Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
436/12.4TBPRG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
FACTO INSTRUMENTAL NÃO ALEGADO
DANO MORTE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
Nº do Documento: RP20141201436/12.4TBPRG.P1
Data do Acordão: 12/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Muito embora o juiz possa declarar provado um facto instrumental que resulte da instrução da causa, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, a parte não pode, em sede de recurso, requerer que o Tribunal da Relação declare provado um determinado facto que não alegou, mas que em sede de recurso entende ter valor instrumental e resultado da instrução da causa.
II – Tendo a vítima mortal de um acidente de viação 36 anos de idade, deixado viúva com 34 anos de idade e uma filha com 4 meses de idade, é adequado fixar o dano da morte em €65.000,00 euros; os danos não patrimoniais sofridos pela viúva e filha menor em €30.000,00 e €25.000,00 euros, respectivamente.
III – A indemnização por danos patrimoniais devidos a terceiros encontra-se prevista no artigo 495.º do Código Civil e constitui excepção ao princípio segundo o qual só tem direito a indemnização o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação da disposição legal e não os terceiros que sejam prejudicados apenas de modo indirecto.
IV – No que respeita à perda de rendimentos, apenas as pessoas que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural têm direito a ser indemnizadas – artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil.
V – A medida da indemnização afere-se pela medida dos alimentos prestados ou a prestar e depende da análise das circunstâncias concretas de cada caso, averiguando os meios que a vítima tinha para prestar alimentos e as necessidades do alimentando, nos termos do n.º 1 do artigo 2004.º do Código Civil.
VI – Diminuindo os rendimentos do obrigado a prestar alimentos quando atinge a idade de reforma, a prestação alimentar deverá também diminuir ou cessar.
VII – Dispondo a vítima, em média, de €1.968,00 euros mensais líquidos e a sua viúva de €721,43 euros líquidos mensais, é adequado fixar e indemnização pela perda de alimentos, em €70.500,00 euros para a menor, até esta perfazer 23 anos de idade, e em €186.200,00 euros para a viúva, considerando que a vítima atingiria a reforma na idade de 65 anos e mais 11 anos de vida como reformado, período em que o seu rendimento mensal seria menor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação do Porto – 5.ª secção.
Recurso de Apelação.
Processo n.º 436/12.4 TBPRG do Tribunal Judicial da Comarca de Peso da Régua – 1.º Juízo.
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Juiz relator – Alberto Augusto Vicente Ruço.
1.º Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto.
2.º Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim.
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Sumário:
I – Muito embora o juiz possa declarar provado um facto instrumental que resulte da instrução da causa, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, a parte não pode, em sede de recurso, requerer que o Tribunal da Relação declare provado um determinado facto que não alegou, mas que em sede de recurso entende ter valor instrumental e resultado da instrução da causa.
II – Tendo a vítima mortal de um acidente de viação 36 anos de idade, deixado viúva com 34 anos de idade e uma filha com 4 meses de idade, é adequado fixar o dano da morte em €65.000,00 euros; os danos não patrimoniais sofridos pela viúva e filha menor em €30.000,00 e €25.000,00 euros, respectivamente.
III – A indemnização por danos patrimoniais devidos a terceiros encontra-se prevista no artigo 495.º do Código Civil e constitui excepção ao princípio segundo o qual só tem direito a indemnização o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação da disposição legal e não os terceiros que sejam prejudicados apenas de modo indirecto.
IV – No que respeita à perda de rendimentos, apenas as pessoas que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural têm direito a ser indemnizadas – artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil.
V – A medida da indemnização afere-se pela medida dos alimentos prestados ou a prestar e depende da análise das circunstâncias concretas de cada caso, averiguando os meios que a vítima tinha para prestar alimentos e as necessidades do alimentando, nos termos do n.º 1 do artigo 2004.º do Código Civil.
VI – Diminuindo os rendimentos do obrigado a prestar alimentos quando atinge a idade de reforma, a prestação alimentar deverá também diminuir ou cessar.
VII – Dispondo a vítima, em média, de €1.968,00 euros mensais líquidos e a sua viúva de €721,43 euros líquidos mensais, é adequado fixar e indemnização pela perda de alimentos, em €70.500,00 euros para a menor, até esta perfazer 23 anos de idade, e em €186.200,00 euros para a viúva, considerando que a vítima atingiria a reforma na idade de 65 anos e mais 11 anos de vida como reformado, período em que o seu rendimento mensal seria menor.
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Recorrente/Recorrida……………….Companhia de Seguros B…, S. A., com Domicílio em Rua …, n.º .., ….-… Lisboa.
Recorrentes/Recorridas……………C…, com domicílio em …, …, ..º Bloco, ..º Esq., ….-… Peso da Régua.
……………………………………………….......D…, menor, residente na morada que antecede.
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I. Relatório.
a) O presente recurso versa sobre os montantes indemnizatórios atribuídos na sentença sob recurso às recorridas emergentes dos danos que estas sofreram em consequência de um acidente de viação ocorrido no dia 02 de Maio de 2010, na A24, ao km 91,320, o qual vitimou mortalmente E…, marido e pai das recorridas, respectivamente.
A sentença condenou a Seguradora recorrente nos seguintes termos:
«1. Condena-se a Ré a pagar às A.A. a quantia de €65.000,00 (sessenta e cinco mil euros) a que acrescem juros de mora, à taxa legal, a contar desde a presente data e até efectivo e integral pagamento;
2. Condena-se a Ré a pagar à A. C… a quantia de €400.000,00 (quatrocentos mil euros), a que acrescem juros de mora, à taxa legal, a contar desde a presente data e até efectivo e integral pagamento;
3. Condena-se a Ré a pagar à A. D… a quantia de 105.000,00 (cento e cinco mil euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, a contar da presente data e até efectivo e integral pagamento.
4. Condena-se a Ré a pagar à A. C… a quantia de €3.738,55 (três mil, setecentos e trinta e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até efectivo e integral pagamento.
5. Julga-se a acção improcedente no demais peticionado, nessa parte se absolvendo a Ré pedido».
É desta decisão que vem interposto o recurso, quer pela Seguradora, quer pelas Autoras.
b) A Recorrente seguradora pretende uma diminuição das indemnizações fixadas, tendo formulado estas conclusões:
«A - É entendimento jurisprudencial amplamente maioritário, que a indemnização pelo dano morte obedece a princípios de equidade, nos termos do disposto no artigo 496.º, n.º 3 do Código Civil, havendo que ponderar as circunstâncias previstas no artigo 494.º do mesmo diploma legal, tais como o grau de culpa do lesado, a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem.
B - Quanto a este dano o Tribunal a quo entendeu como adequada a este título uma indemnização no montante de €65.000,00, argumentando que tal quantia se situa precisamente na metade entre os €50.000,00 e os €80.000,00 que, segundo refere, são habitualmente fixados pela jurisprudência.
C - Ao invés, como se constata até pela recolha de jurisprudência vertida na douta sentença, a maioria das decisões jurisprudências são no sentido de liquidar este dano morte na quantia de €60.000,00.
D - Não se pode igualmente aceitar a conclusão vertida na douta sentença quanto à culpa, designadamente que a mesma se revela “algo grosseira”, pois, conforme resulta do apurado nos pontos 1 e 7 dos factos provados, o acidente ocorreu na sequência de um despiste cujas causas concretas não foram apuradas, inclusive de modo a poder ser retirada a conclusão vertida na decisão em crise quanto à modalidade da negligência do condutor.
E - Assim, sempre se dirá que o Tribunal a quo errou na fixação da indemnização devida pelo dano morte, que não deverá ultrapassar os €60.000,00. (sessenta mil Euros).
F - Quanto aos danos não patrimoniais próprios da viúva e da filha menor, o Tribunal a quo entendeu por justa, equitativa e proporcional, a atribuição à menor da quantia de €25.000,00 e à viúva a quantia de €30.000,00.
G - Da própria recolha jurisprudencial efectuada pelo Meritíssimo Juiz a quo, verifica-se que o montante arbitrado na douta sentença, quer quanto à filha menor, quer quanto à viúva, da infeliz vítima mortal, atinge o montante máximo no intervalo habitualmente arbitrado para a liquidação destes danos (entre os €10.000,00 e os €25.000,00 no caso dos filhos menores; e os 10.000,00 e os €30.000,00, no caso dos cônjuges).
H - Não resultando do caso concreto qualquer circunstância ou factor que justifique alterar o critério maioritariamente adoptado na jurisprudência dos Tribunais Superiores, não pode a Recorrente deixar de concluir que mal andou o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo na determinação da indemnização devida a este título, que não deverá ultrapassar os €15.000,00. (quinze mil Euros) para a menor e os €20.000,00 (vinte mil Euros) para a viúva.
I - Na douta sentença proferida nos presentes autos, após ser feita referência aos concretos factos apurados nos autos que vêm sendo considerados pela jurisprudência, tidos como critérios e meios auxiliares do julgador, veio a considerar-se adequada a quantia de €450.000,00, a título de dano patrimonial futuro, sendo €80.000,00 para a A. filha menor e €370.000,00 para a A. viúva.
J - Para tanto, o Meritíssimo Juiz a quo, considerou que o salário anual da vítima era de cerca de €27.562,31, considerando as seguintes parcelas:
- €1.237,00 x 14 meses, a título de salário mensal liquido;
- €200,00 x 14 meses, por ser treinador de futebol;
- €324,94 x 12 meses, a título de prémio de produtividade; e
- €321,64 x 11 meses, pelas ajudas de custo.
K - A Recorrente discorda em absoluto do valor considerado pelo Tribunal a quo como retribuição anual auferida pela vítima.
L - Na verdade, a quantia auferida a título de ajudas de custo não consiste em salário ou retribuição, tendo em vista, ao invés, fazer face às despesas tidas pelo trabalhador para o desempenho da sua função.
