Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
27/14.5TBCPV.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO LOURENÇO
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO ESTRADAL
CÓDIGO DA ESTRADA
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RP2015021127/14.5TBCPV.P1
Data do Acordão: 02/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As causas de suspensão e de interrupção da prescrição previstas no RGCO são aplicáveis às contraordenações estradais (artº 132º CE).
II – O artº 141º CE não padece de inconstitucionalidade orgânica.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 27/14.5TBCPV.P1

Acordam, em conferência, os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

RELATÓRIO
No âmbito do processo nº 27/14.5TBCPV, que correu termos no Tribunal de Castelo de Paiva, na sequência de um recurso de impugnação Judicial da decisão administrativa aplicada pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, que condenara o recorrente, B… na sanção acessória de inibição de conduzir, por 30 dias, proferiu o Sr. Juiz “a quo” a sentença de fls. 83 a 100, concluindo: “pelo exposto decide-se negar provimento ao recurso de contra-ordenação em apreço, mantendo-se a decisão recorrida”.
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Inconformado com a decisão, veio o condenado, B… a recorrer nos termos de fls. 115 a 128, tendo apresentado as seguintes conclusões:
a) Por Sentença de fls… de 16 de Junho de 2014, foi negado provimento ao recurso de contra-ordenação em apreço, mantendo-se a decisão recorrida;
b) Que aplicou ao Impugnante/Arguido B… coima no valor de 49,88 euros e a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, em virtude de no dia 26/02/2012, pelas 10.20h, ter transposto a linha longitudinal continua (Marca M1) separadora de sentidos de transito no local IC .., …, …, o que constitui contra ordenação muito grave nos termos conjugados do disposto nos arts. 60º, nº 1 do Regulamento de Sinalização do Trânsito e 136º, 138º e 146º, al. o), todos do Código da Estrada;
c) Ressalta dos Factos Provados que No dia 26.02.2012, pelas 10.20h, no local IC .., …, …, mediante a condução do veículo automóvel ligeiro de passageiros, com matricula ..-MQ-.., o condutor do referido veículo transpôs a linha longitudinal continua (Marca M1) separadora de sentidos de trânsito, existente no local.
d) Encontra-se, pois, provado que a infracção contra-ordenacional dos Autos foi praticada em 2012.02.26;
e) Na vigência, portanto, do Código da Estrada (CE), na anterior redacção deste, resultante do Decreto-Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro;
f) Por força de tal diploma legal o CE sofreu alterações profundas, nomeadamente ao nível "Do processo", consagradas no Título VIII do CE;
g) Onde se passou a consagrar, sob a epígrafe "Da prescrição", um regime especial quanto à prescrição do procedimento, da coima e das sanções acessórias face ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, nomeadamente, quanto ao seu Capítulo IV da Parte I.
h) Os Art. 188º e 189º do CE vigentes à data da dita infracção, dispunham, respectivamente que:
- "O procedimento por contra-ordenação rodoviária extingue-se por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contra-ordenação tenham decorrido dois anos" e "as coimas e as sanções acessórias prescrevem no prazo de dois anos";
i) O legislador criou um regime especial de prescrição que, naturalmente, afastava a aplicação do regime geral consagrado nos Art. 27º a 31º Regime Geral das Contra- Ordenações e Coimas;
j) O legislador estabeleceu um prazo único de prescrição do procedimento contra- ordenacional "rodoviária" de 2 (dois) anos, o mesmo acontecendo com o prazo de prescrição da coima e das sanções acessórias;
k) Tal era a vontade inequívoca do Legislador ao ponto de, no preâmbulo do Decreto-Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro ter feito constar que: "Por outro lado, e porque as infracções ao Código da Estrada são actualmente infracções cometidas em massa e com especificidades próprias, para assegurar um incremento da eficácia do circuito fiscalização/punição, importa introduzir um conjunto de alterações ao nível da aplicação das normas processuais, porquanto verifica-se que a aplicação das normas do regime geral das contra-ordenações a este tipo de infracções permite o prolongamento excessivo dos processos, com a consequente perda do efeito dissuasor das sanções.
