Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
35616/17.7YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: INÊS MOURA
Descritores: CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CLÁUSULA PENAL
Nº do Documento: RP2019011035616/17.7YIPRT.P1
Data do Acordão: 01/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 159, FLS 242-257)
Área Temática: .
Sumário: I – Para se aferir da adequação e proporcionalidade de uma cláusula contratual geral que estabelece uma cláusula penal, há que ponderar o valor dos danos a ressarcir e a pena contratualmente fixada que vale como indemnização pré-determinada, de modo a estabelecer-se uma certa equivalência entre ambos os valores, não sendo a mesma válida quando dela resulta em abstracto uma desequilibrada repartição dos direitos e deveres das partes, sem razão atendível que o justifique.
II – É nula, por ser abusiva, a cláusula penal que dá ao vencedor o direito a haver o pagamento da totalidade do preço, como se o contrato fosse cumprido, sem que haja a efectiva correspondência na entrega dos bens, pois que fica desonerado da sua prestação e pode vender os bens a outrem, o que cria um desequilíbrio nas prestações contratuais, por comparação com o regime geral.
III – Tal cláusula ficciona para o vendedor um prejuízo fora do comum que não tem justificação e que se apresenta como contrário ao princípio da boa-fé.
IV – Excluindo-se a aplicação da cláusula penal, há que recorrer ao regime geral da obrigação de indemnizar, o que impõe o apuramento dos prejuízos efectivamente sofridos pelo credor, sem os ficcionar, competindo-lhe a alegação e prova dos mesmos, enquanto facto constitutivo do seu direito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 35616/17.7YIPRT.P1
Apelação em processo comum e especial

Relator: Inês Moura
1º Adjunto: Francisca Mota Vieira
2º Adjunto: Paulo Dias da Silva

Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do C.P.C.)
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Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
Vem a B..., Ldª instaurar procedimento de injunção, posteriormente transmutado para Acção Especial Para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contrato contra C... e D..., pedindo a condenação solidária destas no pagamento da quantia de € 7.507,62, sendo € 7.136,46 a título de capital, € 19,16 a título de juros de mora, € 250,00 a título de outras quantias e € 102,00 a título de taxa de justiça paga.
Alega, em síntese, para fundamentar o seu pedido, que se dedica à actividade de fabricação de calçado, vestuário e acessórios, tendo as RR. em 12/11/2016 encomendado diversos sapatos, conforme as notas de encomenda que junta. Aquando da encomenda as RR. aceitaram as condições gerais de venda expressas, impressas no verso das notas de encomenda, que lhe foram lidas, explicadas e por estas aceites, onde constam as condições para o cancelamento ou modificação da NE. Não tendo as RR. no prazo estabelecido de oito dias, cancelado, alterado ou modificado as referidas notas de encomenda, a A. procedeu ao envio dos bens e emitiu as facturas n.º 2017/29 e n.º 2017/31, ambas datadas de 13-03-2017 e no montante de, respectivamente, 3.456,30€ e 3.680,16€, tendo as RR. recusado a encomenda no momento da entrega e não pagaram as facturas que se encontram em dívida, sendo também devidos juros de mora à taxa legal, desde o vencimento das facturas.
Devidamente citadas as RR. vieram deduzir oposição, concluindo pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
Aceitam que efectuaram uma encomenda de diversos pares de sapato, referindo que chegaram á conclusão que o valor ficaria incomportável para quem se encontrava em início de actividade, contactando telefonicamente a A., dentro dos 8 dias seguintes à mesma, dando-lhe conta da sua intenção de cancelar a nota de encomenda, tendo inclusive, sugerido a marcação de uma reunião para que tais motivos lhe fossem devidamente explicados. Face á não marcação da referida reunião reiteraram a sua decisão de anular a encomenda, como o fizeram via email. Mais alegam que a nota de encomenda, fornecida pela A. utiliza cláusulas gerais não negociadas constantes do verso do impresso que configuram verdadeiro contrato de adesão e cujas condições enunciadas no art.º 4 do requerimento injuntivo se integram no conceito de cláusulas abusivas, cujo conteúdo é manifestamente atentatório e contrário á boa fé, ao dar a possibilidade da A. caso haja recusa ou não sejam entregues os bens, a mesma ficar com aqueles e ainda ser devido o seu preço. Tais cláusulas que constam do verso do documento nunca foram comunicadas às RR., devendo ser consideradas não escritas. Mais referem desconhecer as facturas que dizem não lhes terem sido enviadas, não tendo também existido tentativas de entrega da mercadoria em causa.
Foi designada e realizada a Audiência de Discussão e Julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu as RR. do pedido contra elas formulado.
Por não se conformar com a sentença proferida a A. vem interpor recurso da mesma, pedindo a sua revogação e substituição por outra que condene as RR. no pedido, formulando para o efeito as seguintes conclusões que se reproduzem:
1. A Mta. Juiz “a quo”, proferiu a sua decisão de julgar improcedente a presente ação e absolveu as Rés do pedido contra si formulados, julgando ainda nulas e excluídas do contrato, as “condições gerais” constantes do verso das notas de encomenda, por abusivas, não comunicadas e não explicadas;
2. Salvo o devido respeito e que é muito, a recorrente entende que tal decisão não está conforme à lei e aos factos que se podem extrair da prova produzida em audiência de julgamento.
3. Na opinião da recorrente, os depoimentos gravados do representante legal da Autora e da testemunha por si arrolada e produzidos na audiência de julgamento, impunham uma decisão diferente;
4. Desde logo resulta que encomenda resultante dos documentos nº 20 a 24 juntos aos presentes autos, em 12/11/2016, tendo assinado a Nota de Encomenda, onde na folha de rosto consta em forma de destaque o seguinte: “Esta nota de Encomenda está sujeita às condições gerais de venda expressas no verso” chamando desde logo à atenção para as cláusulas que constam no verso daquela.
5. Sendo que essas cláusulas constavam do verso e a verdade é que a Ré D... conhecia muito bem os seus termos exatos, nomeadamente quanto ao prazo que dispunha para proceder ao cancelamento ou modificação da Nota de Encomenda, como resulta do e-mail que enviou (onde demontra que sabe quais os prazos e o modo) e como consta no nº 1 daquelas Condições e que se depreende do extrato das transcrições;
6. E que como se disse resulta do email que a Ré D... enviou à autora em 16 de Novembro, que “como estipulado no contrato ainda se encontra dentro do prazo estipulado de 8 dias para retificação ou anulação da encomenda”.
