas por acordo expresso dos elementos da equipa multiprofissional nos casos legalmente possíveis”.
Resulta de forma clara deste preceito não ter sido intenção do legislador proceder a qualquer derrogação do regime jurídico do contrato de trabalho individual, pelo que aos trabalhadores que lhe fosse aplicável, a relação de trabalho continuaria a ser inteiramente regulada pelo Código do Trabalho.
De acordo com o disposto no art. 27º, n.º 1, deste diploma “aos profissionais que integram a equipa multiprofissional da USF são garantidos os direitos decorrentes dos regimes jurídicos das respectivas carreiras, não podendo ser prejudicados em relação aos restantes profissionais detentores da mesma categoria e grau profissional”; dispondo ainda o n.º 2 que “os direitos referidos no número anterior são aplicáveis, com as devidas adaptações, aos profissionais abrangidos pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho”, sendo certo que para este efeito “os níveis retributivos dos trabalhadores em regime de contrato individual de trabalho são determinados em função das habilitações e qualificações detidas”.
No que respeita à retribuição propriamente dita, o art. 31º (quanto aos enfermeiros) e o art. 33º (quanto ao pessoal administrativo) dispõem nos seus n.º 1 que a remuneração mensal devida aos enfermeiros/pessoal administrativo das USF integra uma remuneração base, suplementos e compensações pelo desempenho, prevendo o n.º 2 que “a remuneração base corresponde à remuneração da respectiva categoria e escalão, em regime de tempo completo”.
Aceitando as partes submeter os contratos de trabalho a tal diploma legal, com referência expressa às disposições relativas ao sistema remuneratório e com suspensão expressa das cláusulas 2ª e 4ª do contrato de trabalho, que fixavam a retribuição base e demais complementos (esta suspensão expressa apenas constante dos contratos das autoras enfermeiras), é de concluir pela aplicação do DL n.º 298/2007 à relação laboral das autoras com a ré.
A reforma ocorrida na Administração Pública com a alteração da natureza jurídica dos hospitais para sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos (no ano de 2002) e mais tarde a sua transformação em entidades públicas empresariais (no ano de 2005) impôs, como é sabido, uma linha condutora de aplicação progressiva do Código do Trabalho a seus trabalhadores, enquanto sede legal do respectivo estatuto de pessoal.
Entretanto, toda esta reforma da Administração Pública levou inevitavelmente a uma reforma do regime de emprego público, a qual foi recolhida em dois diplomas base: a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que estabeleceu os novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, e a Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), que entrou em vigor em 1/1/2009 (art. 23º), e entretanto revogada pela Lei n.º 35/2014, de 20/6, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Por força desta transformação progressiva, neste momento, coexistem trabalhadores com vínculos de diferente natureza perante tais hospitais com a natureza de entidades públicas empresariais: os que exercem funções ao abrigo de contratos de função pública (com vínculo de emprego público) e os que exercem funções ao abrigo de contrato individual de trabalho.
Como supra se referiu, o art. 27º do DL 298/2007 visou garantir aos profissionais que integrassem a equipa multiprofissional da USF os direitos decorrentes dos regimes jurídicos das respectivas carreiras, equiparando nestes direitos os profissionais abrangidos por contrato individual de trabalho, sendo ainda certo que quanto a estes os níveis retributivos “são determinados em função das habilitações e qualificações detidas”, como expressamente estipula o n.º 3 deste art. 27º.
A composição da remuneração destes profissionais, a que se referem os arts. 31º (quanto aos enfermeiros) e 33º (quanto ao pessoal administrativo), visa assegurar a continuidade e igualdade da retribuição base – referindo-se expressamente à categoria e escalão em regime de tempo completo.
De todo o normativo deste diploma resulta que o mesmo se refere expressa e directamente aos trabalhadores com vínculo de emprego público, com a preocupação de a estes equiparar os trabalhadores com contrato individual de trabalho na protecção de seus direitos. Como tal, a referência à “remuneração da respectiva categoria e escalão” contida nos n.ºs 2 dos arts. 31º e 33ºº, visa apenas garantir que os trabalhadores destas USF mantêm suas remunerações base ou que estas são iguais por referência aos demais trabalhadores com vínculo de emprego público. Na verdade, a referência a categoria e escalão apenas faz sentido quando referido ao contrato de trabalho em funções públicas, já que no âmbito do Código do Trabalho inexiste qualquer classificação desta natureza.
Assim, entendo que a interpretação a ter deste normativo em relação aos trabalhadores com contrato de trabalho individual, e na sua articulação com o n.º 3 do art. 27º, é de que a remuneração base se manteria (em caso de transição de outro serviço) ou equivaleria à categoria profissional em que fosse enquadrado (caso houvesse alteração de categoria ou ingressasse ao serviço da ré ex novo). Inexiste qualquer fundamento literal ou teleológico para considerar que a intenção do legislador na redacção dada a tais preceitos visou proceder a qualquer alteração da remuneração base destes trabalhadores quando mantivessem a mesma categoria profissional ao ingressar nas USF Modelo B.
Mesmo que assim não se entendesse, e para quem defenda que a intenção do legislador na redacção dada aos arts. 31º e 33º foi de rever as remunerações base dos trabalhadores que ingressassem nas USF, ainda assim é de considerar inexistir fundamento para a ré proceder a uma redução da remuneração base das autoras.
Na sequência da reforma da Administração Pública, as carreiras e tabelas remuneratórias em vigor aquando da transição das autoras para as USF Modelo B estavam previstas na Lei n.º 12-A/2008, como resulta do supra exposto.
É certo que essa Lei não era directamente aplicável às empresas públicas empresariais, como resultava do n.º 5 de seu art. 3º. No entanto, considerando a referência do DL n.º 298/2007 à categoria e escalão para efeitos remuneratórios, e caso se considere ter de ocorrer uma reavaliação da retribuição base dos trabalhadores (que transitavam de um serviços para essas USF), é forçosa remissão para o regime das remunerações que constituía o Título V da Lei n.º 12-A/2008 e que estava em vigor aquando da transição das autoras para as USF Modelo B (e surgiu na sequência da reforma da Administração Pública e quando eram já as autoras trabalhadoras da ré).
Resultava expressamente do artigo 109.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que os trabalhadores seriam reposicionados remuneratoriamente na tabela a partir de 1 de Janeiro de 2009 (data de entrada em vigor do RCTFP aprovado pela Lei n.º 59/2008).
Conforme previa o art. 68º, n.º 2, foi publicada a Portaria n.º 1553-C/2008 que aprovou a tabela remuneratória única dos trabalhadores que exercem funções públicas.
Desde Janeiro de 2009 que a autor B… auferia a retribuição base total de €825,08 e desde Janeiro e de Junho de 2009 que as demais autoras auferiam uma retribuição base total de €1.374,40;
Quando transitaram para as USF Modelo B (em 2010 a autora B… e em 2011 as demais autoras) a remuneração base das autoras foi alterada, mediante a supressão daquela parcela que a ré denominava de “acréscimo de remuneração base privados”, nos seguintes termos:
- a autora B… auferia uma retribuição base de €825,08, e passou a auferir uma retribuição base de €717,46;
- a autora D… auferia uma retribuição base de €1.374,40, e passou a auferir uma retribuição base de €1.145,33;
- a autora F… auferia uma retribuição base de €1.374,40, e passou a auferir uma retribuição base de €1.145,33; e
- a autora G… auferia uma retribuição base de €1.374,40, e passou a auferir uma retribuição base de €1.145,33.
Nos termos do art. 104º, n.º 1, da Lei n.º 12-A/2008, “na transição para as novas carreira e categoria, os trabalhadores são reposicionados na posição remuneratória a que corresponda nível remuneratório cujo montante pecuniário seja idêntico ao montante pecuniário correspondente à remuneração base a que actualmente têm direito”, sendo certo que “em caso de falta de identidade, os trabalhadores são reposicionados na posição remuneratória, automaticamente criada, de nível remuneratório não inferior ao da primeira posição da categoria para a qual transitam cujo montante pecuniário seja idêntico ao montante pecuniário correspondente à remuneração base a que actualmente têm direito” (n.º 2)
Deste modo, e na sequência de todo o exposto, é de entender que mesmo com o recurso às tabelas remuneratórias da Administração Público, inexistia qualquer fundamento legal para que a ré diminuísse a retribuição base das autoras, pelo que as mesmas têm de se considerar como correspondendo às supra elencadas aquando da sua transição para as USF Modelo B.
