Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
20971/18.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: LOCAÇÃO FINANCEIRA
AQUISIÇÃO DO BEM
Nº do Documento: RP2023012420971/18.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 01/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O contrato de locação financeira tem como objecto a cedência do uso da coisa, por um determinado período, não a transferência da sua propriedade, não obstante o locatário financeiro poder, findo o contrato, optar pela sua aquisição.
II – O que o contrato de locação financeira tem de prever é a possibilidade do locatário vir a adquirir o bem.
III - Não resultando tal estipulação do contrato em causa nos autos, tem de qualificar-se o mesmo como de aluguer nos termos definidos nos artigos 1022º e 1023º do C. Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 20971/18.0T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível do Porto - Juiz 3



Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I - Relatório
A “A..., Lda” propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a “B..., Lda”, a “C..., S.A.” e a “D..., Lda.”, formulando os seguintes pedidos:
“a) Declarar-se a resolução dos contratos e respectivos anexos outorgados entre as Rés e a A. A... juntos aos autos, por não cumprimento das rés, pois o equipamento fornecido nunca correspondeu ao contratado, mesmo com as várias intervenções das partes, com levantamento pelas rés dos equipamentos objecto dos contratos existentes nas instalações da autora, ficando apenas em vigor a parte do contrato relativa ao equipamento Impressora ... 7855 ---» ... 7855V_F e devido apenas o valor de renda correspondente à quota parte deste equipamento, ou outorgando-se contrato distinto com o mesmo valor para este equipamento;
b) Serem as rés condenadas a devolver à A. A... o valor das rendas já pagas até à presente data no montante total de 12.466,52€ (quatro mil quatrocentos e sessenta e seis euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescidas de juros de mora no montante de 1.183,12€ (mil cento e oitenta e três euros e doze cêntimos), tudo num total de 13.649,64€ (treze mil seiscentos e quarenta e nove euros e sessenta e quatro cêntimos), bem como de juros vincendos até efectivo pagamento e devolução de valores pagos pela autora, a título de aluguer do equipamento, já que a autora nunca conseguiu utilizar o equipamento para o fim a que se destinava, nem o mesmo funcionou na forma correcta e contratada”.
Alegou, para tanto, ter celebrado com “C..., S.A.” um contrato pelo qual esta lhe cedeu o gozo de equipamentos de impressão, concretamente uma impressora da marca ...”, modelo ... com Fiery e uma impressora da marca ...”, modelo ..., mediante a obrigação de pagamento de uma renda mensal, bem como celebrou um contrato com a “B..., Lda” de assistência técnica de tais equipamentos, obrigando-se esta a prestar a assistência e a autora a pagar a remuneração estipulada.

Mais tarde, outorgou ainda com as rés os contratos de aluguer e de assistência relativos a uma bandeja de entrada.

Mais alegou que a impressora de modelo ...” não obedece às especificidades comunicadas pela autora à “C..., S.A.”, de tal forma que nunca respondeu ao fim para que foi contratado.

A ré “B..., Lda” contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção. Alegou, em suma, que o equipamento em causa foi testado e escolhido pela autora, sem que tenham sido contratadas as especificidades por esta elencadas, que o equipamento funciona, tanto assim que regista mais de 1.000.000 de impressões num ano e que o erro que o equipamento assinala resulta de um problema do software utilizado pela autora para proceder às impressões.

A ré “C..., S.A.” e a ré “D..., Lda.” também contestaram, o que fizeram separadamente. Defenderam-se ambas por excepção e invocaram a falta de legitimidade passiva, e, no mais, por impugnação. A ré “D..., Lda.”, reconhecendo ser a fornecedora do equipamento, alegou, em suma, que o mesmo não padece de qualquer vício ou defeito de fabrico.

A autora respondeu aos fundamentos de defesa por excepção.

Frustrada a tentativa de conciliação, foi ordenada a realização de uma perícia.

Concluída a perícia com a junção aos autos do relatório, foram apreciados os requerimentos de prova e designada data para a realização do julgamento.

O julgamento decorreu com a observância das formalidades legais.

Foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver as rés do pedido.

