Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
623/09.2TTSTS-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: INTERPRETAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL
FUNÇÕES
RESTITUIÇÃO
Nº do Documento: RP20140630623/09.2TTSTS.P1
Data do Acordão: 06/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I. A parte dispositiva duma decisão judicial está sujeita a interpretação, não podendo prevalecer um sentido que não tenha correspondência com o texto que a fundamenta.
II. Tendo a empregadora sido condenada a restituir funções e a proporcionar os meios necessários à sua execução que haviam sido retirados numa situação de discriminação e assédio moral, são as funções e os meios concretamente retirados que devem ser restituídos e proporcionados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 623/09.2TTSTS-B.P1
Apelação

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 367)
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto
Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
Por apenso à execução para prestação de facto que B…, nos autos melhor identificada, intentou contra C…, LDA., nos autos também melhor identificada, veio a executada deduzir embargos à execução, pugnando pela sua procedência e pela declaração de extinção da execução, por via do cumprimento da obrigação, alegando, em síntese, que tendo sido condenada na acção declarativa, por sentença de primeira instância confirmada por acórdão desta Relação, a:
a) A pagar à Exequente uma indemnização de € 7.500,00;
b) A atribuir à Exequente as funções constantes do documento 10;
[As funções descritas no documento nº 10 seriam:
a) Autocontrolar aquilo quer faz de acordo com a política de qualidade e os procedimentos que lhe dizem respeito.
b) Classificação e ordenação de documentos contabilísticos e tratamento informático dos mesmos após análise pelo responsável do D….
c) Preparação dos dados para o processamento dos salários (absentismo, oras extras).
d) Organização do arquivo dos documentos (segundo P.O.C.)
e) Organização de correspondência.
f) Elaboração de backup´s do sistema informático do D… (stocks, facturas, contabilidade e encomendas).
g) Execução de outras funções sempre que necessárias.]

c) A proporcionar à Exequente os meios e instrumentos de trabalho necessários ao cumprimento dessas funções e tarefas;
logo que a decisão transitou em julgado, ordenou o pagamento da quantia de €7.500,00, ordenou ainda ao Chefe dos Serviços (T.O.C.) que fossem analisadas as funções da Exequente e que lhe fosse entregue a execução de quaisquer tarefas que lhe tivessem sido retiradas e que ainda não estivesse a executar, o que foi cumprido, sendo que, pelo menos desde Janeiro de 2013 a Exequente executa as seguintes tarefas:
a) Classificação de todas as facturas de compras.
b) Lançamento contabilístico de todas as facturas de compras.
c) Classificação e lançamento contabilístico dos documentos de diário de operações diversas.
d) Apuramento o I.V.A. de periodicidade mensal.
e) Gestão de todo o imobilizado (activos fixos tangíveis).
f) Execução da conciliação bancária mensal.
g) Tratamento dos dados do pessoal para efeito de processamento dos salários.
h) Organização e arquivo de todos os documentos contabilísticos, recibos e correspondência.
Estas funções correspondem, com ressalva da elaboração de cópias de segurança (Backup´s) – já que desde o ano de 2005/2006, devido à mudança do sistema operativo, as cópias de segurança passaram a ser feitas automaticamente pelo próprio sistema – às funções definidas no referido documento 10.
Quanto aos meios necessários ao cumprimento das suas funções, a Exequente dispõe de todos os meios de que, para o efeito, carece, pois, não tem necessidade de manter contactos telefónicos com o exterior, dispondo de telefone para contactos internos e podendo solicitar a ligação de chamadas para o exterior, e não tem necessidade de ligação à Internet, a qual apenas utilizava para, a solicitação e por delegação do TOC da empresa, e com utilização da senha pessoal do mesmo, enviar para a Autoridade Tributária as declarações mensais de I.V.A. e a declaração anual de apuramento de resultados, tarefas aliás que não exigiam mais de 5 minutos em cada mês. O TOC, em virtude de ter perdido a confiança na embargada, alterou a sua senha, deixando de lhe delegar o envio das declarações, e a isto não pode a embargante obrigá-lo. De resto, esta tarefa apenas poderia eventualmente integrar-se na “execução de outras funções sempre que necessárias”, tendo portanto carácter precário.

Recebidos liminarmente os embargos e notificada a exequente para os contestar, veio esta fazê-lo, reiterando, na sequência do requerimento executivo, que:
a) O aresto que subjaz a presente execução não foi integralmente cumprido;
b) A exequente continua a ser alvo de assédio laboral, sendo discriminada em relação aos demais trabalhadores, em virtude da sua ascendência.
Na verdade, não foram devolvidas todas as funções que a exequente sempre desempenhou, sendo que, as poucas que foram, não o foram na sua plenitude.
A tarefa de Classificação e Lançamento contabilístico das facturas de compras foi praticamente a única tarefa que foi restituída à exequente, sendo certo que não lhe ocupará mais de 2 dias por mês. A “Classificação e lançamento contabilístico dos documentos de diário de operações diversas” era uma tarefa que a exequente vinha desempenhando nos últimos 20 anos e apenas lhe foi restituída a classificação e lançamento de alguns documentos bancários (despesas – cerca de 8 lançamentos por mês), sendo que, a maior parte dos documentos, que são os referentes a clientes e fornecedores (representativos de cerca de 90%), passaram a ser classificados e lançados por um colega.
Para efectuar estes lançamentos, torna-se necessário o contacto com os clientes/fornecedores, por telefone ou por correio electrónico.
No que tange ao IVA, e conforme resulta da acção declarativa, as tarefas da exequente englobavam o seu apuramento assim como o preenchimento e envio das respectivas declarações, via internet, para a AT. Conforme assumido pela própria executada, também esta tarefa não foi restituída à exequente.
Foi restituída a Gestão do Imobilizado (activos fixos tangíveis), tarefa que lhe ocupa 1 dia por ano. A Execução da conciliação bancária mensal exige que se consulte as contas bancárias com frequência, desde logo para colocar em contraste movimentos feitos pelos bancos que não conciliam com a conta-corrente da executada, sendo que, quando surge tal necessidade, para o que é necessário o acesso via internet.
A exequente era responsável por todos os assuntos referentes ao pessoal, incluindo a criação e actualização de registo de pessoal, inscrição na Segurança Social, inscrição no seguro, contratos de trabalho, controlo de marcações de faltas e horas extra, criação e actualização de fichas de funções, e a única tarefa restituída à exequente neste contexto foi, exclusivamente, a introdução informática do código de justificação de falta e a listagem das mesmas.
Na sua totalidade, as tarefas actualmente desempenhadas pela exequente, não lhe ocupam mais de 30 minutos diários, sendo mais os dias em que não lhe é entregue qualquer tarefa, o que consubstancia, de forma manifesta, uma violação do seu direito à ocupação efectiva.
A embargante confessa que não restituiu à embargada o acesso telefónico directo ao exterior nem o acesso à internet, sendo certo que a executada continua a ser a única trabalhadora da sua secção que não tem acesso telefónico directo ao exterior nem internet, mesmo depois de a sua restituição ter sido ordenada judicialmente.
Concluiu pois pela improcedência dos embargos.

A embargante respondeu aos documentos juntos pela embargada na sua contestação.

Foi então proferido despacho saneador em que se considerou que os autos reuniam já todos os elementos necessários para o conhecimento do mérito, e se concluiu, a final, na parte dispositiva do mesmo:
Decisão:
Deste modo, e sem mais, julgam-se totalmente improcedentes os presentes embargos de executado.
Fixa-se em 10 dias, a partir notificação da presente decisão, o prazo para a executada cumprir integralmente a decisão vertida no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto dada à execução.
Fixa-se em 100,00/dia a sanção pecuniária compulsória, que será apenas devida caso a executada, decorrido o aludido prazo de 10 dias, não cumprir integralmente a decisão proferida e dada à execução, e até integral e efectivo cumprimento, o que será depois verificado nos autos de execução.
Custas pela executada, considerando-se o valor da oposição de 9.400,00 euros, fixando-se, de acordo com a tabela II inserta no RCP, a taxa de justiça devida em 3 Ucs”.

Inconformada, interpôs a embargante o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões:
A - No requerimento executivo a Recorrida não concretiza a falta de restituição de qualquer função
B - Na decisão recorrida a Mtmª. Juiz apenas considera como não tendo sido restituída a elaboração de cópias de segurança (backup´s), mas tal foi considerado justificado com a alteração do sistema operativo que dispensa, agora, para o efeito, a intervenção humana.
C - Na decisão recorrida a Mtmª. Juiz apenas considera que a Recorrente não entregou à Recorrida os meios e instrumentos necessários ao desempenho das suas funções – acesso à internet e ligação telefónica directa para o exterior.
D - A Recorrida também apenas reclama a falta de entrega de tais meios.
E - A decisão dada à execução apenas impõe que a Recorrente entregue à Recorrida os meios e instrumentos necessários ao desempenho das suas funções.
F - A decisão dada à execução não é exequível no sentido da atribuição à Recorrida do acesso à internet e ao uso de uma ligação telefónica directa para o exterior.
G - Quer no requerimento executivo, quer na decisão que julgou os embargos improcedentes, não é concretizada qualquer tarefa para cujo desempenho a Recorrida careça dos referidos meios.
H - Do acórdão dessa Relação que, no fundamental confirmou a decisão da 1ª.instância na acção principal, sem prejuízo do alegado quanto ao envio das declarações fiscais, não resulta provada a necessidade do uso pela Recorrida da internet IVA nem de um telefone com ligação directa ao exterior.
I - Do elenco das funções da Recorrida, tal como resultam do ponto 2 da decisão e do documento 10, nenhuma delas implica a necessidade de telefone para o exterior e muito menos de telefone com ligação directa.
J - O envio das declarações mensais de IVA e da declaração anual de apuramento de resultados constituía a única justificação para que a Recorrida tivesse tido acesso à internet.
L - Tal tarefa não consta especificamente do elenco das funções da Recorrida, tal como constam do ponto 2 da decisão recorrida e do documento 10, pelo que só pode compreender-se no desempenho de outras tarefas quando necessárias (alínea g do ponto 2).
M - Incumbe à Recorrente, através da hierarquia, aquilatar dessa necessidade em cada momento, já que, de outro modo, mesmo relativamente a funções não directamente especificadas, como é o caso do envio das declarações, ficaria definitivamente refém da Recorrida ou de qualquer outro trabalhador.
N - A Recorrida continua a proceder à elaboração das referidas declarações fiscais, apenas não as enviando via internet.
O - O envio de tais declarações via internet constitui uma obrigação do T.O.C., que a delegava na Recorrida.
P - Tal envio, através da internet, sempre foi efectuado mediante o uso de uma senha de acesso ao portal das finanças, senha atribuída ao T.O.C. a título pessoal e que substitui o uso das vinhetas.
Q - Está, pois, na disponibilidade do T.O.C. confiar ou não a quem quer que seja o uso da sua senha, sendo certo que o mesmo alega razões para a não confiar à Recorrida, razões que se encontram vertidas na petição de embargos.
R - Mesmo que, por hipótese, se entendesse que a Recorrente estava obrigada a restituir à Recorrida o envio, apenas o envio, via internet, das declarações fiscais, a Recorrente não pode impor ao T.O.C. que faculte a sua senha, tanto mais que a obrigação de envio sempre foi sua, como sua é a senha que é pessoal.
S - Em rigor, o próprio T.O.C. deveria, ele próprio, enviar as declarações sem recurso a terceiros, dado que a sua senha é confidencial.
T - A necessidade de acesso da Recorrida à internet e do uso de um telefone com ligação directa ao exterior não pode ser aferia pela referência, sem mais, a funções idênticas.
U - Os embargos deveriam ter prosseguido para produção de prova quanto aos factos alegados pela Recorrente na petição e atinentes à necessidade do uso pela Recorrida quer do telefone com ligação directa para o exterior quer da internet, factos acima transcritos.
V - Ocorre erro de julgamento, bem como as nulidades a que se referem as alíneas c) e d) do nº. 1 do artº. 615º. do C.P.C., tendo, ainda, sido violado o violado o disposto no artº.729 do mesmo diploma.
Termos em que revogando a sentença recorrida e julgando os embargos de executado procedentes ou, assim não se entendendo, ordenando a produção de prova com o consequente prosseguimento do processo até final, (…).

A embargada apresentou contra-alegações que foram julgadas extemporâneas e mandadas desentranhar e devolver.
A Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação entendeu não dever emitir parecer.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:
1ª – nulidades de sentença;
2ª – saber se a decisão dada à execução já foi cumprida ou se não ainda temos elementos suficientes para o afirmar.

III. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância – e que este tribunal mantém, porque a matéria de facto não foi impugnada e porque os elementos do processo não impõem decisão diversa, nem foi admitido documento superveniente com virtualidade para infirmar aquela decisão – é a seguinte:
1- Por decisão proferida em 05/11/2012, e transitada em julgado em 10/12/2012, em Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, a aqui embargante foi condenada:
a) A pagar à Exequente uma indemnização de € 7.500,00;
b) A atribuir à Exequente as funções constantes do documento 10;
c) A proporcionar à Exequente os meios e instrumentos de trabalho necessários ao cumprimento dessas funções e tarefas.
2- Do teor do documento nº 10, datado de 26/03/1999, junto a fls. 45 dos autos principais, as funções atribuídas à exequente/trabalhadora, são as seguintes:
a) Autocontrolar aquilo quer faz de acordo com a politica de qualidade e os procedimentos que lhe dizem respeito.
b) Classificação e ordenação de documentos contabilísticos e tratamento informático dos mesmos após análise pelo responsável do D….
c) Preparação dos dados para o processamento dos salários (absentismo, horas extras).
d) Organização do arquivo dos documentos (segundo P.O.C.)
e) Organização de correspondência.
f) Elaboração de backup´s do sistema informático do D… (stocks, facturas, contabilidade e encomendas).
g) Execução de outras funções sempre que necessárias.
3- A Embargante, logo que a decisão aludida em 1-) transitou em julgado, ordenou aos serviços o pagamento à Exequente da quantia de €7.500,00, o que foi feito.
4- Em 11 de Janeiro de 2013, a Exequente dirigiu ao sócio-gerente da Embargante, E…, a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 20 e 21 dos autos e cujo teor aqui reproduzimos para todos os efeitos legais.
5- Recebida tal carta, o sócio-gerente da Embargante, em 04 de Fevereiro de 2013, respondeu à Exequente, por carta cuja cópia se encontra junta a fls. 22 a 25 dos autos e cujo teor aqui reproduzimos para todos os efeitos legais, onde, em suma, refere que considera cumprida a decisão judicial, acrescentando que “Porém, caso V. Exª. entenda que assim não é, solicito que me informe por escrito, quanto às tarefas que ainda reclama. Quanto ao acesso à Internet e a telefone com ligação directa ao exterior, informa-me o Snr. F… de que V. Exª. na execução das suas tarefas não precisa de utilizar a Internet nem de contactar o exterior através de telefone”.
6- Na sentença proferida em 1ª instância, em 24/11/2011, e não alterada nessa parte pelo Tribunal da Relação do Porto, que a manteve, foi dado como provado que:
J-) Muitas das funções ali descritas foram retiradas à Autora pela Ré, passando a ser desempenhadas pelos seus colegas de trabalho G… e H….
K-) Tendo sido retirado à Autora o acesso à Internet e as senhas de acesso ao Portal das Finanças.
3º A Autora tem vindo a ver esvaziadas as suas funções desde há algum tempo.
4º Das atribuições constantes da ficha referida em I-), que a autora efectivamente desempenhava, actualmente apenas lhe estão atribuídas as funções de classificação e lançamento de facturas aos fornecedores.
5º Todas as demais tarefas foram retiradas à Autora unilateralmente pela Ré, sem qualquer indicação ou motivo para tanto.
6º Foi-lhe também cortado o acesso ao telefone, deixando a Autora de poder receber ou fazer chamadas para o exterior, situação que não aconteceu com os seus colegas, inclusive os que desempenham funções idênticas.
7º O descrito em 6º a 9º da BI e J-) e K-) da matéria assente foi consequência do litígio entre os sócios gerentes da Ré, dado a Autora ter apoiado um deles, seu pai, vivenciando hoje sentimento de medo e ansiedade sobre o futuro na empresa Ré.
7- E, em sede de fundamentação, ali se disse que: “Ora, nos autos, ficou demonstrado que grande parte das funções atribuídas à autora, em 26/03/1999, foram-lhe retiradas (actualmente apenas lhe estão atribuídas as funções de classificação e lançamento de facturas aos fornecedores) sem lhe ter sido dada qualquer explicação, tendo-lhe sido retirado o acesso à Internet, as senhas de acesso ao Portal das Finanças e o acesso ao telefone, deixando a Autora de poder receber ou fazer chamadas para o exterior, situação que não aconteceu com os seus colegas, inclusive os que desempenham funções idênticas.
Provou-se ainda que tal foi consequência do litígio entre os sócios gerentes da Ré, dado a Autora ter apoiado um deles, seu pai, vivenciando hoje sentimento de medo e ansiedade sobre o futuro na empresa Ré, encontrando-se muito cansada psicologicamente com este comportamento por parte daquela entidade.
A ser assim, demonstrado pela A. que foi alvo de discriminação na Ré – com o esvaziamento do seu âmbito funcional e tratamento desigual, injustificado relativamente aos seus colegas, o que não pode deixar de considerar-se que lhe foi criado um ambiente de trabalho, no mínimo, desestabilizador – característicos do referido assédio moral, fazendo com que a mesma, vivencie hoje sentimento de medo e ansiedade sobre o futuro na empresa Ré, sentindo-se muito cansada psicologicamente com este comportamento por parte da entidade empregadora – assiste à mesma o direito a ser compensada pelos danos infligidos”.
8- Das funções aludidas em 2, a Embargante não entregou à Exequente, pelo menos, a elaboração de cópias de segurança (Backup´s), já que devido à mudança do sistema operativo, as cópias de segurança passaram a ser feitas automaticamente pelo próprio sistema, sem intervenção humana.
9- Igualmente não facultou telefone com ligação directa ao exterior nem ligação à Internet.

Por se revelar de interesse para a decisão da causa, adita-se oficiosamente o seguinte nº 10:
10 – Os termos da parte dispositiva do acórdão desta Relação de 5.11.2012 são: “Termos em que
1. Se ordena o desentranhamento dos documentos (…)
2. Se julga a apelação parcialmente procedente, se revoga a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar à Autora a indemnização no montante de €7.500,00 e juros legais, por aplicação de sanção abusiva, e se substitui pelo presente acórdão, e se condena a Ré, ao abrigo do artigo 29º nº 3 e do artigo 28º, ambos do CT/2009, a pagar à Autora a indemnização no montante de €7.500,00, (…). No mais se confirma a decisão recorrida”.

Apreciando:
1ª questão:
A recorrente não só não invocou o fundamento específico das nulidades a se refere por simples remissão para o preceito do CPC que as prevê, como não invocou tais nulidades de forma expressa e separada no requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 77º do CPT, pelo que se rejeita o seu conhecimento.

2ª questão:
Importa, antes de mais, face ao princípio dispositivo, reverter aos termos da petição de embargos.
A embargante veio alegar que tudo seria mais simples se a exequente, quando interpelada, tivesse indicado concretamente as funções que entende que ainda não lhe foram restituídas, sendo certo que as hierarquias informaram a gerência de que nada mais havia a restituir, em termos de funções, à exequente e que esta nunca se queixou de falta de trabalho. As mesmas chefias informaram que as funções desempenhadas não necessitam de internet e telefone com acesso ao exterior, e a embargante lê a decisão dada à execução como apenas lhe exigindo que dê à exequente os meios necessários à execução das suas tarefas.
Assim, sem embargo dalgumas funções constantes dum documento com dez anos já não serem cumpridas nos mesmos moldes, a executada cumpriu a decisão.
Qual é a decisão?
O acórdão desta Relação de 5.11.2012 indeferiu as alterações à decisão sobre a matéria de facto, indeferiu o pedido de ampliação da matéria de facto, deferiu a questão da sanção disciplinar não ser abusiva e confirmou a condenação por assédio moral e discriminação. A sentença, na parte que se manteve, condenou a Ré, ora embargante, e na parte que interessa a estes autos, a “b) A atribuir à Exequente as funções constantes do documento 10; c) A proporcionar à Exequente os meios e instrumentos de trabalho necessários ao cumprimento dessas funções e tarefas.
A exequente veio interpor requerimento executivo alegando no mesmo que:
“6. Na verdade, e apesar de interpelada para o efeito, a Executada não restitui todas as funções anteriormente desempenhadas pela Exequente nem, tampouco, lhe restituiu o acesso à linha telefónica para o exterior e à internet, insistindo no comportamento discriminatório pelo qual foi condenada.
7. A continuidade do tipo de atitudes que resultou provada nos aludidos autos é tão manifesta quanto ao facto de a Executada, no seguimento da referida interpelação, vir afirmar, por escrito, que a Exequente "não precisa de utilizar a internet nem de contactar o exterior através de telefone".
8. Mas as atitudes persecutórias cuja decisão judicial visava por cobro foram ainda mais longe, chegando a Executada ao lamentável ponto de questionar a Exequente nos seguintes termos: "agradeço que me informe se para lá do envio das referidas declarações, tem necessidade da Internet e do acesso telefónico directo ao exterior para a execução de qualquer tarefa."
9. Como se a Executada não soubesse quais foram as funções que retirou à Executada, cuja reposição foi ordenada pelo Tribunal.
Face ao exposto, requer-se a V/Exa. se digne ordenar a Executada a dar cumprimento imediato à referida decisão judicial, desde logo mediante a restituição de todas as funções e tarefas da Exequente bem como os meios e instrumentos de trabalho indispensáveis para o cumprimento efectivo dessas funções e tarefas, (…)”.
Ora bem, a sentença de primeira instância, na acção declarativa, veio dar procedência aos pedidos que a autora ali formulou, nos seus precisos termos, e citamos: “c) ser a Ré condenada a atribuir à A. as funções e as tarefas discriminadas no documento 10, ficha de funções, as quais ilicitamente lhe retirou, bem como a proporcionar-lhe os meios e instrumentos de trabalho indispensáveis para o cumprimento efectivo dessas funções e tarefas”.
Este pedido, por sua vez, remete-nos para os artigos 24º e seguintes da petição inicial na acção declarativa, onde a Autora afirmou que “tem vindo a ser esvaziada das suas funções desde há algum tempo”, “as funções atribuídas (…) encontram-se (…) numa ficha de funções (…) (doc.10)”, “das atribuições constantes nos diversos pontos 1 a 7 da referida ficha (doc.10) actualmente apenas são atribuídas à A. as funções de classificação e lançamento de facturas aos fornecedores”, “o tratamento de facturas de clientes e o tratamento de documentos de Diário foram retirados unilateralmente”, “a Ré deixou de entregar à A. os documentos contabilísticos para que pudesse desempenhar essa tarefa”, “Mais recentemente, foi retirado o acesso à Internet tendo assim ficado impossibilitada de enviar as declarações de IVA (…) função que vinha desempenhando pelo menos desde 1999”, “tarefa que passou a ser desempenhada pelo seu colega G…”, “As senhas de acesso ao Portal das Finanças foram também alteradas pela Ré, de forma a vedar o acesso a esta informação e, à tarefa que desempenhava”, “Na mesma altura, foi-lhe cortado o acesso ao telefone deixando a A. de poder receber ou fazer chamadas para o exterior, situação que não aconteceu com os seus colegas, inclusive os que desempenham funções idênticas”, “Em Setembro de 2009 (…) foi-lhe comunicado pelo seu colega de trabalho Sr. F… que deixaria de executar a classificação e o lançamento das facturas de fornecedores e a preparação dos dados para o processamento de salários (ponto 3 do doc. 10)”, “no âmbito das referidas funções também estavam incluídas a preparação e o levantamento de dados para o processamento de salários (absentismo, horas-extra), registo e actualização permanentes da contratação de trabalhadores, preenchimento de documentação para a Segurança Social, companhias de seguros e ainda a actualização dos livros de pessoal”, “Também estas atribuições foram retiradas à A. unilateralmente e sem qualquer justificação”, “Passando a ser desempenhadas pelo seu colega Sr. G…”, “Presentemente, das funções atribuídas à Autora e constantes da ficha de funções (doc.10) a A. apenas classifica e lança as facturas de fornecedores”, “Todas as restantes funções lhe foram retiradas”, “O referido comportamento da entidade empregadora que se descreve, consubstancia uma atitude de perseguição à A.”, “Este comportamento discriminatório para com a A. resulta do facto de a A. ser filha do sócio e gerente, contra quem existe um litígio”, “O comportamento da Ré traduz-se em assédio moral (…)”.
E sobre este manancial acusatório, digamos assim, a Ré, ora embargante e recorrente, contestou, afirmando:
Quanto à perseguição de que a A. se diz vítima:
(…) 51 - Inexacto o alegado em 26, aceitando-se, porém, que eram essas genérica e abstractamente as funções que a A. poderia desempenhar.
52 – Aliás, o documento foi elaborado na sequência do processo de certificação da empresa, por ter sido solicitada a discriminação genérica do que cada trabalhador poderia fazer.
53 – Não correspondendo, exactamente, às funções concretas que cada um desempenha.
54 – Aliás, desde logo, a A. sempre se recusou a fazer arquivo.
57 – Actualmente, à A. estão atribuídas as funções de classificação e lançamento de facturas aos fornecedores bem como a gestão do imobilizado.
59 – Aceita o alegado em 30, 31 e 32 (o tratamento de facturas de clientes e o tratamento de documentos de Diário passou a ser desempenhado pelo colega Sr. H…, o acesso à internet foi retirado à A., e o envio de declarações de IVA passou a ser desempenhado pelo colega Sr. G…”).
60 – Na Ré apenas tem acesso à internet os trabalhadores que, por força das suas funções, disso careçam.
61 – A A. deixou de proceder ao envio da declaração de IVA, pelo que deixou de ter acesso à internet.
65 – Como foi comunicado à A., as tarefas que lhe foram retiradas (e que não são todas aquelas que constam do documento junto com a p.i. sob o nº 10) passaram a ser desempenhadas quer pelo Sr. H… quer pelo Sr. G…, na sequência de uma reorganização das funções levada a cabo pela Ré.
66 – Reorganização efectuada atendendo às necessidades da empresa e às capacidades, competências e formação dos seus trabalhadores.
67 – Sendo certo que os referidos trabalhadores estão mais aptos para o cumprimento daquelas funções.
68 – Executando-as de forma mais satisfatória do que vinham sendo executadas pela A.
80 – A A. (…) em momento algum invocou estar sem ocupação”.
Ora, na sentença de primeira instância deu-se como provado que:
J-) Muitas das funções ali descritas foram retiradas à Autora pela Ré, passando a ser desempenhadas pelos seus colegas de trabalho G... e H….
K-) Tendo sido retirado à Autora o acesso à Internet e as senhas de acesso ao Portal das Finanças.
3º A Autora tem vindo a ver esvaziadas as suas funções desde há algum tempo.
4º Das atribuições constantes da ficha referida em I-), que a autora efectivamente desempenhava, actualmente apenas lhe estão atribuídas as funções de classificação e lançamento de facturas aos fornecedores.
Todas as demais tarefas foram retiradas à Autora unilateralmente pela Ré, sem qualquer indicação ou motivo para tanto.
6º Foi-lhe também cortado o acesso ao telefone, deixando a Autora de poder receber ou fazer chamadas para o exterior, situação que não aconteceu com os seus colegas, inclusive os que desempenham funções idênticas. (sublinhados nossos).
Como dissemos, este tribunal, no acórdão de 5.11.2012, não alterou a decisão sobre a matéria de facto.
Assim, atendendo aos sublinhados supra, não há dúvida (em termos de factos que têm de ser atendidos) que a embargada desempenhava as funções descritas no doc. 10 e que, à excepção da classificação e lançamento de facturas aos fornecedores, todas as demais lhe foram retiradas.
Não tem a recorrente razão, por isso, quando começa as suas conclusões de recurso a afirmar que “A - No requerimento executivo a Recorrida não concretiza a falta de restituição de qualquer função”. Tal concretização é feita através do título executivo que é a sentença elaborada sobre os pressupostos fácticos alegados quer na petição inicial quer na contestação e em face da prova produzida na acção declarativa.
Não tem a exequente de provar que a executada não cumpriu, isto faz-se na acção declarativa, e, como bem se diz na decisão ora sob recurso, “a oposição à execução tem a natureza de uma contraacção, destinada a obstar à produção dos efeitos do título executivo, obstando ao prosseguimento da acção executiva, mediante a eliminação, por via indirecta, da eficácia do título executivo enquanto tal (Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5ª edição, 189), teria a aqui executada que provar então o efectivo cumprimento integral e posterior da obrigação a que foi condenada por sentença transitada em julgado”.
Verifiquemos se, quanto à restituição de funções, o conseguiu.
Está provado que:
“2- Do teor do documento nº 10, datado de 26/03/1999, junto a fls. 45 dos autos principais, as funções atribuídas à exequente/trabalhadora, são as seguintes:
a) Autocontrolar aquilo quer faz de acordo com a politica de qualidade e os procedimentos que lhe dizem respeito.
b) Classificação e ordenação de documentos contabilísticos e tratamento informático dos mesmos após análise pelo responsável do D….
c) Preparação dos dados para o processamento dos salários (absentismo, horas extras).
d) Organização do arquivo dos documentos (segundo P.O.C.)
e) Organização de correspondência.
f) Elaboração de backup´s do sistema informático do D… (stocks, facturas, contabilidade e encomendas).
g) Execução de outras funções sempre que necessárias.
Está ainda provado que: “8- Das funções aludidas em 2, a Embargante não entregou à Exequente, pelo menos, a elaboração de cópias de segurança (Backup´s), já que devido à mudança do sistema operativo, as cópias de segurança passaram a ser feitas automaticamente pelo próprio sistema, sem intervenção humana”.
Assim, desde logo resulta que os factos provados nestes embargos não permitem dizer que a embargante entregou à embargada todas as funções descritas no nº 2, porque o nº 8 só nos diz que pelo menos uma delas não foi entregue, mas não nos diz que as outras o tenham sido.
A recorrente, nas conclusões do recurso, afirma “D - A Recorrida também apenas reclama a falta de entrega de tais meios”. Todavia, face ao teor do requerimento executivo, acima referido, tal não é verdade: a exequente afirma que as funções não lhe foram todas restituídas.
Portanto, para a resolução da primeira parte da questão 2ª deste recurso, podemos já afirmar que não há nos autos elementos suficientes para afirmar a sua procedência imediata, pela demonstração do cumprimento da obrigação de restituição de funções e muito menos (é só confrontar o elenco de factos provados nestes embargos) pela prova da inexequibilidade do título no que toca à restituição da internet (por via da impossibilidade da Ré obrigar o TOC a dar à A. a sua senha de acesso às Finanças, para a A. poder enviar as declarações de IVA).

Mas, não há, nos articulados destes embargos, factos que devessem ser submetidos a prova e que pudessem levar à conclusão do cumprimento da obrigação e da inexequibilidade do título?
Quanto à questão da restituição das funções:
Alega-se na petição de embargos que “25. O TOC da sociedade, Sr. F…, indicou à gerência que a Exequente estava a executar as seguintes tarefas:
a) Classificação de todas as facturas de compras;
b) Lançamento contabilístico de todas as facturas de compras;
c) Classificação e lançamento contabilístico dos documentos de diário de operações diversas;
d) Apuramento do IVA de periodicidade mensal;
e) Gestão de todo o imobilizado (activos fixos tangíveis).
f) Execução da conciliação bancária mensal.
g) Organização e arquivo de todos os documentos contabilísticos, recibos e correspondência.
26. Para lá dos referidos serviços, que estava e continua a executar, foi, também, já entregue à Exequente a preparação do processamento de salários.
32. Ou seja, pelo menos desde Janeiro de 2013 a Exequente executa as seguintes tarefas:
a) Classificação de todas as facturas de compras;
b) Lançamento contabilístico de todas as facturas de compras;
c) Classificação e lançamento contabilístico dos documentos de diário de operações diversas;
d) Apuramento do IVA de periodicidade mensal;
e) Gestão de todo o imobilizado (activos fixos tangíveis).
f) Execução da conciliação bancária mensal.
g) Tratamento dos dados do pessoal para efeito de processamento de salários.
h) Organização e arquivo de todos os documentos contabilísticos, recibos e correspondência.
34 – Funções que nalguns casos, mais de 10 anos após a emissão de tal documento, não são já executadas nos mesmos moldes.
Ora, sobre isto, defendeu-se a embargada alegando:
12. Por referência às tarefas descritas no ponto 32 da Oposição, temos que a Classificação e Lançamento contabilístico das facturas de compra é praticamente a única tarefa que foi restituída à exequente, sendo certo que não lhe ocupará mais de 2 dias por mês.
13 – 14. A tarefa de Classificação e lançamento contabilístico dos documentos de diário de operações diversas apenas foi restituída quanto a alguns documentos bancários (despesas – cerca de 8 lançamentos por mês), sendo que a maior parte dos documentos referentes a clientes e fornecedores passaram a ser classificados e lançados pelo Sr. H….
18. Foi restituída a tarefa de Gestão do Imobilizado (…) que lhe ocupa 1 dia por ano.
19. No que tange à execução da conciliação bancária (…) 20 – não foram restituídos os meios necessários, designadamente o acesso à internet (…) 21 (…) quando surge a necessidade, a exequente tem que solicitar ao Sr. H… que aceda via internet ao Banco e imprima os documentos.
22. No que respeita às tarefas atinentes ao pessoal, (…) 26 Neste momento (…) a única tarefa restituída à exequente foi, exclusivamente, a introdução informática do código de justificação da falta e a listagem das mesmas.
31. De referir que, na sua totalidade, as tarefas actualmente desempenhadas pela exequente, não lhe ocupam mais de 30 minutos diários, sendo mais os dias em que não lhe é entregue qualquer tarefa, o que consubstancia, de forma manifesta, uma violação do seu direito à ocupação efectiva.
A prova do facto 32 da petição de embargos, contrariado pela conformação da restituição que a embargada apresenta nos números que agora apontámos, é que pode levar à conclusão, sim ou não, do cumprimento da obrigação constante da decisão dada à execução no que toca à restituição de funções. A questão portanto mostra-se ainda controvertida.

Simplesmente, como já temos provado que uma parte da decisão não foi cumprida – facto nº 9, não restituiu o telefone com acesso ao exterior nem a internet – não podemos desde já, julgar improcedentes os embargos?
Aqui sim é que vem a questão da interpretação da parte dispositiva da sentença proferida na acção declarativa na primeira instância, confirmada, nessa parte, pelo acórdão desta Relação.
A embargante foi ali condenada a “proporcionar à exequente os meios e instrumentos necessários ao cumprimento dessas funções e tarefas”, e já sabemos, estas funções e tarefas são as descritas no documento nº 10.
Vem a embargante alegar que não restituiu o telefone com acesso ao exterior porque as funções que a embargada exerce não carecem dele, e que a única tarefa que justificava o acesso à internet era o envio do IVA, o que só podia ser feito com a senha pessoal do TOC e que este não mais quis cedê-la à exequente, tendo a mesma sido alterada, não podendo a embargante obrigá-lo a facultar a senha. Por isso, não restituiu a internet e também não restituiu a função, sendo certo que a mesma não consta do documento nº 10 e que nele só podia integrar-se por via da sua alínea residual, naturalmente precária e susceptível de mudança. E assim sendo, deve considerar-se que a obrigação foi cumprida quanto ao telefone, e que o título não é exequível quanto à internet e quanto à restituição da função de envio das declarações de IVA.
Citemos a decisão ora sob recurso:
“Da leitura da acção comum e sentença e acórdão condenatório ali proferidos, dúvidas não se nos suscitam o âmbito da condenação da aqui embargante, não podendo certamente a mesma esquecer que, de acordo com o art.º 621º do NCPC, a sentença constitui caso julgado nos precisos termos e limites em que julga.
É um facto que, o que primariamente recebe força de caso julgado é o conteúdo de pensamento, ou afirmação, contido na parte dispositiva da sentença: é o thema decisum. Todavia, como ensina Miguel Teixeira de Sousa, em Estudos sobre O Novo Processo Civil, 578 e ss., “toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto ou de direito) o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha com esse valor, por si mesma e independentemente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.
A sentença, ou melhor, o caso julgado formado por essa sentença, não é pois constituída apenas pela sua parte dispositiva, mas sim, e também, pelos seus fundamentos. No nosso caso, o título executivo desta execução é a sentença condenatória exarada nos autos de acção declarativa, incluindo os seus fundamentos (art. 703º nº 1 al. a) do NCPC).
E dos fundamentos da sentença que serve de base à execução resulta, de forma clara e inequívoca, tendo ali sido considerado, após julgamento realizado, por sentença, objecto de recurso, que a confirmou, que muitas das funções exercidas pela autora foram retiradas à mesma pela ré, passando a ser desempenhadas pelos seus colegas de trabalho G… e H…, desde logo lhe sendo retirado o acesso à Internet e as senhas de acesso ao Portal das Finanças, bem como o acesso ao telefone, deixando a autora de poder receber ou fazer chamadas para o exterior, situação que não aconteceu com os seus colegas.
E tal assim ocorreu, logo ali se disse, como consequência do litígio entre os sócios gerentes da ré, dado a autora ter apoiado um deles, seu pai, vivenciando hoje sentimento de medo e ansiedade sobre o futuro na empresa ré. Foi pois concluído que a autora foi alvo de discriminação – com o esvaziamento do seu âmbito funcional e tratamento desigual, injustificado relativamente aos seus colegas, sendo criado um ambiente de trabalho, no mínimo, desestabilizador – característicos de assédio moral - fazendo com que a autora vivenciasse sentimento de medo e ansiedade sobre o futuro na empresa ré, sentindo-se muito cansada psicologicamente com o comportamento adoptado por parte da entidade empregadora.
Já em sede de contestação, tendo também sido debatido no julgamento realizado, e tendo depois sido alvo de alegações de recurso, afirmara a ali ré, aqui executada/embargante, que nenhuma das funções da autora exigia telefone directo para o exterior, nem ligação à internet (ver artigos 61º a 87º da contestação então apresentada e alegações de recurso).
Diz a executada que a autora apenas usava a internet para, a solicitação do T.O.C. da empresa, enviar para a Autoridade Tributária as declarações mensais de I.V.A. e a declaração anual de apuramento de resultados. Mais alega que, por ocasião do envio das declarações a solicitação do T.O.C., aproveitou para aceder a outra informação atinente à sua actividade enquanto T.O.C. de outras sociedades, pelo que aquele diz ter perdido a confiança na Exequente e que, em consequência, deixou de lhe solicitar o envio das declarações e tenha alterado a sua senha junto da Administração fiscal
Como vemos tal alegação da ré não mereceu acolhimento em tribunal, razão pela qual não vemos agora que a mesma possa novamente vingar”. (fim de citação)

