Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
180/10.7TTVRL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO POR TEMPO INDETERMINADO
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
LIBERDADE CONTRATUAL
Nº do Documento: RP20140709180/10.7TTVRL.P1
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Não se verifica a nulidade da sentença por excesso de pronúncia se estando em causa na acção a qualificação de um contrato, alegadamente de trabalho por tempo indeterminado, celebrado entre as partes e as suas consequências jurídicas, o tribunal aprecia um contrato de trabalho a termo celebrado posteriormente e junto aos autos, por entender que este é indispensável para decidir os pedidos formulados na acção;
II - No âmbito do CT/2009 é admissível a celebração de um contrato de trabalho a termo na vigência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, uma vez que não só a lei do trabalho não o impede, como o princípio da liberdade contratual permite às partes fixar livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo dos contratos, o que significa que poderão não só revogar um contrato como proceder à sua conversão;
III - Por isso, tendo em 12-04-2010 o Autor proposto acção a pedir que se declare que o contrato que celebrou com a Ré em 19-10-2009 seja declarado como de trabalho e ilícito o despedimento em 12-02-2010, com as consequências legais daí decorrentes, tendo, entretanto, em 01-09-2010 se iniciado uma relação de trabalho entre as partes no âmbito de um contrato de trabalho a termo que celebraram em 30-09-2010, o Autor apenas tem direito por virtude da declaração de ilicitude do despedimento às retribuições vencidas desde 30 dias antes da propositura da acção até à data em que se converteu, ou iniciou, a relação de trabalho no âmbito do referido contrato a termo, mas já não à reintegração na empresa empregadora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 180/10.7TTVRL.P1
Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) António José Ramos, (2) Eduardo Petersen Silva.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B… (NIF ………, residente na …, Lote n.º .., ….-… Mondim de Basto) intentou, em 12-04-2010 e no Tribunal do Trabalho de Vila Real, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, Lda. (NIPC ………, com sede no …, ….-… Mondim de Basto), pedindo:
1.º que a Ré seja condenada a reconhecer que foi contratado como trabalhador subordinado e, portanto, que entre as partes foi celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado;
2.º que seja declarado ilícito o despedimento de que foi alvo e, em consequência, ser a R. condenada a:
a) reintegrar o Autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, com todos os direitos e regalias que adviriam caso se tivesse mantido ao serviço desde 12/02/2010;
b) no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 50,00 € (cinquenta euros) por cada dia de atraso na reintegração do A;
c) no pagamento da quantia de € 1.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais;
d) a pagar as retribuições que o Autor deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4% desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, que foi admitido ao serviço da Ré em 28-09-2009, por contrato verbal, e posteriormente, em 19-10-2009, titulado por escrito, através de um denominado “Contrato de Avença”.
No âmbito do referido contrato desempenhou as funções de professor de educação física, competindo-lhe leccionar as aulas de acordo com o programa que tinha sido previamente estabelecido e que lhe foi entregue antes de iniciar o exercício das suas funções, sendo o trabalho supervisionado e controlado pelo coordenador D…, que lhe dava as instruções sobre a forma como e onde devia trabalhar.
No âmbito de tais funções cumpria um horário fixo, era submetido a controlo de assiduidade, possuía uma caderneta individual de cada aluno, onde anotava as faltas de cada um e fazia as suas avaliações, sendo que o local de trabalho era nos diversos locais indicados pela Ré.
E os instrumentos de trabalho (bolas, arcos, coletes, sinalizadores, equipamentos, jogos de diversão, etc.) eram propriedade da Ré, constituindo a retribuição que auferia – de € 1.090,59 – a sua única fonte de rendimentos.
Por carta datada de 12-01-2010, a Ré comunicou-lhe a denúncia do contrato com efeitos a 12-02-2010: no entanto o contrato que vigorava entre as partes deve ser qualificado como de trabalho, pelo que a cessação do referido contrato configura um despedimento ilícito, por sem justa causa e sem precedência de processo disciplinar.
Pede, por isso, as consequências do despedimento previstas no artigo 389.º do Código do Trabalho, incluindo o pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, uma vez que com o despedimento sentiu-se triste, desconsiderado e desrespeitado.

Designada a audiência de partes, veio, entretanto, a ser determinada a suspensão da instância, tendo em vista a obtenção do acordo das partes para a resolução consensual do pleito.
Frustrado tal acordo, veio a Ré contestar a acção, alegando, em suma, que entre as partes foi celebrado em 19 de Outubro de 2009 um “contrato de avença”, em que o Autor se obrigou a desempenhar as funções de professor de educação física, sem qualquer subordinação hierárquica.
E no dia 30 de Setembro de 2010 o Autor celebrou com a Ré um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, o qual cessou em 31 de Agosto de 2011, tendo aquele recebido todos os créditos a que tinha direito decorrentes do referido contrato.
Por isso configura abuso do direito vir o Autor peticionar as consequências do primeiro contrato celebrado, sendo que ao celebrar o 2.º contrato de trabalho com a Ré (contrato de trabalho a termo) criou nesta a convicção que não lançaria mão do “alegado” direito decorrente do 1.º contrato.
Pugna, por consequência, pela improcedência da acção.

Respondeu o Autor, a reiterar o constante da petição inicial e a pedir a condenação da Ré como litigante de má fé.

Foi proferido despacho saneador stricto sensu, consignados os factos assentes e a base instrutória.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento e em 02-12-2013 (de acordo com a consulta do “histórico” do processo) foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos.

Inconformada com a sentença, dela veio o Autor interpor recurso para este tribunal, arguindo desde logo a nulidade da sentença.
E rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“A – A Sra. Juiz do Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que se devia pronunciar, bem como pronunciou-se para além do pedido, cometendo nulidades processuais nos termos do artigo 615.º, n.º d), do NCPC.
B- A Sra. Juiz do Tribunal a quo decide com base na existência de um contrato de trabalho sem termo, que não diz se existe ou não, CONFORME LHE FOI PEDIDO.
C- Antes de decidir da validade ou invalidade do contrato de trabalho a termo ASSINADO POSTERIORMENTE À ENTRADA DA PRESENTE ACÇÃO EM JUÍZO, devia a Sra. Juiz conhecer os pedidos formulados pelo A. E NÃO DE SITUAÇÕES DE FACTO OCORRIDAS POSTERIORMENTE AO PEDIDO FORMULADO NESTA ACÇÃO.
D- POR OUTRO LADO A SRA. JUIZ DECIDE ALGO QUE NÃO LHE FOI PEDIDO, PORQUE A RÉ NÃO DEDUZIU RECONVENÇÃO A PEDIR QUE FOSSE DECRETADA A VALIDADE DO NOVO CONTRATO A TERMO CERTO, Sendo certo que O TRIBUNAL RECORRIDO DECIDIU ESSA VALIDADE SEM LHE TER SIDO PEDIDA.
E- In casu, existe ainda nitidamente uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, pois a Sra. Juiz proferiu a decisão partindo do pressuposto que o contrato de avença celebrado entre A. e R. é um contrato de trabalho, mas não diz se, efectivamente, esse contrato configura um contrato de trabalho.
F- Logo, não podia decidir com base na existência de um contrato de trabalho que não decidiu se existe ou não, pelo que a sentença é nula, conforme disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. c) do NCPC.
G- Se o thema decidendum da acção, no todo ou em parte, estiver precisamente dependente e localizado no significado real daquelas expressões, tem de considerar-se que estamos perante matéria de direito, insusceptível de ser incluída na base instrutória, de ser objecto de instrução ou de integrar a decisão sobre a matéria de facto.
H- Estando em causa nesta acção a qualificação jurídica da relação contratual que vinculou as partes, ou seja, a questão de saber, se as partes estiveram ou não vinculadas por um contrato de trabalho, a Sra. Juiz do Tribunal recorrido não podia no n.º 1 da base instrutória incluir a expressão “sob as suas ordens, direcção e fiscalização”, pois a questão a decidir está precisamente dependente do significado real desta expressão.
I- Assim, a referida matéria não devia ter sido incluída na base instrutória, pelo que deve considerar-se não escrita a resposta dada ao referido quesito, nessa parte.
J - A R. faltou ao julgamento e não se fez representar por mandatário judicial.
K - Os factos alegados em 1.º, 2.º e 3.º da B.I foram alegados pelo ora recorrente e são factos pessoais do faltoso, de modo que devem os mesmos ser considerados totalmente provados, ao abrigo do disposto no artigo 71.º, n.º 2 do CPT.
L - Os quesitos 1.º e 3.º devem ser alterados para provados e o quesito 2.º deve ser alterado para totalmente provado, com base na prova testemunhal e documental junta aos autos.
M - Relativamente ao quesito 1.º, a Sra. Juiz considerou-o como não provado, em virtude de a única testemunha que depôs sobre o mesmo ter sido o pai do A., limitando-se apenas a referir que deu como não provado o quesito 1.º na parte respeitante à existência do contrato de trabalho anterior, por a única testemunha a depor sobre o mesmo ter sido o pai do A.
N- Ora, tal alegação não é suficiente para dar como não provado o referido quesito, porquanto, é certo que para ser dado como provado um quesito não é necessário que um número determinado de pessoas deponha sobre o mesmo, bastando apenas uma testemunha, desde que o seu depoimento seja livre, credível e espontâneo, o que sucedeu in casu, não obstante a relação familiar da testemunha com o A. e até porque o mesmo não foi contrariado pelo depoimento de qualquer outra testemunha.
O– Relativamente aos demais quesitos, para além da testemunha E…, também a testemunha F… revelou conhecimento directo dos factos quesitados nos referidos artigos da base instrutória, nomeadamente, que o A. trabalhava sob as instruções, sob o controle e em obediência ao coordenador de actividades, Professor D….
P- Na data de entrada da presente acção, o A. não era trabalhador da R., por ter sido despedido por esta.
Q - Logo, não é verdade que o A. tenha celebrado um segundo contrato em plena vigência primeiro, conforme vem escrito na douta sentença recorrida.
R- Na verdade, o segundo contrato (a termo) foi celebrado após o despedimento do A. no âmbito do primeiro contrato. Assim, quando o A. celebrou o segundo contrato não estava ao serviço da R., mas a impugnar um despedimento promovido por esta.
S- Deste modo, a celebração do segundo contrato (a termo) não implica, como defendido pela Sra. Juiz do Tribunal a quo, a extinção automática do primeiro contrato.
T- A possibilidade de usarmos a liberdade contratual como critério determinante da solução proposta (extinção do vínculo anterior) conduz, por um lado, à aceitação de um negócio simulatório (de facto, mesmo em abstracto, não se vê uma única vantagem contratual, sequer a da desvinculação, em passar-se de contratado por tempo indeterminado a contratado a termo) e, por outro lado, não faz qualquer sentido que, insistindo a lei em criar mecanismos (formais e sancionatórios) para evitar a contratação a termo sucessiva ou ilimitada (com reflexos na duração, na renovação e na conversão do contrato) consinta uma interpretação da cessação do contrato que alcança de imediato, e na pendência do mesmo contrato, o contrário do legalmente pretendido.
U- Entendemos, por isso, que, independentemente da inexistência no CT/2003 de uma norma com o conteúdo preciso do anterior n.º 3 do artigo 41.º-A da LCCT (na redacção dada pela Lei 18/2001), por aplicação das regras gerais do direito do trabalho e dos contratos e das regras específicas sobre a cessação laboral, o contrato de trabalho por tempo indeterminado não pode ser extinto pela declaração tácita em que se traduz a celebração, entre as mesmas partes, de um contrato a termo.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão deve ser dado integral provimento ao presente recurso e, em consequência revogar-se a douta decisão recorrida e ordenar-se a sua substituição por outra que julgue a acção procedente nos termos requeridos na petição inicial”.

A recorrida respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência.
Para tanto, nas contra-alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões:
1. Estamos perante a chamada omissão de pronúncia quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (al.d), do n.º 1, do artigo 668.º, do C.P.C.).
2. Entende a recorrida que o Tribunal apreciou todas as questões sobre as quais tinha que se pronunciar;
3. O Tribunal pronunciou-se, referindo que o negócio jurídico celebrado antes do contrato de trabalho a termo certo, cessou, em 1 de Setembro de 2009, com a outorga deste novo contrato de trabalho., entendendo e bem que com a celebração daquele contrato, pretendeu o autor, por fim a vigência do anterior contrato.
4. Os factos constantes das alíneas que o recorrente pretende ver alterados, foram invocados por este, quem alega um determinado facto, tem a obrigação de prová-lo. É o que conceptualmente se designa de ónus de prova. O artigo 342.º do Código Civil preceitua precisamente esta regra.
5. O recorrente não os logrou provar, sendo que os mesmos ao contrário do que aquele pretende não são factos pessoais da ré pela que é, in casu, inaplicável o preceito legal invocado pelo recorrente.
6. O recorrente não logrou indicar uma prova, decorrente do depoimentos transcritos, capaz de inquinar a decisão da matéria de facto, pelo que a mesma deverá manter-se inalterada.
7. Não violou a douta sentença recorrida qualquer preceito legal.”.

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Neste tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no sentido da improcedência do recurso.

Ao referido parecer respondeu o recorrente, a manifestar a discordância com o mesmo e a reiterar o constante das alegações e conclusões anteriormente apresentadas.

Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e realizada a conferência, cumpre decidir.

II. Objecto do recurso
Sabido como é que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, sendo que aqueles normativos que correspondem aos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, do anterior Código de Processo Civil), no caso colocam-se à apreciação deste tribunal as seguintes questões essenciais:
1. saber se a sentença é nula, seja por omissão, seja por excesso de pronúncia, seja ainda por contradição entre os fundamentos e a decisão;
2. saber se existe fundamento para alterar a matéria de facto;
3. da qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes e que denominaram de “contrato de avença”;
4. das consequências jurídicas desse contrato face à celebração, posterior, de um contrato de trabalho a termo.

III. Factos
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. A R. é uma sociedade cooperativa de responsabilidade limitada, que tem como objecto social a promoção de actividades de ensino e educação no concelho de Mondim de Basto.
2. Por contrato denominado “contrato de avença” datado de 19/10/2009, foi titulado por escrito que o A. foi admitido ao serviço da R. para exercer as funções de professor de educação física, competindo-lhe leccionar a disciplina de actividade física e desportiva aos alunos do pré-escolar, 1º ciclo do ensino básico do concelho de Mondim de Basto e apoiar o coordenador das actividades de índole desportiva a desenvolver e promover pela Câmara Municipal – cfr. doc. de fls. 12 e 13, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
3. Competia ao A. leccionar actividades no G…, nomeadamente, “actividade física sénior”, “mexa-se” e “voleibol” e apoiar o coordenador das actividades de índole desportiva a desenvolver e promover pela Câmara Municipal.
4. O A. auferia a retribuição mensal fixa de € 1.090,59.
5. O A. trabalhava 5 dias por semana (de 2ª a 6ª feira) e cumpria um horário de 25 horas/semana.
6. O A. era submetido a um controle de assiduidade e possuía uma caderneta individual de cada aluno, onde anotava as faltas de cada um e fazia as suas avaliações.
7. O local de trabalho do A. era nas várias escolas do pré-escolar e do 1º ciclo do ensino básico do concelho de Mondim de Basto, indicadas pela R., assim como no H… e I… e nas instalações da R.
8. Os instrumentos de trabalho do A., como bolas, arcos, coletes, sinalizadores, equipamentos, jogos de diversão, rádio gravador, etc., eram da propriedade da R. que sempre lhe forneceu todo o material necessário ao exercício das suas funções.
9. O A. faltou ao trabalho por motivo de doença duas vezes, uma durante o mês de Outubro de 2009 e a segunda no mês de Novembro de 2009 (de 20/11/2009 a 26/11/2009), tendo comunicado e justificado as faltas à R., entregando atestado médico para o efeito, por instruções do seu coordenador.
10. Durante o tempo em que prestou a sua actividade para a R., o A. jamais exerceu quaisquer outras funções por conta de outro organismo ou entidade, sendo a remuneração liquidada pela R. a sua única fonte de rendimento.
11. Por carta datada de 12/01/2010, a R. comunicou ao A. a denúncia do contrato com ele celebrado, a partir de 12/02/2010 – cfr. doc. de fls. 14, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
12. No dia 30/09/2010 o A. celebrou com a R. um contrato de trabalho a termo resolutivo certo e a tempo parcial, o qual produziu efeitos a partir de 01/09/2010 e até 31/08/2011 – cfr. doc. de fls. 57 a 59, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
13. O A. cumpriu o referido contrato, tendo sido comunicada ao A. a denúncia do mesmo, por carta registada com A/R enviada a 19/07/2011 – cfr. doc. de fls. 60 e 61, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
14. O coordenador da actividade relacionada com educação física da aqui demandada era o professor D…, que dava instruções ao ora A. (este artigo é alterado infra).
15. Com a carta acima indicada no ponto 11. supra, o A. sentiu um profundo choque, ficou desanimado, ansioso e angustiado, dada a dificuldade de encontrar emprego nesta área de actividade, em particular no concelho de Mondim de Basto, onde pretende residir e trabalhar.
16. Ficou triste por deixar de fazer aquilo de que tanto gosta e sentiu-se desconsiderado e desrespeitado, o que o desanimou e causou-lhe abatimento.

Estes os factos dados como provados.
Constata-se da acta de audiência de julgamento que a Ré não compareceu ao julgamento, realizado em 24-09-2013, nem a sua ilustre mandatária. (fls. 156 a 159)
Por isso, foi a Ré condenada em 1 UC caso não justificasse a falta, como não justificou.
Tal matéria pode assumir relevância tendo em conta o objecto do recurso.
Igualmente se entende poder assumir relevância à decisão (com vista à apreciação das consequências da celebração do contrato a termo em 30-09-2010, em relação ao contrato anterior) a suspensão da instância ocorrida e consequente cessação.
Finalmente, sob o n.º 2 deu-se por reproduzido o teor do “contrato de avença” que consta de fls.12 e 13.
Considerando que elementos constantes do contrato podem assumir relevância à decisão e que não se afigura a melhor técnica jurídica dar por reproduzidos documentos, entende-se consignar o que conta do documento e que possa assumir importância à decisão.
Assim, tendo presente o disposto no artigo 574.º, n.º 2, 607.º, n.º 4, ex vi do artigo 663.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, adita-se à matéria de facto o seguinte:
“2-A. Nos termos da cláusula primeira do referido contrato de 19-10-2009, o Autor obrigou-se a prestar serviço “sem subordinação hierárquica”
2-B. E nos termos da cláusula segunda, o contrato é válido até estar findo o procedimento concursal para contratação por tempo indeterminado de professores de educação física;
17. Na audiência de julgamento, realizada em 24-09-2013, a Ré não compareceu nem a sua mandatária judicial;
18. A Ré não apresentou justificação da falta;
19. No dia 28 de Setembro de 2010, as partes apresentaram requerimento nos autos em que requerem a suspensão da instância, uma vez que chegaram a acordo para pôr termo à acção, mas «esse acordo ainda não está formalizado por escrito, nem houve tempo para o fazer»;
20. Em 7 de Setembro de 2011, o Autor apresentou requerimento nos autos, onde, afirmando que «[n]ão foi possível alcançar o almejado acordo», requer o prosseguimento dos autos”.

IV. Fundamentação
1. Da (arguida) nulidade da sentença
1.1. No requerimento de interposição de recurso, o Autor/recorrente arguiu, logo no seu início, a nulidade da sentença, desenvolvendo a seguir a exposição dos fundamentos dessa nulidade.
Em síntese, de acordo com o recorrente a sentença é nula com três fundamentos:
i) por omissão de pronúncia, uma vez que não se pronunciou sobre a qualificação jurídica do contrato que as partes celebraram e que denominaram de “avença” e as consequências de tal qualificação (se a cessação foi lícita ou ilícita e se o Autor devia ser reintegrado no posto de trabalho);
ii) por excesso de pronúncia, por se ter pronunciado, sem que tal lhe fosse pedido, sobre as consequências jurídicas na acção da celebração entre as partes do contrato de trabalho a termo resolutivo em 30-09-2010;
iii) por contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que a sentença recorrida parte do pressuposto que o “contrato de avença” celebrado entre as partes é um contrato de trabalho, mas não diz na fundamentação se, efectivamente, ele existe.
Analisemos cada um dos fundamentos da arguida nulidade.

1.2. Da nulidade, por omissão de pronúncia
Estipula o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, do novo Código de Processo Civil, que é nula a sentença quando “[o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.
A referida nulidade encontra-se em correspondência directa com o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, de acordo com o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Como ensina Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 143), “(…) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção”.
E mais adiante (na mesma página) acrescenta: “[q]uando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência (entre outros, podem consultar-se os acórdãos do STJ de 15 de Dezembro de 2005, de 9 de Março de 2006 e de 21 de Fevereiro de 2007, disponíveis em www.dgsi.pt, sob Proc. 05P2951, 06P461 e 06P3932, respectivamente), ou seja, que a omissão de pronúncia só se verifica quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes nas defesa das teses em presença.
Daí que não se verifique omissão de pronúncia quando o tribunal conhece da questão que lhe é colocada, mesmo que não aprecie todos os argumentos invocados pela parte em defesa da sua pretensão.
Isto é: não se devem confundir factos ou argumentos com as questões que integram a matéria decisória, no sentido próprio da expressão, contido nos artigos 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
E também não se deve concluir que existe omissão de pronúncia se o tribunal não aprecia determinadas questões porque entende, bem ou mal, que essas questões se encontram prejudicadas pela solução dada a outras.

Ora, no caso em apreciação, a sentença recorrida entendeu, em suma, que face ao contrato de trabalho a termo celebrado entre as partes em 30-09-2010 ficavam prejudicados os pedidos e as questões objecto do litígio que se prendiam com o contrato de “avença” celebrado em 19-10-2009.
Basta para tanto atentar no que, a propósito, se escreveu na sentença recorrida:
“Ora, a celebração do segundo contrato de trabalho a termo prejudica, em nosso entender, a apreciação do primeiro acordo negocial, denominado “contrato de avença”.
Senão, vejamos.
Em primeiro lugar, há que realçar e fazendo apelo à matéria de facto supra dada como assente, que o A. não logrou demonstrar ter celebrado com a aqui demandada qualquer contrato de trabalho verbal anterior ao “contrato de avença” que aqui se aprecia, pelo que nos ateremos apenas à apreciação deste negócio jurídico.
Na tese do A. o referido contrato de avença constituiria um verdadeiro contrato de trabalho por tempo indeterminado, já que se encontravam verificados todos os requisitos necessários à existência de vínculo laboral, nomeadamente aqueles que traduzem a existência de subordinação económica e jurídica, traduzidos no caso em apreço, na obediência do A. a ordens e instruções do coordenador desta área de educação física da demandada, a existência de um horário de trabalho a cumprir, a exigência de justificação de faltas dadas pelo A., etc.
O A. veio ainda invocar que não se conforma com a denúncia deste contrato, considerando-a como sendo um verdadeiro despedimento ilícito porque desprovido de procedimento disciplinar ou de qualquer justa causa e retirando daí as respectivas consequências.
Mas, mesmo que assim fosse, sempre este vínculo teria cessado com a celebração entre as partes dum contrato de trabalho a termo certo resolutivo e a tempo parcial, na pendência da presente lide, já que o demandante ao aceitar a constituição deste novo vínculo laboral aceitou que a anterior relação jurídica existente entre os ora intervenientes (fosse ela um contrato de avença ou um contrato de trabalho por tempo indeterminado) cessou em 01/09/2010 com a outorga de novo contrato de trabalho.
Nos presentes autos, e em plena tramitação dos mesmos, o aqui demandante celebrou com a aqui demandada um novo contrato de trabalho – cfr. doc. de fls. 57 – a termo resolutivo e quanto a este contrato não se discute, por não se encontrar contido na causa de pedir nem nos pedidos formulados pelo demandante na sua petição inicial, quaisquer vícios de vontade ou causas de invalidade do termo nele aposto, pelo que temos que concluir que o aqui demandante ao celebrar livremente um contrato de trabalho a termo com a R., ainda que vigorasse entre ambos um contrato de trabalho por tempo indeterminado, pretendeu pôr fim à vigência deste pelo que tornou inviáveis os pedidos que formulou na presente lide e que, por este motivo, se julgam totalmente improcedentes.”.
Assim, como resulta da transcrição efectuada, face à celebração do contrato de trabalho a termo, o tribunal a quo considerou prejudicada (“prejudica” diz-se expressamente na sentença) a apreciação do contrato de avença (e, naturalmente, dos pedidos a ele inerentes).
Por isso, e tendo presente o referido artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, considerando que o tribunal considerou prejudicadas as questões inerentes ao denominado “contrato de avença”, não se verifica omissão de pronúncia.

1.3. Da nulidade, por excesso de pronúncia
A referida nulidade encontra-se prevista no aludido artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, do Código de Processo Civil e encontra-se correlacionada com a 2.ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil: o juiz “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
De acordo com o recorrente teria havido pronúncia indevida do tribunal a quo, uma vez que se pronunciou sobre o contrato de trabalho a termo celebrado entre as partes na pendência da acção sem que tal lhe fosse pedido.
Ora, a Ré na contestação (artigos 17.º e segts.) alegou que as partes celebraram em 30 de Setembro de 2010 (no articulado, por manifesto lapso, refere-se o ano de 2009) um contrato a termo, que o Autor cumpriu, tendo em consequência da cessação do mesmo recebido todos os créditos a que tinha direito.
Embora a sentença recorrida não o afirme expressamente, retira-se da mesma que a “questão” da celebração deste contrato a termo e suas consequências jurídicas na anterior relação entre as partes é indispensável para apreciar dos pedidos formulados na presente acção, ainda que para os considerar prejudicados e ainda que não suscitada directamente tal questão pelas partes (a Ré apenas a coloca em sede de abuso de direito).
Além disso, não pode olvidar-se que cabendo embora às partes o ónus de alegação dos factos essenciais, o juiz não está sujeito à alegação das mesmas no tocante à interpretação, indagação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil).
Daí que não se verifique a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia.

1.4. Finalmente, o recorrente invoca a nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que nesta se parte do pressuposto que o “contrato de avença” celebrado entre as partes é um contrato de trabalho, mas não se diz na fundamentação se, efectivamente, ele existe.
A referida nulidade encontra-se prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, que corresponde à alínea c), do n.º 1, do artigo 668.º, do anterior Código de Processo Civil.
Sobre a referida nulidade, embora no âmbito de anterior legislação, assinala Alberto dos Reis (Obra citada, pág. 141) que a oposição em causa se caracteriza por haver uma contradição real entre os fundamentos e a decisão e não contradição meramente aparente, resultante de simples erro material (na fundamentação ou na decisão), caso em que a contradição é eliminada através de despacho a proferir nos termos do artigo 667.º do anterior CPC ou do artigo 614.º do actual CPC.
Na contradição em análise, o juiz escreveu o que queria escrever; porém, “o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”.
Ou seja, verifica-se a nulidade em causa quando na construção da sentença existe realmente um vício lógico que a compromete pelo facto de o juiz, embora escrevendo o que realmente queria escrever, ter chegado a um resultado (a uma decisão) diferente daquele a que os fundamentos por ele invocados logicamente conduziriam.
Explicita também Lebre de Freitas (et alii, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pág. 670), que “[e]ntre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguiu determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”. E, logo a seguir esclarece: “Esta posição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade”.
No caso que nos ocupa, salvo o devido respeito por diferente interpretação, entende-se que não se verifica a invocada contradição.
É certo que na fundamentação da sentença, o tribunal a quo não se pronunciou se o denominado “contrato de avença” era um verdadeiro contrato de trabalho: porém, como resulta da transcrição efectuada supra, a sentença recorrida considerou prejudicada tal questão, na medida que o que relevava para a decisão final era a celebração de um posterior contrato de trabalho a termo.
Ora, uma coisa é o erro de julgamento por a sentença considerar prejudicada a análise do “contrato de avença”, outra a questão de contradição entre os fundamentos e a decisão, ou de nulidade por omissão ou por excesso de pronúncia.
Assim, caso se entenda que a análise e decisão sobre a matéria não se encontrava prejudicada – o que se analisará infra – o que existe é um erro de julgamento, e não nulidade da sentença.
Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

2. Da alteração da matéria de facto
Quanto a esta problemática, alega o recorrente, em suma, que os quesitos 1.º a 3.º da base instrutória devem ser dados como provados, na medida em que são factos pessoais da recorrida; e, tendo a mesma faltado ao julgamento, assim como a sua Exma. mandatária judicial, por força do que estatui o artigo 71.º, n.º 2, do CPT, devem tais factos considerar-se provados.
Vejamos.
Preceitua o artigo 71.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, que se alguma das partes faltar injustificadamente ao julgamento e não se fizer representar por mandatário judicial, consideram-se provados os factos alegados pela outra parte que forem pessoais do faltoso.
Face ao princípio da imediação e da oralidade, os interesses em litígio e, com eles, a possibilidade do tribunal por sua iniciativa ouvir as partes, impõe-se a estas a comparência em julgamento; a falta injustificada de uma delas e sua não representação por mandatário judicial tem como consequência que se considerem confessados os factos alegados pela outra parte, que sejam pessoais do faltoso.
Por isso, para que a norma em causa tenha conteúdo útil, a falta tem de ser justificada até ao início da audiência, salvo os casos, naturalmente, de justo impedimento (cfr. artigo 140.º do Código de Processo Civil).
“São factos pessoais aqueles que a parte, seja pessoa física ou pessoa colectiva, não desconhece ou em relação aos quais não lhe é lícito invocar desconhecimento.” (Albino Mendes Baptista, Código de Processo do Trabalho Anotado, 2.ª Edição, 2002, Quid Juris, pág. 175).
Assim, face à ausência da Ré em julgamento, bem como da respectiva mandatária, o tribunal a quo deveria ter dado como provados os factos alegados pelo Autor e pessoais da Ré, não havendo lugar à produção de prova sobre os mesmos.

O Autor pretende que sejam dados como provados os factos 1.º a 3.º da base instrutória.
Os referidos “factos” são do seguinte teor:
“1º) No dia 28/09/2009 por contrato verbal, o A. foi admitido ao serviço da R. para sob as suas ordens, direcção e fiscalização exercer as funções de professor de educação física, o que passou a exercer desde então por conta da R.?
2º) O trabalho do A. era supervisionado e controlado pelo coordenador D…, que lhe dava as instruções sobre a forma como e onde devia trabalhar, tendo-lhe sido dito aquando da celebração do seu contrato que deveria, pelo presidente da R. que deveria obedecer às ordens daquele?
3º) O A. exercia as suas funções com obediência das instruções da R., através do indicado coordenador, o qual o contactava diversas vezes por telefone e outras vezes por e-mail para o instruir e para que estivesse presente em determinadas actividades, mesmo ao fim-de-semana?”.
Como se afirmou supra, por força do disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, devem ser dados como provados “factos”.
Ora, o que consta do artigo 1.º da base instrutória não é um facto, mas sim uma questão jurídica.
Com efeito, discutindo-se na acção, além do mais, se entre as partes foi celebrado um contrato de trabalho, não pode dar-se como provado na matéria de facto que o Autor foi admitido “sob as ordens, direcção e fiscalização” da Ré.
No contexto em causa, a referida expressão constitui (um dos) thema decidendum da acção, envolvendo, por isso, uma questão de direito que não poder ser directamente resolvida através da matéria de facto.
Esta é, de resto, a posição que tem sido afirmada reiteradamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, como podem ver-se, a título exemplificativo, os acórdãos de 07-03-2007 (Proc. n.º 3538/06 – 4.ª Secção), 14-02-2007 (Processos n.º 3955/06 e n.º 4195/06, ambos da 4.ª Secção), e de 12-03-3008 (Proc. n.º 3668/07 – 4.ª Secção), aqueles disponíveis em www.dgsi.pt.
Assim, por envolver uma questão de direito, seja face ao que dispunha o artigo 646.º, n.º 4, do anterior Código de Processo Civil, seja face ao que dispõem os artigos 607.º, n.ºs 3 e 4 e 663.º, n.º 2, do actual Código de Processo Civil, não pode dar-se como provado o que consta do artigo 1.º da base instrutória.
Atente-se que se é o próprio recorrente a sustentar que o “facto” em causa envolve a qualificação jurídica da relação controvertida, admitindo, assim, que o mesmo não deveria ter sido objecto de resposta por parte do tribunal, não se vislumbra como pode agora este tribunal vir a dar como provada tal matéria com fundamento no referido artigo 71.º, n.º 2, ou até na prova testemunhal, quando o que é objecto de prova são factos e não conceitos ou conclusões jurídicas.
De resto, também os artigos 2.º e 3.º contêm expressões jurídicas, como “obedecer às ordens” ou “obediência das instruções”.
No entanto, com fundamento no disposto no artigo 71.º, n.º 2, do CPT, entende-se dar como provados os referidos factos, por serem pessoais, expurgadas que sejam das expressões conclusivas.
Assim, o n.º 14 da matéria de facto, que corresponde ao que se perguntava no artigo 2.º da base instrutória, passa a ter a seguinte redacção:
“O Autor desenvolvia o trabalho sob a supervisão do coordenador D…, que lhe dava indicações sobre a forma como e onde devia trabalhar, tendo-lhe sido dito pelo Presidente da Ré, aquando da celebração do contrato, que deveria obedecer às ordens do coordenador”.
E acrescenta-se à matéria de facto, sob o n.º 14-A, o seguinte facto, que corresponde ao artigo 3.º da base instrutória:
“O A. exercia as suas funções sob a supervisão e seguindo as indicações do referido coordenador, o qual para o efeito o contactava diversas vezes por telefone e outras vezes por e-mail, comunicando-lhe ainda para que estivesse presente em determinadas actividades, mesmo ao fim-de-semana”.
Face aos referidos factos provados, por força do disposto no artigo 71.º, n.º 2, do CPT, queda prejudicada a prova dos mesmos, com fundamento na prova testemunhal.

3. Da qualificação do contrato que as partes denominaram “contrato de avença” e suas consequências jurídicas
Antes de iniciarmos a análise desta questão, duas notas prévias se impõem.
Em 1.º lugar, o Autor alegou ter sido admitido ao serviço da Ré, por acordo verbal, em 28-09-2009.
Todavia, da matéria de facto assente não resulta qualquer elemento que permita concluir ter sido aquela a data da admissão.
Por isso, terá que se proceder à análise da questão a partir da data de admissão de 19-10-2009, por ter sido aquela em que entre as partes foi celebrado o denominado “contrato de avença”.
Em 2.º lugar, a sentença recorrida concluiu que a celebração do contrato de trabalho a termo resolutivo em 30-09-2010 prejudica a apreciação do referido “contrato de avença”.
Ora, tendo em conta os pedidos formulados na acção, supra referidos, salvo o devido respeito por diferente interpretação, não se detecta fundamento para se afirmar, em relação a alguns dos pedidos e pelo menos até à celebração do referido contrato a termo, que tenham ficado prejudicados: é o que se passa com o pedido de pagamento das retribuições vencidas desde o alegado despedimento até à celebração do segundo contrato.
Também não se vê como, fundando o Autor um pedido de indemnização por danos não patrimoniais no despedimento, se possa concluir que esse pedido ficou prejudicado face à celebração do posterior contrato de trabalho a termo: o fundamento alegado pelo Autor para a indemnização por danos não patrimoniais, a provar-se, produz efeitos com o acto de despedimento, não tendo a celebração de posterior contrato a virtualidade de “anular” esses alegados danos.
Já em relação aos efeitos da alegada cessação ilícita do contrato denominado de avença, que se projectariam no e após o período de celebração do contrato de trabalho a termo, v.g. reintegração do trabalhador e sanção pecuniária compulsória, poderão ficar prejudicados face à interpretação a fazer sobre a validade e consequências jurídicas desse contrato de trabalho a termo.
Tudo isto para se concluir, reafirma-se, que não ficou prejudicado o conhecimento da qualificação do “contrato de avença”, pelo menos tendo em conta alguns dos pedidos formulados.
Avancemos então.

O contrato foi celebrado em 19-10-2009, na vigência do Código do Trabalho de 2009.
Decorre do disposto no artigo 11.º deste diploma legal, bem como do artigo 1152.º do Código Civil, em termos idênticos ao que já resultava do anterior artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 49 408, de 24-11-69, e do artigo 10.º do Código do Trabalho de 2003, que contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito da organização e sob a autoridade destas.
Como elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho temos, pois, a prestação de actividade, a retribuição e a subordinação jurídica.
E como facto constitutivo do direito, cabe ao demandante a prova da existência de um vínculo laboral (art. 342.º, n.º 1, do Código Civil); isto é, ao trabalhador compete provar que trabalhou a favor de outra pessoa, sob a sua direcção e autoridade, para assim demonstrar a existência de subordinação jurídica e, bem assim, a existência de um contrato de trabalho.
Isto sem prejuízo de face à factualidade apurada se concluir que ele goza da presunção da existência de um contrato de trabalho prevista no artigo 12.º do referido Código do Trabalho de 2009.

Importa fazer uma referência, necessariamente breve, à distinção entre contrato de trabalho e outras figuras afins, maxime o contrato de prestação de serviços.
Avulta na definição de contrato de trabalho que a pessoa se obriga a prestar a sua actividade a outra, mediante retribuição e sob a autoridade e direcção dessa outra pessoa que a pode orientar e dar-lhe ordens: a subordinação jurídica do trabalhador a quem presta a actividade é o elemento essencialmente caracterizador e diferenciador da existência de um contrato de trabalho em relação a outros afins, como seja o contrato de prestação de serviços.
Como afirma Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, pág. 136) «[p]ara que se reconheça a existência de um contrato de trabalho, é fundamental que, na situação concreta, ocorram as características da subordinação jurídica por parte do trabalhador (...). A subordinação jurídica consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem».
Todavia, embora a lei distinga claramente o contrato de trabalho de outros contratos, como o de prestação de serviços, no plano concreto nem sempre são fáceis de verificar os elementos caracterizadores de cada um deles.
Por isso, para a qualificação do contrato, maxime para apurar da existência de subordinação jurídica, a doutrina e jurisprudência têm-se socorrido da existência ou não de diversos indícios, a apreciar em concreto e interdependentes entre si.
De acordo com Monteiro Fernandes, constituem indícios de subordinação (obra referida, págs. 147-148) “(…) a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa – tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem”.
Também Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, passim a págs. 310 a 313), referindo que o critério base para a distinção de um contrato de trabalho é o da subordinação jurídica – bastando, para tanto, a possibilidade de quem recebe o trabalho dar ordens -, dada a necessidade de recorrer a métodos indiciários negociais internos e externos para qualificar o contrato, considera que se está perante um contrato de trabalho se a actividade for desenvolvida na empresa, junto do empregador ou em local por este indicado, se existe um horário de trabalho fixo, se os bens e utensílios são fornecidos pelo destinatário da actividade, se a remuneração for determinada por tempo de trabalho (embora, relacionado com este indício seja também de atender que sendo pagos os subsídios de férias e de Natal é de pressupor a existência de um contrato de trabalho), se quem for contratado exerce a actividade apenas por si e não por intermédio de outras pessoas, se o risco do exercício da actividade corre por conta do empregador (caso, por exemplo, o trabalhador não desenvolva o a actividade por qualquer razão que não lhe seja imputável mantém o direito à retribuição) e, finalmente, se o prestador da actividade está inserido numa organização produtiva.
E, para além de indícios negociais, o mesmo Autor acrescenta como elementos eventualmente relevantes na qualificação do contrato, os “índices externos”, consistentes no facto de o prestador de serviço desenvolver a mesma ou idêntica actividade para diferentes beneficiários - o que indicia uma independência não enquadrável na subordinação da relação laboral -, a inscrição na Repartição de Finanças como trabalhador dependente ou independente e a declaração de rendimentos, a inscrição do prestador de actividade na Segurança Social e ainda o facto do mesmo prestador de trabalho se encontrar sindicalizado, caso que poderá indiciar que o contrato é de trabalho.
Pode-se afirmar, em síntese, que a subordinação jurídica, como elemento constitutivo do contrato de trabalho, terá que se deduzir a partir de vários indícios, como sejam, a organização do trabalho (se é do “trabalhador” indicia-se que estamos perante trabalho autónomo; se é de outrem, trabalho subordinado), o resultado do trabalho (se tem em vista o resultado, indicia-se trabalho autónomo, se tem em vista a actividade em si mesmo, trabalho subordinado), a propriedade dos instrumentos de trabalho (se pertencem ao trabalhador indicia-se trabalho autónomo, se não, trabalho subordinado), o lugar de trabalho (se pertence ao trabalhador indicia-se trabalho autónomo), o horário de trabalho (se existe horário definido pela pessoa a quem a actividade é prestada, indicia-se subordinação), a retribuição (a existência de uma retribuição certa, à hora, ao dia, à semana, indicia a existência de subordinação), a prestação de trabalho a um único empresário (indicia subordinação), a existência de ajudantes do prestador do trabalho e por ele pagos (o que indicia trabalho autónomo) e os descontos efectuados para a Segurança Social e IRS como trabalhador dependente ou independente.
Daí que não existindo um critério uniforme e seguro que possa ser entendido como aplicável a todas as situações, essa caracterização ou qualificação deverá ser feita caso a caso, não valorizando os indícios de forma atomística, mas antes através de um juízo global, de forma a convencer, ou não, da existência, no caso concreto, da subordinação jurídica do prestador de serviço em relação à entidade a quem é prestado.
Importa ainda ter presente, tendo em vista a resolução da questão, que para determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes, é fundamental averiguar qual a vontade revelada pelas partes, quer quando procederam à qualificação do contrato, quer quando definiram as condições em que se exerceria a actividade e proceder à análise do condicionalismo em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da actividade no âmbito daquela relação jurídica.
Isto é: só em face dos factos apurados, quer quanto à celebração do contrato, quer quanto à forma como o mesmo foi executado, deverá aquele ser qualificado.
Além disso, não se pode olvidar o princípio geral de liberdade de forma na celebração do contrato de trabalho (cfr. artigo 110.º do Código do Trabalho).

Feitas estas considerações genéricas sobre as características do contrato de trabalho e sua distinção com figuras afins, é então o momento de regressarmos ao caso que nos ocupa.
Resulta no essencial da matéria de facto que:
- em 19-10-2009 entre as partes foi celebrado um contrato que denominaram de avença, através do qual o Autor foi admitido ao serviço da Ré para exercer as funções de professor de educação física, competindo-lhe leccionar a disciplina de actividade física e desportiva aos alunos do pré-escolar, 1º ciclo do ensino básico do concelho de Mondim de Basto e apoiar o coordenador das actividades de índole desportiva a desenvolver e promover pela Câmara Municipal – cfr. doc. de fls. 12 e 13, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido;
- competia ao A. leccionar actividades no G…, nomeadamente, “actividade física sénior”, “mexa-se” e “voleibol” e apoiar o coordenador das actividades de índole desportiva a desenvolver e promover pela Câmara Municipal;
- o A. desenvolvia o trabalho sob a supervisão do coordenador D…, que lhe dava indicações sobre a forma como e onde devia trabalhar, tendo-lhe sido dito pelo Presidente da Ré, aquando da celebração do contrato, que deveria obedecer às ordens do coordenador;
- o A. exercia as suas funções sob a supervisão e seguindo as indicações do referido coordenador, o qual para o efeito o contactava diversas vezes por telefone e outras vezes por e-mail, comunicando-lhe ainda para que estivesse presente em determinadas actividades, mesmo ao fim-de-semana;
- o Autor trabalhava 5 dias por semana (de 2ª a 6ª feira), cumpria um horário de 25 horas/semana e auferia a retribuição mensal de € 1.090,59;
- era submetido a um controlo de assiduidade e possuía uma caderneta individual de cada aluno, onde anotava as faltas de cada um e fazia as suas avaliações;
- o local de trabalho do A. era nas várias escolas do pré-escolar e do 1º ciclo do ensino básico do concelho de Mondim de Basto, indicadas pela R., assim como no H… e I… e nas instalações da R;
- os instrumentos de trabalho do A., como bolas, arcos, coletes, sinalizadores, equipamentos, jogos de diversão, rádio gravador, etc., eram da propriedade da R. que sempre lhe forneceu todo o material necessário ao exercício das suas funções;
- o A. faltou ao trabalho por motivo de doença duas vezes, tendo comunicado e justificado as faltas à R.;
- durante o tempo em que prestou a sua actividade para a R., o A. não exerceu funções por conta de outro organismo ou entidade, sendo a remuneração liquidada pela R. a sua única fonte de rendimento;

Ora, em função desta factualidade, temos por adquirido que o contrato que as partes celebraram, embora sob a denominação de “avença” deve ser qualificado como de trabalho.
Com efeito, face à execução do mesmo constata-se que nele se verificam diversos indícios que permitem concluir que o mesmo era realizado no âmbito da organização e sob a autoridade da Ré, isto é, que existia subordinação jurídica: o trabalho era realizado nas instalações da Ré ou em local por ela indicado, os instrumentos de trabalho pertenciam à Ré, recebia indicações sob a forma de realizar o trabalho, estava sujeito a horário de trabalho, caso faltasse tinha que justificar as faltas, auferia uma retribuição certa e trabalhava apenas para a Ré.
Digamos que como facto indiciador de não se tratar de um contrato de trabalho, temos apenas o “nomen juris” atribuído pelas partes ao contrato: contudo, como se viu este é apenas um elemento a atender, sendo que o preponderante para qualificar o contrato é a forma como o mesmo foi executado.

De resto, verifica-se a presunção do artigo 12.º do Código do Trabalho, que não se mostra ilidida.
Como a propósito da presunção se escreveu no Livro Branco das Relações Laborais, 2007, págs. 101 e 102, em face das insuficiências e controvérsias geradas pelas anteriores redacções do artigo 12º do Código de 2003 (a originária e a consagrada na Lei nº 9/2006, de 20/3), “a Comissão preconiza que a presunção legal adopte alguns dos indícios já consagrados pela jurisprudência, que, de acordo com as regras da experiência, correspondam a elementos mais frequentemente verificados nas relações de trabalho subordinado”.
Tal recomendação foi acolhida, dando origem ao normativo inserto no artigo 12º do Código do Trabalho de 2009.
Foi assim intenção do legislador, que o ordenamento jurídico português consagrasse os indícios de laboralidade que a jurisprudência já vinha utilizando.
De acordo com o referido artigo 12.º:
“1. Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador da actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador da actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa”.
Da redacção deste normativo, resulta assim, que, para que esteja preenchida a presunção, mostra-se necessário que estejam reunidos “alguns” dos elementos referidos nas alíneas do n.º 1, o que significa que têm que estar preenchidos pelo menos dois elementos.
Escreve sobre a matéria Leal Amado, (Contrato de Trabalho, 2ª edição, Coimbra Editora, págs. 80-81):
“A lei selecciona um determinado conjunto de elementos indiciários, considerando que a verificação de alguns deles (dois?) [] bastará para a inferência da subordinação jurídica. Assim sendo, a tarefa probatória do prestador de actividade resulta consideravelmente facilitada. Doravante, provando o prestador que, in casu, se verificam algumas daquelas características, a lei presume que haverá um contrato de trabalho, cabendo à contraparte fazer prova em contrário» […] Tratando-se de uma presunção juris tantum (art. 350.º do CCivil), nada impede o beneficiário da actividade de ilidir essa presunção, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho. Mas, claro, o ónus probandi passa a ser seu (dir-se-ia que a bola passa a estar do seu lado, pelo que, não sendo a presunção ilidida, o tribunal qualificará aquele contrato como um contrato de trabalho, gerador de uma relação de trabalho subordinado [].”.
E sobre a mesma matéria e quanto à presunção de laboralidade, afirma Maria do Rosário Ramalho, (Direito do Trabalho, Parte II, 3ª edição, Almedina, págs 48-49):
Esta presunção foi instituída, após sucessivas tentativas [], pelo Código do Trabalho de 2003 (art. 12.º), foi alterada, ainda na vigência deste Código, pela L. n.º 9/2006, de 20 de Março [], e consta agora, como significativas modificações, do art. 12.º do Código do Trabalho de 2009.
A utilidade do estabelecimento desta presunção no Código do trabalho é a inversão do ónus da prova da existência do contrato de trabalho, nos termos do art. 350.º do CC []; na presença dos indícios enunciados no art. 12.º do CT, o trabalhador fica dispensado de demonstrar, nos termos gerais do art. 342.º do CC, que desenvolve uma actividade laborativa retribuída para o empregador e que se encontra numa posição de subordinação, para lograr a qualificação do negócio como um contrato de trabalho [].
Naturalmente, sendo a presunção ilidível, como é de regra, a qualificação laboral do negócio pode ser afastada (art. 350.º, n.º 2 do CC), se o empregador provar a autonomia do trabalhador ou a falta de outro elemento essencial do contrato de trabalho []. Além disso, a presunção não é impeditiva de que o trabalhador possa fazer prova da existência do contrato de trabalho com recurso directo ao art. 11.º da LCT, se não puder fazer valer os requisitos da presunção [].”.

Ora, no caso, como elementos dessa presunção temos o local de trabalho (instalações da Ré ou local por ela indicado), os equipamentos e instrumentos de trabalho (pertencentes à Ré), a observância pelo trabalhador de horário de trabalho e a retribuição certa (€ 1.090,59).
Nesta sequência, o contrato celebrado entre as partes em 19-10-2009, que denominaram de avença, é de qualificar como de trabalho.
E tendo a Ré posto termo ao mesmo com efeitos a 12-02-2010, sem precedência de processo disciplinar é o mesmo de considerar ilícito [artigo 381.º, n.º 1, alínea c), do Código do Trabalho].
As consequências da ilicitude do despedimento encontram-se previstas no artigo 389.º, n.º 1, do mesmo diploma legal: a empregadora deve ser condenada a (a) indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais e (b) reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da Ré, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
No caso, tendo em conta os pedidos formulados pelo Autor, com vista à decisão de cada um deles importa analisar das eventuais consequência da celebração entre as partes, em 30-09-2010, do contrato de trabalho a termo, que produziu efeitos entre 01-09-2010 até 31-08-2011.

4. Das consequências jurídicas do contrato de trabalho a termo no contrato de trabalho anteriormente vigente entre as partes
Quanto aos efeitos e relevância da celebração de um novo contrato de trabalho na vigência de um anterior contrato de trabalho, este tribunal já teve ensejo de se pronunciar.
Fê-lo no acórdão de 08-04-2013, proferido no Processo n.º 1277/10.9TTGMR.P1 (disponível em www.dgsi.pt), convocado na decisão recorrida.
Escreveu-se no referido acórdão: “(…) o n.º 3, do artigo 41.º-A, do D.L n.º 64-A/89 de 27/02, aditado pela Lei n.º 18/2001 de 03/07, dispunha que «sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, é nulo e de nenhum efeito o contrato de trabalho a termo que seja celebrado posteriormente à aquisição pelo trabalhador da qualidade de trabalhador permanente».
No entanto, o C. T. de 2003, bem como o de 2009, não acolheram tal norma.
«Uma parte substancial do artigo 41º-A é amputada: desaparece, desde logo, o seu último número e a proibição de contratar a termo quem já tivesse entretanto adquirido a qualidade de trabalhador contratado por tempo indeterminado»[].
Assim sendo, somos levados a concluir que hoje não existe uma proibição legal de celebração de um contrato a termo por parte do trabalhador já contratado por tempo indeterminado.
Por outro lado, as especificidades do direito laboral não afastam o princípio da liberdade contratual consignado no artigo 405.º, do C.C..
Acresce que, a celebração de um segundo contrato em plena vigência do primeiro, ao contrário do que ficou dito na sentença recorrida, tem a virtualidade de fazer cessar o primeiro, desde logo, «por ser incompatível a subsistência simultânea dos dois contratos» []; trata-se da conversão (por acordo) de um contrato sem termo num contrato a termo [].

No âmbito do Regime da Cessação do Contrato de Trabalho e Contrato a Prazo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27-02 (LCT), na redacção anterior à dada pela Lei n.º 18/2001, de 03-07, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2003 (Proc. n.º 4673/02, com sumário disponível em www.stj.pt) pronunciou-se expressamente que caso as partes celebrassem um contrato a termo na vigência de um contrato sem termo, este se tinha por revogado.
Escreveu-se no sumário do referido acórdão:
“(…) II – Celebrado entre as partes por escrito, em 01-11-95, um novo contrato de trabalho a termo, é de considerar que o contrato de trabalho sem termo deixou de valer, por incompatível com aquele que consta do documento escrito, forma legalmente exigível para a revogação do anterior, preenchendo a exigência formal do art.º 8, n.º 1 da LCCT, ainda que não mencione o contrato revogado.
III – Ainda que se considerasse não haver escrito de acordo revogatório do contrato sem termo, estaríamos perante dois contratos de trabalho sucessivos, um sem termo e outro a termo certo, incompatíveis, sendo que o posterior (a termo certo) pôs fim ao mais antigo (sem termo), revogando-o. (…)”.
Porém, com o aditamento do artigo 41.º-A, introduzido naquele diploma legal pela Lei n.º 18/2001, de 03-07, estabeleceu-se no n.º 3 daquele normativo que “(…) é nulo e de nenhum efeito o contrato de trabalho a termo que seja celebrado posteriormente à aquisição pelo trabalhador da qualidade de trabalhador permanente”.
Passou, pois, a cominar-se com nulidade a celebração de um contrato a termo celebrado na pendência de uma relação de trabalho permanente entre as mesmas.
Ora, esta estatuição legal, encontra-se ausente quer do Código do Trabalho de 2003, quer do Código do Trabalho de 2009.
Por isso, pergunta-se: é admissível no âmbito do actual Código do Trabalho a celebração de um contrato a termo nas circunstâncias descritas?
Entendemos que sim, com dois fundamentos essenciais; por um lado, como se viu, a lei não impede, ao menos expressamente, a celebração desse contrato; por outro, dir-se-á que o princípio da liberdade contratual permite às partes fixar livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo dos contratos, o que significa que poderão não só revogar um contrato como proceder à sua conversão.
Como escreve Alice Pereira de Campos (Contrato de Trabalho a Termo, Universidade Católica Editora, pág. 34), “[o] que subjazia a esta proibição [de celebração de um contrato a termo na vigência de um contrato por tempo indeterminado] era impedir a celebração de um contrato de trabalho a termo com um intuito fraudulento, nomeadamente nos casos em que o empregador solicitava ao trabalhador a assinatura do contrato a termo já após o início da execução do mesmo. Ora, neste sentido, os trabalhadores já encontram os seus interesses salvaguardados na al. a) do n.º 1 do art. 147.º CT, nos termos do qual se considera sem termo o contrato de trabalho em que a estipulação do termo tenha por fim iludir as disposições legais que regulam os concretos sem termo.”.

Deste modo, acolhendo-se o entendimento que, em sede teórica, é admissível a celebração de um contrato de trabalho a termo na vigência de um contrato por tempo indeterminado, com as consequências jurídicas daí decorrentes, vejamos o caso em apreço.
O Autor intentou a presente acção em 12-04-2010, em que peticionou, entre o mais, a ilicitude do despedimento e a reintegração no posto de trabalho.
Na pendência do processo, em 28-09-2010, por altura da celebração do contrato de trabalho a termo, em que o Autor passou a exercer idênticas funções às que tinha exercido no âmbito do contrato em litígio nos autos, as partes vieram requerer a suspensão da instância porque teriam chegado a acordo nos autos, que faltava formalizar.
E em 07-09-2011, escassos dias após a cessação do contrato de trabalho a termo, o Autor veio requerer o prosseguimento dos presentes autos.
Ou seja, numa sucessão cronológica, o contrato denominado de avença cessa em 12de Fevereiro de 2010, em 12 de Abril seguinte o Autor intenta a presente acção, em 28 de Setembro do mesmo ano, antes da apresentação da contestação, as partes vêm requerer a suspensão da instância porque teriam chegado a acordo, que faltava formalizar, no dia 30 de Setembro celebram um contrato de trabalho a termo a que atribuem efeitos ao dia 1 desse mês, tendo no âmbito do mesmo o Autor exercido as funções de professor de educação física que exercera anteriormente, e findo esse contrato em 31 de Agosto de 2011, veio o Autor, em 7 de Setembro seguinte, requerer o prosseguimento dos autos.
Ora, as partes ao celebrarem o contrato de trabalho a termo vincularam-se em termos incompatíveis com parte do que o Autor pretendia nesta acção: se nesta acção o trabalhador pede a reintegração na empresa e se por virtude do contrato de trabalho a termo (cuja validade e eficácia não vem posta em causa) passa a trabalhar na empresa, existe uma incompatibilidade entre aquele pedido e a realidade ocorrida.
Certamente por isso as partes pediram a suspensão da instância, afirmando que tinham chegado a acordo e só após a cessação do contrato a termo o Autor vem pedir o prosseguimento dos autos.
Digamos que, face aos factos ocorridos e à tramitação processual, a parte parece pretender a suspensão da vigência do contrato em litígio durante o período em que vigorou o contrato a termo, após o que aquele retomaria a sua vigência.
Contudo, não se afigura que tal tenha arrimo na lei.
Se, como se afirmou, as partes podem celebrar um contrato de trabalho a termo na vigência de um contrato sem termo, no caso tal só pode significar que as partes entenderam a partir daí convertido esse contrato por tempo indeterminado em contrato a termo, ou, então, tacitamente revogado o contrato sem termo; entendimento, de resto, reforçado, pela afirmação das partes, por alturas da celebração do contrato de trabalho a termo, de que tinham chegado a acordo para pôr termo à acção, e pela posição assumida pelo Autor, que apenas requereu o prosseguimento dos autos após a cessação deste último contrato, que durou 12 meses.
Poder-se-ia eventualmente objectar que tendo o contrato em litígio cessado em 12-02-2010, aquando da celebração ou início da vigência do contrato de trabalho a termo, aquele não estava em execução, pelo que não se poderia concluir pela conversão ou revogação do mesmo.
Afigura-se, todavia, que pedindo o Autor as consequências da ilicitude da cessação desse anterior contrato, maxime, a reintegração na empresa e o pagamento das retribuições intercalares, por força da lei terá que se ficcionar essa vigência, o que se traduz, tendo em conta o pedido e o que decorre da lei, na subsistência do contrato, mantendo-se a situação jurídica com a configuração que teria se o despedimento não tivesse ocorrido e, portanto, se a prestação de trabalho continuasse a ser normalmente executada.
Dito de outro modo: tendo em conta os pedidos formulados e a cessação (ilícita) do contrato ficciona-se a sua vigência em 1 de Setembro de 2010.
Por isso, quando as partes celebraram, em 30-09-2010, o contrato de trabalho a termo, com data do início de vigência em 01-09-2010, converteram o anterior contrato em contrato a termo, ou revogaram tacitamente, desde esta última data, o contrato em litígio nos autos.
Já quanto aos efeitos passados deste contrato, anteriores a 01-09-2010, ou seja, desde a cessação (ilícita) por comunicação da empregadora até à conversão ou revogação do contrato, ter-se-ão que manter na medida em que não se extrai do circunstancialismo fáctico que com a celebração e vigência do novo contrato as partes quisessem também regular os efeitos passados do anterior.

Face a tal conclusão poder-se-á colocar a questão de saber se o Autor ao prosseguir a presente acção após a vigência e cessação do contrato de trabalho a termo não estará a agir em abuso de direito.
Decorre do artigo 334.º do Código Civil, que o abuso do direito consiste no exercício ilegítimo de um determinado direito, traduzindo-se a ilegitimidade em actuação, por parte do respectivo titular, que manifestamente exceda os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito.
Para que o exercício do direito seja considerado abusivo, não basta, pois, que cause prejuízos a outrem; é necessário que o titular exceda, visível, manifesta e clamorosamente, os limites que lhe cumpre observar, impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito, de tal modo que o excesso, à luz do sentimento jurídico socialmente dominante, conduz a uma situação de flagrante injustiça.
Dito ainda de outro modo: para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade; quando esses limites decorrem do fim económico e social do direito impõe-se apelar para os juízos de valor positivo consagrados na própria lei (Antunes Varela, das Obrigações em Geral, 10.ª edição, pág. 544 e segts.).
A manifestação mais evidente do abuso do direito é a chamada conduta contraditória (venire contra factum proprium) em combinação com o princípio da tutela da confiança (exercício dum direito em contradição com uma conduta anterior em que a outra parte tenha confiado, vindo esta com base na confiança gerada, e de boa fé, a programar a sua vida e a tomar decisões).
Pois bem: no caso, sendo certo que as partes chegaram a afirmar no processo que teriam acordado para pôr termo ao litígio, não o é menos que tal acordo carecia de formalização nos autos; além disso, a circunstância da parte ter celebrado um contrato de trabalho a termo, que executou, não é impeditivo de, tendo em conta a interpretação jurídica da mesma parte, poder peticionar direitos decorrentes de um contrato anterior.
Já quanto a um eventual abuso do direito em relação aos efeitos do contrato sem termo após a celebração do contrato a termo, a questão mostra-se prejudicada face à conclusão a que se chegou supra, ao fim e ao resto, no sentido da conversão ou revogação desse contrato.
Nesta sequência, segundo se entende, não pode concluir-se que o prosseguimento dos autos por parte do Autor, após a vigência do contrato de trabalho a termo e em relação ao peticionado até ao início dessa vigência, configure abuso de direito.

Tendo em conta tal conclusão supra – de conversão ou revogação do anterior contrato por virtude da celebração do contrato de trabalho a termo – analisemos agora os pedidos formulados na presente acção.
O Autor peticionou desde logo que se declare que entre as partes vigorou um contrato de trabalho por tempo indeterminado e que foi ilicitamente despedido.
Em relação a tais pedidos, face ao que se deixou afirmado supra (sob n.º 3) é de declarar os mesmos procedentes.
Porém, o mesmo já não se verifica quanto às peticionadas consequências dessa ilicitude.
Assim, pedindo o Autor a reintegração na empresa, tal não é possível, pois, como se analisou e decidiu, com a celebração do contrato de trabalho a termo considera-se tacitamente convertido ou revogado o contrato dos autos.
O mesmo se verifica quanto ao pagamento da sanção pecuniária compulsória: não se verificando reintegração, não pode haver lugar àquela.
Quanto ao pagamento das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão (artigo 390.º, n.º 1), como decorre da análise efectuada supra, apenas poderá haver lugar ao pagamento dessas retribuições desde 13-03-2010 [já que tendo o despedimento ocorrido em 12-02-2010, a acção apenas foi proposta em 12-04-2010 (cfr. n.º 2, alínea b) do artigo 390.º)] até à conversão do contrato sem termo, ou cessação (por virtude da revogação tácita), em 31-08-2010, já que em 01-09-2010 se iniciou a vigência do contrato de trabalho, como contrato a termo.
Assim, contabilizando as retribuições (incluindo férias, subsídio de férias e de Natal) que o trabalhador deixou de auferir desde 13 de Março de 2010 até 31 de Agosto de 2010, obtém-se o valor total de € 7.663,14 (€ 668,43 de Março de 2010 + € 5.452,95 de Abril a Agosto de 2010 + € 1.541,76 de férias, subsídio de férias e de Natal – artigos 258.º, 263.º, n.º 2, 264.º, n.º 1 e 2 e 245.º,n.º 1, b) do Código do Trabalho).
A tal quantia deve ser deduzido no entanto, e por força da lei, o subsídio de desemprego de que, porventura, o Autor haja beneficiado durante aquele período, que a Ré deve entregar à Segurança Social [cfr. artigos 389.º, n.º 1 a) e 390º n.ºs 1 e 2, alíneas b) e c), ambos do Código do Trabalho].
Anote-se que acolhemos a interpretação que conclui que a dedução do subsídio de desemprego é matéria de conhecimento oficioso, pois trata-se de uma prestação do Estado, substitutiva da retribuição, que, uma vez recuperada, tem de ser devolvida à Segurança Social, não redundando por isso num qualquer benefício para o empregador (vide, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2012, Recurso n.º 154/06.2TTMTS-C.P1.S1 - 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt).
Sobre a quantia em causa são devidos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, tal como peticionado (artigos 804.º, 805.º, n.ºs 1 e 806.º, todos do Código Civil).

O trabalhador peticiona também o pagamento da indemnização de € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais.
De acordo com a factualidade que assente ficou:
- com a carta em que lhe foi comunicada a cessação do contrato, o A. sentiu um profundo choque, ficou desanimado, ansioso e angustiado, dada a dificuldade de encontrar emprego nesta área de actividade, em particular no concelho de Mondim de Basto, onde pretende residir e trabalhar (n.º 15);
- ficou triste por deixar de fazer aquilo de que tanto gosta e sentiu-se desconsiderado e desrespeitado, o que o desanimou e causou-lhe abatimento (n.º 16).

Antes de mais, tenha-se presente que a obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais tem como pressupostos fundamentais, o facto ilícito, o dano, a culpa e o nexo de causalidade (artigo 483.º, do Código Civil).
Decorre do disposto no artigo 496.º, do mesmo compêndio legal, que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Como a doutrina e a jurisprudência têm afirmado, a gravidade do dano deve medir-se por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, e não em função de factores subjectivos, donde que os vulgares incómodos, contrariedades, transtornos, indisposições, por não atingirem um grau suficientemente elevado, não conferem direito a indemnização; isto é, não basta a verificação de um qualquer dano não patrimonial para justificar o pagamento de indemnização, impondo-se que o mesmo revista gravidade. “A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado” (Antunes Varela, “Das Obrigações em geral”, volume I, 4.ª edição, Almedina, página 532).

No caso em apreciação, o quadro descrito evidencia a existência efectiva de dano não patrimonial; todavia, segundo se entende, já não evidencia um dano com gravidade que justifique indemnização.
Na verdade, por um lado, importa atentar que sendo embora a cessação do contrato ilícita, não foi algo que ocorreu de modo totalmente imprevisto, tendo em contra que o contrato ao abrigo do qual o Autor foi admitido foi denominado de “avença” e nele se previu expressamente que era válido até estar findo o processo de contratação por tempo indeterminado (fls. 12 e 13); por outro, o que se extrai da referida factualidade é que o Autor com o “despedimento” – acto ilícito da Ré – sofreu as consequências normalmente inerentes a quem perde o emprego (situação, infelizmente, muito comum): perda de retribuição, tristeza, desânimo e angústia quanto ao futuro.
Ora, todo este circunstancialismo descrito, não evidencia um dano que assuma gravidade e que justifique, no dizer da lei, a tutela do direito e, assim, uma indemnização.
Nesta sequência, entende-se que não se justifica a fixação de indemnização por danos não patrimoniais.
Assim, e em síntese: deve declarar-se que o contrato que as partes celebraram em 19-10-2009 é de qualificar como contrato de trabalho, que o Autor foi ilicitamente despedido em 12-02-2010 e que tem direito às retribuições desde 13-03-2010 (30 dias antes da propositura da acção) até 31-08-2010 (tendo em conta que o contrato foi tacitamente revogado ou convertido em 01-09-2010 por virtude do início da vigência de um contrato de trabalho a termo celebrado em 30-09-2010).

Vencidas, deverá cada uma das partes suportar o pagamento das custas, em ambas as instâncias, na proporção do respectivo decaimento, que se entende fixar em 7/10 para o Autor/recorrente e em 3/10 para a Ré/recorrida (artigo 527.º, do Código de Processo Civil).
Isto, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido àquele.

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em:
1. Revogar a sentença recorrida;
2. Alterar a matéria de facto, nos termos constantes supra;
3. Declarar que entre as partes foi celebrado em 19-09-2009 um contrato de trabalho, ao qual foi posto termo pela Ré, de forma ilícita, em 12-02-2010;
4. Condenar a Ré C…, Lda. a pagar ao Autor B… a título de retribuições vencidas desde 13-03-2010 a 31-08-2010, a quantia de € 7.663,76, a que deve ser deduzido o subsídio de desemprego de que, porventura, o Autor haja beneficiado durante aquele período e que a Ré deve entregar à Segurança Social, sendo aquela quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
5. No mais, julga-se a acção improcedente, absolvendo-se a Ré dos pedidos.
Custas em ambas as instâncias, pelo recorrente e pela recorrida, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 7/10 para aquele e em 3/10 para esta, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido ao recorrente.

Porto, 09 de Julho de 2014
João Nunes
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
____________
Sumário elaborado pelo relator (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
(i) não se verifica a nulidade da sentença por excesso de pronúncia se estando em causa na acção a qualificação de um contrato, alegadamente de trabalho por tempo indeterminado, celebrado entre as partes e as suas consequências jurídicas, o tribunal aprecia um contrato de trabalho a termo celebrado posteriormente e junto aos autos, por entender que este é indispensável para decidir os pedidos formulados na acção;
(ii) a falta injustificada de uma das partes a julgamento e sua não representação por mandatário judicial tem como consequência que se considerem confessados os factos alegados pela outra parte, que sejam pessoais do faltoso.
(iii) no âmbito do CT/2009 é admissível a celebração de um contrato de trabalho a termo na vigência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, uma vez que não só a lei do trabalho não o impede, como o princípio da liberdade contratual permite às partes fixar livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo dos contratos, o que significa que poderão não só revogar um contrato como proceder à sua conversão;
(iv) por isso, tendo em 12-04-2010 o Autor proposto acção a pedir que se declare que o contrato que celebrou com a Ré em 19-10-2009 seja declarado como de trabalho e ilícito o despedimento em 12-02-2010, com as consequências legais daí decorrentes, tendo, entretanto, em 01-09-2010 se iniciado uma relação de trabalho entre as partes no âmbito de um contrato de trabalho a termo que celebraram em 30-09-2010, o Autor apenas tem direito por virtude da declaração de ilicitude do despedimento às retribuições vencidas desde 30 dias antes da propositura da acção até à data em que se converteu, ou iniciou, a relação de trabalho no âmbito do referido contrato a termo, mas já não à reintegração na empresa empregadora.

João Nunes