A..., Lda veio interpor recurso, concluindo:
a) Devem ser aditados factos à matéria provada, nomeadamente os já supra elencados, por provados no relatório pericial, que não mereceu qualquer reparo ao tribunal “a quo”.
b) Deve ser considerado como não provado que “O erro referido em 9) é sinalizado na sequência de limitações do software utilizado pela autora para proceder às impressões.”, já que nenhum contesto ou base factual tem na prova produzida.
c) Dever dar-se como provado que o equipamento nunca correspondeu às especificações técnicas que acompanham o mesmo, facto também comprovado em sede de relatório pericial e independentemente de qualquer contrato.
d) Deve considerar-se o contrato como não cumprido pelas três rés e serem as mesmas solidariamente responsáveis pela devolução de todas as rendas pagas pela autora, bem como que a esta nunca foi concedida ou permitida a cabal utilização do equipamento ao fim a que destinava.
e) A todos os valores a devolver de rendas pagas, devem acrescer juros à taxa legal em vigor.
f) Devendo a sentença ser alterada e proferida nova sentença que condene as rés no pedido.
g) Tudo tendo em conta os factos dados provados, a nova matéria a aditar aos mesmos e a alteração dos factos não provados, a prova documental aceite pelo tribunal “a quo” e pelas rés, até porque afinal, não só existe erro de julgamento, como erro na valoração da prova e erro na aplicação do direito.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação e, consequentemente, revogar-se a sentença recorrida e serem aditados factos à matéria provada, como supra requerido, bem como serem alteradas as conclusões da matéria provada nos pontos 9) e 13) por errada interpretação da sentença e por não provados, devendo a ação ser procedente por provada, já que existe um cumprimento totalmente defeituoso e claro do contrato celebrado, o qual gerou o total incumprimento do mesmo pelas rés.
Pois apenas assim se fará, JUSTIÇA

B..., Lda apresentou contra-alegações, concluindo:
lS Qeve a douta sentença ser confirmada nos seus precisos termos.
29Todos os preceitos legais foram criteriosamente analisados e bem aplicados ao caso
em apreço.
32 Não houve qualquer incumprimento contratual por parte da ré aqui recorrida.
49 O contrato estipulado pelas partes foi cumprido e a impressora em questão foi testada pela autora.
59 Foi provado pelo relatório pericial e pelo próprio testemunho do perito que a impressora deteta erro quando é enviado para impressão um lote de 4.000 folhas e que tal erro é sinalizado na sequência de limitações do software utilizado pela autora para proceder às impressões.
69 O equipamento sempre correspondeu às especificações técnicas que o acompanham.
79 Assim, decidiu bem o tribunal a quo ao considerar este facto provado.
89 Não existe fundamento para a resolução do contrato como pretendido pela autora.
99 O Tribunal de primeira instância decidiu de forma correta tendo feito dessa forma a justiça pretendida.
10e O tribunal a quo ouviu a prova,
119 Ouviu as testemunhas,
125 Analisou os documentos juntos aos autos e concluiu, pela improcedência da ação
13s E desde logo porque passaram testemunhas pelo tribunal, com conhecimento directo e sem qualquer interesse na demanda.
149 O tribunal a quo não podia fazer tabula rasa destas declarações.
Cabe também referir que o Tribunal a quo ouviu as testemunhas pelo que estará em melhores condições para avaliar, ponderar e julgar a matéria de facto.
169 Assim o descreve o princípio da imediação da prova.
179 Na conjugação de toda a prova produzida em audiência e de acordo com a prova constante nos autos tal como se expôs, não poderia ser outra a decisão do Tribunal a quo.
Neste termos e nos demais de direito, deverá a presente apelação ser julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, ser confirmada a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância, com todos os efeitos legais. Negando provimento ao Recurso e mantendo na integra a Decisão tal como foi proferida, V.Ex.^s farão, como sempre, a melhor e mais inteira, JUSTIÇA!
Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, as questões a resolver consistem em saber se existe erro de julgamento de facto e erro na aplicação do direito, devendo considerar-se que existe um cumprimento totalmente defeituoso do contrato celebrado