Tendo ocorrido uma efectiva redução da retribuição base está, sem dúvida, a ré obrigada a proceder ao pagamento das quantias em falta desde a data em que tal redução ocorreu, nos termos calculados pelas autoras relativamente à retribuição base que se mostra conforme o trabalho por estas prestado e as reduções salariais impostas pelas Leis de Orçamento de Estado nos períodos compreendidos entre 2011 e 2014.
(…)».
Para sustentar a sua discordância, a recorrente Ré contrapõe, no essencial, o seguinte:
i) Nos termos da política salarial da Recorrente tinham direito a uma remuneração calculada tendo por base a remuneração de escalão e índice, da Administração Pública, acrescida de 20%, para Enfermeiros, e 15% para Assistentes; para além desta remuneração fixa, tinham ainda direito a um incentivo associado à produtividade e assiduidade;
ii) Quando integraram uma USF Modelo B, ficaram com o enquadramento normativo resultante do disposto no Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de Agosto, que consagra que a remuneração integra três componentes: remuneração base fixa, que “corresponde à remuneração da respectiva categoria e escalão, em regime de tempo completo”; um abono associado à dimensão da lista de utentes atribuída a cada profissional; outros abonos, associados ao alargamento do período de funcionamento, a compensações por desempenho, a carteira adicional e à atribuição de atividades específicas.
iii) A referência à remuneração da respetiva categoria e escalão, em regime de tempo completo, só pode ser interpretada como correspondendo à remuneração das tabelas da Administração Pública, que são as únicas que se organizavam em escalões e índices; a remuneração base das 40 horas dos Autores, até então, não tinha qualquer correspondência em termos de índice ou escalão, nas tabelas remuneratórias.
v) Daí resultando não ser possível aos Autores integrarem a equipa da USF e manterem inalterada a sua remuneração base, negociada aquando da celebração do contrato individual de trabalho, porquanto tal iria contra a definição legal a tal respeito.
vi) Da comparação daquilo que consta nos factos assentes relativos à situação retributiva dos Autores antes da sua integração numa USF Modelo B, com aquilo que consta dos factos assentes relativos à mesma situação retributiva a partir de tal integração, é que os Autores, a partir de Junho de 2010 e de Julho de 2011, respetivamente, passaram a receber muito mais do dobro daquilo que auferiam até então, conclusão objetiva que se mostra incompatível com a decisão da sentença recorrida.
vii) Os Autores, aquando da transição para a USF – Modelo B, outorgaram os documentos juntos com a petição inicial, e consignados nos factos assentes, os quais correspondem a uma ALTERAÇÃO do seu contrato de trabalho, sendo que a mesma incide sobretudo (pela referência expressa e até pelas cláusulas cujos efeitos são considerados suspensos) ao plano do sistema remuneratório.
viii) A remuneração base dos Autores foi alterada por força do que se encontra definido no regime jurídico das USF – Modelo B, sendo a componente fixa adaptada ao que estava definido no quadro legal aplicável às USF – Modelo B, o qual remetia para as tabelas remuneratórias da Administração Pública, alteração à qual os Autores deram o seu acordo expresso.
ix) A Recorrente sempre lhes pagou a retribuição devida, considerando precisamente o índice e escalão previsto para os Autores, em função da categoria destes, nas tabelas remuneratórias da Administração Pública.
x) Não faz sentido manter como referência e medida retributiva, designadamente para a aplicação do disposto no artigo 129º, n.º 1, d), do Código do Trabalho o quadro contratual primitivo dos Autores, anterior a Junho de 2010 e a Julho de 2011, respetivamente; esse entendimento esvaziaria e inviabilizaria a aplicação aos Autores do disposto nos artigos 31º e 33º do DL 298/2007.
xi) Os Autores decidiram, de forma livre, consciente e voluntária, por acordo com a Recorrente, nos termos da Lei e porque tal lhes era mais favorável, suspender a remuneração base, fixa e variável, do seu contrato original e passarem a ser remunerados de acordo com as disposições do Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de Agosto.
Diremos, desde já, que acompanhamos o essencial da fundamentação do Tribunal a quo, merecendo o decidido a nossa concordância. Significando isso, necessariamente, a sucumbência do recurso da Ré, cabe-nos deixar as razões essenciais para justificar a nossa posição.
II.2.1.1 Da noção legal de retribuição retira-se que a mesma compreende o conjunto de valores que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em contrapartida da actividade por ele desempenhada, presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador. Abrange quer a retribuição base, quer todas as demais que tenham carácter regular e periódico, feitas directa ou indiretamente, em dinheiro ou espécie, quer seja por força da lei, quer por imposição de instrumento de regulamentação colectiva ou, ainda, decorrente de prática da empresa, também elas correspondendo ao direito do trabalhador como contrapartida do seu trabalho (art.º 258.º CT/09).
Como sintetiza Monteiro Fernandes, reportando-se àquela norma, a noção legal de retribuição consiste no conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida) [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 479].
Resulta dos factos provados que a Ré, relativamente a todas as autoras, a partir de determinada data cindiu a retribuição base acordada na celebração do contrato de trabalho em dois valores, um que manteve a designação de retribuição base e outro que passou a designar por “Acréscimo de Remuneração Base (…) Privados”.
Prendeu-se essa alteração com razões atinentes às funcionalidades do sistema “RHV” (sistema de processamento de vencimentos do Ministério da Saúde).
Relevam estas referências para deixar claro, como ponto de partida, que a Ré não discorda do Tribunal a quo quando concluiu que a parcela paga às autoras sob aquela designação “Acréscimo de Remuneração Base Privados”, “fazia parte integrante da retribuição em sentido estrito, da retribuição base, não constituindo qualquer prestação retributiva complementar”.
Em síntese, embora a Ré tivesse passado a proceder à decomposição da retribuição base em duas parcelas - mantendo a designação de uma como retribuição base e denominando a outra como “Acréscimo de Remuneração Base Privados” - o certo é que esse artifício não alterou o valor da retribuição base acordada com as autoras. O valor total -a soma das duas parcelas-, continuava a representar o que se considera retribuição base, isto é, a principal parcela da retribuição, que se distingue das outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, embora estas integrem igualmente aquela noção (n.º2, do art.º 258.º, CT).
Como elucida observa Monteiro Fernandes, «[N]a linguagem do CT (..) é a retribuição base “ que nos termos da definição oferecida pelo art. 262.º/2-a), é a contrapartida da “actividade do trabalhador no período normal de trabalho” [Op. cit., p. 489].
Por conseguinte, tal como conclui o tribunal a quo, imediatamente antes de serem integradas em USF as autoras auferiam uma retribuição base nos valores seguintes:
- a autora B…, no valor de €825,08, dado que em Janeiro de 2009, a Ré passou a pagar-lhe €717,46, acrescidos de €107,62, sob a designação “Acr. Rem. Base (15%) Priv.” [facto 13];
- a autora D…, no valor de €1.374,40, dado que em Janeiro de 2009, a Ré passou a pagar-lhe €1.145,33, acrescidos de € 229,07, sob a designação “Acr. Rem. Base (20%) Priv.” [facto 66];
- a autora F…, no valor de € €1.374,40, dado que em Junho de 2009, a Ré passou a pagar-lhe €1.145,33, acrescidos de € 229,07, sob a designação “Acr. Rem. Base (20%) Priv.” [facto 110];
- a autora G…, no valor de €1.374,40, dado que em Junho de 2009, a Ré passou a pagar-lhe €1.145,33, acrescidos de €229,07, sob a designação “Acr. Rem. Base (20%) Priv.” [facto 156].
Dito em poucas palavras, em contrapartida da prestação do trabalho prestado pelas AA. a Ré continuava obrigada a assegurar-lhe uma retribuição base mensal cujo valor seria o resultado daquelas duas componentes. O valor não foi alterado, simplesmente, mercê desse procedimento foi cindido em duas parcelas.