Pelo que se mostra necessário a introdução de normas processuais especificas, visando conferir maior celeridade na aplicação efectiva das sanções, de forma a reduzir significativamente o tempo que decorre entre a prática de infracção e a aplicação da sanção."
l) Donde se conclui e invoca, nos termos do disposto nos artigos 9º e 10º do Código Civil, que o legislador (quis criar e) criou um regime especial que não dá lugar à interpretação segundo a qual, nesta matéria, se permite a aplicação de Direito Subsidiário, à luz do disposto no artigo 132º do Código da Estrada.
m) Invocamos aqui, ora nesta sede, que não se estava perante qualquer lacuna legal, mas antes perante um regime especial, que afastava, consabidamente, o regime geral;
n) Porque nos presentes autos de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, foi considerado como provado que o Arguido praticou a aludida infracção ao Código da Estrada em 26 de Fevereiro de 2012 e porque sobre tal facto decorreram, até à presente data, mais de 2 (dois) anos, dúvidas não há que, nos termos do disposto no artº 188º do Código da Estrada, o procedimento por contra- ordenação "rodoviária" dos Autos prescreveu;
o) Ao decidir de forma diferente, o Tribunal recorrido viola o disposto no art. 188º do CE, na redacção deste à data dos factos;
p) A prescrição do procedimento contra-ordenacional determina a extinção do mesmo, razão porque se impõe que este Venerando Tribunal o declare extinto, com as legais consequências.
q) Em devido tempo o aqui Recorrente havia pugnado que, caso se entendesse, meramente à luz da letra do disposto no art. 141º nº 1 do CE, que só nas contra-ordenações graves se pode suspender a execução da sanção acessória - e não nas contra-ordenações muito graves - se impunha considerar tal normativo, na parte em que não permite a suspensão da sanção acessória nas contra-ordenações muito graves, como inconstitucional - inconstitucionalidade orgânica.
r) O Tribunal a quo, estribado em dois argumentos, entendeu que o normativo em apreço do CE não padece do invocado vício da inconstitucionalidade que o aqui Recorrente aponta, fazendo improceder tal impugnação.
s) Os argumentos aduzidos pelo Tribunal a quo são os seguintes:
- Competência concorrente do Governo e da Assembleia para a edição da norma em causa;
- Constatação de que, em qualquer caso, o Governo legislou a coberto de autorização legislativa concedida na Lei nº 53/2004;
t) O Recorrente pugna por entendimento diverso, o qual vem sustentando desde que impugnou a Decisão Administrativa da ANSR: a norma em apreço padece do apontado vício da inconstitucionalidade orgânica;
u) A convicção do Arguido/Recorrente é e mantém-se profunda, pelo que não lhe resta outra alternativa - pois que discorda da seguida pelo Tribunal a quo e entende, humildemente, perfilhar opção mais válida - do que interpor o presente Recurso, quanto a tal matéria;
v) E que a norma em causa foi aditada ao regime inicial do DL 114/94, de 3.Mai. pelo DL 44/05, de 23.Fev, cuja proveniência orgânica é o Governo.
w) Nos termos do artº 165º da Constituição da República Portuguesa (CRP) vigente - reserva relativa de competência legislativa: “1 - É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: (...) d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo; (...) 2 - As leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada. 3 - As autorizações legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuízo da sua execução parcelada. 4 -As autorizações caducam com a demissão do Governo a que tiverem sido concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da Assembleia da República. 5 - As autorizações condidas ao Governo na lei do Orçamento observam o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre matéria fiscal, só caducam no termo do ano económico a que respeitam”.
x) Tal significa que o Governo, para poder legislar sobre tais matérias, porque da reserva relativa da Assembleia da República, tem que se ver munido da respectiva autorização legislativa e observar a mesma nos seus estritos preceitos e limitações, tais quais aquelas que genericamente o próprio corpo do artigo da CRP fixa.
y) Inobservadas tais regras cai-se no âmbito da inconstitucionalidade orgânica.
z) O DL 44/05, de 23.02, surgiu por via da Lei de Autorização Legislativa 53/04, de 4.Nov,
aa) Em tal LAL não consta qualquer referência que permita escorar a actuação do Governo em afastar a aplicação da suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir às contra-ordenações muito graves.
bb) Daquela LAL resulta, na parte que interessa ao caso em análise, que: “m) A previsão de atenuação especial e de suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir condicionadas ao prévio pagamento da coisa e ao facto de o infractor não ter praticado outras infracções no período fixado; A consagração do principio de que a suspensão da execução da sanção acessória possa ser condicionada, além da prestação os caução os boa conduta, à , legislação própria;"
cc) Verifica-se, assim, uma violação do objecto.