II – Fundamentação de facto
O tribunal recorrido considerou resultar provado:
1) A ré “B..., Lda” é concessionária da “D..., Lda.” e promove por sua conta a comercialização de equipamentos e produtos da marca ...”, nomeadamente mediante a contratação do aluguer de tais equipamentos por intermédio da “C..., S.A.”.
2) A autora e a ré “C..., S.A.” celebraram um contrato, no dia 30 de Março do ano 2016, que reduziram a escrito e intitularam de “contrato de aluguer office”, com o n.º..., pelo qual esta cedeu àquela o gozo, mediante pagamento de sessenta rendas mensais de 289,98€ e das despesas de dossier de 100,00€, valores acrescidos de IVA, dos seguintes equipamentos:
- Impressora da marca ...”, modelo ... com Fiery de modelo ...; - Impressora da marca ...”, modelo ... (Modelo ...).
3) Na mesma data e em cumprimento do estipulado no contrato identificado em 2), a autora celebrou com a ré “B..., Lda” um contrato que intitularam de “contrato de assistência técnica”, pelo qual esta se obrigou a prestar assistência à autora, sendo o pagamento do valor mensal correspetivo suportado pela “C..., S.A.”.
4) No dia 30 de Março de 2016, os equipamentos identificados em 1) foram entregues à autora e instalados.
5) Em 24 de Fevereiro de 2017, a autora celebrou com as rés um aditamento ao contrato referido em 1) pelo qual a “C..., S.A.” cedeu à autora o gozo de um módulo extra, mediante pagamento de sessenta rendas mensais de 39,70€ e das despesas de
6) A terceira ré comercializou e forneceu os equipamentos dados em aluguer à autora. 7) Antes da celebração do contrato referido em 1), a autora entabulou contactos com a ré “B..., Lda” com vista a escolher o equipamento pretendido, tendo testado diferentes modelos da marca ...” e inclusive uma impressora da marca ...”, modelo ....
8) A ré “C..., S.A.” adquiriu os equipamentos identificados em 1) e 5) para os ceder em aluguer à autora.
9) A impressora de modelo ...” assinala um erro quando é enviado para impressão um lote de 4.000 folhas.
10) Esta situação aumenta o tempo despendido no processo de impressão e depende e exige mais a intervenção de recursos humanos.
11) A autora comunicou à “B..., Lda”, por carta datada de 19 de Agosto de 2016, que a impressora de modelo ...” assinala um erro sempre que é enviado para impressão um lote de 1.000 folhas.
12) E comunicou-o às três rés por carta datada de 17 de Maio de 2017, nesta propondo às rés “antes da resolução definitiva do contrato por incumprimento” a devolução da impressora modelo ...” e do módulo extra, com a restituição das rendas suportadas até tal data relativas a tais equipamentos.
13) O erro referido em 9) é sinalizado na sequência de limitações do software utilizado pela autora para proceder às impressões.
14) A impressora produziu em catorze meses mais de 1.000.000 impressões.
Não resultar provado:
a.- A autora informou a “C..., S.A.” que a impressora do modelo ...” deveria ter as seguintes características e especificidades: - funcionamento em Linux; - autonomia de impressão; - mínimo de lotes de impressão entre 2.000 a 4.000 folhas; e - velocidade de impressão (com mínimo de vigilância humana).
b.- E fez menção de que tinha necessidades de produzir impressões a rondar as 50.000 a 60.000 folhas/mês.
c.- A “B..., Lda” garantiu à autora que o equipamento preenchia aqueles requisitos.
d.- A autora celebrou o aditamento ao contrato referido em 5) para viabilizar a situação.


