Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
369/22.6Y4PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOANA GRÁCIO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
ADMOESTAÇÃO
Nº do Documento: RP20230308369/22.6Y4PRT.P1
Data do Acordão: 03/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO.
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A reduzida gravidade da infracção a que alude o art. 51.º, n.º 1, do RGCO é aferida pela gravidade abstracta da contra-ordenação, seja por força de classificação expressa como leve, seja pela previsão de aplicação de coimas reduzidas, e não pela diminuta ilicitude da conduta do agente no caso concreto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 369/22.6Y4PRT.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo Local Criminal de Penafiel – Juiz 2



Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No âmbito do Processo de Contra-Ordenação n.º ......, pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), por decisão notificada à arguida “A..., S.A.” por carta registada com aviso de recepção expedida a 22-06-2022, foi decidido (transcrição):
«1. Face à prova produzida, decide-se condenar a arguida A... S.A., pela prática com negligência da infracção referente ao Incumprimento da informação pré-contratual - falta de informação relativa à existência e ao prazo de garantia de conformidade dos bens, bem como a relativa à livre resolução, à qual corresponde o pagamento de uma coima no montante de € 1.250,00.
2. Decide-se, ainda, condenar a arguida ao pagamento de custas no montante de € 153,00 de acordo, respetivamente, com o disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 58º, e no artigo 94º, ns.º 2 e 3, ambos do RGCO e no Despacho n.º 1211/2015, de 28 de outubro do Senhor Inspector Geral, publicado no D.R. nº 222, II Série, de 28/10/2015.»
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Notificada da decisão administrativa, a arguida apresentou impugnação judicial, ao abrigo do disposto no art. 59.º e ss. do DL 433/82, de 27-10, contestando a aplicação da coima ali decidida e pugnando pela aplicação de uma admoestação nos termos do disposto no art. 51.º do mencionado diploma legal.
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O recurso foi admitido, por despacho de 08-09-2022, proferido no âmbito do Processo de Recurso de Contra-Ordenação n.º 369/22.6Y4PRT, a correr termos no Tribunal Judicial do Porto Este, Juízo Local Criminal de Penafiel, Juiz 2, tendo sido apreciado por simples despacho, após colhida a anuência da recorrente e do Ministério Público, decisão onde, a final, se entendeu (transcrição):
«a) Manter a decisão administrativa proferida pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, condenando a recorrente A..., LDA., pela prática de uma contraordenação prevista e acoimada pelas disposições conjugadas das alíneas r) e l), do n.º 1, do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro e alínea b), do n.ºs 2 e 3, do artigo 31.º, do mesmo diploma, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 78/2018, de 15 de outubro, na coima de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), acrescida das custas administrativas;
b) Condenar a recorrente A..., LDA. no pagamento das custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 01 (uma) U.C., ao abrigo do disposto nos artigos 93.º, n.ºs 3 e 4, e 94.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de novembro e 8.º, n.ºs 7, 8 e 9 e tabela III, todos do Regulamento das Custas Processuais
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Inconformada, a arguida A... S.A. interpôs recurso para este Tribunal da Relação do Porto, solicitando que fosse revogada a decisão recorrida e que fosse sujeita a admoestação em substituição da coima aplicada.
Apresenta nesse sentido as seguintes conclusões (transcrição):
«I) Vem a Recorrente condenada, entre o mais, numa coima no valor de €1.250 pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas das alíneas r) e l), do nº 1 , do artigo 4º e da alínea b), do nº 2 e nº 3, do artigo 31º do Decreto-Lei nº 24/2014, de 14 de Fevereiro, na redacção vigente à data dos factos.
II) Com o presente Recurso, a Recorrente visa a reapreciação dos fundamentos em que o Ilustre Tribunal a quo fez assentar a sua decisão de recusar a aplicação de admoestação, por entender que tal decisão resultou de errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 31º, nº 2 do Decreto-Lei nº 24/2014, de 14 de Fevereiro, na versão vigente à data dos factos, e no artigo 51º, nº 1 do RGCO, na sua actual redacção.
III) Dispõe o nº 1 do artigo 51º do RGCO que “1. Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.”
IV) Face ao enquadramento factual dos autos, o Tribunal a quo considerou que a culpa da Recorrente "se mostra claramente diminuída", dando por verificado um dos pressupostos de aplicação do artigo 51º do RGCO.
V) Contudo, o Tribunal a quo considerou que falhava a verificação do pressuposto da reduzida gravidade da infração, uma vez que, do seu ponto de vista, deveria ser inferido do artigo 31º, nº 2 do Decreto-Lei nº 24/2014 que a infracção imputada à Recorrente era classificada como grave, o que impediria a aplicação de mera admoestação. Ora,
VI) Não obstante o preceito identificado fazer uma distinção entre as infracções com base no valor da coima abstractamente aplicável, em nenhum momento o legislador procedeu a uma classificação expressa das contra-ordenações previstas com base na sua gravidade, em leve, grave ou muito grave.
VII) O legislador limita-se, sem qualificar as contra-ordenações e sem indicar qualquer critério objectivo de classificação, a distingui-las com base no valor da coima aplicável.
VIII) Do texto da lei não decorre que as contra-ordenações indicadas na alínea a) sejam mais ou menos graves, ao nível da ilicitude do tipo, do que as indicadas na alínea b) ou na alínea c).
IX) Decorre apenas que as contra-ordenações indicadas na alínea a) são abstractamente puníveis com uma coima mais reduzida do que as indicadas na alínea b) e c). Apenas isto.
X) E se o legislador pretendesse classificar as infracções do diploma em análise, tê-lo-ia feito, à semelhança da generalidade dos diplomas nacionais que estabelecem ilícitos de natureza contra-ordenacional, sendo de presumir que consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, conforme determina o nº 3 do artigo 9º do Código Civil.
XI) Ora, se o legislador optou por não classificar expressamente a infracção em função da sua gravidade, não pode o tribunal substituir-se ao legislador, imputando à lei uma vontade que dela não decorre.
XII) E, se o legislador optou por não classificar expressamente as contra-ordenações aqui em causa – ao invés do que sucede nas contra-ordenações ambientais, laborais ou estradais – deve o Julgador lançar mão de outros critérios que lhe permitam alcançar tal desiderato e não, como no caso em análise, inferir da lei uma qualificação que ela não quis estabelecer.
XIII) Conforme resulta de apurada doutrina e jurisprudência, quando não resulte expressamente da lei, a classificação da gravidade da contra-ordenação pode decorrer de uma análise ao bem ou interesse jurídico que a norma visa tutelar, a um eventual benefício retirado pelo agente da prática da infracção e, ainda, ao resultado ou prejuízo causado.
XIV) Nos casos em que o legislador optou por não classificar expressamente as contra-ordenações em função da sua gravidade, a análise à gravidade da infracção depende da avaliação dos três critérios vindos de referir, podendo e devendo tal análise ser efectuada pelo Julgador em face de cada situação concreta. (Vide os supra citados acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 6/11/2013, Ac. da Relação do Porto, de 17/09/2014 e Ac. do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2018).
XV) Face a esta evidente opção legislativa de omissão de qualificação expressa da infracção e considerando os factos provados nos autos, designadamente, (i) que não foi apurado qualquer benefício retirado pela Recorrente e (ii) que não foi alegado ou provado qualquer prejuízo causado aos seus clientes, inexiste fundamento para que se considere a infracção em causa nos autos como grave.
XVI) E se não há fundamento para que a contra-ordenação seja qualificada como grave, importa concluir pela verificação de todos os pressupostos estabelecidos no nº 1 do artigo 51º RGCO e, consequentemente, pela aplicação de admoestação no caso dos autos. Sem prescindir,
XVII) E a admitir-se, por mera hipótese académica, que a gravidade da infracção aqui em causa não é reduzida, sempre será de entender que tal não constitui um inelutável impedimento à aplicação de mera admoestação, na senda do que é defendido por proeminente doutrina e jurisprudência nacional.
XVIII) É que, em boa verdade, do texto do nº 1 do artigo 51º do RGCO não resulta expressamente qualquer proibição de aplicação da admoestação nos casos em que as contra-ordenações são classificadas como graves.
XIX) Como também dele não consta que a gravidade da infração deva ser aferida em abstracto pelo legislador e não em concreto, pelo julgador, face aos factos apurados em cada situação da vida.
XX) O que consta do referido normativo é que a aplicação de admoestação depende de reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente.
XXI) E entendemos que a reduzida gravidade da infracção e da culpa devem ser apuradas face às situações em concreto, face aos factos apurados nos autos. (Vide o supra citado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/04/2012, bem como a declaração de voto de vencido do Senhor Juiz Conselheiro Francisco M. Caetano e a declaração do Senhor Juiz Conselheiro Santos Cabral aposta ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2018).
XXII) Nos termos do exposto, o Ilustre tribunal a quo violou o disposto nos artigos no artigo 31º, nº 2 do Decreto-Lei nº 24/2014, de 14 de Fevereiro e no artigo 51º, nº 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na sua actual redacção.
XXIII) Face aos factos provados nos presentes autos não subsistem quaisquer dúvidas de que a Recorrente agiu com reduzido grau de ilicitude e culpa, devendo ser-lhe aplicada uma mera admoestação, nos termos e ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 51º do RGCO.»
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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência, sintetizando a sua argumentação nas seguintes conclusões (transcrição):
«1 - A recorrente não coloca em causa a prática da infração que lhe é imputada na Sentença ora sindicada, assim como não questiona o respetivo enquadramento jurídico, requerendo apenas a substituição da coima que lhe foi aplicada por uma mera admoestação.
2 - A admoestação é uma verdadeira sanção de substituição da coima, que pode ser aplicada na fase judicial, desde que preenchidos os seus pressupostos, os quais decorrem da constatação da reduzida gravidade da infração (ilicitude) e da diminuição da culpa do agente, a aferir por referência a um padrão médio da gravidade da contraordenação e da culpa do agente, de modo tal que, no caso concreto, a imagem global da gravidade da contraordenação e da culpa do agente se apresente sensivelmente inferior ao que é comum.
3 - No caso em apreço, sendo a contraordenação cometida pela recorrente grave e sendo a admoestação passível de aplicação apenas e só se a gravidade da infração for reduzia e, cumulativamente, reduzida for a culpa do infrator, então, falhando aquele primeiro pressuposto, afastada fica a possibilidade de se substituir a coima aplicada à recorrente por uma mera admoestação.
4 - Falhando o pressuposto da reduzida gravidade da infração, não pode a coima aplicada à recorrente ser substituída por uma mera admoestação.
5 - Foi feita uma correcta subsunção dos factos provados ao Direito aplicável.
6 - Não foi, pois, violado qualquer dispositivo legal.»
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Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto concordou com a posição do Ministério Público junto do Tribunal a quo na resposta ao recurso, desenvolvendo-a, questionando, todavia, se o Tribunal a quo apreciou efectivamente qual o regime concretamente mais favorável à arguida.
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Notificada deste parecer, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, a recorrente nada disse.
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Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.
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II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
A única questão que a recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso é a de saber se o Tribunal a quo pode e deve substituir a coima que lhe foi aplicada por uma admoestação.
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Para análise da questão que importa apreciar releva desde logo a factualidade subjacente e a fundamentação de direito que sobre a mesma recaiu e que constam de decisão recorrida, sendo estas do seguinte teor (transcrição):
«III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Factos provados:
Sem necessidade de realização de audiência de julgamento, asseguram os autos ser a seguinte a factualidade provada (tudo conforme teor da prova documental junta aos mesmos e, em face da sua não impugnação por parte da recorrente):
1.º Aos 12 dias do mês de março de 2019, pelas 09 horas e 50 minutos, no estabelecimento comercial online sito em «www....com» e explorado pela recorrente, aquando de uma ação de fiscalização levada a cabo por uma brigada da A.S.A.E., foi verificado que o referido site disponibilizava diversos artigos hospitalares, nomeadamente camas articuladas, cadeiras de rodas, entre outros, através da modalidade de venda – venda online, em que o fornecedor utilizava exclusivamente a técnica de comunicação a distância até a celebração do contrato, incluindo a própria celebração pelo que estava sujeito as disposições legais que regulamentam os contratos celebrados à distância;
2.º O site era constituído por vários itens apresentados na página inicial, aos quais o consumidor poderia aceder;
3.º Da análise efetuada as informações constantes deste site e no seguimento da descrição acima referida, foi possível verificar as seguintes irregularidades:
a. Analisada a venda dos artigos disponíveis no site não se verificou a informação relativa à existência e ao prazo da garantia de conformidade dos bens;
b. Não foi possível verificar, de entre todos os itens do site, a informação relativa ao direito de livre resolução do contrato, bem como a disponibilização do modelo da livre resolução ou a indicação de qualquer outra forma para exercício este direito;
4.º Ao agir do modo acima descrito, a recorrente não agiu com o cuidado a que estava obrigada no exercício da atividade por si prosseguida e de que era capaz, sendo-lhe exigível que orientasse a sua conduta em conformidade com as normas em vigor;
5.º O benefício económico retirado com a prática da infração não é passível de quantificação;
6.º A 31 de dezembro de 2018, a recorrente tinha 389 trabalhadores ao seu serviço;
7.º A recorrente não tem averbadas contraordenações anteriores.
Também se provou que:
8.º Em 16 de março de 2019 já se encontrava facultada no site acima identificado a informação referida em 3.º supra, acessível em “condições de encomenda”;
9.º Por missiva registada com aviso de receção, datada de 16 de setembro de 2019, foi a recorrente notificada para, querendo, exercer o seu direito de audição e defesa, tendo aquela assinado o respetivo aviso em 18 de setembro de 2019;
10.º Nessa sequência, veio a recorrente apresentar a sua defesa escrita, por requerimento que deu entrada na A.S.A.E. em 30 de setembro de 2019;
11.º A decisão administrativa ora impugnada foi proferida em 13 de maio de 2022.
Ficou ainda demonstrado que:
12.º Para além do website de venda acima identificado, a recorrente explora ainda comercialmente os «www....net» e «www.....eu»;
13.º O website de venda acima identificado já se encontra definitivamente desativado.
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Sublinhe-se que o que foi descrito na decisão administrativa e no requerimento de interposição do recurso e que não foi especificamente dado como provado ou não provado, tal resulta de, ou serem factos instrumentais de outros factos fundamentais dados como provados ou não provados ou de não terem interesse para a decisão da causa, designadamente por serem irrelevantes por referência às regras de direito aplicáveis ou conclusivos/conceitos de direito e, por esse motivo, insuscetíveis de produção de prova.
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IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Sublinhe-se, em primeiro lugar, que é pelas alegações de recurso que se fixa o objeto do recurso e, consequentemente, as questões que devem ser conhecidas pelo tribunal.
E, examinadas as alegações apresentadas pela recorrente, conclui-se que a mesma não coloca em causa a prática da infração que lhe foi imputada na decisão administrativa ora impugnada (que, aliás, confessa na íntegra), assim como não questiona o respetivo enquadramento jurídico, requerendo apenas a substituição da coima que lhe foi aplicada por uma mera admoestação.
Pelo que, importa apenas decidir se estão reunidos os pressupostos legais para se proceder à aplicação de uma mera admoestação à recorrente, no pressuposto, portanto, da prática por aquela, a título negligente, da contraordenação, prevista e punida pelas disposições conjugadas das alíneas l) e r), do n.º 1, do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro e alínea b), do n.ºs 2 e 3, do artigo 31.º, do mesmo diploma (incumprimento da informação pré-contratual – falta de informação relativa à existência e ao prazo de garantia de conformidade dos bens, bem como a relativa à livre resolução), na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 78/2018, de 15 de outubro.
Estabelecia o citado artigo 4.º, n.º 1, alíneas r) e l), na pretérita redação, que: “[a]ntes de o consumidor se vincular a um contrato celebrado à distância ou fora do estabelecimento comercial, ou por uma proposta correspondente, o fornecedor de bens ou prestador de serviços deve facultar-lhe, em tempo útil e de forma clara e compreensível, as seguintes informações: (…) l) Quando seja o caso, a existência do direito de livre resolução do contrato, o respetivo prazo e o procedimento para o exercício do direito, nos termos dos artigos 10.º e 11.º com entrega do formulário de livre resolução constante da parte B do anexo ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante; (…) r) A existência e o prazo da garantia de conformidade dos bens, quando seja aplicável o regime jurídico da venda de bens de consumo constante do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio; (…)”.
Por sua vez, o artigo 31.º, na mesma redação previa que: “1 – Constituem contraordenações, quando cometidas por pessoa singular: a) As infrações ao disposto no artigo 7.º, no artigo 8.º, no n.º 2, do artigo 12.º, no n.º 1, do artigo 19.º, no artigo 20.º, e no artigo 23.º, sendo puníveis com coima entre € 250,00 e € 1.000,00; b) As infrações ao disposto no artigo 4.º, nos n.ºs 1 a 6, do artigo 5.º, no artigo 6.º, no artigo 9.º, no artigo 10.º, no n.º 4, do artigo 11.º, nos n.ºs 1, 4, 5 e 6, do artigo 12.º, o artigo 21.º, no artigo 26.º, sendo puníveis com coima entre € 400,00 e € 2.000,00; c) As infrações ao disposto nos n.ºs 2 e 3, do artigo 19.º e no n.º 1, do artigo 28.º, sendo puníveis com coima entre € 500,00 e € 3.700,00. 2 – Constituem contraordenações, quando cometidas por pessoa coletiva: a) As infrações ao disposto no artigo 7.º, no artigo 8.º, no n.º 2, do artigo 12.º, no n.º 1 do artigo 19.º, no artigo 20.º, e no artigo 23.º, sendo puníveis com coima entre € 1.500,00 e € 8.000,00; b) As infrações ao disposto no artigo 4.º, nos n.ºs 1 a 6, do artigo 5.º, no artigo 6.º, no artigo 9.º, no artigo 10.º, no n.º 4, do artigo 11.º, nos n.ºs 1, 4, 5 e 6, do artigo 12.º, no artigo 21.º, no artigo 26.º, sendo puníveis com coima entre € 2.500,00 e € 25.000,00; c) As infrações ao disposto nos n.ºs 2 e 3, do artigo 19.º e no n.º 1, do artigo 28.º, sendo puníveis com coima entre € 3.500,00 e € 35.000,00. 3 – A tentativa e a negligência são puníveis, sendo os limites mínimos e máximos da coima aplicável reduzidos a metade.”.
Como é sabido, aliás, a decisão administrativa tratou expressamente dessa questão – que igualmente não foi impugnada pela recorrente – os preceitos supra transcritos foram objeto de alteração legislativa – ocorrida já depois da data da prática da infração em apreço – e, com particular interesse, o citado artigo 31.º recebeu uma nova redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro, passando a dispor o seguinte: “1 – Constitui contraordenação económica muito grave, punível nos termos do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas (RJCE), a violação ao disposto nos n.ºs 2 e 3, do artigo 19.º e no n.º 1, do artigo 28.º 2 – Constitui contraordenação económica grave, punível nos termos do RJCE, a violação ao disposto no artigo 4.º, nos n.ºs 1 a 6, do artigo 5.º, nos artigos 6.º, 9.º e 10.º, no n.º 4, do artigo 11.º, nos n.ºs 1, 4, 5 e 6, do artigo 12.º e nos artigos 21.º e 26.º. 3 – Constitui contraordenação económica leve, punível nos termos do RJCE, a violação ao disposto nos artigos 7.º e 8.º, no n.º 2, do artigo 12.º, no n.º 1, do artigo 19.º e nos artigos 20.º e 23.º. 4 – A tentativa e a negligência são puníveis nos termos do RJCE.
Com efeito, o Regime Jurídico das Contraordenações Económicas foi aprovado pelo citado Decreto-Lei n.º 9/2021, o qual apenas entrou em vigor já depois de ter sido cometida a infração em apreço.
Na sequência da classificação das contraordenações fixadas no citado artigo 31.º, passou aquele diploma a prever, no seu artigo 17.º, um escalão classificativo de gravidade das contraordenações – leve, grave e muito grave – e, no seu artigo 18.º, os diferentes montantes das coimas aplicar, consoante essa graduação, a saber: “(…) a) Contraordenação leve: i) Tratando-se de pessoa singular, de (euro) 150,00 a (euro) 500,00; ii) Tratando-se de microempresa, de (euro) 250,00 a (euro) 1 500,00; iii) Tratando-se de pequena empresa, de (euro) 600,00 a (euro) 4 000,00; iv) Tratando-se de média empresa, de (euro) 1 250,00 a (euro) 8 000,00; v) Tratando-se de grande empresa, de (euro) 1 500,00 a (euro) 12 000,00; b) Contraordenação grave: i) Tratando-se de pessoa singular, de (euro) 650,00 a (euro) 1 500,00; ii) Tratando-se de microempresa, de (euro) 1 700,00 a (euro) 3 000,00; iii) Tratando-se de pequena empresa, de (euro) 4 000,00 a (euro) 8 000,00; iv) Tratando-se de média empresa, de (euro) 8 000,00 a (euro) 16 000,00; v) Tratando-se de grande empresa, de (euro) 12 000,00 a (euro) 24 000,00; c) Contraordenação muito grave: i) Tratando-se de pessoa singular, de (euro) 2 000,00 a (euro) 7 500,00; ii) Tratando-se de microempresa, de (euro) 3 000,00 a (euro) 11 500,00; iii) Tratando-se de pequena empresa, de (euro) 8 000,00 a (euro) 30 000,00; iv) Tratando-se de média empresa, de (euro) 16 000,00 a (euro) 60 000,00; v) Tratando-se de grande empresa, de (euro) 24 000,00 a (euro) 90 000,00.”.
Constando, por seu turno, do seu artigo 19.º, n.º 1, a classificação de pessoas coletivas como: “a) «Microempresa», quando empreguem menos de 10 trabalhadores; b) «Pequena empresa», quando empreguem entre 10 e 49 trabalhadores; c) «Média empresa», quando empreguem entre 50 e 249 trabalhadores; d) «Grande empresa», quando empreguem 250 ou mais trabalhadores.”, acrescentando o seu n.º 2 que [p]ara efeitos de aplicação do número anterior, tem-se em consideração o número de trabalhadores ao serviço a 31 de dezembro do ano civil anterior ao da data da notícia da infração autuada pela entidade competente (…)”.
Sublinhe-se que, no confronto entre o regime legal em vigor à data da prática dos factos e o regime entretanto introduzido pelo aludido Decreto-Lei n.º 9/2021, a entidade administrativa decidiu, e bem, aplicar o regime pretérito, precisamente porque, à luz daquele primeiro, a recorrente teria de ser qualificada nos termos do mesmo diploma como uma grande empresa (por possuir 389 trabalhadores) e, consequentemente, à luz do disposto no artigo 18.º, alínea b), ponto v) tratando-se da prática de uma contraordenação grave, classificada como tal pelo artigo 31.º, n.º 2, também na redação atual, a moldura da coima situava-se entre os € 12.000,00 (doze mil euros) e os € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros).
Ora, como é sabido, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do R.G.C.O.C., sob a epígrafe “aplicação no tempo”, a punição da contraordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende, acrescentando, porém, o seu n.º 2 que se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada.
Idêntico preceito encontra-se igualmente inserto no citado Decreto-Lei 9/2021, no seu artigo 3.º.
Por conseguinte, ao estabelecer a lei que, havendo uma alteração legislativa entre a prática da infração e a decisão que sobre aquela recaiu, o julgador é obrigado a aplicar a lei mais favorável ao infrator, sendo que, para tanto, é necessário fazer separadamente os dois ou mais cômputos das sanções aplicáveis (face a todas as leis que se sucederam no tempo), escolhendo-se e determinando a medida da sanção a aplicar em concreto com cada uma das leis em presença e que se atenda não só a sanção, mas também ao regime globalmente aplicável, já que (…) não podem ser misturados ou combinados os dispositivos mais favoráveis de cada uma das leis concorrentes, sob pena de o aplicador do direito se arvorar em legislador, formando, no seu hibridismo, uma terceira lei dissonante de qualquer das leis em jogo.”[2].
E sendo assim, como efetivamente o é, então, talqualmente foi decidido pela entidade administrativa, comparando as duas molduras contraordenacionais em confronto, dúvidas não quedam que é bem mais favorável para a recorrente a aplicação do disposto no artigo 31.º, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 78/2018, uma vez que nesta a moldura fixa-se entre os € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) e os € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) e na redação atual, aquele limite mínimo é fixado logo nos € 12.000,00 (doze mil euros).
Portanto, tal como o fez a entidade administrativa, também aqui se terá em linha de conta a redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, por ser concretamente mais favorável para a aqui recorrente.
Dito isto, vejamos agora se, perante este enquadramento jurídico-legal, assiste ou não razão à recorrente quando apela à aplicação de uma mera admoestação.
Com efeito, importa agora frisar que o aludido Decreto-lei n.º 24/2014, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 78/2018, no leque de sanções que estabelece para o não cumprimento das normas ora violadas pela recorrente, nada prevê quanto à possibilidade de ser aplicada uma admoestação, razão pela qual, e sublinhe-se, aplicando-se o regime pretérito (ou seja, anterior à entrada em vigor do referido Decreto-Lei n.º 9/2021 – veremos melhor infra que este diploma não deixou de prever essa figura jurídica) necessário se torna recorrer, supletivamente, ao quadro geral do R.G.C.O.C. , o qual no seu artigo 51.º estabelece que [q]uando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação”.
Algumas dúvidas surgiram na doutrina quanto à natureza da admoestação estabelecida neste normativo, nomeadamente se se trata de uma “sanção de substituição” aproximativa à “dispensa da pena”, entendendo-a como o equivalente à “dispensa de coima”[3], como uma sanção autónoma de substituição da coima[4] ou antes como um “ato preparatório do arquivamento dos autos ditado pelos princípios da oportunidade e da proporcionalidade e não recorrível”[5] 4.
Sufragamos, pois, o entendimento que o modo como o legislador estabeleceu o regime da admoestação não pode deixar de ser visto ainda como uma medida sancionatória de substituição da coima, admissível em qualquer fase do processo (administrativa e judicial) e, por conseguinte, passível de ser aplicada nesta fase processual, desde que verificados os seus pressupostos.
Isto porque, o legislador legitima a “entidade competente” para aplicar a medida, mas não circunscreve à entidade administrativa com competência para aplicar a coima essa possibilidade.
Acresce dizer que não se divisa qualquer justificação dogmática para impedir o funcionamento da admoestação como medida de substituição à coima na fase jurisdicional do processo de contraordenação, verificados os pressupostos substantivos da sua aplicação.
Motivo pelo qual a admoestação a que se alude no aludido artigo 51.º não trata apenas de uma sanção/ato suscetível de ser aplicado na fase administrativa do processo, mas, independentemente de o ser, é também uma verdadeira sanção de substituição da coima, aplicada na fase judicial, desde que preenchidos os seus pressupostos, os quais decorrem da constatação da reduzida gravidade da infração (ilicitude) e da diminuição da culpa do agente, a aferir por referência a um padrão médio da gravidade da contraordenação e da culpa do agente, de modo tal que, no caso concreto, a imagem global da gravidade da contraordenação e da culpa do agente se apresente sensivelmente inferior ao que é comum.
Ou seja, a reduzida gravidade quer da contraordenação, quer da culpa do agente tem de aferir-se, em concreto, em função dos factos provados que as têm de evidenciar, salientando-se que essa reduzida gravidade tem de existir em simultâneo no campo da ilicitude e, ainda, no da culpa do infrator.
Descendo, então, novamente ao caso em apreço, verificamos que o sobredito diploma, naquela redação anterior, não procedia à classificação das contraordenações por referência à respetiva gravidade, ou seja, o citado artigo 31.º, à data, não as categorizava expressamente como leves, graves ou muito graves (atualmente, por força da alteração introduzida pelo referido Decreto-Lei n.º 9/2021, já o faz, como de resto vimos supra).
Destarte, dúvidas não quedam que, comparando cada uma das molduras previstas nos seus n.ºs 1 e 2 e, em particular, neste último preceito, porque a recorrente é uma pessoa coletiva e como tal a infração por ela cometida é enquadrável nesse preceito, o legislador previu claramente uma escala ascendente das respetivas molduras contraordenacionais a aplicar consoante o respetivo grau (também ascendente) de gravidade das infrações cometidas.
Senão vejamos.
O aludido n.º 2, na sua alínea a), prevê uma moldura entre €1.500,00 (mil e quinhentos euros) e €8.000,00 (oito mil euros), ao passo que a sua alínea b) estipula uma moldura entre €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) e € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) e, finalmente, a alínea c) fixa uma moldura entre €3.500,00 (três mil e quinhentos euros) e €35.000,00 (trinta e cinco mil euros).
O que significa que o próprio legislador, embora sem recorrer, à data, à expressa identificação de cada uma das infrações previstas nas descritas alíneas do n.º 2 (o mesmo sucedendo no seu n.º 1), como leves, graves e muito graves (o que passou a ocorrer, repita-se, após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 9/2021), ao prever diferentes molduras da coima a aplicar consoante a infração praticada se enquadre na alínea a), b) ou c), agravando-as nos seus limites mínimos e máximos, quis claramente diferenciar as contraordenações previstas em cada uma dessas alíneas consoante a respetivo grau de gravidade, sendo a menos grave a prevista na alínea a) e a mais grave a prevista na alínea c).
Consequentemente, podemos mesmo afirmar que a contraordenação prevista na sua alínea a) é leve, já a da alínea b) é grave e, por fim, a da alínea c) é muito grave.
De facto, nesta matéria, perfilhamos in totum o entendimento vertido no Acórdão da Relação de Coimbra de 06 de novembro de 2013, segundo o qual: “(…) A gravidade da contra-ordenação depende, sem dúvida, do bem ou interesse jurídico que a mesma visa tutelar e, ainda, do eventual benefício retirado pelo agente da prática daquela e do resultado ou prejuízo causado. Contudo, além disso, a gravidade da contra-ordenação pode, também, depender ou aferir-se a partir directamente da lei. É o caso, por exemplo, das contra-ordenações estradais em que o legislador as qualifica, em função da sua gravidade, como simples, graves e muito graves. Pois bem, em sede de contra-ordenações ambientais, também a lei as qualifica, nos termos referidos, como leves, graves e muito graves. No caso em apreço, estamos perante uma contra-ordenação considerada grave. Aqui chegados, é preciso ter presente que o artigo 51.º, n.º 1, do RGCOC consagra o seguinte: “Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.” Assim, a aplicação da admoestação no processo de contra-ordenação depende de ser reduzida a gravidade da infracção e da culpa do agente. Como já referimos, a infracção cometida pelo recorrente é qualificada como grave, o que exclui a possibilidade de aplicação da admoestação nos presentes autos.”[6].
De igual forma, no Acórdão da Relação do Porto de 17 de setembro de 2014, ficou consignado que “(…) Algumas dúvidas surgiram na doutrina quanto à natureza da admoestação estabelecida neste normativo, nomeadamente se se trata de uma «sanção de substituição» aproximativa à «dispensa da pena», entendendo-a como o equivalente à “dispensa de coima” (Santos Cabral e Oliveira Mendes, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Coimbra Editora, 2009, p. 174), como uma sanção autónoma de substituição da coima (António Beça Pereira, Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, 8ª edição Coimbra, 2009, pp. 27 e 129) ou antes como um «acto preparatório do arquivamento dos autos ditado pelos princípios da oportunidade e da proporcionalidade e não recorrível» (Frederico Lacerda da Costa Pinto, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano VII, fasc. 1 p. 92). Pese embora o pouco esclarecedor quadro normativo que envolve a «admoestação» no domínio do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (Decreto Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro) entendemos que o modo como o legislador estabeleceu o regime da admoestação não pode deixar de ser visto ainda como uma medida sancionatória de substituição da coima, admissível em qualquer fase do processo (administrativa e judicial) e por isso passível de ser aplicada nesta fase processual, desde que verificados os seus pressupostos. Resulta serem requisitos cumulativos da aplicação da sanção de admoestação a reduzida gravidade da contra-ordenação e a reduzida gravidade da culpa do agente. Certo é que a gravidade da contra-ordenação depende, por um lado, do bem ou interesse jurídico que a mesma visa tutelar e, por outro lado, do eventual benefício retirado pelo agente da prática daquela e do resultado ou prejuízo causado. A gravidade da contra-ordenação pode ainda depender ou aferir-se a partir directamente da lei. É o caso das contra-ordenações estradais em que o legislador as qualifica em função da sua gravidade como simples, graves e muito graves. Também em sede de contra-ordenações ambientais, a lei as qualifica, nos termos referidos, como leves, graves e muito graves. Quanto à gravidade da culpa do agente ela depende, fundamentalmente, da forma como o mesmo agiu, isto é, com dolo ou negligência, bem como do grau de dolo – directo, necessário e eventual – e da negligência – simples ou grosseira. Esclarecem os Drs. Simas Santos e Lopes de Sousa, R.G.C.O. an. 2002, pág. 316 e seguintes que: Nos termos deste artigo, nos casos de reduzida gravidade da contra-ordenação, a autoridade administrativa pode proferir uma admoestação em vez da coima e sanções acessórias abstractamente aplicáveis às contra-ordenações, se a culpa do agente o justificar. Esta possibilidade de proferir admoestação está, assim, reservada para as contra-ordenações de reduzido grau de ilicitude, pelo que será de afastar aquelas a que são potencialmente aplicáveis sanções acessórias...Por outro lado, se houver uma qualificação legal de contra-ordenações em função da sua gravidade, deverão considerar-se de reduzida gravidade nos casos em que a lei as qualifique como leves ou simples...Em coerência com esta opção legislativa, a possibilidade de ser proferida admoestação deverá ser afastada nos casos em que o agente retirou um benefício económico da prática da contra-ordenação. A admoestação encontra-se reservada para contra-ordenações leves ou simples (assim, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do R.G.C.O. à luz da C.R.P. e da C.E.D.H., 2011, p. 223 e Simas Santos, Lopes de Sousa, R.G.C.O. an. 2002, p. 316). Tecidas estas considerações, atentemos no caso em apreço. Revertendo para a sentença em crise, citemos um trecho, com o qual concordamos: “Nos termos do disposto no art. 51º, nº1 do D.L. 433/82 de 27 de Outubro quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação. Trata-se de uma alternativa para os casos de pouca relevância do ilícito criminal e da culpa do agente, isto é, para contraordenações leves ou simples, ou seja, quando quer a gravidade do ilícito quer a culpa sejam reduzidos – cfr: PAULO PINTO de ALBUQUERQUE, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, p. 222 e ss. e SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 2011, p. 394. In casu, apesar da actuação da arguida com mera culpa, basta ponderar o supra exposto, para afastar a reduzida gravidade da conduta ou concluir pela existência de culpa ou ilicitude diminutas a justificar a aplicação de simples admoestação, porquanto não estão de todo verificados os pressupostos a que alude a enunciada disposição legal.” Efectivamente, conforme já referimos, a aplicação da admoestação no processo de contra-ordenação depende de ser reduzida a gravidade da infracção e da culpa do agente e, no caso em apreço, a infracção cometida pelo recorrente é qualificada como grave, o que exclui a possibilidade de aplicação da admoestação nos presentes autos (neste sentido, entre outros, o Ac. da Relação de Évora de 11-9-2012, proc. nº 29/12.6TBARL.E1 e o acórdão da Relação de Coimbra, proc. nº 60/13.4TBLD.C1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).”[7].
No mesmo sentido, não podemos deixar de chamar à colação o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de n.º 6/2018, de 14 de novembro “(…) a aplicação de uma admoestação depende, desde logo, da maior ou menor ilicitude da infração. Esta ilicitude poderá ser aferida tendo em conta o que expressamente o legislador considerou - caso que se torna evidente quando o legislador classifica a infração de grave ou muito grave ou leve (aliás, de acordo com a classificação prevista no art. 21.º, da lei-quadro das contraordenações ambientais, Lei n.º 50/2006, de 29.08). No caso em discussão, o legislador referiu expressamente que constituíam uma contraordenação grave as previstas no n.º 2, do art. 34.º, do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 03.04, pelo que não se pode considerar estar preenchido um dos requisitos impostos pelo art. 51.º, n.º 1, do RGCO - a "reduzida gravidade da infração". A gravidade de uma infração é determinada pela gravidade da ilicitude pressuposta pelo legislador. Ao classificar uma dada infração como grave o legislador considerou-a, em abstrato, portadora de uma ilicitude considerável, o que terá desde logo determinado uma moldura da coima com limites mínimos e/ou máximos superiores àqueles que foram determinados para as contraordenações que entendeu como sendo de gravidade menor ou de média gravidade. Depois, em função do caso concreto, e dentro dos limites da coima prevista pelo legislador, ir-se-á determinar a medida concreta da sanção em atenção às finalidades de punição das coimas e em atenção à culpa do agente. Todos estes elementos poderão ser determinantes para que se entenda que, pese embora se trate de uma contraordenação grave, portadora de uma ilicitude, em abstrato, grave, atento o caso concreto dever-se-á entender que o agente deverá ser punido com uma sanção próxima do seu limite mínimo. Porém, não se pode considerar que, atento o caso concreto, a ilicitude da conduta diminua de gravidade, depois de o legislador a ter classificado como sendo uma contraordenação grave, porque portadora de uma ilicitude considerada grave. Na verdade, sempre que o legislador, de forma geral e abstrata, classifica a infração como sendo grave, não poderá o julgador modificar a lei atribuindo menor gravidade àquela ilicitude. Por isto, não pode deixar de se entender que a classificação legal de uma contraordenação como grave afasta logo a possibilidade de o julgador considerar que aquela mesma contraordenação grave afinal é de "reduzida gravidade". O legislador, ao classificar as contraordenações como graves, muito graves ou leves pretendeu assegurar o princípio da proporcionalidade entre as infrações e as sanções previstas. Este princípio não é assegurado sempre que atenta a gravidade da infração se decide pela aplicação de uma sanção que pressupõe a reduzida gravidade daquela. Pelo que, estando subjacente à admoestação uma menor ilicitude da conduta (assim, Augusto Silva Dias, ob. cit., p. 167), somos forçados a considerar que esta sanção não poderá ser aplicada às contraordenações expressamente classificadas pelo legislador como sendo contraordenações graves atenta a "relevância dos direitos e interesses violados" (art. 21.º, da lei-quadro das contraordenações ambientais) [também no sentido da aplicação da admoestação a contraordenações "de reduzido grau de ilicitude", Simas Santos e Leal Henriques (ob. cit., p. 394) expressamente concluem que "se houver uma qualificação legal de contra-ordenações em função da sua gravidade, deverão considerar-se de reduzida gravidade nos casos em que a lei as qualifique como leves ou simples"; ou considerando que se aplica apenas a "contraordenações ligeiras", cf. Alexandra Vilela, O direito de mera ordenação social, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 433, pese embora a entenda como uma sanção acessória]. Um último argumento decorrente da evolução legislativa. Na lei-quadro das contraordenações ambientais, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 114/2015, prevê-se a possibilidade de aplicação de uma advertência (cf. art. 47.º-A), no âmbito da fase administrativa do processo contraordenacional, "a contraordenações ambientais classificadas como leves". Só na fase judicial valem as regras estabelecidas pelo regime geral das contraordenações que prevê, no art. 51.º, a possibilidade de aplicação da sanção de admoestação. Ora se, na fase administrativa, a advertência é aplicada apenas quando estejam em causa contraordenações leves (para além da necessidade de preenchimento de outros requisitos cumulativos determinados no art. 47.º-A, n.º 1), também o mesmo deverá ser entendido quando, na fase judicial, se opte pela sanção de admoestação. Assim sendo, uma contraordenação classificada como grave pelo legislador (nos termos do art. 34.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 78/2004) não poderá ser objeto de uma advertência, na fase administrativa (porque o legislador, no art. 47.º-A, afastou claramente essa possibilidade), não podendo ser igualmente sancionada apenas com a admoestação, na fase judicial.”[8].
Nessa linha de pensamento, já vimos que o legislador do Decreto-Lei n.º 24/2014, na redação conferida pelo aludido Decreto-Lei n.º 78/2018, embora sem classificar as contraordenações que previu no seu artigo 31.º, como leves, graves ou muito graves, claramente graduou-as, por alusão à moldura aplicável a cada uma delas, em função da respetiva gravidade, já que, e centrando a nossa atenção no seu n.º 2, previa como menos graves, o mesmo é dizer, como leve, as contraordenações tipificadas na sua alínea a), como mais graves do que as previstas na alínea a) mas menos graves do que as tipificadas na sua alínea c), as elencadas na alínea b), ou seja, como graves e, finalmente, como muito graves, as referidas na sua alínea c).
Tanto assim que o Decreto-Lei n.º 9/2021 veio precisamente adotar essa classificação, em função da gravidade das contraordenações, prevendo no referido artigo 31.º, no seu n.º 1, as contraordenações muito graves, no seu n.º 2, as contraordenações graves e, finalmente, no seu n.º 3, as contraordenações leves
Certo é que, ainda de acordo com esta nova redação, a violação do disposto no artigo 4.º, do mesmo diploma consubstancia precisamente a prática de uma contraordenação expressamente classificada pelo legislador atual como grave, o que vai ao encontro da classificação que implicitamente decorrida da graduação que aquele preceito fazia, na redação dada pelo referido Decreto-Lei n.º 78/2018, em função da moldura da coima a aplicar, nos moldes que vimos supra.
Isto então para dizer que, no caso em apreço, tendo em atenção a natureza da infração e o grau de ilicitude do facto refletido na moldura da coima abstratamente aplicável [€ 2.500,00 a € 25.000,00, por comparação com a moldura menos grave prevista na alínea a), do n.º 2, do artigo 31.º e com a mais grave prevista no mesmo preceito, mas na sua alínea c)], a contraordenação praticada pela recorrente deve ser considerada grave, encontrando-se por isso excluída a aplicação da sanção de admoestação.
Tal solução decorre, aliás, expressamente da atual redação do artigo 25.º, do citado Decreto-Lei n.º 9/2021, ao estabelecer que a admoestação apenas pode ser aplicada, em substituição da coima, se a infração consistir em contraordenação classificada como leve e a reduzida culpa do arguido o justifique, o que significa que a violação do preceituado no artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 24/2014, sendo classificada como contraordenação grave, à luz do atual artigo 31.º, n.º 2 exclui necessariamente a possibilidade de a respetiva coima ser substituída por uma mera admoestação.
Portanto, sendo a admoestação passível de aplicação apenas e só se a gravidade da infração for reduzia e, cumulativamente, reduzida for a culpa do infrator, então, falhando aquele primeiro pressuposto pelos motivos apontados, afastada fica a possibilidade de se substituir a coima aplicada à recorrente por uma mera admoestação.
Importa dizer que os argumentos avançados pela recorrente no sentido de ter sanado logo a irregularidade/infração detetada, de se ter tratado de um erro informático e de ter reposto a legalidade mesmo antes de ter sido notificada para exercer o seu direito de audição, no âmbito do presente processo contraordenacional, são irrelevantes para efeito de aferir da gravidade da infração propriamente dita (ao nível da sua ilicitude, portanto), apenas assumindo importância ao nível da culpa da recorrente, a qual se mostra claramente diminuída.
E, na verdade, tais fatores (claramente expressivos da culpa diminuta da recorrente) foram devidamente analisados e ponderados pela própria entidade administrativa que, nesse contexto, considerou que a conduta da recorrente não era dolosa, mas sim negligente, aplicando-lhe por isso a atenuação especial da respetiva moldura, nos termos do n.º 3, do aludido artigo 31.º.
De qualquer modo, e verificando-se essa culpa reduzida, já ponderada pela entidade administrativa, falha, no entanto, a reduzida gravidade da infração, face ao supra exposto, o que nos leva a frisar novamente que a coima aplicada à recorrente não pode ser substituída por uma mera admoestação.
Resta dizer que esta coima, no que toca à sua dosimetria, assemelha-se bem aplicada, tendo em conta que, inclusivamente, foi levado em consideração a inexistência de antecedentes contraordenacionais, o facto de a recorrente ter reposto a legalidade ainda antes de ser notificada para exercer o respetivo direito de audição e ter atuado de forma negligente, o que aliás lhe valeu uma atenuação especial da respetiva moldura e, consequentemente, a redução da coima ao seu mínimo legal, correspondente a € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), não se mostrando assim possível, nesta sede, (re)ponderar e sindicar os critérios que foram seguidos a esse propósito (o que aliás nem sequer foi invocado pelo recorrente), precisamente porque a mesma já foi fixada no limite mínimo legalmente previsto.
Improcede, pois, o único fundamento invocado pela recorrente para impugnar a decisão administrativa em apreço que determinou a condenação daquela no pagamento de uma coima no valor de €1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), sendo certo que aquela não alegou qualquer outro argumento para a mesma ser revogada, não se vislumbrando nenhum outro que oficiosamente devesse ser conhecido por este tribunal.
Pelo exposto, deve improceder o recurso na sua totalidade, com a consequente manutenção da decisão recorrida nos seus precisos termos.»
*
Vejamos.
Começando pela questão prévia suscitada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, consideramos que o Tribunal a quo, ainda que não de forma autonomizável e distinta, mas interpolada e ao longo da decisão, acabou por realizar, perante a constatação da sucessão legal de regimes, a necessária avaliação de qual seria mais favorável à arguida.
Neste sentido, a decisão recorrida refere expressamente que o regime resultante da entrada em vigor do DL 9/2021, de 29-01, que instituiu o Regime Jurídico das Contraordenações Económicas (doravante, RJCE) e alterou inúmeros diplomas legais, incluindo o DL 24/2014, de 14-02, aqui em causa, veio determinar a exclusão automática da aplicação da admoestação ao caso concreto, posto que, sendo a contra-ordenação praticada classificada como grave, nos termos do disposto no art. 31.º, n.º 2, do DL 24/2014, de 14-02, ela não pode ser sancionada com admoestação, pois tal medida apenas é aplicável às contra-ordenações classificadas como leves, como dispõe o art. 25.º, n.º 1, do RJCE.
Já no regime vigente à data dos factos, que o Tribunal a quo, e bem, entendeu ser o aplicável ao caso concreto, e a recorrente também não discordou, não vigorando aquela classificação, necessário se tornou justificar por outros fundamentos a não aplicação da admoestação, tarefa que o Tribunal a quo levou a cabo.
Tal seria suficiente para dar por cumprida a comparação de regimes, posto que, nesta perspectiva, o regime actual inviabilizaria automaticamente a possibilidade de admoestação.
Mas o Tribunal a quo abordou, ainda, a questão do limite mínimo da infracção, talvez não desenvolvendo tanto esse argumento – possivelmente por desnecessidade –, mas sendo perfeitamente evidenciado que no regime vigente à data dos factos a sanção prevista seria de coima entre €2500 e €25.000, com redução para metade dos limites mínimo e máximo em caso de negligência (art. 31.º, n.ºs 2, al. b), e 3, do DL 24/2014, de 14-02, na redacção vigente após a entrada em vigor do DL78/2018, de 15-10) e no regime resultante da entrada em vigor do DL 9/2021, de 29-01, seria de coima entre €12.000 e €24.000, com redução para metade dos limites mínimo e máximo em caso de negligência (art. 31.º, n.ºs 2 e 4, do DL 24/2014, de 14-02, na redacção vigente após a entrada em vigor do DL 9/2021, de 29-01, e arts. 8.º, n.º 2, 18.º, al. b), v), e 19.º, n.º 1, al. d), do RJCE).
Ora, sendo a decisão da autoridade administrativa aplicada pelo mínimo, como também se salienta na sentença recorrida, e apenas recorrendo a arguida, tem prevalência o princípio da proibição da reformatio in pejus, quer à luz do art. 72.º-A do DL n.º 433/82, de 27-10, que instituiu o Regime Geral das Contra-ordenações (doravante, RGCO), vigente à data dos factos, quer, posteriormente, à luz do art. 74.º do RJCE.
Também por esta via, apesar de menos fundamentada, justificou o Tribunal a quo a sua opção pelo regime jurídico vigente à data dos factos.
Nesta perspectiva, mostra-se, pois, cumprido o seu dever de fundamentação e decisão.

Entrando agora na fundamentação jurídica do Tribunal a quo que justificou a decisão recorrida, desde já, adiantamos que se acolhe a mesma na íntegra, aqui se dando por reproduzida a argumentação que a sustenta, extensa e completa, sem necessidade de grande discussão.
É verdade que à data dos factos a lei não classificava expressamente pela sua gravidade as infracções previstas no art. 4.º do DL 24/2014, de 14-02, apenas vindo a fazê-lo com a entrada em vigor do DL 9/2021, de 29-01, passando a ser denominadas de graves, dentro de uma escala de três níveis: leves, graves e muito graves (art. 31.º do DL 24/2014, de 14-02).
Então, isto é, à data dos factos, os elementos objectivos disponíveis para classificar as contra-ordenação resultavam do disposto no art. 31.º do DL 24/2014, de 14-02, que, quanto às pessoas colectivas, previa no seu n.º 2:
«Constituem contraordenações, quando cometidas por pessoa coletiva:
a) As infrações ao disposto no artigo 7.º, no artigo 8.º, no n.º 2 do artigo 12.º, no n.º 1 do artigo 19.º, no artigo 20.º, e no artigo 23.º, sendo puníveis com coima entre 1 500,00 EUR e 8 000,00 EUR;
b) As infrações ao disposto no artigo 4.º, nos n.os 1 a 6 do artigo 5.º, no artigo 6.º, no artigo 9.º, no artigo 10.º, no n.º 4 do artigo 11.º, nos n.os 1, 4, 5 e 6 do artigo 12.º, no artigo 21.º, no artigo 26.º, sendo puníveis com coima entre 2.500,00 EUR e 25.000,00 EUR;
c) As infrações ao disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 19.º e no n.º 1 do artigo 28.º, sendo puníveis com coima entre 3.500,00 EUR e 35.000,00 EUR.»

Ou seja, estabelecia o diploma três níveis de sancionamento pecuniário das contra-ordenações, a saber, i) entre €1.500 e €8.000, ii) entre €2500 e €5000 e iii) entre €3500 e €35.000.
Defende o recorrente que esta graduação sancionatória não tem subjacente qualquer juízo sobre a maior ou menor gravidade da infracção, argumentando que daqui apenas resulta que umas são punidas de forma mais intensa do que outras.
Ora, como o recorrente bem invoca, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º, n.º 3, do CCivil).
Um sancionamento acrescido, é do senso comum, apenas pode significar maior gravidade da conduta que abstractamente se prevê. Uma contra-ordenação sancionada de forma mais ligeira é seguramente menos grave do que uma outra sancionada com coima mais elevada.
É assim no âmbito do direito das contra-ordenações, como do direito penal, aplicável subsidiariamente por força do art. 32.º do RGCO.
E na verdade, não encontramos diploma algum em que a previsão, por referência a uma mesma escala de classificação de contra-ordenações, de uma contra-ordenação classificada como leve seja sancionada de forma mais grave do que uma contra-ordenação classificada como grave ou muito grave, nem uma contra-ordenação grave sancionada de forma mais pesada do que uma contra-ordenação muito grave.
Do mesmo modo, no âmbito do direito penal, um tipo de ilícito simples é sempre punido de forma mais leve do que o tipo agravado ou qualificado.
Não há segundas leituras para esta realidade.
Por isso, quando a lei prevê uma escala de sancionamento de contra-ordenações com três níveis de diferentes molduras abstractas de coimas a aplicar, só podemos interpretar que os mesmos representam uma graduação da gravidade abstractamente considerada daquele tipo de conduta, sendo menos grave aquele a que corresponde a moldura abstracta da coima mais baixa e mais grave aquele a que corresponde a moldura mais elevada.
No caso em apreço, a contra-ordenação em causa está sujeita a uma moldura abstracta de coima intermédia, não é a mais baixa, mas também não é a mais elevada.
Com este parâmetro, e de acordo com uma interpretação que vê no texto do art. 51.º, n.º 1, do RGCO – quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação – a referência a uma gravidade abstracta da infracção, é que afastar a possibilidade de aplicação de admoestação no caso concreto, posto que uma gravidade mediana não é equivalente a reduzida.
E optámos por nem recorrer à terminologia habitual no direito contra-ordenacional, entre infracções leves, graves e muito graves, utilizando antes o termo mediana gravidade, para que não houvesse dúvidas de que não se está a assimilar qualquer tipo de solução assumida posteriormente por lei.
Resta, então, analisar se a reduzida gravidade da infracção a que alude o art. 51.º do RGCO se deve aferir pela gravidade abstracta da conduta prevista na lei ou pela concreta gravidade da conduta praticada dentro da previsão legal, no fundo se se trata da gravidade da tipicidade do facto se da gravidade da ilicitude do facto, nas palavras do Senhor Conselheiro Santos Cabral no voto de vencido que subscreveu no âmbito do acórdão para fixação de jurisprudência n.º 6/2018[9], de 26-09-2018, invocado pela recorrente, que entende ser esta última solução a correcta.

Como bem se refere no indicado aresto – ainda que aí esteja em causa contra-ordenação expressamente qualificada por lei como grave - não se pode considerar que, atento o caso concreto, a ilicitude da conduta diminua de gravidade, depois de o legislador a ter classificado como sendo uma contraordenação grave, porque portadora de uma ilicitude considerada grave. Na verdade, sempre que o legislador, de forma geral e abstrata, classifica a infração como sendo grave, não poderá o julgador modificar a lei atribuindo menor gravidade àquela ilicitude. Por isto, não pode deixar de se entender que a classificação legal de uma contraordenação como grave afasta logo a possibilidade de o julgador considerar que aquela mesma contraordenação grave afinal é de “reduzida gravidade”.
No caso de que nos ocupamos, apesar de não estarmos perante uma classificação em termos de gravidade abstracta da infracção expressa por lei, estamos inequivocamente perante uma infracção à qual o legislador reconheceu mediana gravidade, reflectindo esse entendimento na moldura abstracta da coima aplicável, como vimos.
Uma infracção de mediana gravidade em termos de previsão legal, nunca deixa de corresponder a essa classificação, ainda que em concreto a conduta do agente possa revelar uma menor ou maior ilicitude, mas sempre dentro do quadro de gravidade da infracção que o legislador desenhou.
Assim como um homicídio será sempre um crime de elevada gravidade ao nível da tipicidade, ainda que em concreto a ilicitude do agente seja diminuta, justificando a aplicação do mínimo legal da pena, mas nunca atingindo o desvalor de uma mera ofensa à integridade física, também uma contra-ordenação à qual o legislador atribuiu, expressa ou implicitamente, aqui pela severidade da sanção prevista, como no caso dos autos, uma gravidade abstracta de mediano ou elevado grau nunca poderá ser considerada uma infracção de reduzida gravidade, a justificar a aplicação de medida prevista para contra-ordenações de efectiva reduzida gravidade abstracta, ainda que a conduta do agente, pela diminuta ilicitude revelada, justifique a aplicação do mínimo da moldura abstracta da coima.
O legislador é o legislador e o julgador é o julgador.
A interpretação que a recorrente realiza da lei não tem apoio nesta, nem numa interpretação conforme à unidade do sistema jurídico, trocando aqueles papéis e conduzindo a uma solução que o legislador, em inúmeros diplomas respeitantes a ilícitos de mera ordenação social – desde logo o DL 9/2021, de 29-01, que introduziu a classificação das contra-ordenações previstas no DL 24/2014, de 14-02, atenta a sua gravidade, e aprovou o RJCE aí prevendo expressamente a aplicação de admoestação apenas a contra-ordenações classificadas como leves (art. 25.º) –, nunca acolheu.
Terminamos citando e acompanhando o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer quando afirma que «a substituição da coima pela admoestação deverá contemplar apenas infracções punidas com coimas pouco elevadas quando praticadas em circunstâncias especiais que justifiquem que o Estado exerça o seu jus puniendi na modalidade menos gravosa.»
Esse não é caso dos autos, pelo que é de manter a decisão recorrida.
*
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça (art. 8.º do RCP e tabela III anexa e 93.º, n.º 3, e 94.º, n.º 3, do DL 433/82, de 27-10).


Porto, 08 de Março de 2023

(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)

Maria Joana Grácio
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
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[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] In MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA, Contraordenações, Anotações ao Regime Geral, 2.ªedição, página 88.
[3] Cfr. SANTOS CABRAL e OLIVEIRA MENDES, in Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, Coimbra Editora, 2009, página 174.
[4] Cfr. ANTÓNIO BEÇA PEREIRA, in Regime Geral das Contraordenações e Coimas, 8.ª edição Coimbra, 2009, páginas 27 e 129.
[5] Cfr. FREDERICO LACERDA DA COSTA PINTO, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano VII, fasc. 1, página 92.
[6] Acessível em www.dgsi.pt.
[7] Disponível em www.dgsi.pt.
[8] Publicado no Diário da República n.º 219/2018, série I, de 2018-11-14.
[9] Relatado por Helena Moniz (Relator) e publicado no DR n.º 219 I Série, de 14-11-2018, tendo fixado a seguinte jurisprudência: «A admoestação prevista no art. 51.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, não é aplicável às contraordenações graves previstas no art. 34.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 03.04.»