dd) Padecendo a referida norma de inconstitucionalidade orgânica;
ee) Nos termos do artº 204º da CRP: "Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados ".
ff) Pelo que se impõe seja a Sentença revogada, substituído por outra:
- Que declare tal normativo, nessa parte, inconstitucional- inconstitucionalidade orgânica - por violação do objecto da Lei de Autorização Legislativa nº 53/04 de 4.11, por via da qual surgiu o DL 44/05 de 23.Fev. - artº 165º nº 1 al. d), 2, 3, 4 e 5 da CRP;
- E que, consequentemente, tendo em consideração todas as circunstâncias relativas à personalidade da Arguido, idade, condição de vida e da sua conduta anterior e posterior ao facto e sempre tendo em consideração o disposto no Artº 141º nº 1 CE, e, por força deste, o disposto no Artº 50º do Código Penal, declare determine que o Arguido deve beneficiar da suspensão da sanção de inibição de condução, pelo período mínimo legal - seis meses – Artº 141º nº 2 do CE, tudo com as legais consequências.
Termos em que e nos melhores de Direito que V. Excelências doutamente suprirão, deve o presente Recurso merecer o provimento de V. Ex.as, e, assim;, deve:
A) Declarar-se o presente procedimento por contra-ordenação rodoviária prescrito e, por força disso, deve declarar-se a extinção do dito, tudo com as legais consequências,
- Se assim não se entender, deve, revogando-se a sentença proferida a fls…
B) Declarar-se que o artº 141º do Código da Estrada, na interpretação de que não concede a suspensão da sanção acessória aplicada a contra-ordenações muito graves, padece de inconstitucionalidade orgânica, por violação do objecto da Lei de Autorização Legislativa nº 53/04 de 4.11, por via da qual surgiu o DL 44/05 de 23.02 - cfr. artº 165º nº 1 al. d), 2, 3, 4 e 5 da CRP, E, assim, deve:
C) Suspender-se a sanção acessória de inibição de conduzir na sua execução pelo período mínimo - 6 meses - o que se requer à luz do disposto no art.141º nº 2 do CE, fazendo-o, V. Ex.as estarão a fazer a devida e costumeira Justiça.»
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O Ministério Público contra-alegou nos termos de fls. 136 a 145, tendo concluído:
«1. O Código da Estrada enquanto lei especial nada prevê quanto a causas de interrupção de suspensão do procedimento contra-ordenacional, pelo que face ao disposto no seu artigo 132º são aplicáveis às contra-ordenações rodoviárias as causas de interrupção e de suspensão da prescrição previstas no regime geral das contra-ordenações.
2. Face às causas de suspensão e interrupção verificadas nos presentes autos constata-se que não decorreu de forma contínua o prazo de 2 anos previsto nos arts. 188º e 189º do C. E.
3. Por outro lado, somando-se o tempo de prescrição decorrido, e descontando-se o período da suspensão, verificamos que decorreu até ao dia de hoje 2 anos, 5 meses e 13 dias, pelo que a prescrição do presente processo apenas ocorrerá no dia 4/6/2015, prazo a que alude o artº 28º, nº 3 do RGCO.
4. E da competência concorrente da Assembleia da República e do Governo a previsão de existência de sanções acessórias, dentre as dos tipos previstos no nº 1 do artº 21º do regime geral das contra-ordenações, bem como da possibilidade de suspensão da sua execução.
5. O D. L. nº 44/05 de 23.02 não extravasou a competência conferida pela Lei de autorização legislativa nº 53/04, de 04.11.
6. Assim, não se verifica a inconstitucionalidade orgânica do artº 141º, nº 1 do Código da Estrada.
Porque a sentença apreciou devidamente os factos em questão e efectuou uma correcta subsunção jurídica dos mesmos, deve a sentença ser mantida nos seus exactos termos, sendo julgado improcedente o Recurso interposto, assim se fazendo a habitual, Justiça!»
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Neste Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, emitiu o Douto Parecer de fls. 152/154, tendo-se pronunciado pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.
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O recurso foi tempestivo, legítimo e correctamente admitido.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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FUNDAMENTOS
Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, nº 1, 123º, nº 2, 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) todos do cód. procº penal)[1].
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Objecto do recurso
Considerando as conclusões apresentadas, importa decidir:
a) Prazo de prescrição da contra-ordenação;
b) Inconstitucionalidade orgânica do artº 141º do Código da Estrada, na interpretação de que não permite a suspensão da sanção acessória aplicada a contra-ordenações muito graves, por violação do objecto da Lei de Autorização Legislativa nº 53/04 de 4.11.
c) Suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir.
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FACTOS PROVADOS
Da discussão da causa resultou provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão:
1. No dia 26.02.2012, pelas 10.20h, no local IC .. …, …s, mediante a condução do veículo automóvel ligeiro de passageiros, com matrícula ..-MQ-.., o condutor do referido veículo, transpôs a linha longitudinal continua (Marca M1), separadora de sentidos de trânsito, existente no local.
2. O arguido não procedeu com o cuidado a que estava legalmente obrigado.
3. O arguido procedeu ao pagamento voluntário da coima.
4. O arguido não tem averbado no seu registo de condutor a prática de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave.
5. O arguido iniciou a ultrapassagem nas circunstâncias de tempo referidas em 1. em local permitido.
6. O arguido é bancário e aufere mensalmente a quantia de 1.900.00 €, (euros).
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Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente os seguintes de entre os alegados no recurso de impugnação:
a. Não existia movimento no dia referido em 1.
b. O impugnante foi surpreendido durante a manobra de ultrapassagem com a atitude do condutor do veículo que estava a ultrapassar que não só não se desviou para a sua direita, como aumentou a velocidade a que seguia.
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Motivação do Tribunal “a quo”
«A nossa convicção baseou-se, quanto aos factos provados, essencialmente no auto de contra-ordenação de fls. 6 e ss., que, tendo sido confirmado pelos Srs. Agentes autuantes, ouvidos em julgamento, o qual faz fé em juízo até prova em sentido contrário, nos termos do art. 170º, nº3 do Código da Estrada e não mereceu impugnação pelo recorrente, sendo que este aceita que cometeu a infracção como decorre do seu requerimento de recurso de fls. 22 e ss.
Analisando o caso em concreto relativamente aos factos sob os pontos 1. e 2. dos factos provados, relevou o depoimento do agente policial autuante, C…, militar da GNR, que confirmou os factos constantes do auto, afirmando que foi ele quem preencheu e elaborou o auto de fls. 4, e confirmando os factos constantes do auto, a que presenciou, de uma forma clara e consistente, pelo que valoramos o seu depoimento para prova dos factos constantes em 1, e 2.
Por sua vez, a testemunha D…, militar da GNR, admitiu no início do seu depoimento não se lembrar muito bem dos factos em causa pelo que não valoramos o seu depoimento.
Quanto aos factos não provados, todos respeitantes à defesa, fundamos a nossa convicção na circunstância de quanto a eles não ter sido produzida prova suficientemente consistente, firme e estruturada sobre os factos em causa, de modo a poder o tribunal formular um juízo positivo isento de dúvida sobre o mesmo.
O arguido nas declarações que prestou admitiu ter pisado a linha contínua mas referiu que apenas o fez porque o veículo que seguia à sua frente aumentou a velocidade.
Por sua vez, foi ouvida a testemunha indicada pelo impugnante E…, sua esposa, que depôs de uma forma que se nos afigurou pouco espontânea, parecendo procurar ir sempre ao encontro da versão dos factos do arguido, acabando, em alguns pontos, por contrariar o que aquele havia dito.
Efectivamente a testemunha E… referiu no seu depoimento que a linha contínua não foi transposta, contrariamente ao arguido que admite que a transpôs.
Por outro lado, não nos parece plausível segundo as regras da experiência, que sendo visível a presença dos elementos da GNR, do local onde se encontrava o arguido a conduzir, como o mesmo admitiu, sendo também visíveis para o carro que estaria a ultrapassar, que este de uma forma abrupta decidisse acelerar por forma a impedir a sua ultrapassagem, o que constitui contra-ordenação.
Aliás, foi mencionado pelo agente C… que se tal tivesse sucedido que teria autuado tal condutor.
Assim as declarações prestadas pelo arguido não foram para nós merecedoras de credibilidade na parte em que refere que o veículo que ultrapassou aumentou a velocidade e dificultou a sua ultrapassagem, o mesmo se verificando em relação à testemunha por si arrolada.
Não resultou assim abalada a presunção de verdade de que goza o auto de contra ordenação que deu origem aos autos em análise».
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DO DIREITO
Importa em primeiro lugar apreciar a alegada excepção de prescrição do procedimento contraordenacional.
Provou-se que a ocorrência teve lugar em 26/02/2012 (nº 1 da factualidade provada).
Mais resulta da prova documental que, a ANSR condenou o arguido na sanção acessória de inibição de conduzir, por 30 dias, por decisão proferida em 04.09.2012, (fls. 2 e 3), tendo o recorrente sido foi notificado da mesma em 26.11.2012. (fls. 4).
Impugnou judicialmente a decisão em 14.12.2012, (fls. 58 e seguintes).
Apenas em 13.02.2014, foi designado julgamento para o dia 05.06.2014, o qual teve lugar nessa data.
Foi aí suscitada a prescrição contraordenacional pelo recorrente, tendo o tribunal indeferido a pretensão por despacho proferido em audiência, nos termos de fls. 78.
Em 16.06.2014 foi proferida a sentença recorrida, a qual foi notificada e depositada na mesma data, (cfr. fls. 83 a 101, 102 e 103).
A argumentação expendida no recurso, quanto à prescrição, baseia-se no pressuposto de que o prazo para as contra-ordenações estradais é de 2 anos e de que, são inaplicáveis subsidiariamente as normas relativas à interrupção e suspensão da prescrição constantes do regime Geral das Contra-ordenações e Coimas.
Porém, não é esse o nosso entendimento.
Embora até se entenda a ratio da tese perfilhada, parece-nos que em matéria de causas de suspensão e de interrupção da prescrição (quer do procedimento, quer das sanções), o regime previsto nos artº 27º-A e 28º nº 3 do DL nº 433/82, de 27 de outubro [RGCOC] é de aplicação subsidiária ao Código da Estrada[2].
Com efeito, o cód. da estrada, nada prevê quanto a causas de interrupção e suspensão do procedimento contraordenacional, pelo que, ao abrigo do disposto no artº 132º daquele código deverão ser aplicáveis às contra-ordenações rodoviárias, as causas de interrupção e de suspensão da prescrição previstas no regime geral das contra-ordenações.
E no caso dos autos, atento o histórico que acima descrevemos, o prazo de 2 anos previsto nos arts. 188º e 189º do cód. da estrada não decorreu de forma contínua
Não obstante os incompreensíveis atrasos do processo, (nomeadamente desde a interposição do recurso de impugnação junto da ANSR, até ser remetido ao Tribunal) a verdade é que, com a notificação da decisão, se interrompeu o aludido prazo geral, o que faz com que os actos sejam tempestivos, bem como o respectivo recurso.
Nos termos do nº 3 do art. 28º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82 de 27 de Outubro, “a prescrição tem sempre lugar, quando desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade”.
A interrupção da prescrição, ao contrário do que sucede com a suspensão tem como consequência que o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, devendo, portanto, reiniciar-se o período logo que desapareça a mesma causa (cfr. artº 121º nº 2 do cód. penal). Ou seja, a interrupção anula o prazo prescricional entretanto decorrido.
A suspensão da prescrição impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou.
De acordo com a al. c) do nº 1 do art. 27º-A do D. L. 433/82 de 27.10, a prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
Segundo o Prof. Figueiredo Dias, para o direito penal, só actos jurisdicionais (de um Juiz ou do Ministério Público) podem «ser elevados à dignidade de causas de interrupção da prescrição», mas nem todos, como adverte. Assim:
- Só terão essa dignidade os actos «que, no decurso do processo penal, assumam um relevo e um significado que dê claramente a entender que o Estado, como intérprete das exigências comunitárias, continua interessado em efectivar, no caso, o seu jus puniendi. As causas de interrupção da prescrição dependem assim não só de características subjectivas (pertencerem à competência de uma “autoridade judiciária”, na acepção que dela faz o artº 1º, nº 1, al. b), do cód. procº penal), como objectivas (assumirem um relevo processual que traduza a afirmação solene da pretensão estadual de efectivação do seu jus puniendi)», - in “As consequências Jurídicas do Crime”, pág. 708/709. As causas interruptivas da prescrição do procedimento contraordenacional são as previstas neste art. 28º do RGCOC estando afastada, em face da previsão de causas especiais de interrupção da prescrição das contra-ordenações, a possibilidade de fazer apelo às causas previstas no art. 121º do cód. penal – cfr. neste sentido Simas Santos e Lopes de Sousa in “Contra-Ordenações, pág. 270/271.
Considerando a factualidade descrita e demais circunstancialismo processual verificado, é de concluir que a prescrição contraordenacional ocorrerá apenas em 04.06.2015 e por consequência, é de improceder a excepção invocada.
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Quanto à alegada inconstitucionalidade do art. 141º do cód. da estrada, entende o recorrente que esta norma é inconstitucional, na interpretação de que não permite a suspensão da sanção acessória aplicada a contra-ordenações muito graves, por violação do objecto da Lei de Autorização Legislativa nº 53/04 de 4.11 – inconstitucionalidade orgânica no seu ponto de vista.
Mas cremos não assistir razão ao recorrente.
Não se ignora que no Ac. nº 45/2008, de 23/1/2008, do Tribunal Constitucional, este decidiu:
- “Julgar inconstitucional, por violação dos artigos 20º, nºs 1 e 5, e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 175º, nº 4, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro, segundo a qual, paga voluntariamente a coima, ao arguido não é consentido, na fase de impugnação judicial da decisão administrativa que aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir, discutir a existência da infracção”.
Como decorre do referido acórdão, foi julgado inconstitucional o nº 4 do artigo 175º do C.E. (na redacção do Dec. Lei 44/2005, de 23/2) na interpretação segundo a qual o arguido que pague voluntariamente a coima (para beneficiar das vantagens desse pagamento) não pode discutir em Tribunal a existência da infracção.
E tendo então apreciado a elaboração da referida lei, no tocante à emanação de competência e conteúdo decorrente da Lei de Autorização Legislativa nº 53/04 de 4.11 nenhuma “inconstitucionalidade orgânica” lhe foi apontada, nem, em nosso modesto entender, poderia sê-lo, pois a argumentação do recorrente não faz qualquer sentido.
Não podemos perfilhar o entendimento de que o artigo 141º do Código da Estrada é inconstitucional, interpretado no sentido de impor ao arguido o pagamento da coima, como condição de aplicação do regime de suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir, pois está no âmbito dos poderes de conformação do legislador ordinário, definir os requisitos de que depende a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir, sendo razoável e racional que, entre esses requisitos, imponha o pagamento da coima, desde que não impossibilite o arguido de discutir a verificação da infracção.
E, não estando o arguido impedido de discutir a existência da infracção, o pagamento da coima é apenas uma condição de suspensão da execução da sanção acessória, ao lado das demais; por exemplo, o dever de frequentar acções de formação - art. 141º, 3, al. b) do cód. da estrada ou a prestação de caução de boa conduta - art. 141º, 3, a) do CE.
Pelo exposto, improcede o recurso também neste ponto, relativo à alegada inconstitucionalidade orgânica.
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Finalmente, requer o recorrente, que o tribunal suspenda a sanção acessória de inibição de conduzir por um período de seis meses. No entanto, duas ordens de razões nos parecem obstar a tal pretensão. Por um lado o nº 1 do artº 141º do cód. da estrada, prevê a possibilidade de tal suspensão apenas a sanções “graves” e não as “muito graves”.
Por outro, ainda que a primeira possa ser discutível, considerando que se trata de um período relativamente pequeno - 30 dias -, face à natureza da infracção, entendemos não ser adequada tal medida, mas antes o cumprimento efectivo da mesma.
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DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso interposto por B….
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Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (quatro unidades de conta).
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Porto 11 de Fevereiro 2015
Augusto Lourenço[3]
Moreira Ramos
__________
[1] - Cfr. ainda, acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
[2] - Cfr. neste sentido o Ac. deste Tribunal da Relação do Porto, datado de 18.12.2013, disponível em www.dgsi.pt/trp.
[3] - Elaborado e redigido pelo relator, sendo da sua responsabilidade a não aplicação do acordo ortográfico.