III – Do mérito do recurso
Pretende a recorrente que os pontos 9 e 13 da matéria de facto provada sejam considerados não provados com base no relatório pericial
E que sejam aditados à matéria de facto os pontos cuja enunciação nas conclusões remete para o corpo das alegações os quais, afirma, serem afirmações técnicas claras descritas no relatório pericial, a saber:
14) “Após o arranque dos equipamentos foi possível aceder à consola da ..., tendo-se verificado a existência de registos de trabalhos impressos à data de 26-05-2017, incluindo códigos de erro relativos ao ano de 2017. (incluindo as respectivas imagens), o que na verdade comprova, sem margem para dúvidas, todos os erros existentes em 2016 e 2017.
15) Dando seguimento aos testes, foi dado início a uma nova impressão pelas 12h33m, desta vez a um grupo de impressão com 4000 ficheiros. Este processo bloqueou pelas 12h53m com o Erro 045-310 e foi visualizado no âmbito da perícia pelas 14h16m. O referido erro ocorreu entre as 12h45m e as 14h16m, período em que o Perito e a B..., Lda se ausentaram do espaço para pausa de almoço.
16) Acedendo ao histórico de erros confirma-se o erro, tendo sido impressas entre os testes 1017 páginas.
17) Atendendo à falha do Teste 3, e dado que o erro não foi visualizado na presença do Perito e da i- Colours, procedeu-se à realização de um quarto teste, iniciando-se o mesmo pelas 15h00m.
18) Durante o teste, o comportamento do serviço de impressão no servidor CUPS não foi totalmente linear, tendo sido registadas algumas pausas no serviço, situação documentada na Figura 18, obtida pelas 16h14m.
19) Pelas 19h12m ocorreu novamente o Erro 045-310, estando o mesmo registado na consola da impressora ....
Foi igualmente possível visualizar a mensagem de erro na consola do Fiery.
20) Com a ocorrência deste erro, demos por terminada a perícia, tendo sido iniciado um processo de análise dos dados recolhidos.
Do site da D... foi possível obter a seguinte informação sobre o erro 045-310:
FAULT CODE 45 310
Article Id 1560871 Published 01/19/2021

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21) “Em conclusão, da perícia realizada, não foi possível concluir com sucesso a impressão de um grupo de documentos com 4000 ficheiros, verificando-se no lote de impressões do teste 4 a duplicação de impressões, não sendo possível aferir a origem dessas duplicações.
22) O tempo real de impressão das páginas foi superior ao definido nas especificações do equipamento ..., como espectável atendendo à mancha gráfica impressa, estando documentada a hora de início e fim no primeiro teste.”
Estas asserções (com exclusão da expressão do ponto 14: “o que na verdade comprova, sem margem para dúvidas, todos os erros existentes em 2016 e 2017”) constam do relatório pericial.
Vejamos.
A prova pericial, como qualquer outra prova, destina-se a demonstrar a realidade dos enunciados de facto trazidos pelas partes ao processo, conforme dispõe, desde logo, a norma de direito probatório material do artigo 341º do Código Civil.
A produção da prova em juízo tem como finalidade demonstrar a realidade dos factos relevantes para o processo
Dispõe o artigo 410º do Código de Processo Civil que “A instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova”.
Em regra, são os próprios temas da prova o objecto da instrução, nos quais se inserem os factos, quer os essenciais quer os instrumentais, sendo sobre estes que a prova incide.
Os meios de prova (v.g. prova testemunhal, pericial ou por depoimento de parte) são, os instrumentos que revelam a realidade dos factos.
Na instrução interessa toda a prova referente aos factos relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
No final da instrução aquilo que o juiz decide na decisão de facto da sentença são os factos (os acontecimentos externos ou internos apreendidos) que considera provados e não provados, segundo uma análise critica e fundamentada das provas.
O objecto da prova pericial é a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.
O artigo 475º do CPC estabelece que, ao requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respectivo objecto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência (nº1), permitindo que a mesma possa versar quer sobre os factos articulados pelo requerente, quer sobre os factos alegados pela parte contrária (nº2).
Os depoimento/declarações de parte e os depoimentos das testemunhas são suportados, em regra, na acta de audiência e gravados em sistema vídeo ou sonoro, ou em outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor (artigos 155, 456º, 466º e 500º do CPC); os documentos propriamente ditos também são meios de prova sustentáculos dos factos neles inseridos; a inspecção judicial é lavrada em auto (artigo 493º do CPC); as verificações não judiciais qualificadas são vertidas em relatório (artigo 494º do CPC) e o resultado da perícia é expresso em relatório (artigo 484º do CPC).
Com tudo se pretende dizer que aquilo que se leva à decisão de facto não é o teor do relatório pericial, assim como não é o teor do depoimento ou o do documento mas sim os factos, as ocorrências da vida real que estes elementos de prova desvelaram.
Como tal não se pode integrar na matéria de facto o teor do relatório pericial.
No caso, as questões de facto a ver esclarecidas através da perícia, conforme consta do despacho que a determinou, são as que se extraem do artigo 9º da petição inicial:” A A. constatou entretanto que o equipamento fornecido não correspondia às necessidades que exigiu contratualmente, não sendo suficiente para que este equipamento responda eficazmente quando se envia para impressão lotes de, apenas, 1.000 folhas (aliás, bastante abaixo da exigência mínima de lotes de 2.000 a 4.000 folhas). Verificando-se, neste caso, um erro sistemático indicado pelo equipamento, que desde logo foi reportado pela Autora à C..., S.A., à B..., Lda e à D... aqui Rés, nomeadamente por cartas enviadas em 19 de Agosto de 2016 e Maio de 2017, além de todas as restantes e incessantes comunicações – Docs. 4 e 4ª que se juntam e dão como reproduzidos.”
Portanto, a factualidade que importa é toda a que esclareça se o equipamento fornecido correspondia ou não às necessidades exigidas contratualmente, mais precisamente, se o equipamento não responde eficazmente, verificando-se erro sistemático, quando se envia para impressão lotes de, apenas, 1.000 folhas, bastante abaixo da exigência mínima de lotes de 2.000 a 4.000 folhas contratualizada.
Donde não pode, a priori, a matéria referida constante do relatório pericial fazer parte da matéria de facto.
Defende também a recorrente que os pontos 9 e 13 da matéria de facto provada sejam considerados não provados.
São estes os factos:
9) A impressora de modelo ...” assinala um erro quando é enviado para impressão um lote de 4.000 folhas
13) O erro referido em 9) é sinalizado na sequência de limitações do software utilizado pela autora para proceder às impressões.