Prosseguindo, as quatro autoras celebraram acordos de “alteração ao contrato de trabalho por tempo indeterminado”, com vista a passarem a integrar uma equipa multiprofissional de Unidade de Saúde Familiar, Modelo B, implicando tal a aplicação do regime constante do DL n.º 298/2007, enquanto integrassem as respectivas equipas [factos 13, 67, 111, e 157].
No acordo celebrado pela A. B…, prevê-se a aplicação das disposições constantes do Decreto-lei n.º 298/2007, de 22 de Agosto, “designadamente as relativas ao sistema remuneratório”. Nos acordos das demais autoras prevê-se a suspensão das cláusulas 2ª e 4ª, respeitantes, respectivamente, ao valor da remuneração mensal ilíquida e a outros complementos da retribuição.
Com o início de funções nas USF ao abrigo do aludido acordo, a Ré alterou a estrutura remuneratória das autoras, suprimindo as parcelas que lhes pagava com a denominação “acréscimo de remuneração base privados” e passando a considerar apenas a parcela que já antes designava como “retribuição base” - mas que como vimos, não representava o valor real da mesma, que antes correspondia à soma das duas parcelas -, passando a pagar-lhes sob esta designação os valores seguintes:
- A B…, passou a auferir €717,46;
- A D… passou a auferir €1.145,33;
- A F… passou a auferir €1.145,33;
- A G… passou a auferir €1.145,33.
Concomitantemente, a Ré acrescentou uma outra prestação à componente retributiva mensal das autoras, pagos 14 vezes ao ano: no caso da primeira A. designada como “USF – Lst. Ut. Pond. – Administ.”, no valor de €360,00; quanto às demais autoras, designada como “USF – Lst. Ut. Pond. – Enf.”, no valor de €600,00 [factos 18e 19; 72 e 73; 116 e 117;e,162 e 163].
Não obstante o pagamento daquelas novas prestações mensais, entendeu o Tribunal a quo, pelas razões constantes da fundamentação acima transcrita, que a Ré reduziu os valores que anteriormente pagava a cada uma das autoras e que consubstanciavam, como tinha concluído, as respectivas retribuições base.
Defende a Ré, no essencial, que as autoras quando integraram uma USF Modelo B, ficaram com o enquadramento normativo resultante do disposto no Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de Agosto, que consagra que a remuneração integra três componentes: remuneração base fixa, que “corresponde à remuneração da respectiva categoria e escalão, em regime de tempo completo”; um abono associado à dimensão da lista de utentes atribuída a cada profissional; outros abonos, associados ao alargamento do período de funcionamento, a compensações por desempenho, a carteira adicional e à atribuição de atividades específicas.
Justifica a redução dos valores da retribuição base das autoras, alegando que não tinham correspondência em termos de índice ou escalão, nas tabelas remuneratórias da administração pública, dizendo que por essa razão não era possível integrarem a equipa da USF e manterem inalterada a sua remuneração base, negociada aquando da celebração do contrato individual de trabalho. Prossegue, invocando que pese embora a alteração, os factos provados mostram que “a partir de Junho de 2010 e de Julho de 2011, respetivamente, passaram a receber muito mais do dobro daquilo que auferiam até então, conclusão objetiva que se mostra incompatível com a decisão da sentença recorrida”.
Defende a legalidade do procedimento adoptado, invocando que as autoras “aquando da transição para a USF – Modelo B, outorgaram os documentos juntos com a petição inicial, e consignados nos factos assentes, os quais correspondem a uma ALTERAÇÃO do seu contrato de trabalho, sendo que a mesma incide sobretudo (pela referência expressa e até pelas cláusulas cujos efeitos são considerados suspensos) ao plano do sistema remuneratório”, bem assim que as respectivas remunerações base “foram alteradas por força do que se encontra definido no regime jurídico das USF – Modelo B, sendo a componente fixa adaptada ao que estava definido no quadro legal aplicável às USF – Modelo B, o qual remetia para as tabelas remuneratórias da Administração Pública, alteração à qual (…) deram o seu acordo expresso».
Como é sabido, uma das garantias asseguradas pela lei laboral ao trabalhador consiste na consagração da proibição que imperativamente se impõe ao empregador de “Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho” [art.º 129.º, n.º1, al. d), CT/09].
No entanto, importa também ter presente que a lei permite que a composição ou, dito de outro modo, a estrutura da retribuição, possa ser definida por estipulações individuais, regulamento interno ou até uso da empresa (art.º 258.º 1, CT/09). Mas sendo tal possível, é ponto fulcral que qualquer alteração não se traduza numa redução da retribuição base mensal devida ao trabalhador pela disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida. De outro modo, ignorar-se-ia aquela protecção especial, em princípio irreversível, de que beneficia a retribuição devida ao trabalhador contra a diminuição do seu montante.
Na consideração desses pressupostos, a jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que a entidade empregadora está apenas obrigada a manter montantes médios e não a mesma estrutura da retribuição. Assim foi afirmado no acórdão desta Relação e secção de 12-05-2014 [Proc.º 424/10.5TTMAI.P1, Desembargador Rui Penha], em cujo sumário se lê: “O princípio da irredutibilidade da remuneração do trabalhador não impede o empregador alterar, quer o quantitativo de algumas delas, quer proceder à sua supressão, nos casos em que a retribuição é constituída por diversas parcelas ou elementos desde que o quantitativo da retribuição global (apurado pelo somatório das parcelas retributivas) resultante da alteração, não se revele inferior ao que resultaria do somatório das parcelas retributivas anterior a essa alteração”.
E, de igual modo assim é entendido pela doutrina, como o ilustram as palavras de Monteiro Fernandes:
- «Desde que não resulte modificado – ou, melhor, diminuído – o valor total da retribuição (art. 129.º/d)), a estrutura dela pode ser unilateralmente alterada pelo empregador, mediante a supressão de algum componente, a mudança da frequência de outro, ou, ainda, a criação de um terceiro. Todavia, a alteração unilateral só é admissível, a nosso ver, quando se refira a elementos fundados nas estipulações individuais ou nos usos, excluindo-se, por conseguinte, os que derivem da lei ou da regulamentação colectiva» [op. cit., p. 498].
É verdade que a partir da integração nas USF tipo B, apesar de verem reduzidas as parcelas denominadas de retribuição base nos termos acima indicados, as autoras viram os respectivos rendimentos mensais aumentados, em razão de no cômputo global, atento o valor da nova componente retributiva denominada “USF – Lst. Ut. Pond – (..)”, passarem a receber valores superiores aos que vinham obtendo até então. Exemplificando:
- A B…, em 2009, recebia €825,08, valor que foi reduzido para €717,46 (com a denominação retribuição base), mas como passou a receber aquela nova componente retributiva no valor de € 360,00, o seu rendimento mensal subiu para €1.077,46.
- As autoras D…, F… e G…, em 2009, recebiam €1.374,40 valor que foi reduzido para €1.145,33 (com a denominação retribuição base), mas como passaram a receber aquela nova componente retributiva no valor de €600,00, o seu rendimento mensal subiu para €1.745,33.
Não esquecemos, também, que às autoras foram ainda pagos, nos meses de Dezembro dos anos de 2012 e seguintes, valores a título de “USF – Incent. Financeiros (..)”, sendo os mesmos reportados a Janeiro dos anos imediatamente anteriores.
II.2.1.2 Mas embora esses factos impressionem, o certo é que o inegável aumento dos rendimentos mensais das autoras não significa que a Ré tenha procedido em conformidade com o disposto no DL 298/07, designadamente, sobre o regime de carreiras, suplementos e incentivos (artigos 27 e segts), nem tão pouco que não tenha violado o princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado no art.º 129.º, n.º1, al. d), CT/09.
Como referimos ao debruçarmo-nos sobre o DL 298/07, o legislador deixou logo anunciado no preâmbulo que os trabalhadores que integrassem as novas estruturas constituídas por uma equipa multiprofissional, beneficiariam de um regime remuneratório especial.