Concordamos genericamente com esta fundamentação, sendo porém que da parte dispositiva da sentença não consta expressamente a restituição à Autora do telefone com acesso ao exterior e do acesso à internet, antes a restituição (de funções e) dos meios e instrumentos necessários às mesmas, e que por isso mesmo a questão jurídica primeira, em termos lógicos, o primeiro enfoque da questão se situa ao nível da interpretação da parte dispositiva da sentença.
Veja-se neste sentido os números 1 e 2 do sumário do Ac. do STJ de 3.2.2011:
1. Num recurso fundado em violação do caso julgado, tem necessariamente o Tribunal «ad quem» de começar por determinar qual é – segundo os critérios interpretativos que devem ser utilizados para determinar o sentido de uma sentença – o âmbito possível de tal operação interpretativa, excluindo aqueles sentidos normativos que extravasem o âmbito consentido a uma actividade interpretativa, levando a alcançar e imputar-lhe sentidos decisórios que a sentença interpretada manifestamente não pode comportar.
2. Sendo as decisões judiciais actos formais, - amplamente regulamentados pela lei de processo e implicando uma «objectivação» da composição de interesses nelas contida –tem de se aplicar à respectiva interpretação a regra fundamental segundo a qual não pode a sentença valer com um sentido que não tenha no documento ou escrito que a corporiza um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
A sentença não determinou à Ré a restituição de funções nem de meios segundo, ou com respeito de, o seu poder de livre gestão empresarial, que lhe permite reorganizar o serviço como entender e a todo o tempo. A sentença qualificou a reorganização feita e em função da qual a Autora ficou sem telefone de acesso ao exterior e sem internet, enquadrando-a em assédio moral, e mandou eliminar este assédio, reconstituindo portanto a situação anterior à verificação deste, isto é, a sentença mandou restituir as funções constantes do doc. 10, no pressuposto fáctico provado de que as mesmas eram as que a autora desempenhava antes de lhe serem retiradas. E mandou restituir os meios com que essas funções eram desempenhadas antes de serem retiradas, meios esses cuja retirada foi também considerada para a qualificação do comportamento da Ré como discriminação e assédio. Ora estes meios são os que a autora referiu na petição inicial da acção declarativa, e que veio a ficar provados terem existido e terem sido retirados sob a alínea K e sob o ponto 6º da matéria provada constante da sentença.

Por outro lado, como bem se diz na decisão sob recurso, as questões que a embargante vem agora colocar já as tinha colocado na acção declarativa, onde já tinha afirmado que a Autora não precisava de telefone com acesso directo ao exterior e que o TOC perdera a confiança na autora e por via disso tinha sido alterada a senha de acesso para entrega das declarações de IVA, e por via disso a autora não fazia essa incumbência e por via disso não precisava mais de internet. E porque a improcedência dessas questões para a desestruturação da causa de pedir que fundamentava o pedido da A., reconhecido integralmente e expressamente na parte dispositiva da sentença, foi já considerada, não pode o tribunal ser de novo colocado na situação de ter de as apreciar e de vir a dar uma decisão contraditória, afirmando agora que à embargada não têm de ser proporcionados os meios de cumprimento das funções que tinha antes de se ter verificado a situação de assédio.
Na verdade, segundo o nº 1 do artigo 580º do CPC, “as excepções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado”.
MANUEL DE ANDRADE[1] refere que a excepção do caso julgado traduz-se em “a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social”.
Conforme se destaca no Acórdão desta Relação de 30/05/2013[2] “[o] instituto do caso julgado encerra em si duas vertentes, que, embora distintas, se complementam: uma, de natureza positiva, quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões; a outra, de natureza negativa, quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal.
A autoridade do caso julgado justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas. E essa autoridade não é retirada, nem posta em causa mesmo que a decisão transitada em julgado não tenha apreciado correctamente os factos ou haja interpretado e aplicado erradamente a lei: no mundo do Direito tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça.”
Portanto, mesmo que fosse impossível restituir as funções relativas ao envio das declarações de IVA, mesmo que a tarefa coubesse apenas na alínea residual do documento nº 10, tudo se passa como sendo possível, e neste sentido, a decisão dada à execução é exequível. É exequível também porque relativamente ao telefone, a sua retirada não foi feita a colegas com funções idênticas (facto 6 da sentença) e isto foi também fundamento do enquadramento da situação em discriminação e assédio, o que não pode agora ser discutido de novo, e por isso sempre tal telefone teria de ser reposto.
Não tem a recorrente razão quando afirma que do acórdão não resulta provada a necessidade do uso da internet e do telefone. Esse resultado provém da não alteração da sentença e por via desta, dos factos sob a alínea K e nº 6. E resulta ainda evidentemente do facto da Ré não ter provado a legitimidade da reorganização de funções e em consequência dela da retirada de telefone e internet. Recorde-se que, nas situações de discriminação, neste caso, em função da ascendência, era a Ré que tinha de provar que tinha fundamento para tratamento desigual.
Porque essas questões já foram discutidas na acção declarativa, e porque são fundamento e pressuposto lógico da parte dispositiva da sentença, não é possível agora vir novamente discutir o que consta das conclusões I a L, O, P, Q, R e S da alegação de recurso, nem tem relevância o que consta da conclusão N, que a embargada agora continue a proceder à elaboração das declarações fiscais, apenas não as enviando via internet, visto que, ao contrário do que a recorrente defende na conclusão M, não lhe incumbe neste momento aquilatar da necessidade dos meios para cada função mesmo não directamente especificada, esse poder de gestão foi invocado e desqualificado por integrar assédio, e o que lhe incumbe agora é cumprir a decisão judicial.

Termos em que é possível afirmar que resulta já manifestamente dos autos de embargos, nesta fase processual, a partir do facto provado nº 9, que a embargante não deu cumprimento à decisão exequenda, e que por isso os mesmos não tinham de prosseguir.
Assim sendo, improcede o recurso, mantém-se a decisão recorrida e, por ter ficado vencida, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 30.6.2014
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
Fernanda Soares
______________
[1] MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, pp. 305/306.
[2] Processo nº 1042/10.3TBCHV.P1, in www.dgsi.pt.
______________
Sumário a que se refere o artigo 663º, nº 7 do actual CPC:
I. A parte dispositiva duma decisão judicial está sujeita a interpretação, não podendo prevalecer um sentido que não tenha correspondência com o texto que a fundamenta.
II. Tendo a empregadora sido condenada a restituir funções e a proporcionar os meios necessários à sua execução que haviam sido retirados numa situação de discriminação e assédio moral, são as funções e os meios concretamente retirados que devem ser restituídos e proporcionados.

Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).