M - O mesmo se diga relativamente ao prémio de produtividade, porquanto se trata de uma quantia variável que não integra o salário da vítima, inexistindo nos autos quaisquer elementos que permitam concluir pelo carácter periódico e regular deste prémio e que possibilitem considerar o mesmo como parte integrante da retribuição do sinistrado, factos este cuja prova competiria às AA.
N - Ao invés, tais quantias têm uma natureza eventual e variável, carecendo do caracter de regularidade imposta para a determinação do mesmo como um dano futuro decorrente da perda de rendimentos, tendo em conta os juízos de verosimilhança e de probabilidade, o curso normal das coisas e o circunstancialismo de facto envolvente.
O - O mesmo se diga quanto às quantias recebidas “por ser treinador de futebol”, uma vez que nada dos autos permite concluir que era expectável que tal rendimento se mantivesse ao longo da vida do sinistrado, com carácter periódico e regular (e nem sequer que tal quantia fosse auferida 14 vezes por ano, até porque tal actividade desportiva não se prolonga por um ano civil completo, até pelo carácter amador).
P - Assim, de acordo com a prova efectivamente produzida nos autos, o rendimento anual da vítima ascendia a €17.325,00 (€1.237,50 x 14 meses).
Q - Relativamente à indemnização devida à filha menor pelo dano futuro decorrente da privação de ganho, sempre se dirá que o valor fixado de €80.000,00 é patentemente excessivo por se destinar a garantir alimentos por um período de 22 anos, já na expectativa de que a menor irá prosseguir a sua formação com a frequência de estudos universitários.
R - Acresce que mãe da menor também trabalha, auferindo rendimentos próprios, cumprindo-lhe assim também o dever de prestar alimentos à filha.
S - Deste modo, considera-se equitativa a quantia de €40.000,00 para compensação dos danos sofridos pela menor em virtude da privação de alimentos decorrente da morte de seu pai.
T - Relativamente à A. viúva do sinistrado, aplicando ao salário auferido pela vítima, as deduções pacificamente consideradas na jurisprudência com as necessidades próprias da vítima, com o aforro, com as despesas extraordinárias e com o recebimento imediato e instantâneo da quantia que apenas seria recebida ao longo de uma vida, temperada pelos critérios da equidade, considera-se como adequada indemnização no montante de €160.000,00 como o valor susceptível de gerar um rendimento que, em conjunto com o capital, possa assegurar o pagamento de uma importância periódica a título de alimentos correspondente àquela que a A. viúva poderia exigir ao seu cônjuge, no caso de ser posto fim à sociedade conjugal.
U - Por esta via, a título da indemnização pelo dano patrimonial futuro, considera-se adequada a quantia de €200.000,00 (duzentos mil Euros), sendo €40.000,00 para a filha menor, e €160.00,00 para a A. viúva.
V - A douta sentença violação no disposto nos artigos 494.º, 496.º, 564.º e 566.º do Código Civil.
Termos em que,
Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em conformidade, ser proferido acórdão que, alterando a sentença, condene a R. nos termos supra expostos».
c) As Autoras também recorreram com o fim de verem alterada a matéria de facto declarada «provada»/«não provada» e de obterem um aumento dos montantes indemnizatórios fixados na sentença.
No dia seguinte, as recorrentes vieram corrigir um erro de cálculo quando à vida activa do falecido marido e pai, que ocorreu quando ao subtraírem 36 anos a 76 anos concluíram por 30 anos ou invés de 40 anos, como é correcto, pelo que reformularam os cálculos indemnizatórios antes apresentados.
Não foi proferido qualquer despacho sobre tal requerimento e a Ré seguradora nada disse sobre o mesmo.
Afigura-se que se trata efectivamente de um erro de cálculo e não de um erro de raciocínio valorativo, pelo que se considera legal a correcção efectuada, sem prejuízo do limite estabelecido pelo pedido, já ampliado, que está fixado em €1.224.970,55 euros (fls. 221 verso e 295 – acta da audiência).
Os novos valores serão inseridos no lugar próprio entre parêntesis rectos.
Finalizaram as legações da seguinte forma:
«1º A matéria de facto que as recorrentes consideram incorretamente julgada, e que se pretende ver alterada, é a seguinte, referida na sentença e outra, a saber:
Dada como não provada (cf. fls. 299 da sentença): a) Que em consequência das lesões descritas em 14, E… tivesse sentido dores, susto e arrepios, dos quais tivesse tido consciência (cf. artigo 8º da B.I.).
2º Uma vez que, conjugando, a prova documental, nomeadamente o relatório fotográfico de fls. 45 a 54 (ver fls. 190 e segs. as fotos a cores) e o croquis da G.N.R. que se lhe segue, onde na parte relativamente à causa ou causas do acidente, é referido a determinada altura a conduta altamente censurável do condutor da viatura, que aqui transcrevemos, “(...) como ainda, contrariando os pedidos dos passageiros, não só aumentou a velocidade, como conduziu o veículo aos ziguezagues. E na parte final desse croquis, na parte relativa à forma como se produziu o acidente, é ainda referido pelo investigador, (...) quando descrevia uma ligeira curva para a esquerda, dada a velocidade a que circulava (...), não conseguiu descrevê-la, perdendo o controlo do mesmo ao raspar nos raills de proteção do lado esquerdo entrando em despiste até ir embater com maior violência nas proteções laterais do lado direito da via, vindo a ficar capotado (...)”, e articulando-a com a prova testemunhal, com o depoimento das testemunhas, F…, condutor da viatura (ouça-se a passagem da gravação desta testemunha, de 04:41 a 06:10, que aqui supra se transcreveu) e G…, Comandante dos Bombeiros (ouça-se a passagem da gravação desta testemunha, de 32:00 a 36:30, que aqui supra se transcreveu, e ainda as passagens da gravação que supra se indicou de 37:08 a 40:14; de 43:27 a 44:09 e de 44:10 até ao fim 44:20., e com o auxilio das regras da experiência comum, e salvo sempre melhor opinião, impunha-se decisão diferente da que foi proferida, pois, contrariamente ao decidido, provou-se a matéria de facto da alínea a) de fls. 299 da sentença referida aqui no artigo 1º destas conclusões.
3º Depois, tendo-se em consideração o alegado na petição inicial e o que resultou da instrução (nomeadamente, por força das supra referidas provas e testemunhas nas passagens da gravação atrás já indicadas) e de acordo com as novas regras processuais (o tribunal deve ter em consideração todo o merecedor acervo factual com vista à descoberta da verdade material e à justa composição do litígio) deve ainda ser por V.ªs Ex.ªs dado como provado, aditando-se à matéria de facto provada, o que se requer, o seguinte:
O falecido E… foi convencido pelo condutor F… de que este não tinha bebido bebidas alcoólicas e que estava em condições de poder conduzir;
O falecido E… chamou à atenção do condutor F… para a condução que ele ia a ter e pediu-lhe várias vezes para ele ter mais cuidado e ir mais devagar, o que o condutor não fez;
O falecido E… entre o início do momento do acidente e a sua morte, sentiu com grande violência, o medo, o pânico, a dor e angustia da grande possibilidade de vir definitivamente a perder a família e os amigos e tudo que a vida ainda lhe poderia proporcionar, tendo apanhado nesses momentos um grande susto e arrepios e sofrido dores, e ainda, face à violência do acidente, na sua projeção pelo ar, ciente de que iria morrer, o desespero, a aflição, a angústia e o terror de ver a vida a fugir-lhe, assistindo à sua destruição e morte;
4º Consequentemente, e tendo-se também em consideração a matéria factual provada dos pontos 6, 7, 11, 12, 14, 23 e 24 (que aqui tem relevância), deve por V.ªs Ex.ªs ser revogada a sentença na parte em que julgou improcedente o pedido da alínea a) e, ser agora a Ré condenada a pagar às autoras, acrescida dos juros legais desde a citação até efetivo e integral pagamento (art. 805º, n.º 3 do C.C.), como compensação adequada pelos danos não patrimoniais sofridos pela infeliz vitima entre o inicio do acidente e a sua morte (art. 496º CC), uma quantia não inferior a €15.000,00 (quinze mil euros).
5º Depois, deve ainda ser tido em consideração na decisão e dado como provado e aditado à matéria de facto provada, o que se requer a V.ªs Ex.ªs, o seguinte: a matéria factual constante da petição inicial, nos artigos 154 até 163 (por acordo das partes), assim como também os artigos 164 a 179, 189, 196, 209, 220 e 232 da petição inicial que foram objeto de reclamação, e que na nossa modesta opinião resulta provada por força da conjugação da matéria já dada como provada pelo tribunal e das regras da experiência comum (nomeadamente, por aplicação do disposto nos artigos 349º e 351º do Código Civil).
6º Impugna-se a decisão da quantia arbitrada a título do dano morte ou perda de vida, que a 1ª instância fixou em 65.000 €, para o presente caso em que a vitima era ainda jovem, tinha somente 36 anos de vida, e deve a mesma ser por V.ª Ex.ªs revogada e fixada em €150,000,00, por se aproximar dos valores que a jurisprudência tem atribuído de €150,000,00, €180,000,00 e €250,000,00 em situações em que os tribunais se confrontam com gravosas incapacidades que afectam, de forma profunda, radical e irremediável, a qualidade de vida dos lesados, ainda jovens no momento do acidente, por o critério adoptado para quantificar a indemnização compensatória devida a título de danos não patrimoniais nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 496º do Código Civil (Danos não patrimoniais) com recurso à equidade, ser o mais justo em situações em que estamos confrontados com o dano morte quando os lesados ainda jovens no momento do acidente perdem a vida, ainda na flor da idade, na chamada primavera da vida, e com muito ainda para viver e desfrutar, bem longe de se prever o seu fim e de uma forma trágica.
7º Deve ainda no presente caso em concreto ter-se em consideração o que resultou provado, nomeadamente a matéria factual que vem referida nos pontos 16, 28 a 37, 40 a 44, 46 a 51 da sentença, e de que a culpa na produção do acidente foi exclusivamente do condutor mas neste caso foi altamente gravosa por ter sido muitíssimo grosseira (ao não dar ouvidos e não acatar o que o falecido lhe pediu e por várias vezes, que era para ir com mais cuidado na sua condução e mais devagar), conforme resulta da prova que supra transcrevemos e cuja matéria factual pedimos agora que V.ªs Ex.ªs aqui deem também como provada (conduta altamente gravosa que agora merece ser tida por V.ªs Ex.ªs em conta no vosso juízo de equidade, e que não o foi na 1ª instância) e assim ser mais valorizado e com toda a justiça o dano morte ou perda da vida de quem é ainda jovem, devendo assim ter-se em devida consideração que a vitima estava ainda na força da sua vida, tinha à sua frente todo um longo futuro prometedor, que se desenhava em contornos bastante positivos, tudo apontando no sentido de vir a ter uma vida plena e cheia de felicidade, sendo certo e seguro que não há dinheiro nenhum que pague a vida deste jovem, reputa-se equitativa a título de compensação pelo dano deste precioso bem supremo e o mais valioso, a fixação da justa quantia de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).
8º Impugna-se a decisão das quantias arbitradas a título de danos morais sofridos pela esposa C… e pela filha menor D… pela morte do falecido E…, devendo no presente caso em concreto ter-se em consideração naturalmente o disposto na primeira parte do nº 3 do art.º 496º do C.C. e o que resultou provado, nomeadamente a matéria factual que vem referida nos pontos 6, 7, 16, 19, 20 e 28 a 51 da sentença de que se recorre, sendo que, os laços de afecto entre as autoras esposa e filha e o falecido eram muito fortes, sendo a sua perda para as autoras de um valor incalculável, sendo tal dor potenciada pelas circunstâncias trágicas em que ela ocorreu, e nessa medida requer-se a V.ªs Ex.ªs a revogação do decidido na 1ª instância, e em sua substituição, seja fixada à autora C… que ficou de um momento para o outro sozinha e sem a pessoa que amava e nos braços com uma filha de apenas 4 meses para criar, a quantia compensatória mais justa de €40.000,00.
9º Tendo em conta as especificidades do caso em apreço, já suficientemente descritas supra na motivação (a idade da vítima, a sua relação com a filha, a idade desta, a dificuldade que a mesma, certamente, terá em superar a profunda perda do seu pai, a circunstância de ser uma situação que a acompanhará para o resto da sua vida), entendemos ser adequado e plenamente justificativo (embora manifestamente insuficiente e irrisório face à gravidade dos danos e ao grande período de sofrimento da vitima que o será naturalmente até morrer) a fixação por V.ªs Ex.ªs em €40.000,00 o valor da indemnização a atribuir à menina D… pela morte de seu pai, o que se requer, por ser a mais próxima da que seria naturalmente mais justa.
10º Aos valores fixados a título compensatório pelos danos não patrimoniais sofridos pelas vitimas a que se refere o art.º 496º do Código Civil (e até porque face à dimensão dos valores e princípios em causa nunca é possível uma atualização), deve ser acrescido os juros legais contados desta a citação até integral e efetivo pagamento, nos termos do disposto no art.º 805º, nº3 do C.C.
11º O valor fixado pela 1ª instância a título de danos patrimoniais futuros ou lucros cessantes de €450.000,00 deve também por V.ªs Ex.ªs ser revogado, não se podendo considerar os fundamentos referidos na sentença (cf. de fls. 24 a 26) que levam ao cálculo deste valor, que aqui se impugnam, nomeadamente pelas razões baseadas em acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, que supra na motivação de recurso exaustivamente referenciamos.
12º Assim, de acordo com a lei indicada e critérios seguidos pela jurisprudência supra referida na nossa motivação de recurso, operando nos termos simples na fórmula de cálculo, temos que: €27.563,31 (salário anual do falecido) x 30 [40] anos (esperança média de vida do E… desde que faleceu) = €826.899,30 (oitocentos e noventa e três mil e duzentos euros) [€1.102,532,00 (um milhão cento e dois mil e quinhentos e trinta e dois euros)], calculado o valor remuneratório devido a título de danos patrimoniais futuros ou lucros cessantes.
13º E com este valor remuneratório estático alcançado, se deve ter em conta o que vem sendo amplamente reconhecido no mais alto tribunal, nomeadamente nos acórdãos supra aqui referenciados, a ponderação de variantes dinâmicas (e que a sentença de que se recorre não teve em consideração) que escapam, em absoluto, ao cálculo objectivo, como por exemplo: evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização. E que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «beneficio da antecipação», não sendo assim de efetuar qualquer redução do capital, por este ser entregue de uma só vez.
14º Considerando ainda que, pelos factos dados como provados e referenciados no 6º parágrafo de fls. 26 da sentença (e que parte dessas despesas também eram pagas pelos rendimentos da esposa), não se possa determinar ou concluir como o fez a 1ª instância que 1/3 do rendimento do E… se destinava à satisfação de necessidades próprias, que por isso impugnamos, pelo que, consideramos bem mais adequado à prova e mais justo neste caso em concreto 1/5 do rendimento da infeliz vítima, ou seja, €826.899,30:5= €165.379,86 [€1.102,532,00:5=€220.506,00].
15º Concluindo, €826.899,30 - 165.379,86 = €666.519,44 [€1.102,532,00 -€220.506,00=€882.026,00] o valor a pagar pela ré às autoras a título de danos patrimoniais futuros ou lucros cessantes é no valor total de €666.519,44 (seiscentos e sessenta e seis mil quinhentos e dezanove euros e quarenta e quatro cêntimos) [€882.026,00 (oitocentos e oitenta e dois mil e vinte e seis euros)].
16º Quantitativo indemnizatório apurado, tendo em consideração os argumentos de fls. 28 da sentença, considera-se equitativo, o que se requer a V.ªs Ex.ªs, a sua fixação, nos seguintes montantes, se outra decisão V.ªs Ex.ªs superiormente não considerarem mais justa: o valor de €130,000,00 (cento e trinta mil euros) [€175,000,00 (cento e setenta e cinco mil euros)] para a autora D… e a quantia de €536.519,44 (quinhentos e trinta e seis mil quinhentos e dezanove euros e quarenta e quatro cêntimos) [€707,026,00 (setecentos e sete mil e vinte e seis euros)] para a autora C….
17º A estes valores, a título de danos patrimoniais futuros sofridos pelas vitimas a que se referem o art.º 562º, a primeira parte do nº 2 do art.º 564º, o nº 2 do art.º 566º, todos do Código Civil, e porque, no presente caso em concreto se apurou o valor exato destes danos (cf. primeira parte do nº 3 do art.º 566º do C.C.) à data da tragédia (cf. inicio de fls. 26 da sentença, a matéria dada como provada quanto aos rendimentos da infeliz vitima e nº 2 do art.º 566 CC) devem a estes estes valores ser acrescido os juros legais contados desta a citação até integral e efetivo pagamento, nos termos do disposto no art.º 805º, nº3 do C.C., e não a partir da data da sentença como o fez a 1ª instância, que aqui assim se impugna expressamente.
18º Foram violados pelo tribunal “a quo” todos os normativos e legislação referida na motivação e conclusões do presente recurso.
Nestes termos e nos melhores de direito que V.ªs Ex.ªs sempre superiormente suprirão, deve o presente recurso ser por V.ªs Ex.ªs considerado provado e totalmente procedente, com todas as consequências legais, como ato de inteira e sã justiça».
d) As Autoras contra-alegaram ainda pugnando pela manutenção do valor encontrado para o salário anual da vítima e atribuição da indemnização por danos patrimoniais nos termos que sustentaram nas próprias alegações de recurso.
II. Objecto do recurso.
De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões relativas à matéria de facto e, por fim, resolvidas estas, com as atinentes ao mérito da causa.
As questões a tratar são as seguintes:
1 – Em primeiro lugar cumpre verificar se é possível declarar como factos provados aqueles que as Autoras agora pretendem, isto é:
(a) «O falecido E… foi convencido pelo condutor F… de que este não tinha bebido bebidas alcoólicas e que estava em condições de poder conduzir».
(b) «O falecido E… chamou à atenção do condutor F… para a condução que ele ia a ter e pediu-lhe várias vezes para ele ter mais cuidado e ir mais devagar, o que o condutor não fez».
(c) «O falecido E… entre o início do momento do acidente e a sua morte, sentiu com grande violência, o medo, o pânico, a dor e angustia da grande possibilidade de vir definitivamente a perder a família e os amigos e tudo que a vida ainda lhe poderia proporcionar, tendo apanhado nesses momentos um grande susto e arrepios e sofrido dores, e ainda, face à violência do acidente, na sua projecção pelo ar, ciente de que iria morrer, o desespero, a aflição, a angústia e o terror de ver a vida a fugir-lhe, assistindo à sua destruição e morte».
Tais factos não constam da base instrutória elaborada em 9 de Janeiro de 2013.
Da base instrutória, com ligação a esta matéria, consta apenas o seguinte:
«Que em consequência das lesões descritas em 14, E… tivesse sentido dores, susto e arrepios, dos quais tivesse tido consciência (cf. artigo 8º da B.I.).
Este facto teve resposta «não provado».
Quanto aos factos que as Autoras pedem sejam aditados, os dos dois primeiros parágrafos [(a) e (b)] não constam dos articulados, mas a matéria do terceiro parágrafo [(c)]vem alegada nos artigos 57 e 58 da petição inicial.