Justamente por isso, como referiu a recorrente, a remuneração mensal dos profissionais que integram estas estruturas denominadas como Unidades de Saúde Familiares é composta por três tipos de prestações, assim enunciados na lei (art.ºs 31.º, para os enfermeiros e art.º 33.º para o pessoal administrativo): “remuneração base”; “suplementos”; e, ”compensações pelo desempenho”.
E, como logo o decorria do n.º2, do art.º 2.º, esse regime remuneratório é aplicável aos profissionais que integrem as USF, “independentemente do vínculo laboral estabelecido com as entidades sob direcção, tutela ou superintendência do Ministro da Saúde”, isto é, quer sejam contratados em regime de contrato individual de trabalho ou através de relação jurídica de emprego público.
Antes de prosseguirmos, importa fazer aqui um parêntesis para deixar uma nota prévia: se por um lado é certo que a integração dos trabalhadores nestas estruturas específicas pressupõe a prestação de trabalho ao abrigo de um regime jurídico especial que, por isso mesmo, se reflecte também no regime remuneratório; por outro não o é menos que, concomitantemente, o diploma acautela expressamente os seus direitos essenciais, quer quanto ao regime de prestação de trabalho quer os decorrentes das respectivas carreiras, inclusive no que respeita ao regime remuneratório (cfr. artigos 21.º e 27.º).
A remuneração base corresponde à remuneração da respectiva categoria e escalão, em regime de tempo completo (art.ºs 31.º 2 e 33.º2). Como bem refere o tribunal a quo, esta referência a “categoria e escalão” reporta-se ao contrato de trabalho em funções públicas, dado que o Código do trabalho não estabelece qualquer classificação desta natureza. De resto, todo o diploma assenta nesse pressuposto, logo enunciado no preâmbulo, de se acolherem “os princípios orientadores em matéria de vinculação, carreiras e remunerações da Administração Pública”.
Os suplementos previstos são dois (art.º 31.º/3 e 33.º/3): a) “[O] suplemento associado ao aumento das unidades ponderadas, nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 9.º”; e, [O] suplemento associado às UC do alargamento do período de funcionamento ou cobertura assistencial, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 5 do artigo 10.º, quando contratualizado”.
Estabelecendo os mesmos artigos 31.º e 33.º, nos respectivos n.º 5, que “[A]s componentes previstas nas alíneas a) e b) do n.º 3 são devidas - “ao grupo de enfermeiros” no primeiro; e “ao pessoal administrativo” no segundo - “divididas igualmente por todos, sendo paga, mensalmente, a cada um, a respectiva quota-parte”.
Quanto às “compensações pelo desempenho” (art.ºs 31.º/4 e 33.º/4,) prevêem-se duas: “associada à carteira adicional de serviços nos termos do previsto no n.º 6 do artigo 6.º, quando contratualizada”[al. a)]; e, “[A] atribuição de incentivos financeiros previstos no artigo 38.º” [a. b)].
Releva referir que o “Cálculo dos suplementos e compensações pelo desempenho (..) ”, dos enfermeiros e do pessoal administrativo, são depois regulados, respectivamente, nos artigos 32-º e 34.º, dos quais se retira que os respectivos montantes são variáveis de USF para USF, bem assim que em cada USF podem igualmente variar consoante surja qualquer alteração nos parâmetros a considerar para a determinação do valor global, depois divisível por cada profissional. Basta ver que o suplemento associado ao aumento das unidades ponderadas (nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 9.º), depende da dimensão da lista de utentes inscritos na USF (n.ºs 3 e 4, do art.º 9.º), a qual “é actualizada trimestralmente no primeiro ano de actividade na USF e anualmente nos anos seguintes” (n.º5, do art.º9.º).
De resto, ilustra o afirmado o que consta provado, por exemplo, nos factos 21 e 40, de onde resulta que a Ré alterou a prestação denominada componente “USF – Lst. Ut. Pond. – Administ”, auferida pela autora B…, em Outubro de 2011, de €420,00 para €360,00 e em Dezembro para €300,00; e, em Janeiro de 2016, de €480,00 para €420,00.
Para além disso, importa também assinalar que estes suplementos e complementos deixam de ser devidos em caso de ausência superior a 20 dias, visto dispor o n.º4, do art.º 24.º, o seguinte: “Os elementos da equipa ausentes mantêm o direito à forma de remuneração prevista neste diploma, desde que a ausência não exceda as duas semanas”.
De tudo isto resulta inequivocamente que estas prestações compõem a retribuição mensal dos trabalhadores integrados nas USF, mas são complementares em relação à retribuição base, de resto como logo enuncia o n.º1, dos artigos 31.º e 33.º.
Ora, quanto a esta, para se determinar o sentido e alcance da regra enunciada - “A remuneração base corresponde à remuneração da respectiva categoria e escalão, em regime de tempo completo” – importa atentar nos princípios definidos no art.º 27.º, com a epígrafe “Regime jurídico da relação de trabalho”, para cuja transcrição acima se remete.
Assim, como regra base, assegura-se aos profissionais que integram a equipa multiprofissional da USF - independentemente do regime jurídico do respectivo contrato – a garantia dos direitos decorrentes dos regimes jurídicos das respectivas carreiras, não podendo ser prejudicados em relação aos restantes profissionais detentores da mesma categoria e grau profissional.
No que concerne aos vinculados por regime de contrato individual de trabalho, esclarece o n.º2, que esses direitos, ou seja, os decorrentes dos regimes jurídicos das respectivas carreiras e sem prejuízo em relação aos restantes profissionais detentores da mesma categoria e grau profissional, são aplicáveis com as devidas adaptações.
Por último, o n.º3, reportando-se aos profissionais vinculados em regime de contrato individual de trabalho, vem dizer que “os níveis retributivos dos trabalhadores em regime de contrato individual de trabalho são determinados em função das habilitações e qualificações detidas”.
Ora, com o devido respeito pela posição da Ré, para aplicação destes princípios não se vislumbra como possa defender e sustentar-se, mormente no que respeita aos níveis retributivos, uma interpretação que admita reduzir a retribuição base das autoras, a pretexto de inexistir correspondência em termos de índice ou escalão, nas tabelas remuneratórias da administração pública. Aliás, cabe salientar, a Ré nem tão pouco cuidou de explicar essa dificuldade de enquadramento, referindo os concretos índices e escalões que aplicou e, ainda, quais os previstos nas tabelas remuneratórias da administração pública para as categorias profissionais das autoras.
Como bem entendeu o Tribunal a quo, a interpretação correcta, salvaguardando a garantia dos direitos assegurados e, refira-se, também, o princípio da irredutibilidade da retribuição, apenas permite concluir que as autoras, tendo em conta as habilitações e qualificações profissionais, o que vale por dizer, a respectiva categoria profissional, para efeitos da determinação da retribuição base deveriam ser integradas na categoria e escalão correspondente, mas sempre sem qualquer redução do montante da retribuição base.
De outro modo, ou seja, a aceitar-se a tese da Ré, estar-se-ia a pôr em causa o princípio enunciado no art.º 27.º, não assegurando às autoras a garantia dos direitos decorrentes dos regimes jurídicos das respectivas carreiras e prejudicando-as em relação aos restantes profissionais detentores da mesma categoria e grau profissional, desde logo, os vinculados em regime de contrato individual de trabalho.
A sentença refere-se à reforma ocorrida na Administração Pública e consequentes alterações ao regime de emprego público, designadamente através da Lei n.º12-A/2008 de 27 de Fevereiro – estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas – e da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro - Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP) - que entrou em vigor em 1/1/2009 (art. 23º), e entretanto revogada pela Lei n.º 35/2014, de 20/6, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, para assinalar que por via das transformações introduzidas passaram a coexistir trabalhadores com vínculos de diferente natureza perante tais hospitais com a natureza de entidades públicas empresariais: os que exercem funções ao abrigo de contratos de função pública (com vínculo de emprego público) e os que exercem funções ao abrigo de contrato individual de trabalho. No seguimento, afirma-se:
«(..) considerando a referência do DL n.º 298/2007 à categoria e escalão para efeitos remuneratórios, e caso se considere ter de ocorrer uma reavaliação da retribuição base dos trabalhadores (que transitavam de um serviços para essas USF), é forçosa remissão para o regime das remunerações que constituía o Título V da Lei n.º 12-A/2008 e que estava em vigor aquando da transição das autoras para as USF Modelo B (e surgiu na sequência da reforma da Administração Pública e quando eram já as autoras trabalhadoras da ré).