A reapreciação da prova é uma operação de reconstituição da realidade histórica através dos meios de prova disponíveis e com a mesma amplitude da primeira apreciação, observados os ónus previstos no artigo 640º.
Verdadeiramente, a Relação não procede a um segundo julgamento da matéria de facto mas deve tomar em conta toda a prova produzida para um convencimento autónomo, ou seja, judiciando uma análise crítica da integralidade dessa prova.
Tal como na 1ª instância forma-se a livre convicção segundo as regras da experiência e da lógica, conformando-se com a contingência de que o juízo de convicção do julgador da matéria de facto não é mais do que um juízo de probabilidade sobre a verdade ou falsidade de certas proposições, falando a lei na prudente convicção do juiz.
Vejamos então a prova produzida nos autos.
O relatório pericial apresenta a seguinte conclusão:
Da análise documental do equipamento ... conclui-se ser possível a impressão de grandes volumes de trabalhos, com velocidades médias de 30 folhas por minuto frente e verso, com volumes de até 50 000 páginas por mês. A solução instalada na A... inclui, para além de um RIP Fiery modelo ..., um finalizador modelo ..., com capacidade de receção de até 3500 folhas impressas.
Analisada a infraestrutura da A..., verifica-se que a solução mantém as características ao nível de software idênticas à data dos factos reportadas nos autos, anos de 2016 e 2017.
Além disto, foi possível recolher evidências que num momento pré-contratual, a A... e a B..., Lda trocaram informação sobre o tipo de documentos a imprimir, tempos de resposta, bem como a necessidade ou não de adotarem uma solução de RIP para a solução de forma a processarem os trabalhos.
Na troca de mensagens é solicitada pela A... a realização de testes.
“1 Teste – > imprimindo 1 ficheiro com 100 faturas;
2 Teste -> Selecionar 60 faturas e mandar imprimir;”
Ainda na componente pré-contratual, existe ainda a evidência de troca de informação técnica e o agendamento de uma visita, bem como a avaliação de diversos equipamentos D....
Durante a análise da documentação não foi encontrada informação pré-contratual adicional sobre os requisitos indicados pela A... no seu ofício REF. 264/2016 de 17 de maio de 2017:
“para responder às seguintes especificidades: funcionamento em Linux, autonomia de impressão, mínimo de lotes entre 2.000 a 4.000 folhas, e velocidade de impressão (com mínimo de vigilância humana);”mais, informa a A... na reclamação apresentada que necessita “ter pessoas a vigiar a impressão a cada lote de 500 folhas”.
No contrato assinado pela A... com a C..., S.A. e B..., Lda, não está presente nenhuma das características que a solução deverá cumprir conforme indica a A... na sua petição e ofícios presentes nos autos.
A perícia solicitada nestes autos debruça-se sobre estes pontos presentes na petição e ofícios, tendo para o efeito sido realizados quatro testes com os equipamentos fornecidos com a presença das partes, A... e B..., Lda.
Dos testes realizados, o teste com um volume de 2000 ficheiros decorreu sem anomalias. O teste de resposta a uma situação de encravamento decorreu conforme descrito no manual do equipamento, não tendo ocorrido a duplicação de documentos.
Os dois testes com 4000 ficheiros terminaram ambos com uma mensagem de erro do equipamento 045-310, sendo que a D... não apresenta publicamente mais informação sobre o mesmo.
No decorrer da perícia, e perante os testes efetuados, foram detetados comportamentos anómalos nos diversos componentes, estando os mesmos documentados na perícia.
Pela informação fornecida pela D..., o uso de um ambiente Linux para a impressão dos ficheiros em nada coloca em causa o processo, atendendo a que o conjunto ..., Fiery e finalizador não têm nenhuma função suplementar, por exemplo, “como agrafar ou furar”.
Em conclusão, da perícia realizada, não foi possível concluir com sucesso a impressão de um grupo de documentos com 4000 ficheiros, verificando-se no lote de impressões do teste 4 a duplicação de impressões, não sendo possível aferir a origem dessas duplicações.
Da análise da informação e do teste realizado, o finalizador do equipamento nunca iria permitir o volume de 4000 impressões sem a intervenção humana, atendendo que a bandeja do finalizador tem a limitação de 3500 folhas.
O tempo real de impressão das páginas foi superior ao definido nas especificações do equipamento ..., como espectável atendendo à mancha gráfica impressa, estando documentada a hora de início e fim no primeiro teste.
Até ao final da perícia não houve acesso aos dados de administração do Fiery, pelo que não podemos aceder a mais informação aí potencialmente armazenada que possa justificar o comportamento errático verificado no teste 4.”
O legal representante da ré “B..., Lda, AA, referiu ter sido pedido máquinas rápidas com o mínimo de intervenção humana. Que a máquina em referência permite a entrada até 3700 páginas e a saída, na bandeja, permite até 3500 páginas.
BB, directora comercial da autora, disse que o objectivo era que as facturas fossem imprimidas durante a noite, cerca de 2000 a 4000, porque, de manhã, quando chegavam os funcionários, deviam fazer os lotes. Alguns erros da máquina aconteceram na sua presença. Fez uma lista dos erros e enviou-os à “B..., Lda”. Basicamente a impressora bloqueava e quando retomava duplicava a impressão. Começaram logo a ver que não conseguiam imprimir 2000 e muito menos 4000. Optaram por imprimir 500 mas, mesmo assim, o erro acontecia. Os técnicos da B..., Lda” iam sempre que chamados mas o erro persistiu.
O legal representante da autora A..., Lda, CC, narrou que negociou equipamento que permitisse 60 mil impressões por mês e 60 por minuto com um bom funcionamento. Que deu a indicação do trabalho que fazia e o fornecedor indicou o equipamento adequado.
A impressora logo no primeiro trabalho encravou. Os técnicos da “B..., Lda” iam mas não resolviam. Começaram a fazer impressões de 500 mas mesmo assim havia erro. Teve que inutilizar muitas facturas, gastando muito dinheiro em papel (cerca de 500 euros por mês) e os clientes não tinham as facturas a tempo.
O software que utilizavam eram ficheiros PDF.
DD, secretária de direcção da autora, expressou que pediram ao fornecedor uma impressora que fizesse impressão de 60 páginas por minuto e 50 mil por mês. Explicaram o trabalho que faziam e que precisavam de autonomia de impressão entre 2000 a 4000.
A impressora começou logo a dar erro sem motivo aparente e também começou a perder velocidade.
EE, comercial da “...”, parceira comercial da autora, relatou que a máquina parava e a única solução era desligá-la e tornar a ligá-la. O erro acontecia tanto nas primeiras impressões, como nas últimas do dia. Havia semanas em que o erro acontecia 3 a 4 vezes e outras em que ocorria 2 a 3 vezes. O erro resultava sempre de uma falha ou duplicação no resultado da impressão. Perdiam tempo a fazer a conferência da impressão. Para além dos erros a impressora ficou mais lenta. Não conseguiam entregar em tempo as facturas aos clientes que eram Câmaras Municipais ou SMAS.
FF, director de unidade da autora, mencionou que participou na selecção da compra das impressoras e esteve a assistir aos testes que foram por amostragem.
Que o software da autora gera o PDF da factura para imprimir. Tinham a capacidade de gerar 10. 000 PDF por noite.
A performance que indicaram ao fornecedor era a de 60 impressões por minuto e 2000 a 4000.
GG, comercial da ré “B..., Lda”, declarou que debateram as necessidades da autora e avançaram para um tipo de equipamento em função disso.
Acompanhou o desenvolvimento dos testes. Levaram os ficheiros da autora e, numa 1ª fase, fizeram os testes de impressão com o Fiery (controlador). Depois fizeram sem o Fiery e, por último com um outro controlador (o Freeflow). A autora optou pelo equipamento com o Fiery. Instalaram o equipamento e houve formação para laborar com o mesmo.
Mais tarde a autora quis aumentar a produção e colocaram um finalizador cuja bandeja tem uma capacidade de saída de 3500 folhas.
HH, analista informático da ré “B..., Lda”, afirmou que inicialmente a bandeja da impressora tinha uma capacidade de saída de 500 folhas. Depois adquiriram um finalizador e uma bandeja adicional de 3500 folhas de saída.
Explicou que o Fiery e Freeflow são processadores de impressão e que a impressora não tem capacidade de processar ao mesmo tempo 3500 linhas ou ordens de impressão mas pode imprimir uma ordem de impressão de um ficheiro com 3500 folhas. Se enviar sete ficheiros de 500 folhas duma vez são muitas ordens ao mesmo tempo. Que é aconselhável enviar por exemplo ficheiros de 500 faseadamente e não simultaneamente.
Que o agendamento faseado é possível no Windows. É sempre possível essa programação.
A máquina encravava porque eram enviadas muitas ordens de impressão em simultaneo, o que originava um problema de memória.
II, perito que realizou o exame pericial, acrescentou que no último teste da perícia foram dadas 4000 ordens de impressão num ficheiro de 4000 documentos e deu erro.
Se fosse dada uma só ordem de impressão no ficheiro com 4000 documentos era muito diferente porque a capacidade de memória e processamento eram muito menores, haveria menos esforço da capacidade.
A opção da autora de processamento era manual. Não tinha um processamento automático desenvolvido.
O próprio Fiery não é compatível com o volume de 4000 ordens (linhas) de processamento.
Portanto, o que se retira, com segurança, de toda esta prova é que a autora e a 1º ré como concessionária da 3ª ré encetaram negociações com vista à aquisição por aquela a estas de duas Impressoras da marca ...”. Nesses contactos a autora, descrevendo o trabalho que fazia e as correspectivas necessidades, solicitou máquinas rápidas com o mínimo de intervenção humana. As partes na posse destas informações, e depois de terem sido feitos testes por amostragem, acordaram em adquirir as impressoras referidas no ponto 2 dos factos provados. Os técnicos da 1ª ré instalaram as impressoras e deram formação aos colaboradores da autora sobre o funcionamento dessas máquinas.
Uma das impressoras, a de modelo ...”, começou a dar erro, bloqueando e a imprimir em duplicado.
Da conjugação, sobretudo, do resultado do exame pericial com os esclarecimentos do perito prestados em audiência e do depoimento da testemunha HH, analista informático da 1ª ré, percebe-se que aquilo que prejudica o desempenho da impressora são as inúmeras ordens (linhas) de impressão, dadas em simultâneo, sendo certo que existe a possibilidade de imprimir inúmeros documentos com uma só ordem de impressão dependendo do tipo de programação, do software utilizado.
Essas numerosas ordens de impressão concomitantes afectam a memória da impressora e o seu consequente desempenho.
A verdade é que pouco se apurou sobre o software da autora pelo que, em bom rigor, não se pode dizer que o erro referido em 9) é sinalizado na sequência de limitações do software utilizado pela autora para proceder às impressões. Não se sabe se são limitações, se são especificidades ou outras circunstâncias.
O que, em nosso entender, resultou da prova é que o erro referido em 9) é sinalizado por via inúmeras ordens (linhas) de impressão dadas em simultâneo.
Deste modo, mantem-se o ponto 9 e o ponto 13 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
13) O erro referido em 9) é sinalizado na sequência de inúmeras ordens (linhas) de impressão dadas em simultâneo.
Vistos os factos, atente-se no direito.
O DL 67/2003, de 8 de Abril, no seu artigo 1º-A, fixa o respectivo campo de aplicação como respeitante aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores e, no artigo 1º-B) al. a), define como “consumidor” aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º1, do artigo 2.º da Lei 24/96, de 31 de Julho.
Os negócios abrangidos por este regime são os que se estabelecem entre profissionais actuando no âmbito da sua actividade e pessoas que actuem fora do seu âmbito de actividade profissional, dos quais resulte a aquisição de bens destinados a uso não profissional, levando, em última análise a que seja afastada qualquer aplicação profissional do bem, mesmo que não exclusiva.
No caso os bens adquiridos pela autora destinam-se a exercício profissional pelo que não tem a mesma a qualidade de consumidora, o que implica a exclusão do regime do referido diploma.
O contrato de locação financeira está regulado no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, estabelecendo o seu artigo 1º que “a locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados”.
Menezes Cordeiro, in Manual de Direito Bancário, 3.ª Edição, 2008, Almedina, a pág. 555, esclarece que “Locação financeira é o contrato pelo qual uma entidade – o locador financeiro - concede a outra - o locatário financeiro - o gozo temporário duma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário…O esquema creditício encontra-se vertido nos moldes da velha locação: pretendendo adquirir um bem, para o qual não tenha disponibilidades imediatas, o interessado dirige-se a um banqueiro; acordam no seguinte: o banqueiro adquire o bem em causa e dá-o, ao interessado, em locação; este irá pagar uma retribuição que traduza a amortização do bem e os juros; no final, o locatário poderá adquirir o bem pelo valor residual ou celebrar novo contrato; poderá, ainda, nada fazer”.
Portanto, o contrato de locação financeira tem como objecto a cedência do uso da coisa, por um determinado período, não a transferência da sua propriedade, não obstante o locatário financeiro poder, findo o contrato, optar pela sua aquisição.
Mas o que o contrato de locação financeira tem de prever é a possibilidade do locatário vir a adquirir o bem.
Não resultando tal estipulação do contrato em causa nos autos, temos de concordar com o que se mencionou na sentença:”… nada foi convencionado quanto à opção de aquisição, elemento caraterizador do contrato de locação financeira, tal-qual definido pelo art. 1.º do DL n.º149/95, de 24 de Junho, pelo que não há fundamento para fazer apelo a este regime.”
Assim tem de qualificar-se o contrato como de aluguer nos termos definidos nos artigos 1022º e 1023º do C. Civil.
Nos termos do artigo 1031º do C. Civil o locador deve entregar ao locatário a coisa locada e assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que a coisa se destina, disposição esta simétrica da do artigo 1037º que proíbe o locatário da prática de actos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa.
Portanto, impende sobre o locador a obrigação de garantir o gozo da coisa, considerando-se não cumprido o contrato quando a coisa apresentar vício que lhe não permita realizar, cabalmente, o fim a que se destina - artigo 1032º. E os vícios que relevam são os definidos na al. a) e b) deste artigo, isto é, se o defeito datar, pelo menos, do momento da entrega e o locador não provar que o desconhecia sem culpa e se o defeito surgir posteriormente à entrega, por culpa do locador.
Sabendo-se que o ónus da prova do vício cabe ao lesado (artigo 342.º, nº 1 do Código Civil), o que se constata no caso é que a autora não demonstrou que a impressora apresenta um vício que lhe não permita realizar, cabalmente, o fim a que se destina.
Apenas se provou que a impressora apresenta erro na sequência de inúmeras ordens (linhas) de impressão dadas em simultâneo porque sobrecarrega a memória do equipamento. Se houver uma programação sequencial de ordens ou linhas de impressão já tal não acontecerá.
Decaem, pois, todas a razões do presente recurso.

Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Porto, 24 de Janeiro de 2023
Ana Lucinda Cabral
Rodrigues Pires
Márcia Portela


(A relatora escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.)