*
Cumpre ainda verificar se deve ser aditar-se ainda à matéria factual constante da petição inicial, nos artigos 154 até 163 (por acordo das partes), assim como também os artigos 164 a 179, 189, 196, 209, 220 e 232 da petição inicial, que foram objecto de reclamação e que as autoras consideram que podem ser declarados pelo Tribunal da Relação, por força da conjugação da matéria já dada como provada pelo tribunal e das regras da experiência comum.
2 – Em segundo lugar, entrando na matéria relativa à indemnização, cumpre verificar se deve elevar-se a indemnização pelo dano da morte para €150,000,00, como pretendem as Autoras, por se aproximar dos valores que a jurisprudência tem atribuído de €150,000,00, €180,000,00 e €250,000,00 em situações em que os tribunais se confrontam com gravosas incapacidades que afectam, de forma profunda, radical e irremediável, a qualidade de vida dos lesados, ainda jovens no momento do acidente, por o critério adoptado para quantificar a indemnização compensatória devida a título de danos não patrimoniais nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 496º do Código Civil (Danos não patrimoniais) com recurso à equidade, ser o mais justo em situações em que estamos confrontados com o dano morte quando os lesados ainda jovens no momento do acidente perdem a vida, ainda na flor da idade, na chamada primavera da vida, e com muito ainda para viver e desfrutar, bem longe de se prever o seu fim e de uma forma trágica.
Ou se, como sustenta a Ré, a indemnização deve descer para 60 mil euros, por ser este o valor normalmente atribuído pelos tribunais e por não se poder concluir, como na sentença, que existiu «culpa grosseira».
3 – Cumpre ainda verificar o montante da indemnização a atribuir pelo dano não patrimonial atinente à viúva e à menor, no sentido de saber se a quantia de 40 mil euros para cada autora será a quantia indemnizatória adequada.
Ou se, como pretende a Ré seguradora, a indemnização deve baixar atribuindo 20 mil euros à viúva e 15 mil euros à filha, por serem estes os valores normalmente atribuídos em casos semelhantes.
4 – Caso haja alteração da matéria de facto preconizada pelas recorrentes, cumpre verificar se procede o pedido relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pela vítima nos momentos que antecederam a sua morte, designadamente se deve ser atribuído o montante de €15.000,00 euros como indemnização por estes danos.
5 – Outra questão a analisar consiste em verificar se devem ser fixados juros desde a citação relativamente às quantias fixadas a título de indemnização por danos não patrimoniais, por não ser possível, como sustentam as Autoras, efectuar qualquer actualização.
6 – Cumpre ainda verificar se a indemnização fixada a título de danos patrimoniais futuros ou lucros cessantes, deve passar para €882.026,00, por ser esta a quantia que corresponde na fórmula de cálculo ao salário de €27.563,31 e aos 40 anos de esperança média de vida do falecido.
Cumprindo aquilatar se será adequado considerar que 1/3 do rendimento do falecido se destinavam à satisfação de necessidades próprias, ou se deverá esta proporção ser alterada para 1/5, sobrando €882.026,00 euros para alimentos da menor e viúva.
Ou se as quantias fixadas na sentença devem descer, como pretende a Ré recorrente, passando para 40 mil euros no que respeita à autora/filha e para 160 mil euros para a autora/viúva, considerando-se que as componentes da retribuição mensal relativas às ajudas de custo, prémio de produtividade e remuneração como treinador de futebol não devem ser levadas em consideração.
III. Fundamentação.
a) Impugnação da matéria de facto.
1 – Vejamos se podem ser declarados provados os seguintes factos:
(a) «O falecido E… foi convencido pelo condutor F… de que este não tinha bebido bebidas alcoólicas e que estava em condições de poder conduzir».
(b) «O falecido E… chamou à atenção do condutor F… para a condução que ele ia a ter e pediu-lhe várias vezes para ele ter mais cuidado e ir mais devagar, o que o condutor não fez».
(c) «O falecido E… entre o início do momento do acidente e a sua morte, sentiu com grande violência, o medo, o pânico, a dor e angustia da grande possibilidade de vir definitivamente a perder a família e os amigos e tudo que a vida ainda lhe poderia proporcionar, tendo apanhado nesses momentos um grande susto e arrepios e sofrido dores, e ainda, face à violência do acidente, na sua projecção pelo ar, ciente de que iria morrer, o desespero, a aflição, a angústia e o terror de ver a vida a fugir-lhe, assistindo à sua destruição e morte».
Como se disse atrás, tais factos não constam da base instrutória elaborada em 9 de Janeiro de 2013, de onde consta apenas «Que em consequência das lesões descritas em 14, E… tivesse sentido dores, susto e arrepios, dos quais tivesse tido consciência» – artigo 8º da B.I. –, cuja resposta foi «não provado».
Os factos referidos sob «(a)» e «(b)» não constam dos articulados, mas a matéria referida sob «(c)» vem alegada nos artigos 57 e 58 da petição inicial.
Vejamos então.
Quanto ao facto «O falecido E… foi convencido pelo condutor F… de que este não tinha bebido bebidas alcoólicas e que estava em condições de poder conduzir», cumpre referir que o mesmo não tem interesse, pois não se suscita no recurso qualquer questão para resolução da qual o facto seria relevante, sendo certo que na sentença se afastou mesmo a relevância jurídica de tal factualidade.
Quanto ao facto «O falecido E… chamou à atenção do condutor F… para a condução que ele ia a ter e pediu-lhe várias vezes para ele ter mais cuidado e ir mais devagar, o que o condutor não fez», a importância do mesmo será instrumental em relação à afirmação de que o falecido vinha atento à condução, apercebendo-se das condições em que a mesma estava a ser efectuada.
Trata-se de um facto que não foi alegado.
Ora, não tendo sido alegado, o juiz podia tê-lo declarado provado ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, onde se determina que «2- Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; …».
Mas, poderão as partes, na hipótese do juiz não o ter declarado provado, vir mais tarde, em recurso, pedir que o Tribunal da Relação o considere provado?
Prima facie, a resposta parece ser negativa, na medida em que a situação processual não cabe na previsão do artigo 640.º do Código de Processo Civil.
Com efeito, relativamente à impugnação da matéria de facto, o artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, dispõe do seguinte modo:
«1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Ora, neste caso, se alguma falta tiver existido, consistirá numa omissão, isto é, o juiz devia ter declarado provado um certo facto instrumental, não alegado, mas não o fez.
Porém esta situação, eventualmente [1] omissiva, não preenche o conceito de «ponto de facto incorretamente julgado» referido na al. a), do n.º 1, do artigo 640.º do Código de Processo Civil, conceito que pressupõe apenas os «factos provados» e os «não provados» exarados na decisão recorrida, únicos que poderão ter sido «incorretamente julgados».
A al. b), do n.º 2, do mesmo artigo, reforça esta ideia ao determinar que a parte deve especificar os meios de prova «que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida».
Pressupõe-se também aqui que tenha existido uma decisão sobre «algo» e não uma omissão (a omissão, por definição, salvo se fundamentada, não é uma decisão), decisão que necessariamente declarou um facto ou como «provado» ou, então, como «não provado», pois só nestes casos faz sentido a lei referir-se a decisão «diversa da recorrida».
Afigura-se, por conseguinte, que o Código de Processo Civil não permite à parte que, em sede de recurso da matéria de facto, possa provocar uma decisão do tribunal da Relação no sentido deste tribunal emitir decisão declarando, pela primeira vez no processo, «provado» ou «não provado» um facto instrumental que, segundo o recorrente resultará da instrução da causa, mas que não tinha sido alegado.
Para além do que fica dito, este entendimento é avalisado pelas seguintes considerações:
Se o tribunal da Relação pudesse emitir decisão declarando, pela primeira vez no processo, «provado» ou «não provado» um facto instrumental, o tribunal da Relação transformar-se-ia funcionalmente num tribunal de 1.ª instância, chamado a decidir, certamente com elevada frequência, pela primeira vez no processo, matérias factuais que, a terem alguma utilidade, já deviam ter sido objecto de exame na 1.ª instância.
Esta prática processual causaria, por isso, assinalável perturbação processual pela inversão de papéis que suscitaria, colocando os tribunais da Relação a realizar o trabalho que logicamente devia ter sido efectuado na 1.ª instância e sujeito depois a eventual recurso para o tribunal da Relação.
Além de constituir objectivamente um apelo a posturas de trabalho desmazeladas por parte de advogados e juízes de 1.ª instância, no sentido de deixar para o último momento, o do recurso, a tomada de decisões que deviam ter sido tomadas, muito antes, em 1.ª instância.
Conclui-se, por conseguinte, pela inadmissibilidade das Autoras provocarem no tribunal da Relação o conhecimento desse eventual facto instrumental, no sentido de o considerar «provado» (ou «não provado»).
Prosseguindo.
Quanto à matéria «O falecido E… entre o início do momento do acidente e a sua morte, sentiu com grande violência, o medo, o pânico, a dor e angustia da grande possibilidade de vir definitivamente a perder a família e os amigos e tudo que a vida ainda lhe poderia proporcionar, tendo apanhado nesses momentos um grande susto e arrepios e sofrido dores, e ainda, face à violência do acidente, na sua projecção pelo ar, ciente de que iria morrer, o desespero, a aflição, a angústia e o terror de ver a vida a fugir-lhe, assistindo à sua destruição e morte».
Esta questão já diverge da anterior na medida em que tais factos foram efectivamente alegados pelas Autoras, sucedendo apenas que o tribunal não os considerou.
A lei prevê na al. c), do n.º 2, do artigo 662.º do Código de Processo Civil, que o tribunal da Relação possa, mesmo oficiosamente, «Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta».
Neste situação, resulta desta norma, a contrario, que nos casos em que constam do processo todos os elementos probatórios que, nos termos referidos no n.º 1 do mesmo artigo, permitirão a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, não haverá lugar à anulação da decisão proferida em 1.ª instância, pelo que o tribunal da Relação conhecerá, em primeira mão, de tais questões de facto.
Mas não se trata agora de um caso de impugnação da matéria de facto, pois não há nada a impugnar, mas apenas o assinalar de uma omissão que poderá ser suprida.
Cumpre, por conseguinte, verificar se tal factualidade poderá ser declarada provada.
Ouvida a prova produzida indicada pelas Recorrentes, ou seja, o depoimento da testemunha F…, condutor do veículo, conjugada com os restantes elementos probatórios existentes nos autos, a resposta a tal matéria é negativa.
É certo que a testemunha F…, respondendo à pergunta (minuto 04:51) sobre se o falecido lhe tinha chamado à atenção para a condução que a testemunha estava a levar cabo, referiu que o falecido lhe pediu «várias vezes» (minuto 04:58) para ele ir mais devagar.
Tendo-lhe sido perguntado porque não acatou o pedido referiu (minuto 05:08) que «na altura, derivado à noite, a gente saiu, não tinha um bocado a noção se vinha depressa ou não…sempre que ele dizia eu tentava abrandar e vir mais devagar».
Ora, isto não permite responder afirmativamente aos factos em causa por duas razões:
Por um lado, a testemunha tanto pôde ter reproduzido um facto que efectivamente existiu, como ficcionado um facto inexistente, mas favorável à pretensão indemnizatória das Autoras.
Efectivamente, tal depoimento indicia que a vítima no momento do acidente ia acordado e com atenção à condução.
Ora, o juiz confronta-se com essa dúvida, pois não se pode afastar a possibilidade séria da testemunha procurar diminuir os efeitos da sua anterior conduta, favorecendo agora a família da vítima dentro das suas possibilidades.
Além desta dúvida, o juiz ponderará outros factos probatórios e as regras da experiência.
Neste aspecto reparará que o acidente ocorreu às 07:00 horas da manhã de um domingo, altura em que a vítima e restantes companheiros regressavam a casa depois de terem passado a noite acordados.
Acresce que a vítima era portadora de uma taxa de álcool no sangue de 2,09 gramas de álcool por cada litro de sangue.
Ora, nesta condições factuais, coloca-se seriamente a dúvida sobre se a vítima viria com atenção à condução e se se terá apercebido sequer do perigo, a não ser quando o veículo embateu pela primeira vez na vedação do lado esquerdo e se despistou em direcção à vedação do lado direito onde também embateu com violência.
Entre ambos os pontos distaram 50 metros, como resulta da matéria de facto provada.
Consta também da matéria de facto provada que o veículo seguia a 120/130 quilómetros por hora.
Se seguia a 120 quilómetros por hora percorreu esses 50 metros em 1,5 segundos (3600 segundo – uma hora –, multiplicando pelos 50 metros percorridos e dividindo pelos 120 000 metros percorridos em uma hora) ou ligeiramente mais, se perdeu alguma velocidade no primeiro embate.
Nestas condições, às 07:00 horas da manhã, coloca-se seriamente a hipótese da vítima se encontra a dormir ou pelo menos com os olhos fechados e relaxada devido ao sono que sempre surge após uma noite sem dormir e à sonolência e desequilíbrio provocados pela introdução do álcool na corrente sanguínea.
E muito embora conste dos factos provados, sob o n.º 6, que o condutor conduzia aos «ziguezagues», o que poderia levar a concluir que isso manteria os passageiros atentos à condução, porém não se consegue ter uma ideia da realidade que se pretendeu descrever com «conduzir aos ziguezagues», pois se o veículo circulava a 120/130 quilómetros por hora, os ziguezagues teriam de ser pouco acentuados sob pena de ocorrer um despiste imediato, mas sendo amplos ou pouco acentuados, então podiam passar despercebidos a quem seguia no veículo, por se confundirem com as curvas.
Por conseguinte, deste facto nada de concreto se pode retirar com relevância para a questão.
Por conseguinte, deve concluir-se no sentido de não existir prova suficiente para formar a convicção do juiz no sentido de considerar tal factualidade como provada.
2 – Cumpre ainda verificar se deve aditar-se ainda à matéria factual constante da petição inicial, nos artigos 154 até 163 (por acordo das partes), assim como também os artigos 164 a 179, 189, 196, 209, 220 e 232 da petição inicial, que foram objecto de reclamação e que as Autoras consideram que podem ser declarados pelo tribunal da Relação, por força da conjugação da matéria já dada como provada pelo tribunal e das regras da experiência comum.
Verifica-se que estes factos foram efectivamente objecto de reclamação, mas o tribunal rejeitou a reclamação, nos seguintes termos:
«No que concerne à pretensão das autoras de inclusão da factualidade alegada nos referidos artigos tanto nos factos assentes como os indicados para a base instrutória, para além de alguns dos mencionados artigos consubstanciarem conclusões e não factos concretos, considera-se que o elenco da matéria assente e a quesitação constante da base instrutória se mostram adequados à apreciação do pedido subsistente, de acordo com as várias soluções jurídicas plausíveis, pelo que vai a mesma indeferida. Notifique» (despacho de 11-2-2013).
Os factos são estes:
«154. Por seu lado, a filha menor D…, que à data do falecimento do pai tinha só 4 meses e meio de idade».
«155. Vai ter de viver uma vida inteira privada do seu pai».
«156. Do amor do pai».
«157. Da presença do pai».
«158. Da educação do pai».
«159. Dos conselhos do pai».
«160. Do apoio do pai».
«161. Do carinho e afecto do pai».
«162. Do trato e amizade do pai».
«163. Dos beijos e conforto do pai».
«164. Privada de tudo o que um pai pode dar e dá naturalmente a uma filha».
«165. Quando tiver mais consciência da realidade vai sentir imenso a perda».
«166. Vai naturalmente sofrer muito e chorar o sucedido».
«167. Vai sentir enorme tristeza e dor».
«168. De não ter o pai».
«169. De nunca ter conhecido sequer o pai».
«170. De nunca vir a ter recordações do pai».
«171. De nunca ter podido brincar nem conviver com o pai».
«172. De nunca poder pronunciar a palavra papá ou pai».
«173. De nunca em momento algum o poder ter a seu lado nos momentos e acontecimentos mais importantes, mais marcantes ou mais difíceis da sua vida».
«174. De nunca poder recorrer ao seu apoio, ao seu conselho à sua orientação».
«175. E será sempre por tudo isso, uma criança, uma adolescente e uma mulher muito menos feliz».
«176. Sem ter tido o pai como pilar importante no seu crescimento, na sua educação, na formação da sua personalidade e na sua vida, será uma vida menos alegre e menos preenchida».
«177. Vai ter assim de viver e conviver toda a sua vida sem a referência paterna».
«178. E de apenas sonhar como seria bom conhecê-lo e tê-lo na sua vida».
«179. Sendo a falta do seu apoio, da sua ajuda, da sua educação, da sua orientação e do seu amor, para a menor D…, uma perda de um valor inimaginável, que pode inclusive vir a ser brutal, com consequências bastante negativas e prejudiciais para a D… afectando-a negativamente quer na sua saúde física quer mental ao longo de toda a sua vida».
«189. Era muito trabalhador e ambicioso e perspectivava-se ainda um bom futuro à sua frente».
«196. Por seu lado, a autora C… embora tivesse feito a Licenciatura em Gestão e Desenvolvimento Social na Universidade … (cf. doc. n.º 21)».
«209. Ambos com frequência escolar universitária».
«220. Como se disse o casal teve frequência universitária e querem o mesmo para a sua filha menor».
«232. deve assim ainda reputar-se como um facto normal, natural, e nesse sentido previsível, que o E…, dada a sua juventude e grandes qualidades pessoais e de trabalho, para fazer face a esse aumento de despesas com o nascimento e crescimento da filha D…, progredisse nas suas duas carreiras ou até arranjasse um outro emprego, no sentido de ver aumentadas consideravelmente as suas remunerações mensais e consequentemente anuais, como era sua vontade e querer, num futuro mais ou menos próximo em pelo menos mais 25%, 1/4 do que aquilo que auferia, ou seja, mais (€ 20.125,00 x 25% =) € 5.031,25 anuais».
Passando à análise desta matéria.
Desde já se adianta que improcede a pretensão das Autoras.
Quanto ao facto «154. Por seu lado, a filha menor D…, que à data do falecimento do pai tinha só 4 meses e meio de idade», encontra-se provado nos factos 1, 12 e 20 da sentença.
Quanto à matéria dos artigos 155 a 179, verifica-se que não estamos perante factos que não resultem já do facto provado «morte do pai da Autora D…».
Com efeito, se se reparar, se fizermos uma afirmação, qualquer que ela seja, de sentido negativo («não», «nem») relativamente a um momento futuro tendo o pai da menor como sujeito ou um dos sujeitos, a resposta, sem necessidade de qualquer produção de prova, será sempre «provado».
Por exemplo, se se afirmar que «O pai da menor D… não estará presente no dia dos seus aniversários» a resposta será «provado», sem necessidade de produzir qualquer prova.
Isto é assim, porque essas afirmações já estão contidas no facto «morte do pai da menor».
Por conseguinte, não se deve duplicar o que já está assente.
Quanto à matéria do artigo 232 da petição, onde se alvitra que no futuro a vítima poderia vir a receber mais 25% do que aquilo que recebia à data do acidente, cumpre referir que não se trata de um facto, de algo situado num certo tempo e espaço temporal, mas de uma conjectura que se constrói acerca da evolução da melhoria dos salários auferidos.
Mas que prova poderia ser produzida a esse respeito?
Não poderá ser testemunhal, porque a matéria em causa não é testemunhável, no sentido de ser verificável fisicamente através dos sentidos.
Restaria a prova pericial.
Porém a prova pericial teria de partir também de outros factos, que teriam de se encontrar provados, para concluir por esse aumento de 25%, mas tais factos não foram indicados pelas Autoras nem se vislumbra quais sejam.
Por conseguinte, também esta prova se mostra inviável, pelo que se deve concluir que não estamos perante um facto que possa ser objecto de prova.
Improcede, pelo exposto, a pretensão das Autoras, pelo que se passa à indicação dos factos provados.
b) Matéria de facto provada.
1. No dia 02 de Maio de 2010, cerca das 7:00 horas, na A24, ao km 91,320, no sentido …-…, o veículo ligeiro de passageiros, marca Ford …, com a matrícula ..-..-IC, pertencente a H… e conduzido por F…, despistou-se.
2. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1., o condutor do IC transportava no banco da frente do veículo, I… e no banco de trás J… e E….
3. A estrada onde circulavam tinha duas vias no mesmo sentido de trânsito, separadas das faixas de trânsito contrárias, por uma placa central.
4. No local do embate, a faixa de rodagem tem 7,9 metros de largura e a berma direita 2,50 metros de largura e a da esquerda 1 metro.
5. À data do embate o céu estava limpo e com sol e o piso onde circulavam estava seco, limpo e em bom estado de conservação.
6. Nas circunstâncias referidas em 1., o condutor do IC apresentava uma taxa de álcool no sangue de 0,94 g/l e circulava aos ziguezagues.
7. Após o IC passar pela segunda junta de dilatação da ponte sobre o rio …, atento o seu sentido de marcha, o condutor não conseguiu descrever uma ligeira curva para a esquerda, de boa visibilidade e foi embater com a velocidade em que seguia, nos rails de protecção esquerdos, atravessando toda a via para o outro lado, percorrendo cerca de 50 metros e foi embater nos rails de protecção do lado direito, atento o seu sentido de marcha, vindo a capotar, com várias cambalhotas.
8. O IC ficou imobilizado na faixa de rodagem em que seguia, virado de lado, com a sua parte direita encostada ao chão em cima da linha guia do lado direito, com a frente virada para o seu sentido de marcha.
9. … com a sua traseira a 2,7 metros e a sua dianteira a 3 metros do eixo central da via.
10. Após o embate, o IC ficou com toda a sua frente amassada e dobrada.
11. Com o embate do veículo, os passageiros E… e J… foram projectados pela traseira do veículo para o exterior, o primeiro a uma distância de 30/40 metros, vindo a imobilizar-se no meio de uma vinha, a uma altura de 40 metros.
12. Em consequência do sinistro, o passageiro do veículo IC, E… veio a falecer, cerca de 30 minutos após a queda.
13. Após o embate, o veículo deixou no local chapas amolgadas, vidros partidos, rastos de travagem e provocado estragos na estrutura da via em 6BHO, 5 prumos, em 12 metros de guarda corpos e um delineador.
14. Em consequência do sinistro, o condutor e os passageiros do veículo IC, F…, I… e J… sofreram ferimentos e o E… sofreu no tórax: múltiplas equimoses de coloração avermelhada, dispersas e múltiplas escoriações lineares; nas paredes do tórax: fracturas lineares múltiplas de todas a grade costal posterior, com infiltração sanguínea dos tecidos adjacentes; na região dorso-lombar, abdómen, membros superiores e inferiores, de ambos os lados: múltiplas equimoses de coloração avermelhada, dispersas e múltiplas escoriações lineares; fígado: parênquima hepático com múltiplas áreas de contusão na face antero-superior e múltiplas fracturas na face inferior; coluna vertebral-dorsal: fractura linear do corpo D6 com infiltração sanguínea dos tecidos adjacentes; coluna vertebral: laceração meníngea a nível D6 e na medula: compressão medular a nível D6.
15. As lesões traumáticas abdominais e raqui-medulares, descritas em 14. foram a causa directa e necessária da morte de E….
16. O E… nasceu a 05 de Dezembro de 1973.
17. À data do acidente, a responsabilidade civil por danos emergentes de acidente de viação resultantes da circulação do veículo ..-..-IC estava transferida para a Companhia de Seguros B…, S.A. (ora R.), através da apólice n.º …./……., então válida ou em vigor.
18. A Autora C… é beneficiária n.º ……….., do Centro Distrital de Segurança Social de Vila Real.
19. As autoras C… e D… são viúva e filha, respectivamente do falecido E….
20. A C… nasceu a 11 de Janeiro de 1976 e a D… nasceu a 17 de Dezembro de 2009.
21. Nas circunstâncias referidas em 1., o condutor do IC circulava com autorização do proprietário do veículo.
22. No local onde ocorreu o embate, o IC era o único a circular na sua via de trânsito.
23. À data do sinistro, após passar o nó de … e antes de iniciar a entrada na ponte sobre o Rio …, existia um sinal vertical C13, que proíbe a circulação em velocidade superior a 100 km/hora.
24. Na altura do embate, o condutor do IC seguia a uma velocidade de 120/130 km/hora.
25. Após o embate, a traseira do IC ficou sem vidros e com um grande buraco.
26. … pelo qual o passageiro da frente I… saiu, bem como o condutor do veículo, puxado por aquele.
27. … os bancos traseiros saíram do seu lugar.
28. À data do sinistro, E… era um homem saudável, robusto e alegre.
29. Era um marido e pai presente e cuidadoso.
30. Tinha concluído o 12.º ano de escolaridade.
31. Frequentou a Universidade e esteve matriculado no 4.º ano da licenciatura de relações públicas.
32. Exercia a actividade profissional de delegado de informação médica.
33. Praticava exercício físico com regularidade e era treinador de futebol.
34. Em 2006/2007, concluiu com aproveitamento o curso de treinadores de futebol Nível I e em 2008/2009, o curso de treinadores UEFA B.
35. Era uma pessoa respeitada e reconhecida no mundo do futebol e no meio profissional e social em que se inseria.
36. Em 04 de Setembro de 2010, o falecido E… foi homenageado num jogo ocorrido entre a equipa sénior do K…, da qual era treinador e o L….
37. Em 02 de Outubro de 2010, o falecido foi homenageado num torneio de futebol das vindimas de veteranos, ao qual deu o nome.
38. Com a morte de E…, a Autora sofreu um enorme choque, dor e consternação.
39. Por causa do falecimento do marido, a Autora ficou saudosa, amargurada e triste.
40. O falecido E… prestava assistência, protecção e dava carinho às autoras mulher e filha.
41. Com a sua morte resultou, desde logo, para as Autoras uma perda de rendimento mensal de €1.237,50, proveniente do salário líquido que o falecido recebia como delegado de informação médica.
42. E a quantia de €200,00 que aquele recebia mensalmente como treinador de futebol do K….
43. O E…, além da remuneração referida em 41. e 42., recebia também um prémio de produtividade que ascendia, anualmente, em média, à quantia de €3.899,27 euros.
44. O E… recebia, por cada dia de trabalho efectivo o valor de €14,62 euros a título de ajudas de custo.
45. À data do acidente, a Autora C… trabalhava como técnica de recepção e loja na M…, onde auferia um vencimento líquido mensal de €721,43 euros.
46. O casal vivia numa habitação tipo T3, situada na cidade de Peso da Régua.
47. …adquirida pelo falecido E…, através de empréstimo bancário, pelo preço de €60.000,00, em 21 de Janeiro de 2003.
48. …cujo empréstimo foi concedido por 240 prestações mensais, que é pago mensalmente no valor de €337,19 euros.
49. …pagava mensalmente a quantia de €155,00 euros, pela luz, água e gás que consumia.
50. …pagava e paga de condomínio, o valor mensal de €28,29 euros.
51. E… tinha como carros próprios um BMW, modelo .., matrícula ..-..-JO e um Toyota …, matricula ..-CD-...
52. A autora C… despendeu com o funeral do marido a quantia de €3.736,55 euros.
53. O E… seguia no banco traseiro do IC.
54. Com uma taxa de álcool no sangue de 2,09 g/litro.
c) Apreciação das restantes questões objecto do recurso.
Não se colocando em dúvida a responsabilidade da Ré seguradora, mas apenas os montantes indemnizatórios, pelo que as questões serão analisadas sem referir o respectivo contexto legal geral, já explanado na sentença sob recurso.
1 – Indemnização pelo dano da morte.
Como se referiu, a sentença fixou a indemnização em 65 mil euros, pretendendo a Ré que o mesmo recue para 60 mil euros e as Autoras que aumente para 150 mil euros, justificando estas que em situações em que a morte não ocorre são por vezes atribuídas indemnizações de 150, 180 e até 250 mil euros por danos não patrimoniais.
Estamos perante um dano de difícil ou mesmo impossível avaliação se se considerar que o titular não cederia o bem da vida a troco de coisa alguma.
Porém, isso não pode implicar nem a sua não indemnização, nem que se atribua um valor excepcionalmente elevado, tanto mais que aquele que sofreu o dano já não pode receber a respectiva compensação, a qual é atribuída ao cônjuge e familiares referidos no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil.
Daí que, não podendo a própria vítima ser ressarcida do dano, se compreenda que os valores indemnizatórios atribuídos a vítimas que sobreviveram a acidentes e ficaram com sequelas graves para o resto das suas vidas recebam valores bem superiores aos fixados para indemnizar o dano da morte, pois, neste ultimo caso, a vítima continua a suportar o dano pela sua vida fora até falecer.
Também se nota uma tendência na jurisprudência para fixar valores superiores nos casos em que a vítima é jovem e mais baixos quando a vítima alcançou já o ocaso da vida.
Como se referiu na sentença, os valores indemnizatórios têm variado entre 50 e 80 mil euros.
Tendo a sentença fixado a indemnização no valor situado a meio destes dois valores, deve ser mantida por reflectir a posição dos tribunais superiores [2].
Improcedem, pois, ambos os recursos nesta parte.
2 – Danos não patrimoniais sofridos pela viúva e no futuro pela filha menor.
Os valores atribuídos na sentença foram de 30 mil euros para a Autora-viúva e 25 mil euros para a Autora-filha.
As Autoras pretendem 40 mil euros para cada e a Ré pede a redução para 20 mil euros relativamente à viúva e 15 mil euros quanto à menor.
Justifica-se a diferenciação.
Com efeito, tendo a filha apenas 4 meses de idade à data do falecimento do pai, poderá ter sentido a falta de alguém que fazia parte dos seus afectos, mas não tinha ainda capacidade para compreender e sentir o facto «morte do seu pai».
Desta forma, a menor, à medida que for crescendo, experimentará a mágoa de não ter conhecido e convivido com o seu pai, mas de forma paulatina e apenas com maior intensidade em certos momentos específicos da sua vida, permanecendo essa mágoa a maior parte do tempo adormecida.
Já quanto à viúva, à data com 34 anos, portanto a «meio da vida», o sentimento de perda assume outra dimensão devido à consciência da situação em que se transformou inopinadamente a sua vida, sem que nada o fizesse prever.
Também nesta parte deve ser mantida a sentença, por ter encontrado, tendo em consideração a jurisprudência dos tribunais superiores nela indicada, montantes proporcionados ao caso dos autos.
Improcedem, por conseguinte, ambos os recursos nesta parte.
3 – Danos não patrimoniais sofridos pela vítima antes de falecer.
O recurso das autoras dependia da alteração da matéria de facto.
Com a matéria se manteve inalterada, o recurso improcede nesta parte.
4 – Data da fixação dos juros relativamente aos danos de natureza não patrimonial.
A sentença fixou juros a este respeito a partir da data da sentença.
As Autoras recorrentes argumentam não ser possível efectuar qualquer actualização relativamente a tais valores, pelo que os juros devem contra-se desde a citação.
Sobre esta matéria cumpre referir que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2002, para uniformização de jurisprudência, de 9 de Maio de 2002, publicado no DR, I Série, n.º 146, de 27 de Junho de 2002, pág. 5057, decidiu que «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação».
Não assiste razão às Autoras quando afirmam que não é possível efectuar qualquer actualização da indemnização.
Com efeito, só não existe actualização das quantias fixadas como indemnização quando o tribunal, num exercício de cálculo mental, recua no tempo e se coloca nas circunstâncias existentes à data da citação, ponderando então qual teria sido a quantia arbitrada como indemnização se tivesse sido avaliada e fixada nessa data e fixa essa quantia.
Se não for feito este exercício, então tem de se considerar que a indemnização foi atribuída face às circunstâncias do caso, designadamente a sua localização temporal, mas como se elas se tivessem verificado no momento da decisão.
No caso dos autos não foi feito esse exercício pelo que não pode deixar de se concluir que a atribuição da indemnização relativa a estes danos foi feita como se os factos tivesses ocorrido à data da decisão, pelo que cumpre aplicar a doutrina do acórdão uniformizador de jurisprudência.
Improcede, por isso, o recurso das autoras nesta parte.
6 – Danos patrimoniais futuros.
Vejamos agora se a indemnização fixada a favor das Autoras a título de danos patrimoniais futuros ou lucros cessantes, deve passar para €882.026,00, por ser esta a quantia que corresponde ao salário anual de €27.563,31 e aos 40 anos de esperança média de vida do falecido, devendo considerar-se que apenas 1/5 dos rendimentos do falecido se destinavam à satisfação de necessidades próprias.
Ou, ao invés, como pretende a Ré seguradora, se as quantias fixadas na sentença devem descer, para 40 mil euros no que respeita à Autora-filha e para 160 mil euros para a Autora-viúva, considerando-se que as componentes da retribuição mensal relativas às ajudas de custo, prémio de produtividade e remuneração como treinador de futebol não devem ser levadas em consideração.
Antes de prosseguir, cumpre verificar que verbas recebidas pela vítima deverão ser consideradas como rendimento do trabalho.
Afigura-se que só devem ser consideradas aquelas que ficam disponíveis para o trabalhador após este ter fornecido a sua prestação laboral.
Desta forma, as ajudas de custo não devem ser consideradas, pois são quantias pagas para compensar o trabalhador das despesas que este tem no desempenho da sua actividade profissional com as deslocações e a alimentação e porventura, algumas vezes, alojamento, assegurando-se desta forma que o trabalhador disponha efectivamente do salário contratado.
Em abono desta posição pode apontar-se o disposto na al. a), do n.º 1, do artigo 260.º (Prestações incluídas ou excluídas da retribuição) Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, onde se dispõe que «Não se consideram retribuição: a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador».
As restantes quantias devem ser consideradas como remuneração porque ficavam integralmente disponíveis para o falecido.
Provou-se que o falecido exercia a actividade profissional de delegado de informação médica e era treinador de futebol possuindo o curso de treinadores UEFA B.
O salário líquido como delegado de informação médica era de €1.237,50 euros mensais.
Recebia a quantia mensal de €200,00 como treinador de futebol do K….
Recebia também um prémio de produtividade que ascendia, anualmente, em média, à quantia de €3.899,27 euros.
Recebia, por cada dia de trabalho efectivo o valor de €14,62 a título de ajudas de custo.
O salário líquido multiplicado por 14 meses/ano soma a quantia de €17.325,00 euros.
Somando mais €200,00 euros, vezes 12 meses, temos €2400,00 euros (não há qualquer elemento que informe se esta verba era paga 14 vezes por ano ou se era líquida ou ilíquida).
Somando estas verbas ao prémio de produtividade alcança-se a quantia de €23.624,27 euros.
Colocar-se a questão de saber se estas quantias tenderiam a aumentar ou não com o passar dos anos, por ser concebível que cada trabalhador consiga melhorar a sua situação profissional.
Sobre esta questão não temos elementos que permitam fazer um juízo razoavelmente seguro sobre o que seria o futuro.
Desconhece-se se a sua actividade de delegado de propaganda médica lhe daria acesso a cargos mais remunerados.
A actividade mais promissora seria a de treinador de futebol, mas também é incerto qualquer juízo neste aspecto, pois para progredir nesta carreira certamente teria de abandonar a profissão de delegado de propagada médica.
Por conseguinte, atendendo ainda à instabilidade actual das relações laborais é arriscado prever se no futuro iria conseguir auferir rendimentos superiores aos actuais.
Por conseguinte, lidar-se-á com a quantia anual de €23.624,27 euros.
Vejamos agora as indemnizações a atribuir.
A norma que sustenta a atribuição destas indemnizações consta do n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil, onde se dispõe:
«1 - No caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral.
2 - (…).
3 - Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural».
Como referiram os autores Pires de Lima/Antunes Varela, «O disposto no n.º 3 constitui uma excepção ao princípio segundo o qual só o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação da disposição legal tem direito a indemnização, e não os terceiros que apenas reflexa ou indirectamente sejam prejudicados» [3].
Verifica-se, por conseguinte, que ocorrendo a morte do lesado, os terceiros que têm direito a ser indemnizados por danos patrimoniais são apenas:
(a) aqueles que fizerem despesas para salvar o lesado e outras com origem causal no evento, incluindo as do funeral; e
(b) os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.
Sobre esta matéria, nos trabalhos preparatórios do Código Civil, Vaz Serra adiantou esta justificação quanto a esta opção legislativa:
«Visto que o obrigado a indemnizar só pode, em regra, basear as suas previsões nas relações com o titular dos bens imediatamente afectados pelo facto danoso, segue-se que a indemnização apenas pode, em princípio, abranger o interesse desse titular, e não de terceiro. Portanto, na responsabilidade contratual, somente os danos causados ao credor, e, na responsabilidade extracontratual, apenas os causados ao titular dos bens imediatamente atingidos pelo facto danoso, e não já os danos de terceiro, são reparáveis. A circunstância de o facto danoso ter também repercussões indirectas prejudiciais para terceiros, é indiferente» [4] e, mais adiante, «… sendo princípio geral, conforme se disse, que o direito de indemnização pertence apenas àqueles cujos bens jurídicos são imediatamente atingidos pelo facto originador da indemnização, não haveria que, no caso de morte, reconhecer direito de indemnização a quaisquer terceiros, uma vez que estes não são titulares de um direito ou bem jurídico directamente afectado pelo facto danoso.
Mas parece igualmente razoável que se reconheça, excepcionalmente, o direito de indemnização a certos terceiros a quem, pela morte do lesado, sejam causados danos. É assim que, como se viu, se dispõe ou entende, noutros direitos, que têm direito de indemnização aqueles a quem o lesado devia ou podia dever alimentos (…), àqueles a quem o lesado era por lei obrigado a prestar serviços (…), aqueles a que a lei obrigava a socorrer o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos, etc. que lhe prestaram auxílio» [5].
Verifica-se, por conseguinte, no que respeita ao direito invocado pelas Autora relativamente a danos de natureza patrimonial, que este se encontra por lei balizado à medida dos alimentos que podiam exigir do lesado, como esposa e filha, respectivamente.
A jurisprudência tem entendido que «Para exercitar tal direito, não é necessário provar que se recebia alimentos, bastando apenas demonstrar que se estava em situação de, legalmente, os poder vir a exigir e a previsibilidade dos mesmos, nos termos do art. 564.º, n.º 3, do C.C.» [6].
Porém, no caso, vivendo todos em economia comum, os alimentos eram efectivamente prestados no âmbito do direito mais vasto de assistência entre cônjuges (1675.º, n.º 1, do Código Civil) e das responsabilidades parentais (artigo 1878.º a 1880.º, do Código Civil).
Por conseguinte, como se disse, a indemnização aqui em causa tem como critério a medida dos alimentos e não necessariamente todo o rendimento que o falecido auferia depois de descontadas as despesas consigo mesmo.
Daí que o critério de atribuir para despesas com o próprio sustento 1/2, 1/3, 1/4 ou 1/5 do rendimento, sem analisar a situação concreta, se afigure impróprio.
Com efeito, se os mencionados «terceiros» têm direito a ser indemnizados segundo o critério dos alimentos que lhe seriam devidos pelo lesado, caso não tivesse falecido, é a este critério que tem de se atender para fixar a indemnização, o que obriga a analisar as circunstâncias factuais do caso.
Com efeito, nos termos do artigo 2004.º, n.º 1, do Código Civil, «Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los».
As necessidades «daquele que houver de recebê-los» não coincidem com o mínimo necessário à subsistência, mas sim com as necessidades próprias do seu nível social, tendo em conta, claro está, que os alimentos têm de ser proporcionados aos meios do devedor.
Ora, utilizando na análise o rendimento mensal, por ser mais facilmente compreensível, verifica-se que o falecido dispunha de €1.237,00 euros líquidos, 14 vezes por ano, o que dá a média mensal de €1.443,00 euros, a que acresciam mais €200,00 euros de salário de treinador e, em média mais €325,00 euros de prémios de produtividade.
O falecido dispunha por conseguinte, em média, de €1.968,00 euros mensais.
Se tivesse de prestar alimentos à esposa e filha de quanto poderia dispor para esse fim, depois de retirar o necessário para manter o seu sustento?
Isto sabendo-se que a esposa trabalhava e auferia por mês um salário líquido de €721,43 euros; que o casal vivia numa habitação tipo T3, adquirida pelo falecido E…, através de empréstimo bancário, pelo preço de €60.000,00 euros, em 21 de Janeiro de 2003, concedido por 240 prestações mensais no valor de €337,19 euros e pagava mensalmente a quantia de €155,00 pela luz, água e gás e €28,29 euros de condomínio.
Somando os salários de ambos e dividindo por dois, para ambos os cônjuges ficarem nas mesmas condições salariais e poderem adoptar o mesmo estilo de vida, a Autora viúva teria de compor o seu salário com mais €624,00 euros.
Por conseguinte, parece ajustado considerar que devia prestar esta quantia à Autora viúva a título de alimentos.
Cumpre agora considerar que a filha deve receber alimentos de ambos os progenitores e que estes têm rendimentos iguais, por força da operação acabada de realizar.
Mesmo que se estabeleça o montante de alimentos em €400,00 euros, valor próximo do salário mínimo nacional em vigor à data dos factos (no ano de 2010 foi de €475,00 euros - Decreto-Lei n.º 5/2010 de 15/1), a prestação de alimentos a cargo do falecido seria de €200,00 euros.
Somando ambas as verbas temos uma quantia de €824,00 euros que o falecido poderia disponibilizar a título de alimentos.
Em relação à filha esta verba cresceria nos últimos cinco anos, quando a mesma estivesse a completar a sua formação académica, pelo que se arredonda esta quantia para €950,00 euros.
Verifica-se, por conseguinte, que a verba neste caso concreto a disponibilizar a título de alimentos seria de 48%, que se arredonda para metade (50%) do salário líquido do falecido, a distribuir na proporção de 65% pela viúva e 35% pela filha.
Isto até aos 23 anos da Autora-filha, data em que se presume que completaria a formação escolar.
A partir desta data só são devidos alimentos à Autora-viúva no montante de €624,00 euros, ou seja, 32% do salário mensal do falecido.
Além disso, não se afigura viável que o falecido pudesse continuar a proporcionar os mesmos alimentos à Autora-viúva após se reformar, pelos 65 anos, pois como a pensão de reforma será mais baixa que o salário antes auferido, não se pode concluir, no presente, que ainda lhe sobrasse o mesmo dinheiro para alimentos.
Por isso, neste ambiente de incerteza, afigura-se ajustado considerar que a pensão de reforma será de metade do salário, ou seja, €11.812,00 euros anuais e que 32% de tal rendimento continuaria a ser canalizado para alimentos a favor da Autora-viúva.
Por conseguinte, o período de 40 anos (até aos 76 anos), deve ser dividido em duas partes, uma pelo período de 29 anos (até à reforma) e outra daí em diante, por mais 11 anos.
Afigura-se, por conseguinte, ser esta a base correcta, de acordo com os princípios legais e ambiente de incerteza, dos quais se partirá para estabelecer a indemnização.
Prosseguindo então.
Na determinação das quantias indemnizatórias utilizar-se-á a fórmula de cálculo indicada no Anexo III da Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, que reproduz de outra modo a fórmula de cálculo indicada no anexo III da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio:
Fórmula – DPF = ((1+i) ^n -1)) / ((1+i) ^n x i) x p
i = ((1+r)/(1+k)) -1
P = rendimento anual
R = taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras = 5%
K = Taxa anual de crescimento da prestação = 2%
N = número de anos pelos quais a prestação é devida.
O coeficiente encontrado segundo esta fórmula para o período de 29 anos é «19.899777» e para o período de 11 anos é de «9.555868».
Multiplicando o primeiro coeficiente pelo salário anual acima referido de €23.624,27 euros, encontramos a quantia de €470.117,70 euros (€23.624,27 x 19.899777).
Para os primeiros 23 anos (idade em que a Autora-filha deixará de ter direito a alimentos), o coeficiente é «17.031240», o que permite encontrar a quantia de €402.350,61 euros.
Metade desta quantia é devida a título de alimentos às Autoras como se acabou de referir, cabendo €70.411,70 euros à Autora-filha, que se arredondam para €70.500,00 euros, e os restantes €130.763,60 euros à Autora-viúva.
Quanto ao período que vai dos 23 aos 29 anos temos uma quantia de €66.767,09 euros (€470.117,70 - €402.350,61), cabendo à Autora-viúva, nos termos referidos, 32% (do salário mensal do falecido), ou seja, €19.312,61 euros, que somados à verba anterior perfazem €150.076,21 euros.
Por fim, relativamente ao período de 11 anos, no âmbito da reforma da vítima, a indemnização corresponde a €36.119,65 euros (€11.812,00 euros x 9.555868 x 32%).
Assim a indemnização por danos patrimoniais futuros a atribuir à Autora-viúva soma €186.200,00 euros, por arredondamento (€130.763,60 + €19.312,61 + €36.119,65).
*
Custas.
Da acção: o valor do pedido é de €1.224.970,55 euros (fls. 221 verso e 295 – acta da audiência).
Procede no montante de €380.438,55 euros (€3.738,55 + €65.000,00 + €30.000,00 + €25.000,00 + €70.500,00 + €186.200,00 euros).
Do recurso das Autoras:
O recurso das Autoras improcede na totalidade.
Recurso da Seguradora:
Em relação às indemnizações fixadas na sentença a seguradora pediu a sua diminuição no montante global de €275.000,00 euros (menos €5.000,00 relativamente ao direito à vida; menos €20.00,00 quanto a danos não patrimoniais de ambas as Autoras e menos €250.000,00 relativamente a não patrimoniais futuros de ambas as autoras.
Obteve ganho de causa apenas nesta última verba no montante de €193.300,00 euros.
O decaimento é de €81.700 euros (€275.000,00 - €193.300,00).
IV. Decisão.
Considerando o exposto:
1 – Julga-se o recurso das Autoras totalmente improcedente.
2 – Julga-se o recurso interposto pela Ré parcialmente procedente pelo que se altera a sentença recorrida apenas quanto aos montantes atribuídos a título de danos patrimoniais futuros que se fixam em €70.500,00 (setenta mil e quinhentos euros) para a Autora-filha e €186.200,00 euros (cento e oitenta e seis mil e duzentos euros) para a Autora-viúva, mantendo-se no restante a sentença recorrida.
3 – Custas da acção e dos recursos segundo o decaimento e vencimento nos termos que ficaram supra referidos.
*
Porto, 1 de Dezembro de 2014.
Alberto Ruço
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
________________
[1] Diz-se «eventualmente, na medida em que só depois de examinada pelo tribunal da Relação a prova produzida este poderia concluir pela existência (ou inexistência) de um facto instrumental que devia ter sido declarado provado e não o foi.
[2] O dano morte não se confunde com os danos não patrimoniais, sendo um valor a obter pela equidade e tendencialmente fixo, dado que o valor vida é sempre igual. É adequado fixar o valor do dano morte em € 65.000,00 (do sumário) - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2013, no processo 1/12.6TBTMR (em www.dgsi.pt).
[3] Código Civil Anotado, Vol. I, 3.ª edição revista e actualizada. Coimbra Editora, 1982, pág. 471.
Antunes Varela elucida ainda «…que a obrigação alimentar, quer fundada na lei, quer baseada em qualquer dos deveres de justiça em que assenta a naturalis obligatio, constitui um direito relativo a que o lesante era estranho. Só por disposição especial da lei este poderia, por conseguinte, ser obrigado a indemnizar os prejuízos que para o titular desse direito relativo adviriam da prática do facto ilícito» - Das Obrigações em Geral, Vol. I, 3.ª edição. Coimbra Editora, 1980, pág. 517.
[4] Boletim do Ministério da Justiça n.º 86. Dever de indemnizar e o interesse de terceiros, pág. 103.
[5] Ob. cit. pág.121/122.
[6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-2003, na Colectânea de Jurisprudência (S.T.J.) XI-II-2003, pág. 141 (sumário).