7. E que é demonstrativo que conhecia o teor das clausulas que constavam do verso da nota de encomenda. Aliás, reproduziu-as em parte no mail supra.
8. Até porque a versão alegada pela Ré, além de não ser credível a verdade é que a Ré no email que envia à Autora é especifico e não mencionou qualquer outro prazo.
9. É difícil acreditar que a Ré, que alega não conhecer as cláusulas contratuais gerais constantes no verso da Nota de Encomenda, quando é certo que assinou que tais clausulas lhe foram lidas e lhe foram dadas a conhecer.
10. Significa isto que o seu conhecimento lhe advém das mesmas cláusulas lhes terem sido lidas e explicadas, apesar das Rés o terem negado, conforme é uso e costume na empresa da Autora, conforme fora corroborado pela testemunha E....
11. Cumpre acrescentar que, sendo a assinatura da nota de encomenda atribuída à Ré, não impugnou a sua assinatura.
12. E até porque a prova da genuinidade da assinatura faz presumir, nos termos donº 2 do art. 376.º do C. Civil, a veracidade do seu conteúdo (Acórdão do STJ, de 04/10/94 –CJ/S, Ano II –II –81/83; e A. Vaz Serra –RLJ, Ano 114 –287).
13. Portanto, mais uma razão, que tem de ser dado como provado que as cláusulas lhe foram lidas e dadas a conhecer.
14. De todo o modo, o ónus probatório competia às Rés, na medida em que constitui fundamento da sua oposição.
15. Além disso, o prazo de 8 dias é para anular encomenda é do conhecimento geral, é um facto notório.
16. Por outro lado, a Lei das Garantias é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores.
17. Ainda, e sem prescindir, do teor do email datado de 16/11/2016 não se depreende que fosse pretensão das Rés anularem o referido contrato.
18. O que se depreende do email da Ré C... é que pretendia retificar a encomenda por si efetuada, por existirem dúvidas acerca dos modelos que respeitavam as referências descritas na Nota de Encomenda.
19. Apenas e só no mail de 21.12.2016, ou seja, decorridos mais de 30 dias após a encomenda, a ré C... refere, pela 1ª vez que pretende anular apenas algumas das encomendas por si efetuadas: “Venho por este meio proceder à retificação do email enviado no dia 16 de Novembro de 2016” ou seja, depreende-se que vem alterar o email que enviou em 16 de Novembro e menciona em seguinte “eu queria anular algumas das encomendas”.
20. E face a isso, a A. ainda conseguiu anular algumas encomendas, mas não a totalidade, pois já estavam na fase de fabricação.
21. Além disso, a Ré D... afirma que sempre foi ela que enviou os aludidos emails mas a verdade é que estes sempre foram enviados através da assinatura da C..., que utilizava o email de C1...@hotmail.com, como resulta do extrato das transcrições da audiência de julgamento;
22. A verdade é que Ré D..., sem qualquer sombra de dúvida, não contou a verdade ao tribunal e desde logo começa por afirmar que foi quem enviou os emails quando os emails foram enviados pela sua irmã.
23. Além disso disse a Ré D... e a Ré C... prestaram um depoimento contraditório quanto a quem tinha ido consigo às instalações da Autora, sendo que a
D... afirmou que tinha ido com as duas irmãs e a C... com a mãe de ambas;
24. A verdade é que as Rés afirmam que uma outra irmã destas também esteve nas instalações da Autora, contudo essa irmã em momento algum foi notificada como testemunha das Rés.
25. Mais referem as Rés C... e D..., que a morada que acordaram com a Autora seria a morada onde viriam posteriormente a abrir a loja, mas que como resulta do email de 21 de Dezembro a Ré C... “o senhor que me ia alugar a loja ter voltado com a palavra atrás”, daí a encomenda ser enviada para a residência daquelas, como residiam com os pais, morada que como é evidente lhes foi fornecida pelas Rés;
26. Aliás é que no email datado de 14/03/2017, enviado pelo E..., colaborador da Autora informou as Rés que iria enviar a encomenda no dia seguinte, solicitando que no caso de existir algum inconveniente em receber aquela encomenda para informar a Autora e após recepcionar a recusa no recebimento da encomenda possibilitou as Rés a procederem ao levantamento da mercadoria nas suas instalações, sendo certo que as Rés nada disseram à Autora;
27. Na verdade as Rés agiram com o intuito de prejudicar a Autora, tendo realizado a Encomenda nas quantidades que entenderam, nunca tendo procedido ao cancelamento da encomenda feita e no momento em que foi para receber a encomenda recusaram o recebimento da mesma;
28. Dai que não podemos concordar com o tribunal “a quo” ao ter dado como facto não provado o Ponto 2, dado que as Rés recusaram a encomenda no momento da sua entrega;
29. Até porque a Autora, agindo de boa fé procurou disponibilizar a entrega da encomenda efetuada, quer através da distribuidora quer através da possibilidade de estas se deslocarem ao armazém para procederem ao levantamento da encomenda efetuada e conforme resultada das facturas que lhe foram remetidas.
30. Além disso, as Rés apesar de negarem o envio das faturas a verdade é que em resposta a outra questão sobre o facto de terem sido interpeladas para o pagamento da quantia reclamada a Ré D... afirmou que foi interpelada para o pagamento da dívida no momento em que lhe enviaram as faturas;
31. E mais, Rés solicitaram à Autora a “Retificação/anulação” da encomenda por si efetuada, invocando que o senhorio da loja onde iriam iniciar o estabelecimento não lhes arrendar a loja, quando posteriormente a Ré C... confirmou que afinal teriam seguido com o projeto no mesmo local:
32. Ainda, não há por parte A. qualquer abuso. Pretende ser paga de parte da encomenda que as Rés fizeram e que foi facturada, contra a da entrega da mercadoria e por isso, não há, nem pode ser considerado abuso por parte da A.
33. Não podemos concordar que face a todas as incongruências já supra demonstradas na audiência de julgamento pelas Rés, o tribunal “a quo” ainda assim as valore quanto à questão das cláusulas gerais contratualizadas entre a Autora e as Rés.
34. No nosso entendimento, o representante legal da Autora F..., é crucial no caso dos presentes autos, ter descredibilizado o seu depoimento por entender que esta testemunha não foi capaz de dizer quem leu e explicou as cláusulas gerais contratuais constantes no verso da Nota de encomenda não podemos concordar com tal apreciação, pois não é isso que decorre do dito depoimento devidamente analisado
35. Aliás, tal resultou da acareação entre a testemunha F... e a Ré D..., mas a verdade é que a Ré quando confrontada limitou-se apenas a negar perentoriamente.
36. Muito embora, a aludida testemunha, a dado momento da audiência de julgamento tenha efetivamente dito que achava que tinha sido o próprio quem leu as cláusulas, sem precisar com toda a certeza a verdade é que tal as normas da empresa impunham que as referidas cláusulas fossem lidas.
37. Contudo, o Tribunal “a quo”, com o devido respeito não foi rigoroso ao ter credibilizado a Ré D..., uma vez que o depoimento prestado por esta não se coaduna com a verdade dos factos.
38. A verdade é que a testemunha E... prestou um depoimento isento e bastante credível, até pelo facto de que não ser parte no processo e que demonstrou conhecer todo o procedimento contratual, descrevendo como norma da empresa da Autora a leitura e explicação das cláusulas gerais contratuais constantes no verso da Nota de encomenda.
39. Bem como, que as Rés não receberam a encomenda porque a testemunha E... informou-as por email que teria enviado naquele dia à transportadora a encomenda por elas realizada.
40. Ora, não há por parte da A. qualquer abuso.
41. O que a Autora pretende é receber parte da encomenda que as Rés fizeram, pois, face ao e-mail de 21.12.2016, decorridos mais de 30 dias após a encomenda, ainda foi a tempo de mandar parar a produção da totalidade da encomenda;
42. Até porque não possível mandar parar a produção e havia disso encomendado pelas Rés, facturou, enviou a encomenda para as Rés e estas recusaram-se a recebê-la e a pagar.
43. A A. contra o pagamento entrega a mercadoria que consta das faturas.
44. Portanto, com o devido respeito não há, nem pode haver qualquer comportamento abusivo por parte da A.
45. Há sim, abuso é por parte das Rés.
46. Que encomendaram (12.11.2016) o que entenderam, assinaram a a nota de encomenda, bem como declararam que lhes foi dado conhecimento das cláusulas que constam do verso da encomenda.
47. E só em 21.12.2016 referem, pela 1ª vez, que pretendem anular algumas encomendas.
48. Quando já haviam decorrido mais de 30 dias. Estamos a falar de venda de sapatos da colecção de primavera.
49. Daí, decorrido 8 dias após a encomenda, a A. ordenar a sua produção.
50. A A. ainda cancelou a fabricação do que pôde.
51. O que não conseguiu, avisou as Rés que não poderia anular o que já estava a ser produzido.
52. Tendo avisado as Rés da sua entrega e enviado as faturas.
53. As rés recusaram receber a mercadoria e recusam-se a pagar.
54. Quando a A. pretende receber e entrega a mercadoria, como resulta dos mails enviados.
55. Com o devido respeito, não há por parte da Ré qualquer comportamento abusivo. Já o mesmo não de pode dizer das Rés.
56. A Autora cumpriu com os deveres que sobre ela impendiam.
57. Que tudo fez para minorar prejuízos para as Rés.
58. Relativamente às cláusulas gerais, aqui nem sequer, com o devido respeito, são aplicáveis.
59. Até porque as Rés são comerciantes, encomendaram sapatos para os venderem em loja ao público.
60. Sendo por isso, a Lei das Garantias aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores.
61. O que não ocorre in casu, as Rés não são consumidores.
62. Pelo que ocorre erro na aplicação do direito, o que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.
63. Sem prescindir e no caso de assim não se entender, importa deste logo referir que quanto ao dever de comunicação consagrado no artigo 5.º do Decreto-Lei nº 446/85, tem sido entendido pela doutrina que a concretização de tal dever é cumprido quando a referência às condições gerais do contrato se apresente no documento de forma aberta e inequívoca permitindo que o aderente se aperceba da sua existência e fique aberto o caminho para tomar conhecimento efetivo dessas mesmas cláusulas.
64. Neste sentido, referem os Autores Almeida e Costa e Meneses Cordeiro, em Clausulas Contratuais Gerais, Almedina, 1986, pág. 25, que: “O dever de comunicação é uma obrigação de meios: não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas desenvolver, para tanto, uma actividade razoável. Nessa linha, o n.º 2, esclarece que o dever de comunicação não varia, no modo da sua realização e na sua antecedência, consoante a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas. Como bitola, refere-se a lei à possibilidade do conhecimento completo e efectivo das cláusulas por quem use de comum diligência. Encontra-se aqui uma afloração do critério geral de apreciação das condutas em abstracto e não em concreto.”
65. Até porque o dever de informação consagrado no artigo 6º do mesmo diploma, impõe que o contratante torne acessível, ao aderente, os aspetos compreendidos nas cláusulas contratuais cuja aclaração se justifique, incluindo, ainda, o dever de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.
66. A lei não obriga a que o utilizador “leia as cláusulas” ao aderente, mas sim que permita o seu conhecimento completo e efetivo, bastando-lhe para tal usar de comum diligência.
67. No entanto, e para que dúvidas não restem, cumpre esclarecer que, a autora, aquando da celebração do contrato, cumpriu na íntegra e devidamente os deveres de comunicação e informação a que estava obrigada perante a subscritora da Nota de Encomenda.
68. Sendo genericamente entendido pela jurisprudência que tais condições gerais e respetivas cláusulas devem ser consideradas válidas. Veja-se, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2 de Maio de 2006, in www.dgsi.pt: “(...) se, no rosto do documento, antes da assinatura dos contratantes, se referiu expressamente que o contrato de mútuo celebrado era o «constante das Condições Específicas e Gerais seguintes», e se, constando tais «condições gerais» do verso do documento, onde foram previamente impressas sem nenhum formulário, se provar que não passaram despercebidas aos contratantes, não há qualquer violação ao disposto no artigo 8º, al. d), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10.” 12. E certo é que as recorrentes apuseram a sua assinatura abaixo de onde constam os seguintes dizeres “o locatário e os avalistas reconhecem expressa e inequivocamente que as condições gerais do presente contrato, que constam do verso bem como as condições particulares do mesmo, lhes foram comunicadas e explicadas com antecedência e pelo modo necessário, pelo que têm do contrato um conhecimento completo e efetivo”.
69. Ou seja, o proponente das cláusulas deve, por um lado, “transmitir” o clausulado ao aderente e, por outro lado, tornar possível o real conhecimento de tais cláusulas por parte do mesmo, não tendo, todavia, de assegurar o real conhecimento das cláusulas por parte do aderente.
70. O que a lei obriga é que seja dada a possibilidade ao aderente de, usando de comum diligência, aceder ao conhecimento efetivo das cláusulas. A ser de outra forma inviabilizar-se-ia qualquer atividade comercial em grande escala, não tendo sido essa a intenção do legislador.
71. Nem tão pouco foi, como pretendem as recorrentes, a de atribuir ao aderente uma posição de inércia perante a contratação, ou até mesmo de falta de diligência e de cumprimento de deveres de cuidado mínimos. Por essa razão se refere que “o dever de comunicação é uma obrigação de meios: não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas de desenvolver para tanto uma actividade razoável”.
72. Deste modo, há que concluir que da parte da Autora, o dever de comunicação foi integralmente cumprido, desde logo porque tal contrato foi facultado às partes num contexto em que estas poderiam ter, muito bem, lido todas as cláusulas, bem como colocar todas as dúvidas que tais cláusulas lhe suscitassem.
73. Acresce que a modelação concreta do ónus do proponente em proporcionar a razoável possibilidade de conhecimento das cláusulas ao aderente vai depender da importância do contrato e da extensão e complexidade das cláusulas, bem como das circunstâncias que caracterizam o próprio aderente, sendo tal ónus menos intenso no caso de o aderente se tratar de uma empresa.
74. Além disso, a Jurisprudência recente sufraga todo o entendimento exposto supra, assumindo como suficiente ao cumprimento do dever de comunicação a conduta do proponente que entrega a minuta do contrato ao aderente, contendo as referidas cláusulas, da mesma forma, entende-se que o dever de informação se tem por cumprido a partir do momento em que os contratos se mostram assinados, sendo presunção bastante de que o aderente os entendeu. Nesse sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 24.03.2011 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 16 de Dezembro de 2009.
75. Contudo, apesar do alegado pelas rés de que tais cláusulas não lhe foram lidas, e que por isso, não sabiam exatamente o prazo de que dispunham para anularem ou retificarem a encomenda por si efetuada, a verdade é que o email datado de 16 de Novembro de 2016 as Rés aludem aos 8 dias de que dispunham para o efeito.
76. É evidente que tudo lhes foi devidamente comunicado e que do teor do contrato os executados tomaram pleno conhecimento, tendo assinado e/ou rubricado todas as suas páginas!
77. Contudo ainda que tal cláusula não lhe fosse lida, nem lhe fosse explicada nem sequer constasse daquelas cláusulas Gerais a verdade é que o prazo legalmente estabelecido para que as Rés anulassem a aludida nota de encomenda sempre seriam os 8 dias, o que não sucedeu.
78. Daí não ocorrer por parte da A. violação de quaisquer deveres de comunicação
79. Ter-se-á de concluir, face ao tudo exposto, pela validade e consequente aplicabilidade das condições gerais do contrato celebrado, as quais foram subscritas
com pleno conhecimento das rés.
80. Além disso, a invocação pelas Rés, apenas depois de judicialmente demandadas para os termos do incumprimento do contrato, alegarem uma suposta violação do referidos deveres de comunicação e informação – que foram cumpridos, como se explicitou e tudo isto sem que nunca antes tenham invocado qualquer pretenso desconhecimento do contrato que celebraram, nem qualquer suposta violação dos referidos deveres – apesar dos vários contactos com eles havidos -, configura não só um manifesto venire contra factum proprium, como constitui a invocação de excepção contra a boa fé.
81. As cláusulas gerais em referência, constam em letra de dimensões médias (cujo tamanho de letra deverá aproximadamente o 10), o que desde logo facilita a leitura, e atento o tecnicismo do seu conteúdo, estava ao alcance de compreensão de qualquer cidadão comum, em particular das Rés, que se tratam de pessoas com escolaridade média como as Rés.
82. Não se trata de cláusulas contratuais semelhantes às cláusulas contratualizadas entre as empresas de massa e que possuem páginas e páginas de cláusulas contratuais, as quais na maioria das vezes não se consegue sequer visualizar.
83. As cláusulas contratuais constantes na Nota de Encomenda da Autora além de serem legíveis são ainda sintéticas, cabendo apenas no verso da pagina em formato A4, de fácil compreensão e ainda possuem em letra grande o teor a que a cláusula se refere.
84. Além disso, em letra de tamanho considerável consta também no rosto da Nota de Encomenda que tal estaria sujeito às condições gerais de venda expressas no verso, onde logo em seguida a Recorrida assinou e que era impossível que não visse tal anotação.
85. As condições gerais encontram-se totalmente impressas em letra bem legível.
86. Contudo ainda que assim não se entendesse a verdade é que o prazo para anular a nota de encomenda pelas recorridas, ainda que não resultasse do constantes nas cláusulas gerais contratuais sempre teria que se reger pela lei geral, sendo de igual modo evidente que as Recorridas não o fizeram dentro desse prazo.
87. Por isso, a ação deve ser julgada totalmente procedente e as Rés ser condenadas a pagar à A. a quantia peticionada, acrescidas dos juros vincendos.
88. A douta sentença recorrida, decidindo como decidiu, violou, frontalmente, os artigos 608º e 615º do CPC, art. 874º e 798.º do Código Civil, o artigo 463º do Código Comercial e os artigos 5º, 6º, 8º, 19º do Dec.-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro.
As RR. não vieram responder ao recurso.
II. Questões a decidir
Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelas Recorrentes nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da impugnação da matéria de facto;
- da (in)aplicabilidade das cláusulas contratuais gerais;
- do direito da A. a haver a indemnização peticionada.
III. Fundamentos de Facto
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Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1-A requerente dedica-se à actividade comercial de fabricação de calçado, vestuário e Acessórios.
2- As requeridas encomendaram à requerente, diversos sapatos de pele, camurça, verniz, veludo, conforme as notas de encomenda n.º 12, 13, 14, 15, datadas de 12/11/2016.
3- Do verso das referidas notas de encomenda, consta das condições gerais: “CANCELAMENTO OU MODIFICAÇÃO DA NE: o comprador tem o direito de cancelar ou modificar a NE, por meio de comunicação enviada através do correio registado com aviso de receção, expedida no prazo máximo de oito dias a contar da data aposta na NE. Decorrido esse prazo de oito dias o comprador não poderá cancelar ou modificar a NE. Caso o comprador cancele ou modifique a NE fora do prazo permitido, ou se recuse a recebê-la no momento da sua entrega por parte do Vendedor, ou não pague o preço nos termos da cláusula 13) fica obrigado a pagar na íntegra a quantia correspondente ao valor dos artigos encomendados, a título cláusula de garantia com função penal, podendo ainda o vendedor, vender os artigos a qualquer terceiro, pelo preço que entender.”
4- Decorridos os aludidos oito dias, as requeridas não cancelaram, alteraram ou modificaram as referidas notas de encomenda.
5- A requerente conforme o teor das facturas n.º 2017/29 e n.º 2017/31, ambas datadas de 13-03-2017 e no montante de, respectivamente, 3,456.30€ e 3.680,16€, procedeu ao envio dos bens, designadamente:
três unidades de sapatos com a ref. W.........2301;
uma unidade de sapatos com a ref. W.........4101;
três unidades de sapatos com a ref. W.........5101;
uma unidade de sapatos com a ref. W.........9101;
duas unidades de sapatos com a ref. W.........9101;
duas unidades de sapatos com a ref. W.........8502;
duas unidades de sapatos com a ref. W.........8101;
três unidades de sapatos com a ref. W.........5101;
duas unidades de sapatos com a ref. W.........5201;
duas unidades de sapatos com a ref. W.........4101;
duas unidades de sapatos com a ref. W.........4201;
duas unidades de sapatos com a ref. W.........2603;
três unidades de sapatos com a ref. W.........3201;
três unidades de sapatos com a ref. W.........7202;
três unidades de sapatos com a ref. W.........3201;
duas unidades de sapatos com a ref. W.........1603;
três unidades de sapatos com a ref. W.........1101;
duas unidades de sapatos com a ref. W.........1101;
uma unidade de sapatos com a ref. W.........6502;
duas unidades de sapatos com a ref. W.........2202;
três unidades de sapatos com a ref. W.........3702;
três unidades de sapatos com a ref. W.........9407;
três unidades de sapatos com a ref. W.........6105.
6- A encomenda foi recusada no momento da sua entrega.
7- As Opoentes, no dia 12 de Novembro de 2016, acompanhadas da mãe e uma irmã, dirigiram-se ás instalações da Requerente para verem a colecção de sapatos que se encontrava exposta com intuito de eventualmente adquirir.
8- Efectivamente, as mesmas efectuaram uma encomenda de diversos pares de sapatos.
9- Sucede porém, que, dada a sua inexperiência no ramo, e depois de muito ponderarem, chegaram á conclusão que o valor ficaria incomportável para quem se encontrava em início de actividade.
10- Sendo que, de imediato, a Opoente D..., contactou telefonicamente a aqui requerente, tendo inclusive, sugerido a marcação de uma reunião para que tais motivos fossem devidamente explicados á mesma.
11- Face à não marcação da referida reunião por parte da requerente, as requeridas reiteraram a sua decisão de rectificação da encomenda, como o fizeram via email.
12- A nota de encomenda, fornecida pela Requerente utiliza cláusulas não negociadas pelas requeridas, constantes do verso de tal impresso.
13- Nunca foi referido pela requerente que a anulação da encomenda teria que ser feito por carta registada com Aviso de recepção.
14- Nunca foram comunicadas às requeridas.
15- As referidas cláusulas estão impressas em letra de dimensão reduzida, com um espaço entre as linhas, também muito reduzido, formando um texto muito compacto.
16- A assinatura da Requerida D... verificou-se, na respectiva nota de encomenda.
17- As facturas em causa nunca foram remetidas às aqui requeridas.
18- Os bens teriam que ser entregues no estabelecimento das requeridas, o que não sucedeu, tendo ambas as partes convencionado tal local para entrega.
IV. Razões de Direito
- da (in)aplicabilidade das cláusulas contratuais gerais
Alega a Recorrente que a R. conhecia as cláusulas contratuais constantes da nota de encomenda que assinou, mais referindo que as mesmas lhe foram lidas e dadas a conhecer, tendo cumprido o dever de comunicação a que alude o art.º 5.º do Decreto-Lei 446/85, concluindo que a R. não procedeu à anulação do contrato no prazo de 8 dias aí previsto.
A sentença recorrida considerou aplicável ao caso o regime das chamadas cláusulas contratuais gerais previsto no Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações que posteriormente lhe foram introduzidas, tendo concluído pela nulidade das cláusulas invocadas pela A., considerando-as excluídas do contrato.
Importa, no entanto, ter em conta que embora a sentença tenha excluído a aplicação das cláusulas gerais invocadas pela A. por não terem sido comunicadas, considerando também nula, por abusiva, a cláusula penal estabelecida, entendeu ainda ter existido um incumprimento contratual por parte das RR. por não ser eficaz a resolução unilateral do contrato que as mesmas fizeram, confirmando o seu incumprimento, apenas julgando improcedente a acção pelo facto da A. não ter alegado e provado os concretos danos sofridos que as RR. estariam obrigadas a indemnizar.
O Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro vem estabelecer o regime a que estão sujeitas as cláusulas contratuais gerais. Esta regulamentação surge perante a constatação de que a negociação dos contratos, assente no princípio da igualdade formal das partes, não corresponde, muitas vezes, à realidade concreta. A massificação do comércio jurídico levou ao surgimento de contratos que não são precedidos de fase negocial, limitando-se a liberdade contratual à aceitação ou não de determinada proposta apresentada. Tal regime pretende salvaguardar os interesses da parte contratualmente mais fraca, surgindo como uma emanação do princípio da boa fé.
A designação de contrato de adesão deriva do facto do consumidor ou cliente não ter intervenção na preparação das cláusulas do contrato que lhe é apresentado, limitando-se a aceitar a proposta que lhe é feita e assim a aderir a um conteúdo unilateralmente fixado pela contraparte. Os chamados contratos de adesão apresentam-se como “contratos padrão” e, sendo o seu conteúdo, em regra, formado por cláusulas contratuais gerais, estão sujeitos ao regime estabelecido no Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro.
Na previsão do art.º 1.º n.º 1 do diploma mencionado, cláusulas contratuais gerais são aquelas que são “elaboradas sem prévia negociação individual”, ou seja, são prévia e unilateralmente definidas por um dos contraentes, tendo em vista uma generalidade e pluralidade de pessoas que não as vão negociar e influenciar, no âmbito de um padrão negocial uniformizado.
Dizem-nos Almeida Costa e Menezes Cordeiro, in. Cláusulas Contratuais Gerais, anotação ao Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro, em anotação ao art.º 1.º que: “As cláusulas contratuais gerais manifestam as características seguintes: a) são pré-elaboradas, existindo disponíveis antes de existir a declaração que as perfilha; b) apresentam-se rígidas, independentemente de obterem ou não a adesão das partes, sem possibilidade de alterações; c) podem ser utilizadas por pessoas indeterminadas, quer como proponentes, quer como destinatários.”
O art.º 1.º do diploma referido, com a alteração que lhe foi dada pelo DL 220/95 de 31 de Agosto e DL 249/99 de 7 de Julho, dispõe:
1 – As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respetivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.
2 – O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.
3 – O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.”
Estamos assim perante um contrato de adesão quando as suas cláusulas resultam da imposição de uma das partes- cláusulas pré fixadas, insusceptíveis de serem negociadas.
De notar, no entanto, que nos termos do n.º 2 do art.º 1º do diploma referido, o regime nele estabelecido aplica-se também às cláusulas inseridas em contratos individualizados, desde que o seu conteúdo seja pré-elaborado e que a parte não pode influenciar.
Assim, e uma vez que esta regulamentação se aplica também às cláusulas contratuais gerais inseridas em contratos individualizados, mais do que saber se estamos ou não perante um contrato de adesão o que releva, é saber se a cláusula em questão constitui uma cláusula contratual geral, ou seja, se o seu conteúdo é pré-elaborado e insusceptível de ser influenciado ou negociado pela parte. Se assim for, tal cláusula, ainda que inseridas em contrato individualizado, encontra-se sujeita ao regime de protecção previsto neste diploma. Daí que importe avaliar a cláusula contratual, independentemente do tipo de contrato em que a mesma está inserida, seja ou não contrato de adesão.
Como nos diz o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/11/2012, in. www.dgsi.pt: “Uma cláusula geral pode integrar um contrato de clausulado massificado como pode surgir nos chamados contratos individualizados, isto é, adaptados à relação concreta, o que, de certo modo, não representa já um produto dirigido a um universo de potenciais aderentes. Temos assim como seguro que o regime de favor estabelecido para o contraente “não negociante” pode existir independentemente de ele se encontrar ou não diante de um contrato de adesão, no sentido rigoroso: na verdade, basta que uma ou mais cláusulas não sejam susceptíveis de negociação, na acepção de modificação ou exclusão, para que em relação a elas seja permitido invocar a disciplina das CCG.
Não existindo divergência quanto a considerar-se que estamos perante cláusulas contratuais não negociadas e estabelecidas unilateralmente pela A., vejamos então o teor das duas cláusulas de que a mesma pretende socorrer-se para fundamentar o seu pedido, sendo relevante distingui-las, pelo facto de uma delas consagrar um regime mais favorável para o comprador do que aquele que decorre da lei geral supletiva e a outra um regime mais desfavorável, sendo que, embora ambas tenham sido excluídas por não comunicadas, só a segunda foi considerada nula por abusiva.
É o seguinte o seu teor:
“1)CANCELAMENTO OU MODIFICAÇÃO DA NE: o comprador tem o direito de cancelar ou modificar a NE, por meio de comunicação enviada através do correio registado com aviso de recepção, expedida no prazo máximo de oito dias a contar da data aposta na NE. Decorrido esse prazo de oito dias o comprador não poderá cancelar ou modificar a NE.
2) Caso o comprador cancele ou modifique a NE fora do prazo permitido, ou se recuse a recebê-la no momento da sua entrega por parte do Vendedor, ou não pague o preço nos termos da cláusula 13) fica obrigado a pagar na íntegra a quantia correspondente ao valor dos artigos encomendados, a título de cláusula de garantia com função penal, podendo ainda o vendedor, vender os artigos a qualquer terceiro, pelo preço que entender.”
Quanto ao n.º 1, tal cláusula vem dar ao comprador a possibilidade do mesmo cancelar ou modificar a nota de encomenda no prazo de oito dias, com uma mera comunicação unilateral, ainda que formal, ao vendedor, o que a lei geral não prevê num contrato como o presente. Tal como se refere na sentença recorrida, a parte que celebra um contrato não pode dele desistir sem o acordo da parte contrária e só é admitida a resolução do contrato nos casos expressamente previstos na lei, cujos pressupostos as RR. nem sequer invocam.
Um eventual direito das RR. a “anularem” ou desistirem da encomenda só poderia ter sustentação na mencionada cláusula geral constante do verso da nota de encomenda, daí que a sentença proferida tenha concluído que as RR. não dispunham de qualquer direito a cancelarem a encomenda, pondo unilateralmente fim ao contrato, considerando ineficaz a resolução que fizeram do mesmo.
Ali se refere: “As Rés, numa atitude que, juridicamente, deve ser qualificada como uma resolução, mas sem fundamento ou justa causa juridicamente suficiente e relevante, comunicaram à Autora, via email, em 16.11.2016 a sua intenção de rectificação ou anulação do contrato celebrado e em 21.12.216, via email voltam a reforçar a intenção – agora na hipótese tão só de anulação do mesmo. Afigura-se-nos, efectivamente, que as Rés não podiam, com base nas meras dificuldades económicas que vivenciavam promoverem, como fizeram, a resolução do dito negócio ou negócios (cf. artigos 801.º, 808.º e 432.º e seguintes do Código Civil.”
Face a esta decisão, já se vê que é inútil apreciar a questão da eventual comunicação desta cláusula às RR. pois no máximo a conclusão a que se poderia chegar é a de as RR. podiam ter cancelado a encomenda apenas nos termos nela previstos, o que não fizeram, conclusão esta que é a pretendida pela A. e que foi aquela a sentença recorrida chegou, nesta parte em sentido favorável à pretensão da A., já que considerou não ter existido uma resolução do contrato válida e que as RR. incumpriram o contrato celebrado.
Já o n.º 2 vem estabelecer uma cláusula penal como também foi classificada na decisão sob recurso.
Também quanto a esta cláusula torna-se inútil saber se foi ou não comunicada às RR., na medida em que a sentença recorrida entendeu ser tal cláusula abusiva e por isso nula, nos termos do disposto no art.º 19.º al. c) do diploma referido, por estar em causa a fixação de uma cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir, conclusão que acompanhamos.
Senão vejamos.
A este propósito refere-se na decisão o seguinte: “A proibição (relativa) estabelecida pelo art. 19º, alínea c), do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, depende do quadro negocial padronizado, ou seja, as cláusulas penais em apreço podem ser válidas para uns contratos e não para outros, consoante o caso concreto. A validade desta cláusula penal terá que ser aferida perante o contexto específico e global deste tipo de contrato, tendo em conta natureza da actividade da proponente, aqui Autora, as especificidades do negócio, os valores sancionatórios nela previstos em directo confronto com os danos previsíveis que o não acatamento do acordado, pelo aderente (clientes, aqui as Rés), poderá provocar. A previsão da alínea c) do art. 19º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, pressupõe sempre uma desproporção sensível, não se bastando com uma simples violação – antes exige a violação manifesta. No caso “sub judice”, contempla-se, basicamente, através da fixação da dita cláusula penal, muito mais do que o ressarcimento dos montantes gastos com o investimento realizado pela Autora. Senão, vejamos. O cumprimento do contrato permitiria arrecadar, a título de preço pelos bens adquiridos pelas Rés, a quantia global de € 10.430,40 (incluindo IVA. Era este valor, uma vez pago o preço, que lhe permitiria realizar o lucro esperado e projectado. No entanto, aplicando-se a cláusula 2) supra referida, exceder-se-ía, em muito a salvaguarda do investimento realizado e a obtenção do lucro previamente definido, calculado e esperado. Assim sendo, neste contexto, se vê motivo para declarar a nulidade também desta mencionada cláusula contratual com base na sua grave desproporção relativamente aos danos a ressarcir.”
A cláusula que suporta o pedido indemnizatório que a A. formula na presente acção, é a que consta do n.º 2 do verso da nota de encomenda, com o seguinte teor: “2) Caso o comprador cancele ou modifique a NE fora do prazo permitido, ou se recuse a recebê-la no momento da sua entrega por parte do Vendedor, ou não pague o preço nos termos da cláusula 13) fica obrigado a pagar na íntegra a quantia correspondente ao valor dos artigos encomendados, a título de cláusula de garantia com função penal, podendo ainda o vendedor, vender os artigos a qualquer terceiro, pelo preço que entender.”
A avaliação do contrato celebrado, tanto na sua forma, como no seu teor, revela que tal cláusula é uma das que faz parte das diversas condições gerais do contrato enumeradas e que não são objecto de negociação entre as partes, antes sendo prévia e unilateralmente fixadas pela A. e plasmadas em impresso uniforme, sem que as parte destinatária tenha a possibilidade de interferir no seu conteúdo.
Nesta medida, não restam dúvidas de que à cláusula em questão deve aplicar-se o regime das cláusulas contratuais gerais.
Importa então avaliar da sua (in)validade, à luz do art.º 19.º al. c) do diploma referido. O art.º 19.º que tem como epígrafe “cláusulas relativamente proibidas” vem inserido no capítulo denominado “cláusulas contratuais proibidas”.
Logo o art.º 15.º estabelece o princípio geral de proibição das cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé. Coloca-se assim a boa fé como princípio orientador das cláusulas contratuais gerais. Este princípio é concretizado no art.º 16.º que dispõe: “Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada e, especialmente: a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.”
O art.º 18.º vem estabelecer as cláusulas absolutamente proibidas e o art.º 19.º, por seu turno, dispõe sobre as cláusulas relativamente proibidas, consoante o quadro negocial padronizado. É neste artigo que a al. c) prevê a proibição das cláusulas contratuais gerais que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.
O regime da cláusula penal vem previsto no art.º 810.º do C.Civil que, no seu n.º 1, deixa às partes a possibilidade de fixarem previamente o montante da indemnização por acordo, numa manifestação do princípio da liberdade contratual.
O principal objectivo da cláusula penal é evitar dúvidas futuras e litígios quanto à determinação da indemnização. Mas ela é fixada muitas vezes com o caracter de verdadeira penalidade- vd. neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in. Código Civil anotado, II. Vol., pág. 57, assumindo essa função no caso concreto, no sentido de se apresentar como dissuasora do incumprimento.
No caso em presença, como se viu, a cláusula penal foi previamente estabelecida pela A., sem qualquer intervenção das RR., no sentido de prever, a favor daquela, em caso de incumprimento do contrato, uma indemnização no valor da totalidade do preço previsto no contrato.
Para se aferir da adequação e proporcionalidade da cláusula estabelecida, à luz do disposto no art.º 19.º al. c), há que ter em conta o valor dos danos a ressarcir e a pena contratualmente fixada, que vale como indemnização pré-determinada, de modo a estabelecer-se uma certa equivalência entre ambos os valores.
Diz-nos o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/05/2014, in. www.dgsi.pt a propósito da al. c) do art.º 19.º: “O preceito tem, pois, como pressuposto a aposição de cláusulas penais, que admite, mas sujeitas ao critério da proporcionalidade e da adequação, e tendo sempre em vista o contrato-padronizado em que se inserem. Daí resulta que a proporcionalidade terá sempre de ser ponderada à luz do critério geral da boa-fé, conforme prescrito nos artigos 15.º e 16.º
É preciso não esquecer que quem recorre à utilização de cláusulas contratuais gerais se encontra numa posição de superioridade relativamente aos aderentes, que são privados de interferir na “modelação” da cláusula. Tal tem como contraponto o dever de levar em consideração os interesses dos aderentes, no que só assim encontra correspondência numa conduta conforme à boa fé. De um ponto de vista objectivo, a cláusula imposta deve ser equilibrada e razoável, na ponderação dos vários interesses em presença, daí que o art.º 19.º c) venha cominar com a nulidade a cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir, ou seja, quando dela resulta, em abstracto uma desequilibrada repartição dos direitos e deveres entre as partes, sem razão atendível que o justifique.
Tal como refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa citado: “O princípio da proporcionalidade impõe uma relação equilibrada (não se exigindo uma desproporção manifestamente excessiva ou flagrante) entre o montante dos danos a ressarcir e a pena previamente fixada por via da cláusula penal, aferição que tem de ser com base no quadro negocial padronizado, apelando a critérios objetivos, guiados por cálculo de probabilidade e de valores médios usuais. A aferição da proporcionalidade não emerge da ponderação de interesses individuais dos intervenientes, mas sim da ponderação dos interesses típicos do círculo de pessoas normalmente implicadas no negócio da espécie em consideração.
Entendemos também que a desproporção ou desequilíbrio entre a cláusula penal e os danos a ressarcir não tem de ser manifestamente elevado ou excessivo, ao contrário do que é exigência do art.º 812.º n.º 1 do C.Civil para a redução equitativa da cláusula penal (é preciso não esquecer que nestes casos a cláusula penal é fixada por negociação das partes), bastando apenas que a pena estabelecida seja desrazoavelmente superior aos danos, para que possa falar-se de violação do principio da boa fé e nessa medida considerar tal cláusula como proibida– neste sentido, vd. ainda Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/11/2011, in. www.dgsi.pt
A cláusula em discussão prevê que a A. vendedora tem o direito a haver do comprador o pagamento integral do preço dos bens encomendados, ficando o vendedor com eles e podendo vendê-los a terceiro pelo preço que entender, quando haja recusa do recebimento dos bens ou um cancelamento ineficaz da encomenda pelo comprador. Nestes termos, o vendedor fica com os bens, podendo vendê-los a outrem e deles tirar proveito e em simultâneo tem direito a uma indemnização que corresponde ao seu valor total de venda, assim obtendo duas vezes o valor de venda dos bens. Ou seja, tal cláusula obriga ao pagamento da totalidade do preço previsto como se o contrato tivesse sido cumprido pelo comprador, mesmo não ficando com os bens, sendo assim imposta uma cláusula que prevê que à cessação do contrato corresponde o pagamento de uma indemnização, que assume a natureza de cláusula penal.
A cláusula em questão dá à A. “o direito” a haver o pagamento do preço, em valor idêntico àquele que seria cobrado caso o contrato fosse cumprido pelo comprador, sem que haja a efectiva correspondência na entrega dos bens, já que a A. fica desonerada da sua prestação e pode vender os bens a outrem. É como se só uma das partes ficasse obrigada ao cumprimento do contrato, com o pagamento da totalidade do preço acordado, pelo que já se vê que tal cláusula cria um desequilíbrio nas prestações contratuais, por comparação com o regime geral, sendo ficcionado para a A. um prejuízo fora do comum, o que não tem justificação e se apresenta como contrário ao princípio da boa fé. Regista-se que, no caso da A. efectuar as vendas dos bens o seu prejuízo pelo cancelamento ou recusa de uma encomenda pode não ser nenhum. Tal cláusula é por isso abusiva e nula.
Ainda a respeito das cláusulas gerais vem a A. defender no seu recurso que não se aplica ao caso o regime das cláusulas contratuais gerais previsto no Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro pelo facto das RR. serem comerciantes, não invocando no entanto qualquer norma legal para fundamentar o que alega.
Não tem porém razão com tal entendimento.
O art.º 1.º do diploma referido, com a alteração que lhe foi dada pelo DL 220/95 de 31 de Agosto e DL 249/99 de 7 de Julho, tem a epígrafe “âmbito de aplicação” e dispõe:
1 – As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respetivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.
2 – O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.
3 – (…).”
Atenta a razão de ser da protecção conferida por este regime, que já anteriormente se expôs de forma sintética e tendo em conta a expressão utilizada no n.º 1 do art.º 1.º que alude a proponentes e destinatários, verifica-se que foi pretendida pelo legislador uma abrangência que não está limitada pela qualidade dos intervenientes no contrato, designadamente quanto a serem pessoas singulares ou colectivas, ou quanto a serem comerciantes, empresas ou entidades equiparadas, etc. Aliás, contrariamente ao que parece pretender a Recorrente, um comerciante também pode ser, e em regra é, um consumidor.
O âmbito de aplicação de tal diploma não se define por tais critérios, mas antes pela circunstância de estarem em causa cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respetivamente, a subscrever ou aceitar.
Sem necessidade de outras considerações, não se vislumbra que tenha lugar a limitação pretendida pela Recorrente da aplicação do diploma em questão a este caso.
Conclui-se assim pela desproporção da cláusula penal fixada no contrato com os danos a ressarcir e consequentemente pela sua nulidade, sendo por isso também irrelevante o facto de saber se a mesma foi ou não comunicada, já que a sua eventual comunicação nunca poderia obstar à sua invalidade.
- do direito da A. a haver a indemnização peticionada
A sentença recorrida entendeu que houve uma recusa culposa do cumprimento do contrato por parte das RR., referindo que a A. “terá direito à indemnização pelos prejuízos sofridos em função do mesmo”, concluindo porém que tendo a A. fundamentado o pedido indemnizatório exclusivamente na cláusula penal que foi considerada nula e não tendo alegado factos concretos susceptíveis de revelar os prejuízos que efectivamente sofreu, o pedido formulado na presente acção tem de improceder.
Ali se refere: “A obrigação de indemnização aqui em causa, que se rege pelos arts. 562º e seguintes do Código Civil e que se radica na teoria da diferença entre a situação patrimonial pretérita e presente, face ao evento danoso praticado ou ocorrido, reclamava uma articulação mínima de factos demonstrativos dos prejuízos efectiva e realmente sofridos pela Autora com o incumprimento das Rés bem como a sua posterior prova, nos termos e para os efeitos, respectivamente, dos artigos 264.º, 467.º do Código de Processo Civil e 342.º do Código Civil e 516.º do Código de Processo Civil, o que não aconteceu, pois a mesma radicou a sua pretensão indemnizatória na aludida cláusula penal, entretanto excluída. (…) A principal sanção estabelecida para o não cumprimento consiste, portanto, na obrigação imposta ex lege ao devedor de indemnizar o prejuízo causado ao credor. Este prejuízo compreende tanto o dano emergente como o lucro cessante (artigo 564.º) – todo o interesse contratual positivo, na hipótese de a obrigação provir de contrato – e é determinado em função dos danos concretamente sofridos pelo credor. É que a prestações perfeitamente iguais podem, assim, corresponder indemnizações absolutamente distintas, desde que sejam diferentes os danos causados pelo não cumprimento a um e a outro dos credores.”
Esta argumentação não merece censura e nem sequer é contrariada pela A. no recurso que apresenta. Na verdade, excluindo-se a aplicação da cláusula penal, importa recorrer ao regime geral da obrigação de indemnizar previsto nos art.º 562.º ss. do C.Civil, o que determina o apuramento dos prejuízos efectivamente sofridos pelo credor, sem os ficcionar (como acontece quando se estabelece uma cláusula penal). A A. não tem direito a haver das RR. a prestação inicialmente contratada que se refere ao pagamento do preço dos bens encomendados, como estabelecido na cláusula penal, mas apenas uma indemnização correspondente à reparação dos danos que lhe foram causados pelas RR. com a sua conduta.
No caso, a A. não alegou em que medida é que ficou prejudicada ou viu o seu património afectado, designadamente por não ter conseguido vender os bens em causa a outrem, possibilidade aliás expressamente prevista na cláusula penal excluída, nem a existência de qualquer outro dano concreto susceptível de ser indemnizado.
Nestes termos, fundamentando-se o pedido indemnizatório exclusivamente na cláusula penal abusiva, o mesmo tem de improceder, não merecendo censura a decisão que assim o considerou.
IV. Decisão:
Em face do exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pela A., confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
*
Porto, 10 de Janeiro de 2019
Inês Moura
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva