Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
99372/17.8YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FREITAS VIEIRA
Descritores: PRESCRIÇÃO
SERVIÇOS ESSENCIAIS
CLÁUSULA PENAL
OBRIGAÇÃO DE JUROS
Nº do Documento: RP2018101199372/17.8YIPRT.P1
Data do Acordão: 10/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: INJUNÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º146, FLS.173-179)
Área Temática: .
Sumário: I - A prescrição do direito ao pagamento do preço de serviços essenciais - n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho – não tem aplicação ao direito do valor da cláusula penal uma vez que a acessoriedade que lhe é característica é estabelecida em relação ao crédito de indemnização pela quebra do vínculo de fidelização e não em relação à obrigação de pagamento do preço dos serviços prestados.
II – Também no que concerne ao crédito de juros não tem aplicação prescrição do direito ao pagamento do preço de serviços essenciais- n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho. No entanto, prescrita a dívida de capital, nunca mais ela vencerá juros. Os efeitos da prescrição da dívida de capital contam-se no entanto, não a partir da sua invocação mas da data em que o prazo prescricional se completou, pelo que prescrito o crédito de capital, podem exigir-se os correspondentes juros de mora vencidos até ao momento em que se completou o prazo de prescrição do crédito de capital, desde que não haja decorrido o prazo prescricional de 5 anos previsto no artigo 310º, alínea d), do CC.
III – A pesar de não serem obrigações decorrentes da responsabilidade civil contratual, não sendo como tal obrigações pecuniárias emergentes diretamente do contrato, consideram-se abrangidas no regime legal aprovado pelo DL 269/98 de 1/09 as obrigações de juros e as respeitantes às despesas tidas com a cobrança da dívida desde que no seu cômputo global o valor peticionado se contenha no limite de €15.000,00 previsto no artº 1º daquele diploma legal..
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO N.º 99372/17.8YIPRT.P1
Relator: Desembargador Freitas Vieira
1º Adjunto: Desembargador Madeira Pinto
2º Adjunto: Desembargador Carlos Portela

ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

B…, SA, veio em requerimento de injunção reclamar da requerida C…, Unipessoal, Lda., o pagamento da quantia de 6.750,76€, sendo a quantia de €5.718.00 a título de capital de €437.59 e de €595,01 referentes a custos administrativos e internos associados à cobrança da dívida - “outras quantias”.

A Ré C… Unipessoal, Lda deduziu oposição em que, além do mais, excecionou a prescrição do direito ao pagamento pelos serviços faturados, e a caducidade do direito à cláusula penal, defendendo-se quanto ao mais por impugnação parcial dos factos alegados.

Prosseguindo os autos como processo declarativo, a autora veio responder à matéria das exceções, seguindo-se decisão, proferida na fase de saneamento, em que, fixada a matéria de facto assente, se considerou prescrito o direito ao recebimento, quer do capital respeitante aos serviços prestados, quer ao recebimento da cláusula penal, considerando igualmente prescrito o direito ao recebimento dos juros.
Quanto à peticionada quantia de €595,01 considerou-se que não foi feita prova do seu dispêndio. E que, em qualquer caso o meio processual para obtenção do pagamento de quantias que não tenham na sua base uma relação contratual, não é a da ação prevista no D.L. 269/98, pelo que não sendo admissível a formulação deste pedido nestes autos.
Concluiu julgando a ação improcedente e absolvendo a ré C…, Unipessoal, Lda. de todos os pedidos contra ela formulados.
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Não conformada recorre a autora B…, SA, sustentando, em síntese das correspondentes alegações de recurso, as seguintes CONCLUSÕES
1. A sentença recorrida considerou caduca/prescrita a cláusula penal, prescritos os juros de mora e absolveu do pedido em relação às outras quantias, por erro de forma.
2. Porém, não só não está caduca ou prescrita a cláusula penal nem os juros, como não decorre da lei civil - muito pelo contrário - disposição que estabeleça que os créditos resultantes do mesmo contrato prescrevam em igual prazo. Antes se estabelecem prazos de prescrição distintos.
3. Acresce que a teoria da acessoriedade não confere fundamento à sentença; nem a cláusula penal peticionada é acessória da obrigação de pagamento do preço.
4. Em relação aos juros de mora, dispõe o art.º 310º, alínea d) do Código Civil que “Prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais…”.
5. Mais, consagra o art.º 561º do mesmo diploma a autonomia do crédito de juros:
“Desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro.”.
6. Uma vez constituído o crédito de juros, este autonomiza-se da obrigação de capital.
7. À data da injunção não se encontrava ultrapassado o prazo de prescrição estabelecido no art.º 310, alínea d) do CC para os juros de mora.
8. Em relação à cláusula penal, confundiu a sentença recorrida a natureza da cláusula penal com o critério de fixação do seu valor, porquanto:
9. Reconheceu o Tribunal a quo a Recorrente peticionou uma cláusula penal, estabelecida com a celebração dos contratos para o incumprimento do seu período de permanência.
10. Ainda assim, decidiu-se pela aplicação, ora da caducidade, ora do prazo de prescrição previsto no art.º 10º da Lei 23/96, por referência á prescrição do preço do serviço prestado - o que se afigura um contrassenso.
11. “Preço dos serviços” e “cláusula penal” são questões distintas na sua essência.
12. Não se aplicam à cláusula penal os motivos que determinaram a estipulação do prazo de prescrição previsto na Lei 23/96, uma vez que (i) o utente dispõe, desde a celebração do contrato, de todas as condições para saber exatamente, qual é o montante que terá de suportar caso incumpra o período de fidelização, (ii) a obrigação constitui-se num momento único e por efeito de um comportamento único, pelo que evitá-la não é evitar um acumular de dívidas, é impedir a sua constituição.
13. Não existindo, relativamente à prescrição, disposição legal prevista para a cláusula penal, se o Legislador não a excecionou do regime geral do art.º 309º do CC, não poderá tal regime deixar de lhe ser aplicável.
14. A aplicação, à cláusula penal, do prazo ordinário de prescrição e 20 anos constitui jurisprudência dominante nos Tribunais superiores – cfr, nomeadamente, processo 2360/06.0YXLSB.L1-76:
- “Ao abrigo da autonomia da vontade é permitido às partes estipularem, por acordo, uma cláusula penal prevenindo a hipótese do incumprimento do vínculo de fidelização firmado (artigo 810º, nº 1, do Código Civil);
O direito ao recebimento dessa indemnização (da quantia estipulada como cláusula penal) não está sujeita à prescrição de seis meses… mas antes ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos (artigo 309º do Código Civil).”
15. Em relação às “outras quantias”, ainda que o pedido do referido montante através de injunção não configure qualquer erro de forma, a verificação de tal erro não determina a absolvição do pedido.
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão proferida nos presentes autos – violou:
i) quanto à decisão de caducidade e prescrição:
- a teoria da acessoriedade;
- o art.º 10 da lei 23/96, de 26.07;
- os art.ºs 309º, 310º alínea d) e 561º, todos do CC;
ii) quanto à decisão de erro de forma e absolvição do pedido para as “outras quantias”:
- os art.ºs 193º, 278º n.º 1 alínea e) e 576º n.º 2, todos do CPC.
Deverá, pois, a decisão proferida ser declarada nula e substituída por outra que julgue tempestivamente reclamada a dívida da Recorrente em relação aos juros de mora e cláusula penal; e admita as “outras quantias” peticionadas, por não constituir erro de forma a sua inclusão na injunção.
Nestes termos e nos demais de direito, que doutamente se suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida.
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Na resposta às alegações veio a Ré pugnar pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
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Objeto do recurso:
- Prescrição da cláusula penal;
- Prescrição dos juros;
- Efeito do erro na forma de processo no que concerne ao pedido de pagamento de “outras quantias” para além das contratualmente exigíveis
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A sentença recorrida não foi impugnada no que concerne aos factos tidos como assentes, e que são os seguintes:
A)
A autora celebrou com a réu dois contratos de prestação de bens e serviços de telecomunicações em 4.9.2008 e 7.7.2014 e aos quais foram atribuídos os seguintes números ………. e ………, respetivamente
B)
Tendo a autora se obrigado a prestar o serviço, no plano tarifário escolhido pela ré e esta a proceder ao pagamento das faturas.
C)
No âmbito dos referidos contratos a autora emitiu, as seguintes faturas:
- FT ……/….., emitida em 7.10.2016, com vencimento em 27.10.2016, no valor de €4.629,36, referente a ao período de faturação de 01.09.2016 a 30.9.2016 e valor de cláusula penal (€3421.60 acrescido de IVA);
- FT ……/……, emitida em 8.11.2016, com vencimento em 28.11.2016, no valor de €209.98, referente ao período de faturação de 1.10.2016 a 31.10.2016;
- FT……/……, emitida em 9.12.2016, com vencimento em 29.12.2016, no valor de €208.12 , referente ao período de faturação de 1.11.2016 a 30.11.2016;
- FT ……/……, emitida em 6.1.2017, com vencimento em 26.1.2017, no valor de €208.12, referente ao período de faturação de 1.12.2016 a 31.12.2016;
- FT ……/……, emitida em 6.2.2017, com vencimento a 26.2.8.2017, no valor de €128,56 referente ao período de faturação de 1.1.2017 a 31.1.2017;
- F……….. emitida em 10.9.2016, com vencimento a 1.10.2016, no valor de €108,05 referente ao período de faturação setembro de 2016;
- F……….. emitida em 9.10.2016, com vencimento a 1.11.2016, no valor de €104,06 referente ao período de faturação outubro de 2016;
- F……… emitida em 9.11.2016, com vencimento a 1.12.2016, no valor de €104,06 referente ao período de faturação novembro de 2016;
- F ……... emitida em 10.12.2016 , com vencimento a 1.1.2017, no valor de €17.85 referente ao período de faturação dezembro de 2016.
D)
A ação foi instaurada em 18.10.2017
E)
A ré foi citada em 30.10.2017.

Para além desses factos assim tidos como provados será ainda considerado, por resultar admitido por acordo – artº 607º, nº 4, segunda parte, do CPC – o seguinte:
- No âmbito dos referidos contratos o Requerido obrigou-se a efetuar o pagamento tempestivo das faturas e a manter os contratos pelo período neles fixado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento à Requerente, a título de cláusula penal do valor relativo à quebra do vínculo contratual.
- Por carta de 09-11-2016 a autora comunicou à ré que o prazo de pagamento dos valores em dívida era “estendido” por mais 30 dias, com início na data da referida carta, ultrapassado o qual os serviços contratados seriam totalmente suspensos, como previsto na Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro.
- A Requerente obrigou-se a prestar o serviço, no plano tarifário escolhido pelo Requerido, e este obrigou-se a efetuar o pagamento tempestivo das faturas e manter o contrato pelo período neles fixado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento à Requerente, a título de cláusula penal do valor relativo à quebra do vínculo contratual, correspondente ao somatório das mensalidades devidas, desde a data do incumprimento até ao final da respetiva permanência.
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I
Através da Lei 23/96, de 23/1996, posteriormente alterada pela Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro, e pela Lei n.º 24/2008, de 2 de Junho, o legislador teve em vista proteger o consumidor final - por estarem em causa serviços essenciais - contra a acumulação de dívidas de fácil contração, evitando que se vissem confrontados com a exigência de débitos acumulados que dificilmente poderiam pagar, obrigando consequentemente os prestadores de serviços a manter uma organização que permita a cobrança em momento próximo do correspondente consumo.
A conjugação do disposto na referida Lei 23/96, com o regime geral da prescrição, suscitou entendimentos doutrinários e jurisprudenciais divergentes, que foram no essencial ultrapassadas depois de o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2010, de 3 Dezembro de 2009 (DR 21 Janeiro) ter vindo uniformizar jurisprudência no sentido de que, que nos termos do disposto na redação originária do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, o direito ao pagamento do preço de serviços essenciais prescrevia no prazo de seis meses após a prestação desses serviços.
E foi esse o entendimento seguido na sentença recorrida quanto à dívida de capital concernente aos serviços de telecomunicações faturados pela autora à ré, sendo que nesta parte a decisão não vem impugnada no recurso interposto.

Subsiste no entanto a discordância relativamente ao decidido quanto à aplicação daquele prazo prescricional em relação quer à cláusula penal convencionada pela quebra do acordo de fidelização, quer aos juros de mora peticionados.

No que concerne aos efeitos da referida prescrição em relação à cláusula penal verifica-se uma clara divisão da jurisprudência em duas orientações principais.
A seguida pela Ré, e acolhida na sentença recorrida, que, louvando-se nos ensinamentos do Prof. Pinto Monteiro [1] relativamente à característica da acessoriedade da cláusula penal relativamente à obrigação cujo inadimplemento sanciona, concluem que prescrita a obrigação principal a cláusula penal caducaria [2].
Uma outra posição, sufragada pela recorrente, sustentando o entendimento de que a cláusula penal não é acessória da obrigação de pagamento do preço, mas antes da obrigação de manutenção do vínculo contratual, em função do qual foram disponibilizados, em condições especiais e vantajosas para o cliente, diversos equipamentos de telefone móveis, não lhe sendo por isso aplicável o prazo de prescrição previsto no nº 1, do artº 10º, da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, mas o prazo geral de prescrição de vinte anos previsto no artº 309º, do Código Civil [3], em virtude de estar em causa a indemnização por responsabilidade contratual.

Corroborando este último entendimento entendemos que efetivamente haverá que distinguir entre o crédito do preço pelo serviço de telecomunicações prestado, e o crédito de indemnização pela quebra do vínculo de fidelização contratualmente estabelecido. E nesse contexto temos para nós evidente que a cláusula penal, que tem em vista o estabelecimento de uma pena pelo incumprimento, se refere a este último crédito – indemnização pela quebra do vínculo de fidelização contratualmente assumido - e não ao crédito do pagamento do preço dos serviços prestados. E assim sendo a acessoriedade que é característica da cláusula penal é estabelecida em relação ao crédito de indemnização pela quebra do vínculo de fidelização, não podendo por isso invocar-se o vínculo da acessoriedade à obrigação principal para extrair da prescrição do direito ao preço pelo serviço de telecomunicações prestado, a caducidade da cláusula penal convencionada.
Considera-se como tal procederem neste particular as objeções da recorrente, pelo que a sentença não poderá subsistir enquanto considera caducado o direito a exigir a cláusula penal em virtude da prescrição da obrigação principal.
Isto dito.
Em termos de cláusula penal dispõe o n.º 1 art. 810.º, do C.C., que as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível, consistindo nisso a cláusula penal.
No caso dos autos está provado que a autora celebrou com a réu dois contratos de prestação de bens e serviços de telecomunicações em 4.9.2008 e 7.7.2014, aos quais foram atribuídos os números ……… e ………, respetivamente (A).
Mas nada mais está provado que permita ter como exigível qualquer valor a título de cláusula penal.
É certo que, a partir do alegado pela autora e da não impugnação nessa parte, considerou-se ainda como assente que no âmbito dos referidos contratos o Requerido se obrigou a manter os contratos pelo período neles fixado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento à Requerente, a título de cláusula penal do valor relativo à quebra do vínculo contratual.
Foi ainda possível estabelecer como assente que -“ Por carta de 09-11-2016 a autora comunicou à ré que o prazo de pagamento dos valores em dívida era “estendido” por mais 30 dias, com início na data da referida carta, ultrapassado o qual os serviços contratados seriam totalmente suspensos, como previsto na Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, e consequentemente tido como automaticamente findo aquele período de 30 dias de suspensão sem que o consumidor tenha procedido ao pagamento da totalidade dos valores em dívida – nº 7 do artº 52º da referida Lei.
Mas nada mais foi possível estabelecer em termos de cláusula penal.
Desde logo não foi tido como provado, nem foi possível estabelecer como assente por não ter sido alegado, qual o prazo de duração obrigatória fixado nos contratos, não tendo a autora providenciado pela junção aos autos documento – contrato – de onde o mesmo constasse.
Acresce que de acordo com o alegado pela autora e com os documentos juntos - a Fatura n.º FT ……/……, no valor de €4629.36, emitida em 07.10.2016 e vencida em 27.10.2016, em que se encontra incluído o valor de €3421.60 a título de cláusula penal, acrescido de IVA – a cláusula penal exigida respeita ao contrato número ………. que, nos termos que vem dados como provados, foi celebrado em 4.9.2008. Assim que, tendo a ação sido instaurada em 18.10.2017, e a ré citada em 30.10.2017, os factos apurados são insuficientes para que se possa concluir que, ao dar origem à resolução do contrato em Dezembro de 2016 a ré violou o período de fidelização acordado. Não pode por isso considerar-se como sendo devida a quantia faturada a título de cláusula penal, pelo que nessa parte, ainda que por fundamento diverso, irá manter-se a decisão absolutória constante da sentença recorrida.
II
No que concerne à dívida de juros entendeu-se na sentença recorrida que o art. 10.º, n.º 1 da Lei n.º 23/96, de 26 de julho não permite distinguir entre quantias em dívida relativas ao serviço prestado, tout court, e quantias devidas a outro título.
Não cremos que assim seja.
Desde logo porque o referido normativo, ao prever o prazo semestral de prescrição refere-se expressamente apenas ao “direito ao recebimento do preço do serviço prestado”.
Por outro lado, se é certo que obrigação de juros tem na sua origem uma obrigação de capital, sem a qual não se concebe o seu surgimento, uma vez constituído o crédito de juros, este autonomiza-se da obrigação de capital. Com efeito uma vez constituído, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro, conforme se infere do disposto no art.º 561º do CC.
Esta posição tem acolhido o apoio maioritário da jurisprudência[4]. Por sua vez na doutrina Antunes Varela [in Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª ed., págs. 903-904, sublinha ser “ perfeitamente possível, por outro lado, que se extinga por qualquer causa o crédito principal, e persista o crédito dos juros vencidos, ou que, inversamente, se extinga este último e se mantenha íntegro o primeiro.”
No mesmo sentido Vaz Serra quando, reportando-se precisamente à situação da prescrição do crédito de capital, refere que essa prescrição não implica forçosamente a prescrição do crédito de juros, que poderá manter-se como dívida autónoma, sendo-lhe aplicável prazo prescricional próprio[5]. Tratando-se de direitos de crédito distintos cada um deles está sujeito à sua prescrição própria – o direito ao capital ao prazo de seis meses (artigo 10º, n.º 1, da Lei 23/96), e o direito aos juros ao prazo de 5 anos (artigo 310º, alínea d), do CC).
É claro que, prescrita a dívida de capital, nunca mais ela vencerá juros.
No entanto haverá também de atender-se a que os efeitos da prescrição se contam, não a partir da sua invocação mas da data em que o prazo prescricional se completou, conforme sustentado por Vaz Serra (obra e local citados).
Assim prescrito o crédito de capital, podem exigir-se os juros correspondentes vencidos até ao momento em que se completou o prazo de prescrição do crédito de capital, e desde que de há menos de 5 anos.
Vale por dizer, no que aos autos concerne, que na medida em que as faturas emitidas começaram a vencer juros desde a data do respetivo vencimento e até ao momento em que , em relação a cada uma das faturas, se completou o prazo semestral de prescrição, sendo como tal devidos seis meses de juros sobre cada uma das quantias faturadas.
Por outro lado tendo o vencimento dessas faturas ocorrido há menos de 5 anos, não se verificou em relação a esses créditos de juros, o decurso do prazo prescricional de cinco anos previsto na alínea d) do artº 310º do CC, não prescreveram, sendo como tal exigíveis.
Irá como tal alterar-se nesse sentido a decisão recorrida.
III
Peticionava ainda a autora, no seu requerimento de injunção o pagamento de “ Outras quantias: €595,01 Taxa de Justiça paga: €153,00.”
A esse respeito refere-se na sentença recorrida que “Ainda que a autora lograsse provar o dispêndio da quantia de €595,01 em custos administrativos e internos associados à cobrança dos pagamentos não poderia proceder a pretensão da autora” sustentando o entendimento de que “A via processual para obtenção de uma quantia despendida – para além do que seria exigido num âmbito de uma relação contratual – não é a da ação prevista no D.L. 269/98, não sendo admissível a formulação deste pedido nestes autos.
Concluiu no entanto pela absolvição da ré, também quanto a este pedido.
No recurso que interpôs a recorrente impugna a decisão quanto a esta parte sustentando que o pedido do referido montante através de injunção não configuraria qualquer erro de forma, e que mesmo que assim fosse a verificação de tal erro não determinaria a absolvição do pedido.
Como se infere da decisão recorrida, a absolvição do pedido quanto a esta parte funda-se no facto de a autora não ter logrado fazer prova do dispêndio da quantia referida em custos administrativos e internos associados à cobrança dos pagamentos, e não em consequência do erro na forma de processo, como parece entender a recorrente. Ou seja, conheceu-se do pedido também nessa parte.
No entanto, a entender-se como se entendeu na sentença recorrida, que a ação prevista no D.L. 269/98, não é o meio processual adequado para a obtenção do pagamento daquela quantia, não sendo admissível a formulação desse pedido nestes autos, deveria ter-se absolvido a ré da instância quanto a essa parte do pedido, abstendo-se de conhecer do mesmo nessa parte por verificação de exceção dilatória inominada – artº 576º, nº 2 do CPC.
A questão coloca-se pois antes de mais em aferir se o procedimento de injunção, posteriormente transmutado em ação declarativa, é o meio processual adequado para obter o pagamento dos custos com a cobrança da dívida.
O DL 269/98 de 1/09, veio aprovar o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €5.000,00, posteriormente objeto de alterações que sucessivamente lhe foram sendo introduzidas além do mais, pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro – por sua vez revogado e substituído pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio – e pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que veio elevar para €15.000,00 euros o valor das obrigações pecuniárias abrangidas pelo referido diploma.
Baseado no então processo sumaríssimo, mas simplificando-o, passou a prever uma ação declarativa com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias.
Paralelamente aprovou o procedimento de injunção, entendido este enquanto providência que tem por fim possibilitar a obtenção de um título com força executiva que possibilite exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro – cfr artº 7º do “Regime dos Procedimentos” anexo ao referido DL 269/98 de 1/09.
A aprovação dos referidos procedimentos especiais teve em vista, quando aplicáveis às obrigações pecuniárias resultantes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000, racionalizar e agilizar um «contencioso de massa», - v. o preâmbulo do Decreto-Lei 269/98, na sua redação originária.

O âmbito de aplicação dos procedimentos aprovados foi configurado para as situações específicas neles previstas, em que a simplicidade do litígio e diminuto valor em causa foi considerado compatível com a simplificação dos trâmites processuais exigida pela pretendida celeridade de cobrança das dívidas.
É nesse contexto que haverá de entender-se a delimitação do seu âmbito de aplicação, apenas às obrigações de natureza pecuniária emergentes de uma relação contratual e com valor não superior a €15.000,00 euros – cfr artº 1º do referido DL 269/98.
Refere a este propósito Paulo Teixeira Duarte [6] como podendo ser objeto do processo de injunção as obrigações contratuais … daqui resulta que só pode ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil”
Apesar de ter assim em vista as obrigações pecuniárias stricto sensu, que decorrem de um contrato previamente celebrado enquanto parte integrante do mesmo, tem-se considerado que a razão de ser do referido regime é extensível aos juros moratórios [7], uma vez que nas obrigações pecuniárias há sempre dano, e que o correspondendo a indemnização desse dano ao equivalente aos juros legalmente previstos, a sua liquidação não suscita por regra dúvidas, sendo como tal compatível com o procedimento simplificado próprio do regime aprovado pelo Decreto-Lei 269/98.
Estes argumentos são de alguma forma extensivos às despesas de cobrança, que sendo em regra padronizadas não suscitam em regra problemas de quantificação.
Esta interpretação é de resto suportada pelo texto da lei, em face do disposto no artº 10º, nº 2, alínea e) do “REGIME DOS PROCEDIMENTOS” anexo do Decreto-Lei 269/98, onde se alude ao dever de o requerente fazer constar da petição “pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas”.
As despesas efetuadas com a cobrança da dívida incluem-se assim ainda no âmbito de aplicação do procedimento de injunção aprovado pelo DL 269/98 de 1/09, não se corroborando assim nesse aspeto o entendimento expresso na sentença recorrida..
No entanto, e conforme se começou por salientar, a decisão de absolvição do pedido constante da referida sentença está fundamentada na ausência de prova das referidas despesas.
E efetivamente nada ficou a constar como provado a esse propósito, sendo que a recorrente não impugnou nessa parte a decisão.
Nenhuma alteração se justifica por isso em relação ao decidido nesta parte.

TERMOS EM QUE ACORDAM OS JUÍZES NESTA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO em julgar parcialmente procedente a apelação e alteram a decisão recorrida, nos termos seguintes:
1 – Considerando parcialmente procedente a ação condenam a ré a pagar à autora o valor dos juros de mora sobre os valores respeitantes ao custo dos serviços prestados e faturados nas faturas referidas em C, vencidos nos seis meses posteriores à data do respetivo vencimento, ou seja, até à data em que se completou o prazo de prescrição de seis meses previsto no art.º 10º da Lei 23/96.
2 – Quanto ao mais confirmam, ainda que por fundamentos não inteiramente coincidentes, a decisão absolutória constante da sentença recorrida.
Súmula – artº 663º, nº 7, do CPC
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Custas por recorrente e recorrida na proporção do decaimento que se fixa em 80% e 20% respetivamente.

Porto, 11 de outubro de 2018
Freitas Vieira (Relator)
Madeira Pinto (1º Adjunto)
Carlos Portela (2º Adjunto)
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[1] Cláusula Penal e Indemnização
[2] V. neste sentido o acórdão deste tribunal da Relação, de 21-10-2014, Proc 83857/13.8YIPRT.P1; ac. Do TRL de 25-2-2010, Proc. Nº 1591/08.3TVLSB.L1-6; ac, TRL de 29-11-2011, Proc. Nº 370/06.7YXLSB.L1-7
[3] Neste sentido o ac. Do TRL de 21-6-2011, Proc. Nº 264/06.6YXLSB.L1-7; acórdão do TRL de 15 de Fevereiro de 2011; acórdão do TRL de 12 de Janeiro de 2010; acórdão do TRL de 16 de Março de 2010), todos publicados in www.dgsi.pt., ac. Do TRL de 07-6-2011, Proc. Nº 2360/06.0YXLSB.L1-7
[4] ac. Do TRP de 24-02-2015, Proc. Nº 28627/14.6YIPRT.P1, e Acórdão de 21/10/2014, desta Secção, proferido no proc. 83857/13.8YIPRT.P1 e do TRL 25-5-2017, Proc. Nº 28927-16.0YIPRT.L1-6
[5] Vaz Serra, Prescrição extintiva e Caducidade, BMJ n 105, pp. 170 sgs
[6] Os Pressupostos Objetivos e Subjetivos do Procedimento de Injunção», em “Themis”,VII, nº 13, p 169 e sgs, cfr p 191
[7] João Vasconcelos Raposo e Luís Batista Carvalho - Injunções e Ações de Cobranças», 2012, págs. 20