Resultava expressamente do artigo 109.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que os trabalhadores seriam reposicionados remuneratoriamente na tabela a partir de 1 de Janeiro de 2009 (data de entrada em vigor do RCTFP aprovado pela Lei n.º 59/2008).
Conforme previa o art. 68º, n.º 2, foi publicada a Portaria n.º 1553-C/2008 que aprovou a tabela remuneratória única dos trabalhadores que exercem funções públicas.
[…]
Nos termos do art. 104º, n.º 1, da Lei n.º 12-A/2008, “na transição para as novas carreira e categoria, os trabalhadores são reposicionados na posição remuneratória a que corresponda nível remuneratório cujo montante pecuniário seja idêntico ao montante pecuniário correspondente à remuneração base a que actualmente têm direito”, sendo certo que “em caso de falta de identidade, os trabalhadores são reposicionados na posição remuneratória, automaticamente criada, de nível remuneratório não inferior ao da primeira posição da categoria para a qual transitam cujo montante pecuniário seja idêntico ao montante pecuniário correspondente à remuneração base a que actualmente têm direito” (n.º 2)
Deste modo, e na sequência de todo o exposto, é de entender que mesmo com o recurso às tabelas remuneratórias da Administração Público, inexistia qualquer fundamento legal para que a ré diminuísse a retribuição base das autoras, pelo que as mesmas têm de se considerar como correspondendo às supra elencadas aquando da sua transição para as USF Modelo B».
Concorda-se com esta fundamentação e com a conclusão retirada. Com efeito, para além das razões antes apontadas, a posição sustentada pela Ré contraria a regra estabelecida no art.º 104.º n.º2, da Lei 12-A/2008, estabelecendo um claro princípio de salvaguarda do montante da remuneração base.
Melhor explicando, tendo presente os princípios enunciados no art.º 27.º do DL 298/2007, que no essencial visam salvaguardar os direitos dos trabalhadores que passam a integrar uma USF independentemente da natureza do respectivo vínculo laboral, não seria coerente determinar a retribuição dos trabalhadores vinculados por contrato individual de trabalho, interpretando o seu n.º 3, e também os n.ºs 2, dos artigos 31.º e 33.º, em sentido contrario ao princípio enunciado no n.º2, do art.º 104.º da Lei 12-A/2008, admitindo-se como possível um processo de equiparação – para os enquadrar num determinado escalão das respectivas categorias dos trabalhadores com vínculo de natureza pública – que se traduzisse numa redução do valor das retribuições base
No caso específico das autoras D…, F… e G…, todas enfermeiras contratadas em regime de contrato de trabalho que passaram a integrar uma USF em 1 de Julho de 2011 (factos 67, 111 e 157), não é despiciendo referir que à data vigoravam dois diplomas distintos regulando a carreira de enfermagem, mas com âmbitos de aplicação e especificidades próprias, nomeadamente, os Decreto-Lei n.º 247/2009 e n.º 248/2009, ambos de 22 de Setembro.
O Decreto-Lei n.º 247/2009, de 22 de Setembro, veio definir “o regime legal da carreira aplicável aos enfermeiros nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde, bem como os respectivos requisitos de habilitação profissional e percurso de progressão profissional e de diferenciação técnico – científica [art.º 1.º], aplicando-se “aos enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho, nos termos do Código do Trabalho, nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde, nos termos dos diplomas legais que definem o regime jurídico dos trabalhadores das referidas entidades, sem prejuízo da manutenção do mesmo regime laboral e dos termos acordados no respectivo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho” [art.º 2.º/1].
Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 248/2009, “define o regime da carreira especial de enfermagem, bem como os respectivos requisitos de habilitação profissional” [art.º 1.º], aplicando-se “(..) aos enfermeiros integrados na carreira especial de enfermagem cuja relação jurídica de emprego público seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas”.
Relativamente ao DL 247/2009 - aplicável aos enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho – importa sublinhar que, conforme mencionado na parte final do preâmbulo, a sua finalidade é essencialmente a de “(..)garantir que os enfermeiros das instituições de saúde no âmbito do SNS possam dispor de um percurso comum de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica”. Justamente por isso, o seu articulado é apenas composto por 14 artigos, regulando os aspectos essenciais da carreira de enfermagem dos enfermeiros contratos em regime de contrato individual de trabalho, resultando do art.º 13.º, com a epígrafe ” Remunerações e posições remuneratórias”, que as mesmas “são fixadas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho”.
No que concerne ao DL 248/2009, regulam-se as mesmas matérias, constando a matéria relativa a “Remunerações” e “Posições remuneratórias”, em dois artigos com esses mesmos títulos (14.º e 15.º). No n.º1, do primeiro estabelece-se que “[A] identificação dos níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias da carreira especial de enfermagem é efectuada em diploma próprio”; o segundo, também no seu n.º1, dispõe que “A cada categoria da carreira especial de enfermagem corresponde um número variável de posições remuneratórias, a constar de diploma próprio” [art.º 15.º 1].
A matéria referida naqueles dispositivos veio a ser regulada pelo Decreto-lei 122/2010, de 11 de Novembro, estabelecendo, conforme expresso no art.º1.º, “o número de posições remuneratórias das categorias da carreira especial de enfermagem, identifica os respectivos níveis da tabela remuneratória única, define as regras de transição para a nova carreira e identifica as categorias que se mantêm como subsistentes” (n.º1), bem assim “os rácios dos enfermeiros principais na organização dos serviços, fixando regras para a determinação do número de postos de trabalho a prever nos respectivos mapas de pessoal” (n.º2) e, ainda, “a remuneração para as funções de direcção e chefia, exercidas em comissão de serviço”.
Para que melhor se compreenda o objecto do diploma, deixa-se aqui parte do respectivo preâmbulo, onde se lê o seguinte:
- «O Decreto-Lei 248/2009, de 22 de Setembro, definiu o regime da carreira especial de enfermagem, bem como os requisitos de habilitação profissional, relativamente aos enfermeiros com relação jurídica de emprego público constituída por contrato de trabalho em funções públicas.
Nos termos dos seus artigos 14.º e 15.º, os níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias que integram a carreira especial de enfermagem - enfermeiro e enfermeiro principal - são identificados por diploma próprio.
Assim, e em conformidade com os princípios e regras consagrados na Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, o presente decreto-lei estabelece, por categoria, o número de posições remuneratórias da carreira especial de enfermagem, bem como identifica os correspondentes níveis remuneratórios.
Esta definição tem em consideração, por um lado, o grau de complexidade funcional da carreira especial de enfermagem e, por outro, o processo de dignificação e valorização da profissão de enfermeiro que tem vindo a ser feito na última década, nomeadamente através do modelo de formação dos enfermeiros.
(..)
No que respeita às regras relativas ao regime de reposicionamento remuneratório para a tabela remuneratória agora estabelecida, prevê-se a aplicação dos princípios fixados no artigo 104.º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro».
A conjugação do disposto no artigo 1.º com a motivação do preâmbulo é suficiente para perceber que o diploma tem por objecto regular duas situações distintas: por um lado, vem estabelecer um estatuto remuneratório; por outro pretende definir as regras “relativas ao regime de reposicionamento remuneratório para a tabela remuneratória agora estabelecida”.
Os artigos 2.º “Posições remuneratórias” e 5.º “Reposicionamento remuneratório” tratam destas distintas situações.
Não interessa aqui entrar em maior detalhe sobre o diploma, bastando que se deixe assinalado, parafraseando o Acórdão desta Relação, de 15 de Maio de 2017, relatado pelo aqui relator e com intervenção do primeiro adjunto [proc.º 1300/16.3T8OAZ.P1], que, “Em suma, o diploma regula duas situações distintas, nomeadamente as seguintes:
i) define um estatuto remuneratório aplicável à carreira especial de enfermagem regulada pelo Decreto-Lei 248/2009, de 22 de Setembro, estabelecendo, por categoria, o número de posições remuneratórias dessa carreira e identificando os correspondentes níveis remuneratórios, nos termos da tabela remuneratória única anexa ao diploma (art.º 2.º/1), determinando que “[A] alteração de posição remuneratória na categoria efectua-se nos termos previstos nos artigos 46.º a 48.º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro” (art.º 2.º/2) .
ii) estabelece as regras de reposicionamento remuneratório por efeito da transição para a carreira especial de enfermagem dos trabalhadores, aplicável aos enfermeiros contratados por pessoas colectivas públicas na situações tipificadas no art.º 2.º do DL 437/91, que passaram a estar enquadrados na carreira especial de enfermagem regulada pela Lei 248/2009, de 22 de Setembro, dispondo o art.º 5.º/1, que “Na transição para a carreira especial de enfermagem, os trabalhadores são reposicionados nos termos do artigo 104.º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro”.
Por conseguinte, no caso específico destas autoras, a determinação da respectiva retribuição base, a que se refere o art.º 31º n.ºs 1 e 2, para ser operada com observância dos princípios enunciados no art.º 27.º , isto é, com salvaguarda dos direitos decorrentes dos regimes jurídicos das respectivas carreiras e sem prejuízo em relação aos restantes profissionais detentores da mesma categoria e grau profissional, exigia que se atendesse ao regime do Decreto-lei 122/2010, de 11 de Novembro – que por seu turno acolhe os princípios enunciados na Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, mormente nos art.ºs 46.º a 48.º e 104.º -, apenas sendo aceitável uma interpretação e aplicação que conduzisse ao seu enquadramento numa posição remuneratória que respeitasse o montante que vinham auferindo àquele título antes de passarem a integrar as USF.
Não foi esse o procedimento observado pela Ré, visto ter reduzido o valor da retribuição base a todas as autoras.
Assim, pelas razões enunciadas, conclui-se que bem decidiu o Tribunal a quo ao acolher esta pretensão das autoras, improcedendo o recurso da Ré.
II.2.2 Recurso da autora B…
Insurge-se esta autora contra a sentença, defendendo que o Tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos ao ter concluído não lhe assistir o direito a ver reconhecido seu tempo de trabalho como de 35 horas semanais, bem como a obter o acréscimo remuneratório peticionado na sequência do cumprimento efectivo das 40 horas de trabalho semanal ou, alternativamente, o pagamento de trabalho suplementar.
Na fundamentação da sentença, sobre esta questão lê-se o seguinte:
- «Pretendem ainda as autoras ver reconhecido que a partir do momento em que ingressaram nas USF Modelo B (Junho de 2010 em relação à autora B… e Julho de 2011 e relação às demais autoras) o seu horário de trabalho foi reduzido para 35 horas semanais.
A tal veio a ré opor-se, alegando que tal redução temporária não importou qualquer alteração ao contrato de trabalho das autoras.
Dos factos provados resulta que quando as autoras ingressaram nas USF Modelo B foi-lhes comunicado que por reunião de Conselho Geral das respectivas USF, foi decidido que o horário de todos os profissionais passaria para 35 horas semanais. Posteriormente, no início do ano de 2015 foram as autoras informadas pela Ré que, nas situações associadas a profissionais integrados em USF – Modelo B a praticarem carga horária inferior à resultante do respectivo contrato de trabalho, se deveria regularizar tal situação, de tal modo que às autoras passou a ser imposto o horário semanal de 40 horas.
Conforme resulta dos factos provados a redução do tempo de trabalho das autoras surgiu na sequência de uma decisão unilateral de um organismo da ré, sem que sobre tal tivesse havido qualquer acordo entre as partes. Os contratos de trabalho das autoras regem-se pelo direito privado, sujeitos aos princípios da liberdade e pontualidade contratuais, com as especificidades que lhes impõe o Código do Trabalho. Como tal, qualquer modificação dos aspectos essenciais do contrato carece, em princípio e salvo excepção legal, do acordo de ambos os contraentes nos termos gerais (art. 406º do Código Civil).
No entanto, é também certo que esta conduta ilícita da ré acaba por ser inconsequente já que se admite ter beneficiado de algum modo as autoras, sendo certo que estas não se insurgiram quanto a tal actuação da ré. Porém, e porque se trata de uma alteração unilateral de um dos aspectos essenciais do contrato de trabalho, e por tal inválida, que não importou assim qualquer alteração ao contrato de trabalho que constava de documento escrito, a reposição do horário de 40 horas semanais consubstancia apenas a reposição do cumprimento do tempo de trabalho a que as partes se haviam vinculado.
Assim sendo, não poderão as autoras ver reconhecido seu tempo de trabalho como de 35 horas semanais, nem obter qualquer acréscimo remuneratório na sequência do cumprimento efectivo das 40 horas de trabalho semanal ou pagamento de trabalho suplementar (que não ocorreu nessa circunstância)».
A argumentação da recorrente exige uma nota prévia, dirigida às conclusões 1 e 2, uma vez que vem invocar matéria de facto circunstancial que não integra o elenco dos factos provados, nomeadamente, ao referir que a deliberação do Conselho de Gestão da USF no sentido de que “que o horário base de todos os profissionais passará para 35 horas semanais”, teve a concordância e anuência da Ré “(..) através, nomeadamente, da Senhora Dra. H…, vogal do Conselho de Administração da Ré, sendo agilizada pelos serviços de pessoal, por indicação do Director de Recursos Humanos da Ré, ora Recorrida, Senhor Dr. I…, conforme resulta do documento de fls._ dos autos, junto aos mesmos pela A., ora Recorrente, na audiência de discussão e julgamento que teve lugar em 05/04/2018”.
Ora, não constando tal dos factos provados, nem tendo havido impugnação da decisão sobre a matéria de facto por parte da recorrente, essa alegação não pode ser considerada. De resto, refira-se, nem essa alegação tem qualquer relevância para a apreciação da questão, sendo de todo despropositada.
II.2.2.1 Prosseguindo, alega a recorrente que alterado o horário de trabalho para 35 horas, cumpriu durante 4 anos e 8 meses, vindo então a recorrida a informá-la que nas situações associadas a profissionais integrados em USF – Modelo B a praticarem carga horária inferior à resultante do respectivo contrato de trabalho, se deveria regularizar tal situação, tendo esta última unilateralmente aumentado o período normal de trabalho semanal da A., ora Recorrente, de 35 horas para 40 horas. A partir de então passou a cumprir 40 horas de trabalho, sendo que esse aumento período de trabalho semanal da A., não teve qualquer reflexo sob o ponto de vista retributivo.
Defende que a alteração unilateral para 35 horas imposta pela Ré, mereceu a sua anuência, mas o mesmo já não sucede com o aumento do período normal de trabalho para 40 horas, em Fevereiro de 2015. Sendo entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que o aumento unilateral do período normal de trabalho está vedado ao empregador por corresponder à alteração, por exclusiva vontade do empregador, do “objecto do contrato de trabalho no seu aspecto quantitativo”, a decisão da Ré sem ser precedida do seu consentimento enferma de ilicitude, por violação do disposto no art. 406.º, n.º 1, do Código Civil.
Pelas razões que de seguida enunciaremos, apenas acompanhamos parte da fundamentação acima transcrita da sentença. A nossa divergência prende-se com a afirmação de que houve uma “conduta ilícita da ré”. Não obstante, adianta-se desde já, concordamos com o sentido do decidido.
Os factos relevantes são os seguintes:
3. De acordo com a cláusula 6.ª do contrato de trabalho, a autora B… obrigou-se a cumprir o horário semanal de 40 horas.
14. Em 3 de Agosto de 2010 a autora B… e a ré celebram uma “alteração ao contrato de trabalho por tempo indeterminado”, com efeitos a partir de 1 de Junho de 2010, de modo a integrar a autora numa equipa multiprofissional da Unidade de Saúde Familiar E… (USF E…), Modelo B, a qual determinou a aplicação das disposições do DL n.º 298/2007 enquanto a autora integrasse tal equipa.
16. Em Junho 2010, a autora B… foi informada pela Ré que, por reunião de Conselho Geral da USF E…, foi decidido que o horário de todos os profissionais passaria para 35 horas semanais.
17. A partir de 1 de Junho de 2010 a autora passou a cumprir o horário de trabalho de 35 horas semanais.
32. Em Fevereiro de 2015, a autora foi informada pela Ré que, nas situações associadas a profissionais integrados em USF – Modelo B a praticarem carga horária inferior à resultante do respectivo contrato de trabalho, se deveria regularizar tal situação, de tal modo que à autora passou a ser imposto o horário semanal de 40 horas.
33. A partir de Fevereiro de 2015 a Ré manteve a remuneração base mensal da autora de €717,46
Com o devido respeito, no nosso entender a aplicação do regime constante do DL 298/07, a que a autora se sujeitou quando aceitou integrar uma equipa USF, exclui a consideração de que houve uma alteração do horário semanal de 40 horas de trabalho acordado na celebração do contrato de trabalho, pressuposto subjacente quer à posição do Tribunal a quo quer à daquela recorrente.
É essa asserção que passamos a justificar.
Procurando não repetir o que se deixou escrito na breve incursão que fizemos sobre o regime jurídico das USF, consagrado no DL 298/07, importa sublinhar que dele resultam consagrados, no que aqui releva, os princípios seguintes:
i) Da “autonomia organizativa, funcional e técnica” [art.º 3.º/4], assente “na auto-organização funcional e técnica, visando o cumprimento do plano de acção”[art.º 5.º/al.d)];
ii) Da “Gestão participativa, a adoptar por todos os profissionais da equipa como forma de melhorar o seu desempenho e aumentar a sua satisfação profissional (..)” [art.º 5.º g)];
Como decorrência desses princípios, o art.º 10.º estabelece que “A organização e funcionamento da USF constam do seu regulamento interno e regem-se pelo disposto no presente decreto-lei” [n.º1], abrangendo, para além do mais [n.º2],o horário de funcionamento e de cobertura assistencial [al.d)].
Cabendo ter presente, que “Cada USF elabora o seu regulamento interno e submete-o ao centro de saúde, que aprecia da conformidade do mesmo com o plano de acção previsto no artigo 6.º do presente decreto-lei” [10.º/ 3].
Releva relembrar, também, que faz parte da estrutura orgânica das USF um Conselho Geral, constituído por todos os elementos da equipa multiprofissional, a quem cabe aprovar o regulamento interno [art.º 11.º/1/2 e al. a)].
Deve igualmente ter-se presente que as USF não são entidades necessariamente permanentes, já que podem ser extintas sem especiais exigências por deliberação do conselho geral, quando o coordenador da USF se demite e nenhum outro elemento médico da equipa multiprofissional está disposto a assumir o cargo e, ainda, por iniciativa do centro de saúde [art.º 19.º/1/2/3].
Com especial relevo, relembra-se ainda que qualquer elemento da equipa multiprofissional da USF pode deixar de a integrar, não só por extinção da mesma, mas também por sua iniciativa ou por proposta do coordenador da USF aprovada no conselho geral [art.º 20.º] - p. ex. em razão de ausência superior a 120 dias [art.º 24.º-, implicando a verificação daquela situação o retomar das suas funções nas respectivas carreiras e categorias do serviço de origem [art.º20/3].
A reter, também, que nos termos do art.º 22.º/1, “ A forma de prestação de trabalho dos elementos da equipa multiprofissional consta do regulamento interno da USF e é estabelecida para toda a equipa, tendo em conta o plano de acção, o período de funcionamento, a cobertura assistencial e as modalidades de regime de trabalho previstas na lei”.
Por último, como logo dissemos, com especial importância para a questão agora em apreço, merece destaque o artigo 23.º, com a epígrafe “Horário de trabalho”, estabelecendo que “O horário de trabalho a praticar por cada elemento da equipa multiprofissional deve resultar da articulação e do acordo entre todos os profissionais, tendo em conta o previsto no n.º 1 do artigo anterior”.
De tudo isto retira-se, no essencial, que as USF, no âmbito da autonomia organizativa de que dispõem, assente na auto-organização e na gestão participativa, têm ampla competência para definir as linhas mestras relativamente à sua organização e funcionamento. Como limites desse poder, perfilam-se, a montante os princípios gerais definidos no DL 278/2009, e a jusante o plano de acção previsto no art.º 6.º do diploma, que é igualmente delineado pela própria USF, com aprovação pelo Conselho Geral (art.º 13.º/2). Aquelas linhas constam do regulamento interno, instrumento que é elaborado por cada USF e aprovado pelo respectivo Conselho Geral, sendo este composto por todos os profissionais que dela fazem parte.
Assim, para além do mais, a lei prevê expressamente competir ao Conselho Geral, através da aprovação do respectivo regulamento interno, definir o horário de funcionamento da USF e de cobertura assistencial, bem como o horário de trabalho a praticar por cada elemento da equipa multiprofissional da USF.
É a luz de tudo isto que deve ser entendido o facto 16. O Conselho Geral da USF em que a autora está integrada, órgão em que participa com todos os demais profissionais dessa mesma USF em plena igualdade de direitos, aprovou necessariamente um regulamento interno, no qual, entre outras matérias, ficou estabelecido que todos eles passariam a desempenhar as respectivas funções num horário semanal de 35 horas.
É certo que o Regulamento Interno elaborado e aprovado por cada USF é submetido à apreciação do Centro de Saúde. Contudo, o objecto dessa apreciação é exclusivamente o de aferir “da conformidade do mesmo com o plano de acção previsto no artigo 6.º do presente decreto-lei” [10.º/ 3]. Vale isto por dizer que a intervenção da Ré esgotou-se nessa apreciação de conformidade do Regulamento Interno, não tendo tido qualquer interferência na deliberação, aprovada por todos os profissionais da USF para ficar consagrada naquele instrumento, para passarem a ter um horário de 35 horas semanais.
Mais, esse Regulamento Interno define condições da prestação de trabalho, designadamente, quanto ao número de horas semanais – ou horário diário – apenas para valerem no contexto da própria USF que o aprovou, sendo aplicáveis aos profissionais que dela fazem parte e enquanto se mantiverem integrados na mesma. Cessada a situação de integração em USF, os profissionais retomam funções nas respectivas carreiras e categorias do serviço de origem, sujeitos às condições contratuais normais, ou seja, às negociadas e acordadas com a celebração do contrato de trabalho.
Por conseguinte, não houve qualquer alteração da cláusula 6.ª do contrato de trabalho da autora, nos termos da qual obrigou-se a cumprir o horário semanal de 40 horas.
Houve sim, exclusivamente com efeitos enquanto perdurasse a integração da autora na USF - em conformidade com o permitido no DL 298/07 - um ajustamento da obrigação de prestar a sua actividade em conformidade com o que foi definido pelos próprios trabalhadores da USF, ao fixarem o tempo de trabalho semanal no âmbito dessa estrutura em 35 horas, através do Regulamento Interno aprovado em Conselho Geral.
O facto provado 32 não elucida sobre as razões subjacentes, nem tão pouco quanto aos procedimentos que tenham sido observados, que conduziram à informação da Ré, em Fevereiro de 2015, no sentido de que “nas situações associadas a profissionais integrados em USF – Modelo B a praticarem carga horária inferior à resultante do respectivo contrato de trabalho, se deveria regularizar tal situação”, passando a ser imposto à autora o cumprimento de um horário semanal de 40 horas.
Não há qualquer outro facto provado a este propósito, mas se assim acontece deve-se exclusivamente às partes, já que nos respectivos articulados não se encontra qualquer alegação que procure circunstanciar o que se provou (resultante do assim alegado no art.º 33.º da PI).
Neste quadro, o que releva é o facto de ter sido imposto à A. que passasse a cumprir 40 horas de trabalho semanal.
Ora, tendo-se considerado que não houve qualquer alteração há cláusula 6.ª do contrato de trabalho da autora que fixa o seu horário semanal em 40 horas, é forçoso concluir que aquela imposição não colide com aquela estipulação e, logo, que não põe em causa os direitos da autora. Com efeito, apenas passou a ser-lhe exigido que a partir de Fevereiro de 2015 passasse a prestar a sua actividade laboral cumprindo integralmente o período de trabalho semanal a que se obrigou com a celebração do contrato de trabalho.
Não se acolhe, pois, esta linha de argumentação da recorrente autora.
II.2.2.2 Mas para essa eventualidade, a autora veio ainda esgrimir outros argumentos. Assim, defende que a decisão também é ilícita por violar o princípio da irredutibilidade da retribuição, plasmado no art. 129º, al. d), do CT. Ao passar a trabalhar mais horas recebendo a mesma retribuição base, o valor da retribuição horária foi reduzido. Essa diminuição da retribuição, considerando a admissão da trabalhadora J…, através de contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado, em 2 de Abril de 2001, nos termos do qual se obrigou a prestar 35 horas de trabalho semanal, mediante a remuneração base mensal ilíquida de € 717,46, correspondente à remuneração base mensal da ora Recorrente, pela mesma prestação de actividade durante 40 horas de trabalho semanal, como resulta dos itens 33 a 36 dos factos dados como provados, configura uma manifesta violação do princípio da igualdade constante do art.º 24.º do Código do Trabalho.
Vejamos então.
Em face do decidido no ponto anterior, o primeiro argumento não tem fundamento. Não houve alteração do número de horas de trabalho por semana exigíveis à autora nos termos acordados no contrato de trabalho, nomeadamente na cláusula 6.ª e, logo, não tem sustento procurar defender-se uma alteração do valor da retribuição horária, pelo facto de lhe ter sido exigido o cumprimento das 40 horas de trabalho por semana.
É certo que em termos práticos, depois de passar a integrar a USF a autora passou a prestar trabalho durante menos 5 horas por semana, mas essa situação mais vantajosa deveu-se às razões que se deixaram explicadas, não podendo ser confundíveis com uma alteração da cláusula 6.ª do contrato de trabalho. O facto de ter deixado de beneficiar dessa situação excepcional, para voltar a prestar trabalho nos termos acordados no contrato – como cumpriu durante vários anos, até passar a integrar uma USF e ficar sujeita a um regime jurídico especial – não consubstancia uma alteração ao número de horas de trabalho semanal que acordou com a celebração do contrato, mas apenas o retorno ao cumprimento integral da obrigação que se obrigou a cumprir.
Dai que não haja qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, consagrado no art.º 129.º al. d), d o CT.
No que concerne à alegada violação do princípio da igualdade, começaremos por dizer que, salvo o devido respeito, a questão está mal colocada ao fazer-se apelo ao art.º 24.º do CT.
O princípio da igualdade “postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais” [cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 232/2003, Diário da República, I Série-A, de 17 de Junho de 2003].
Por seu turno, o Código do Trabalho estabelece critérios de determinação do valor da retribuição, deles resultando que deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual (art.º 3.º/1/al. c) e d)].
Sobre o princípio “trabalho igual, salário igual, no acórdão desta Relação de 13/02/2017, relatado pelo aqui relator [Proc.º 10879/15.6T8VNG.P1, disponível em www.dgsi.pt], elucida-se o seguinte:
- «I- A aplicação do princípio para trabalho igual salário igual, consagrado nos artigos 59.º n.º 1, al. a), da CRP, e 270.º do CT/09, pressupõe que sejam tidas em conta “a quantidade, natureza e qualidade do trabalho”, significando tal que é admitida a atribuição de salários diferentes a trabalhadores da mesma categoria, desde que exista diferença da prestação em razão de um ou mais daqueles factores.
II - Pretendendo o trabalhador que seja reconhecida a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, cabe-lhe alegar e provar que a diferenciação existente é injustificada em virtude de o trabalho por si prestado ser igual aos dos demais trabalhadores quanto à natureza, abrangendo esta a perigosidade, penosidade ou dificuldade; quanto à quantidade, aqui cabendo o volume, a intensidade e a duração; e, quanto à qualidade, compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador.
III - Esses factos são constitutivos do direito subjectivo do trabalhador “discriminado” (à igualdade de tratamento), pelo que ao trabalhador cumprirá prová-los quando pretender fazer valer esse direito (art.º 342.º 1, do CC).
IV- (..)».
Por seu turno, o art.º 24.º do CT, norma invocada pela recorrente, consagra o direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho, elencando, de forma exemplificativa, no seu n.º1, fatores suscetíveis de causar discriminação, tais como a ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.
Portanto, só tem razão de ser fazer apelo ao artigo 24.º CT, quando a alegada violação do princípio da igualdade tenha como fundamento algum dos fatores característicos da discriminação consignados no n.º 1, caso em que cabe ao trabalhador alegar e provar, além dos factos que revelam a diferenciação de tratamento, também, os factos que integram, pelo menos, um daqueles factores característicos da discriminação [cfr. Ac. STJ de 14-12-2016, proc.º 4521/13.7TTLSB.L1.S1, Conselheiro António Leones Dantas, disponível em www.dgsi.pt].
Ora, não é esse o caso, dado que a autora e recorrente não alegou qualquer um daqueles factores característicos de discriminação.
Assim, em face do alegado, a questão só pode ser entendida como visando invocar-se a violação do “princípio trabalho igual, salário igual”, que acima se deixou enunciado.
Acontece, porém, que a apreciação da questão está prejudicada, desde logo por já não se verificar o pressuposto essencial em que se sustenta alegado fundamento, ou seja, a diferença entre as retribuições auferidas pela autora recorrente e a trabalhadora J…. Com efeito, o pedido da autora (e das demais autoras não recorrentes) visando o reconhecimento do valor da retribuição base e o direito às diferenças reclamadas foi acolhido pelo tribunal a quo, decisão que vai confirmada por esta instância na sequência da apreciação do recurso interposto pela Ré.
Assim, significando isso que o valor da retribuição base da autora foi confirmado em €825,08, não existe fundamento para esta pretender afirmar um tratamento desigual em relação à trabalhadora J…, pois apesar desta apenas prestar 35 horas de trabalho – conforme se obrigou com a celebração do contrato (facto 35) -, o certo é que a sua retribuição base mensal - €717,46 (facto 36) - é inferior à da autora.
De resto, refira-se, temos dificuldade em perceber a reiteração desde argumento no recurso. No essencial, conforme sintetizou no artigo 39.º da PI, o fundamento assentava no pressuposto da autora “Em face do alegado no art. 35.º, a A., apesar de ter a mesma categoria, desempenhar as mesmas funções e de observar um horário semanal de 40 horas, aufer(ir) uma remuneração base mensal ilíquida igual à da trabalhadora J…”.
No artigo 35.º da PI, a autora alegou que “ A partir de Fevereiro de 2015, não obstante (…) ter passado a observar o período normal de trabalho semanal de 40 horas, a Ré manteve-lhe a remuneração base mensal de € 717,46 acrescida da componente retributiva denominada “USF – Lst. Ut. Pond. – Administ.”, no valor de €480,00 (..)». Quando diz que “a Ré manteve-lhe a remuneração base mensal de €717,46”, a autora estava a reportar-se ao valor que a Ré lhe passou a pagar quando iniciou funções integrada na USF, ou seja, reduzindo para aquele valor o montante que até então vinha recebendo e era de considerar retribuição base, em concreto, €825,08.
Por conseguinte, se concomitantemente a autora veio pedir o reconhecimento do valor da retribuição base em €825,08 (e o pagamento das diferenças reclamadas), ao ver esse pedido acolhido, parece-nos que logo deveria ter percebido não ter sentido lógico vir aqui suscitar uma questão cuja base de sustento deixara de existir.
Concluindo, também aqui improcede o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar os recursos improcedente, confirmando a sentença recorrida.

As custas dos recursos são da responsabilidade das respectivas recorrentes, atento o decaimento (art.º 527.º CPC).

Porto, 29 de Abril de 2019
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira