Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
56/16.4T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LOUREIRO
Descritores: AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
LIQUIDAÇÃO DA SOCIEDADE
RESPONSABILIDADE DO SÓCIO
Nº do Documento: RP2016060656/16.4T8PNF.P1
Data do Acordão: 06/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º241, FLS.192-198)
Área Temática: .
Sumário: Registado o encerramento da liquidação de uma sociedade unipessoal, com a consequente extinção da mesma e das correspondentes personalidades jurídica e judiciária, deve prosseguir contra a sua única sócia a acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento que já se encontrava pendente à data daquele registo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 56/16.4T8PNF.P1
Autor: B…
: C…, Ldª

Relator: Jorge Manuel Loureiro
1º adjunto: Jerónimo Joaquim Freitas
2º adjunto: Eduardo Petersen Silva

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

A autora propôs contra a ré, em 8/1/2016, a presente acção especial de impugnação da regularidade ou licitude do despedimento, peticionando que seja declarada a irregularidade ou ilicitude do despedimento de que foi alvo por parte da ré, no âmbito de um procedimento disciplinar que esta lhe moveu, tudo com as legais consequências.
Em 12/1/2016 a ré foi citada para a audiência de partes a decorrer no dia 25/1/2016.
A ré não compareceu, nem se fez representar, na audiência de partes, razão pela qual foi ordenada a sua notificação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 98º-G/1/a do Código de Processo do Trabalho (CPT), bem como foi fixada a data da realização da audiência final em 31/3/2016.
A fls. 33 dos autos, D…, na qualidade de depositário da escrituração comercial da ré, apresentou em 3/2/2016 um requerimento no sentido de que fosse dada sem efeito a notificação da ré para apresentar articulado motivador do despedimento e juntar o procedimento disciplinar, bem como a sua condenação em multa, uma vez que na data da audiência de partes a ré já se encontrava extinta.
Juntou certidão permanente relativa à ré (fls. 34 a 36) da qual se extrai que por apresentação de 14/1/2016, foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da ré, sendo que tal dissolução foi deliberada em Assembleia Geral Extraordinária da ré de 5/1/2016.
Notificada de tal requerimento e da certidão permanente que o acompanhava, alegou a autora, em resumo, ser titular sobre a ré, à data da dissolução, de créditos emergentes do despedimento ilícito de que foi alvo, de trabalho suplementar que prestou, e do salário não pago do mês de Novembro de 2015, tendo sido prestadas falsas declarações na acta da qual consta a deliberação de dissolução da ré, no sentido de que “… em virtude da sociedade, na presente data, já não ter qualquer ativo nem passivo, se encontra em condições de poder ser dada como liquidada.”.
Concluiu requerendo o prosseguimento da acção contra a única sócia da ré, representada pelo liquidatário da mesma.
Logo após, foi proferida decisão da qual consta, designadamente, o seguinte:
É certo que no caso sub judice, quando a acção foi intentada – 8 de Janeiro de 2016, a sociedade C… ainda não se encontrava extinta, mas veio a sê-lo em 14 de Janeiro de 2016, antes da data da realização da audiência de partes.
Em princípio, teria aqui aplicação o disposto no artigo 162º do Código das Sociedades Comerciais, nos termos do qual “As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.os 2, 4 e 5, e 164.º, n.os 2 e 5”.
Sucede que a presente acção é uma acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com uma tramitação específica, cabendo à Empregadora apresentar o articulado motivador do despedimento.
Ora a Empregadora não dispõe de personalidade jurídica nem judiciária e, consequentemente, não poderá apresentar aquele articulado.
E, note-se, entendemos também que não poderá desde já a presente acção prosseguir contra E…, como pretende a Trabalhadora.
É que caberá à Trabalhadora, em acção declarativa com processo comum, a intentar contra aquela ex-sócia, alegar os factos susceptíveis de a poderem vir a responsabilizar pelos créditos de que a Trabalhadora se considere titular, nos termos previstos no artigo 163º do Código das Sociedades Comerciais, para o qual remete aquele artigo 162º. Com efeito, decorre do referido artigo 163º que, encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha (nº 1), podendo as acções necessárias para o efeito ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles (nº 2).
Estamos, assim, perante causas de pedir distintas, cuja tramitação, do nosso ponto de vista, não é compatível com o formalismo específico da presente acção.
Pelo exposto, decido:
- Indeferir o requerido a fls. 42, por inadmissível legalmente.
- Dar sem efeito a audiência final designada para o dia 31 de Março, às 9.30 horas.
- Dar sem efeito a condenação em multa da sociedade C…, Lda a que se refere o despacho constante da ata de fls. 24.
- Julgar verificada a excepção dilatória da falta de personalidade judiciária da Empregadora e, consequentemente, absolvê-la da instância, nos termos do disposto nos artigos 278º, nº1, al. c), 576º, nºs 1 e 2 e 577º, al. c), todos do Código de Processo Civil.
- Advertir a Trabalhadora que caso pretenda intentar acção declarativa com processo comum contra E…, atenta a sua qualidade de sócia da extinta sociedade empregadora, o deverá fazer no prazo de um ano a contar da data da cessação do contrato de trabalho.
Custas pela Trabalhadora, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Fixo à acção o valor de €2.000.”.
Não se conformando com o assim decidido, apelou a autora, rematando as suas alegações com as concussões seguidamente transcritas:
1) O tribunal fixou o valor da causa em € 2.000,00 sem ter quaisquer dados para determinar a utilidade económica do pedido e sem notificar a A. previamente para informar qual os créditos laborais em causa para esse efeito.
2) O tribunal ao fixar o valor sem prévia audição da recorrente sobre a utilidade económica do seu pedido violou o princípio do contraditório, tendo esta omissão influi o exame a boa decisão da causa.
3) O tribunal ao indeferir o requerido pela recorrente a fls 42 notificando a única ex-sócia da entidade patronal E… representada pelo liquidatário D… a suceder à sociedade “C…, Lda” violou o disposto no artigo 162º do Código das Sociedades Comerciais.
4) O disposto no artigo 162º do Código das Sociedades Comerciais visa nos casos em que extinção da sociedade ocorreu na pendência da acção substituir a sociedade que perdeu a personalidade jurídica e judiciária pela da sua ex-sócia representada pelo liquidatário, sem que seja necessário um incidente de habilitação.
5) Assim, não deveria o tribunal recorrido absolver da instância a empregadora por falta de personalidade judiciária, uma vez que nos termos do artigo 162º do Código das Sociedades esta foi substituída pela única ex-sócia E… que goza de personalidade judiciária.
6) O legislador previu nos artigos 98º - B a 98º P do Código do Processo de Trabalho um processo especial com uma tramitação própria sempre tenha de ser apreciado a regularidade e licitude do despedimento, afastando as regras do processo comum.
7) No presente caso terá sempre de ser apreciado a regularidade e a licitude do despedimento com vista a verificar quais os créditos laborais da requerente resultantes do despedimento.
8) Ao afirmar que “estamos, assim, perante causas de pedir distintas, cuja tramitação, do nosso ponte de vista, não é compatível com o formalismo especifico da presente acção” o tribunal está a decidir em total oposição ao pretendido pelo legislador que atribuiu um regime especifico para apreciar a regularidade e licitude do despedimento como é necessário nos autos para fixar os créditos laborais da recorrente trabalhadora.
9) Ao remeter a apreciação da licitude e regularidade do despedimento para o processo comum o tribunal está em oposição com o previsto pelo legislador e com as boas regras de interpretação em que o regime especial revoga o regime geral.
10) Ao decidir como decidiu o tribunal violou, entre outros, os artigos 48º, nº 3º, 98º -B a 98º- P todos do Código do Processo de Trabalho, art. 162º do Código das Sociedades Comerciais e art.3º do Código do Processo Civil.”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento (fls. 102 e 103).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que a tanto nada obsta.
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II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:
1ª) saber se a acção deve ou não prosseguir contra a sócia da ré, representada pelo liquidatário da ré;
2ª) saber se a decisão recorrida é nula por violação do princípio do contraditório na parte em que foi fixado o valor da acção.
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III – Fundamentação

A) De facto

Os factos provados são os que resultam do relatório supra.
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B) De direito

Primeira questão: saber se a acção deve ou não prosseguir contra a sócia da ré, representada pelo liquidatário da ré.

Dissolvida uma sociedade, esta entra em liquidação (art. 146º/1 CSC), mantendo ainda a sua personalidade jurídica (art. 146º/2 CSC).
Os seus administradores passam a ser liquidatários, salvo disposição estatutária ou deliberação noutro sentido (art. 151º/1 CSC), competindo-lhes, em tal veste, ultimar os negócios pendentes, cumprir as obrigações da sociedade, cobrar os créditos, reduzir a dinheiro o património residual e propor a partilha dos haveres sociais (art. 152º/3 CSC).
Com a proposta respectiva, submetem à deliberação da sociedade (art. 157º/4 CSC) um relatório completo da liquidação, acompanhando as contas finais (art. 157º/1).
Aprovada a deliberação, será requerido o registo do encerramento da liquidação – e é com este registo que a sociedade se considera extinta, mesmo entre os sócios, sem prejuízo das acções pendentes ou do passivo ou activo supervenientes (art. 160º/2 do CSC) – Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 3ª ed., p. 546.
Importa, agora, apurar o regime jurídico referente à titularidade das relações jurídicas creditícias de que era sujeito passivo uma sociedade que venha a considerar-se extinta pelo registo do encerramento da liquidação (art. 160º/2 do CSC).
Apesar da extinção da sociedade, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, as relações jurídicas de que a mesma era titular não se extinguem, como resulta claramente do disposto nos arts. 162º, 163º e 164º do CSC.
Esses artigos do CSC regulam questões derivadas da subsistência de relações jurídicas, após a extinção da sociedade.
No primeiro, define-se o destino das acções em que anteriormente à extinção a sociedade era parte; no segundo, soluciona-se a questão do passivo superveniente ou débitos sociais não satisfeitos depois da partilha entre os sócios; e no terceiro, estabelece-se que os bens que não tiverem sido partilhados pertencem aos sócios, regulamentando a respectiva partilha adicional.
A propósito do estabelecido nos citados artigos 163º e 164º, refere Raul Ventura que, «expressamente estabelecida na lei a responsabilidade dos sócios, em certa medida, pelas dívidas sociais e a titularidade dos sócios nos bens sociais, uns e outros não incluídos na liquidação, ficam afastadas as teorias que, por qualquer processo técnico-jurídico, concluam ou pela cessação de qualquer titularidade ou que atribuam esta à sociedade. Há apenas que explicar como e porquê esses débitos, bens, créditos que tinham como sujeito a sociedade passam a ser encabeçados nos sócios.
O como não pode deixar de ser uma sucessão; só assim não seria se admitíssemos que, antes de extinta a sociedade, tais activo e passivo já pertenciam aos sócios, ou seja, se desprezássemos a personalidade jurídica da sociedade. Como tal não podemos fazer, temos de aceitar este corolário.
O porquê é, em primeiro lugar, intuitivo; desaparecida a sociedade-sujeito, e mantidos vivos os direitos da sociedade ou contra esta, só os sócios podem ser os novos titulares desse activo e passivo. A explicação jurídica dessa intuição reside na extensão do direito de cada sócio relativamente ao património ex-social. Os sócios têm direito ao saldo da liquidação, distribuído pela partilha. Se tiverem recebido mais do que era seu direito, porque há débitos sociais insatisfeitos, terão de os satisfazer; se tiverem recebido menos, porque não foram partilhados bens sociais, terão direito a estes» - Dissolução e Liquidação de Sociedades, p. 480.
Por conseguinte, naqueles preceitos do CSC, a questão do passivo e do activo superveniente foi solucionada no sentido de a responsabilidade e a titularidade passarem, em determinados termos, para os sócios por sucessão.
Na situação em apreço, se forem reconhecidos à autora quaisquer direitos de crédito relacionados com a irregularidade ou ilicitude do despedimento cuja declaração já peticionou pela apresentação do formulário legal que apresentou ou pura e simplesmente decorrentes da cessação do contrato de trabalho emergente daquele despedimento ou da própria extinção da ré que entretanto se apurou, estaremos perante uma situação de passivo superveniente ou de débitos sociais insatisfeitos depois da partilha entre os sócios, à qual é aplicável o artigo 163º CSC, no qual se estabelece que, encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha (nº 1), podendo as acções necessárias para o efeito ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles (nº 2).
Esse art. 163º veio a consagrar expressamente a responsabilidade dos sócios, embora limitada ao que receberam na partilha, pela via da sucessão – os créditos que tinham como sujeito a sociedade passam a ser encabeçados nos sócios –, como defende Raul Ventura (Dissolução e Liquidação das Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 1999, p. 486).
Flui claramente que quanto vem de referir-se que o problema do passivo superveniente foi resolvido no sentido de a responsabilidade passar, em certos termos, para os sócios; assim, dissolvida e liquidada a sociedade, esta considera-se substituída pela generalidade dos sócios, sendo estes que têm de ser demandados com vista a efectivar a sua responsabilidade pelos débitos sociais dentro dos limites consignados no nº 1 do artigo 163º - trata-se, pois, de uma responsabilidade própria dos ex-sócios.
Uma vez que a ré só deve considerar-se extinta à data do registo do encerramento da liquidação (14/1/2016), portanto já na pendência desta acção[1] e depois da sua citação para os termos da mesma (12/1/2016), tem aplicação o disposto no art. 162º/1 do CSC, nos termos do qual “As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.os 2, 4 e 5, e 164.º, n.os 2 e 5.”.
Resulta dos autos, designadamente do formulário inicial e dos documentos que o acompanham (comunicação de despedimento e relatório final do procedimento disciplinar), que a autora pretende que seja declarada a irregularidade ou a ilicitude de um despedimento escrito que foi decidido e lhe foi comunicado pela empregadora no âmbito de um procedimento disciplinar que a mesma lhe moveu, com as consequências legais associadas à pretendida declaração de ilicitude ou irregularidade.
Na verdade, reza a parte final do formulário apresentado pela autora e por referência ao despedimento de que foi alvo que a mesma requer “…seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.”.
Entre essas consequências podem contar-se, a título de mero exemplo, as associadas à obrigação de pagamento de uma indemnização por antiguidade substitutiva da reintegração que agora se revela materialmente impossível por via da extinção da ré (art. 391º do CT/09)[2], e ao pagamento de retribuições intercalares pelo menos até à data da extinção da ré (art. 390º/1 do CT/09).
Repare-se, em relação às duas consequências acabadas de assinalar, que as mesmas só podem ser judicialmente declaradas tendo por antecedente pressuposto legal o da prévia declaração da irregularidade ou ilicitude do despedimento, como resulta óbvio da conjugação dos arts. 389º/1/2, 390º/1 e 391º/1 do CT/09, sendo que a autora já se encarregou de esclarecer nas suas alegações[3], na sequência do que igualmente já tinha enunciado no formulário inicial, que pretende a apreciação negativa da licitude e da regularidade do despedimento.
Ora, estando em causa um despedimento escrito comunicado ao trabalhador pelo empregador, o único meio processual de que o trabalhador se pode socorrer para a concretização, entre outros, daqueles seus direitos à declaração da ilicitude ou irregularidade do despedimento e às consequências creditícias associadas a tal declaração, é a acção de impugnação da regularidade ou licitude do despedimento, estando-lhe vedado o recurso à acção declarativa com a forma de processo comum, como claramente flui do estatuído conjugadamente nos arts. 387º do CT/09 e 98º-C/1 do CPT.
Como escreve José Eusébio Almeida, “Ainda que não tivesse de ser15 como de facto veio a ser, parece agora inequívoco que o trabalhador tem de impugnar o seu despedimento individual recorrendo a esta acção especial e tem que necessariamente recorrer a ela – ou seja, apenas a ela – sempre que o seu despedimento individual lhe seja comunicado por escrito. Com efeito, da leitura da norma do Código do Trabalho, seja da sua leitura estrita, formal, seja das leituras que dela se foram fazendo, não era inequívoco, talvez nem sequer fosse suspeitável que a adjectivação do preceito fosse afastar, como agora se constata, um alargado conjunto de despedimentos (digamos, de cessações do contrato de trabalho…). Dito de outro modo, da leitura do Código do Trabalho, bem como do chamado Livro Branco, podia legitimamente esperar-se que todos os despedimentos fossem impugnáveis pelo modo em que viria a constituir-se a nova acção especial. Mas assim não é. O âmbito aplicativo da nova acção delimita-se, agora claramente, pelos despedimentos individuais comunicados por escrito e nem sequer pela existência ou ausência de um determinado procedimento que conduziu ao despedimento. Dito ainda de outro modo, se o despedimento é verbal nunca esta acção especial será a acção própria, mas se ele é escrito (pressupondo um despedimento, naturalmente) é ela a acção própria e, mais relevante, parece que só ela é a acção própria. A acção especial não serve a todos os despedimentos, mas a alguns – os comunicados por escrito – só ela serve16.” - A nova acção especial de impugnação da regularidade e da licitude do despedimento, in A acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, e-book do CEJ, Abril de 2015, pp. 82 e 83.
No mesmo sentido, escreveu-se no acórdão da Relação de Coimbra de 2/5/2013, proferido no âmbito da apelação 710/12.0TTCBR.C1, disponível em www.dgsi.pt, que “Por força do disposto no artigo 387º do CT/09, o trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior.
De sublinhar que a alternativa conferida por este artigo ao trabalhador é, tão-só, a de acatar o despedimento ou enveredar pela sua impugnação; já quanto à forma de impugnação, a norma não deixa alternativas, pois tem de ser feita pela apresentação do requerimento nele referido, no prazo nele estipulado.
Daí que, coerentemente com o determinado nessa norma, disponha o artigo 98º-C/1 do CPT que “Nos termos do artigo 387.º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”.
Do exposto resulta, assim, que pretendendo o autor impugnar um despedimento escrito de que foi alvo no termo de um processo disciplinar, o mesmo deveria ter dado início à acção especial de impugnação judicial da regularidade e ilicitude do despedimento, contrariamente ao que fez, instaurando acção com processo comum.
Permitimo-nos, a este título, transcrever o seguinte trecho do acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra de 24/05/2012, proferido no âmbito da apelação nº 888/11.0TTLRA-A.C1:
“(...) no caso do n.º 2 do art. 387.º do CT/2009 entendemos, também, que o prazo de 60 dias ali estipulado é, também, um prazo de caducidade para a acção de impugnação do despedimento quando se trate de decisão de despedimento individual, comunicado por escrito, nos casos de despedimento disciplinar, por inadaptação ou por extinção do posto de trabalho. Ou seja, não é apenas um prazo para o autor intentar a acção na forma especial prevista nos arts. 98.º-B e segs do CPTrabalho, mas antes para intentar qualquer impugnação judicial daqueles despedimentos.
É certo que a norma emprega os termos “pode opor-se ao despedimento” e não já a fórmula mais clara “tem de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento” que era utilizada no art. 435.º, nº 2 do CT/2003.
Mas não se compreenderia que a redução para um prazo tão curto como o de sessenta dias tivesse apenas como consequência a do trabalhador poder ou não optar pela acção especial, a qual em regra não tem como consequência a diminuição dos tempos de duração da acção de impugnação, mas antes a sua simplificação pelo lado da abordagem a ela pelo trabalhador. Se assim fosse, qualquer prazo de caducidade desapareceria – situação que não encontra apoio nos trabalhos legislativos – e os direitos relativos ao despedimento ilícito ficariam apenas abrangidos pelo regime da prescrição previsto no art. 337.º n.º 1 do CT/2009.
Por outro lado, a epígrafe do artigo 387.º, “apreciação judicial do despedimento”, ilumina a disposição do seu n.º 1, quando este refere que a “ilicitude do despedimento só pode ser declarada por tribunal judicial em acção intentada pelo trabalhador”, e é a que corresponde ao n.º 1 do art. 435.º, nº 2 do CT/2003.
Os termos “pode opor-se ao despedimento” devem, assim, ser entendidos como a tradução da faculdade do trabalhador se opor ou não ao despedimento, oposição que só pode ter lugar por via de acção judicial regulada na lei adjectiva, no caso o Código de Processo do Trabalho.
O CPT veio regular a acção desenhada no art. 387.º n.º 2 do CT/2009, quando este já tinha desenhado uma forma adjectiva para a mesma (“apresentação de requerimento em formulário próprio”). E estabeleceu uma forma especial para a impugnação dos despedimentos fundados em motivos disciplinares, por inadaptação ou extinção do posto de trabalho. Assim, prevendo-se processo especial, não pode recorrer-se ao processo comum nos termos do disposto no art. 48.º n.º 3 do CPT.
No preâmbulo do DL n.º 295/2009, de 13/10, consignou-se o seguinte: “Para tornar exequíveis as modificações introduzidas nas relações laborais com o regime substantivo introduzido pelo CT, prosseguindo a reforma do direito laboral substantivo, no seguimento do proposto pelo Livro Branco sobre as Relações Laborais e consubstanciado no acordo de concertação social entre o Governo e os parceiros sociais para reforma das relações laborais, de 25 de Junho de 2008, cria-se agora no direito adjectivo uma acção declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual. Nestes casos, a acção inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 387.º do CT. (…)
Todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 337.º do CT. “(sublinhado nosso).” – neste mesmo sentido, da obrigatoriedade da instauração acção especial, consulte-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/09/2012, proferido no âmbito da apelação 22/12.9TTFUN.L1-4.”.
Como assim, caso a autora se conformasse com a decisão recorrida e viesse a socorrer-se, conforme nela sugerido, da acção declarativa com a forma de processo comum para exercer aqueles seus direitos, facilmente se percebe que a mesma incorreria em erro na forma de processo decorrente do facto de estar obrigada, para o efeito, a instaurar a acção de impugnação da regularidade ou licitude do despedimento (art. 193º/1 NCPC), erro esse de conhecimento oficioso (art. 196º NCPC), o que, com toda a probabilidade, determinaria uma convolação dessa acção comum numa da do tipo destes autos, que já está proposta.
Decorre do exposto que a decisão recorrida determinaria a necessidade da prática de um conjunto de actos verdadeiramente inúteis (v.g. proposição de uma nova acção, apreciação da adequação formal da nova acção às pretensões nela deduzidas, tramitação necessária para ser assegurada essa adequação formação), logo proibidos por lei (art. 130º do NCPC).
Por outro lado, não acompanhamos a decisão recorrida no trecho em que afirma que a presente acção não pode prosseguir contra a única sócia da ré, pois que para a responsabilizar pelos créditos de que a autora se considere titular, nos termos previstos no artigo 163º do CSC, terá de alegar factos que integrem a causa de pedir que é pressuposto de aplicação desse artigo 163º, causa de pedir essa cuja “…tramitação, do nosso ponto de vista, não é compatível com o formalismo específico da presente acção.”.
Em primeiro lugar, é o próprio art. 162º do CSC que impõe a substituição da empregadora pela sua única sócia no lugar de ré nesta acção, sabido que, para nós, quem é autor nesta acção é o trabalhador, sendo réu o empregador[4].
Como se escreveu no acórdão deste Tribunal da Relação de 13/1/2014, proferido no processo 472/06.0TTSTS-C.P1, disponível em www.dgsi.pt, “Assim, no caso que nos ocupa, a acção (principal) que anteriormente havia sido proposta contra a sociedade não se extinguiu com e por virtude da extinção desta, antes se operou uma modificação subjectiva e objectiva na obrigação, traduzida na responsabilização dos antigos sócios pela mesma, limitada ao montante que receberam em partilha (neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-05-2009, Recurso n.º 323/09, disponível em www.dgsi.pt).
(…)
Decorre, pois, das disposições legais referidas que as relações jurídicas em que a sociedade extinta era parte se mantêm depois da extinção da sociedade, passando esta, em regra, a ser substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários.
E, concretamente quanto ao passivo social, a responsabilidade pelo seu pagamento recai sobre a generalidade dos sócios, embora a responsabilidade destes seja limitada ao montante que receberam na partilha.”- no sentido da substituição ope legis e automática, no âmbito das acções já pendentes, da sociedade demandada pelo conjunto dos seus sócios, representados pelos liquidatários, sem necessidade de qualquer justificação e sem necessidade de recorrer ao incidente de habilitação, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 5/5/2015, proferido no processo 119/14.0TBCTB.C1, disponível em www.dgsi.pt..
Em segundo lugar, em tese geral, não se vislumbra obstáculo legal adjectivo ou de outra natureza a que se cumulem na mesma acção várias causas de pedir, contanto que as mesmas não sejam substancialmente incompatíveis, sendo a cumulação de causas de pedir que não padeça desse vício implicitamente admitida pelo legislador processual civil no art. 182º/2/c do NCPC, a contrario.
Em terceiro lugar, é o próprio legislador processual laboral que admite na acção de impugnação da regularidade ou licitude do despedimento a cumulação de diferenciadas causas de pedir: por um lado a invocada como fundamento das peticionadas declaração da irregularidade e ilicitude do despedimento, reintegração ou indemnização substitutiva e retribuições de tramitação[5], e por outro lado a invocada como fundamento do pedido de condenação do empregador a satisfazer outros créditos emergentes do contrato de trabalho[6] (art. 98º-L/2 do CPT).
Finalmente, se a cumulação de causas de pedir gerar a cumulação de pedidos a que correspondam formas de processo diferentes que, por regra, não é permitida (arts. 555º/1 e 37º/1 do NCPC), não pode perder-se de vista a possibilidade legal conferida ao juiz de superar esse obstáculo à coligação (art. 37º/2/3 do NCPC) e, por essa via, remover o inerente obstáculo à cumulação de pedidos.
Resta dizer que se é certo o referido na sentença recorrida de que, por regra, quem deve apresentar o articulado motivador do despedimento é o empregador, sendo que neste caso concreto tal não é possível por extinção do empregador e cessação das suas personalidades jurídica e judiciária, menos certo não é que em situações do tipo das que estão em análise tal articulado deve ser apresentado por quem legal e imperativamente substitui o empregador (art. 162º/1 CSC), ou seja e na situação sub judice, a única sócia da empregadora, representada pelo liquidatário desta.
Resulta do exposto, assim, que não pode subsistir o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que ordene a tramitação subsequente da acção à luz dos considerandos supra expendidos a propósito da questão em análise.
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Segunda questão: saber se a decisão recorrida é nula por violação do princípio do contraditório na parte em que foi fixado o valor da acção.

Em face do decidido na questão primeira, fica prejudicado o conhecimento desta questão.
Com efeito, procedendo o recurso quanto à primeira questão, o valor da acção deverá ser fixado a final pelo juiz tendo em conta a utilidade económica do pedido, designadamente o valor de indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos – art. 98º-P/2 do CPT.
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IV – Decisão

Acordam os juízes que compõem esta secção social do Tribunal da Relação do Porto no sentido de julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se que a mesma seja substituída por outra que ordene o prosseguimento da acção à luz dos considerandos efectuados a respeito da questão primeira questão supra analisada e decidida, devendo o valor da acção ser fixado a final nos termos do art. 98º-P/2 do CPT.
Sem custas.

Porto, 6/6/2016.
Jorge Loureiro
Jerónimo Freitas
Eduardo Petersen Silva
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[1] Proposta em 8/1/2016.
[2] A autora revela a vontade de peticionar essa indemnização nas alegações de recurso ao referir, por exemplo, que “A única alteração no processo é que não pode a recorrente trabalhadora requerer a sua reintegração porquanto a entidade patronal deixou de existir, tendo obrigatoriamente de peticionar pela indemnização.”.
[3] “Bem pelo contrário, entendemos que este é a tramitação própria prevista pelo legislador no processo de trabalho para apreciar a licitude e regularidade do despedimento que terá de ser apreciada pelo tribunal para saber se o trabalhador tem ou não direito à indemnização e demais créditos devidos pela cessação do contrato de trabalho por iniciativa da entidade patronal.
(…)
Tendo o tribunal de apreciar a regularidade e licitude do despedimento para verificar se a recorrente trabalhadora foi regular e licitamente despedida para poder fixar os seus direitos neste caso créditos é este o procedimento e processo próprio e não o processo comum como entende o tribunal.”.
[4] Viriato Reis e Diogo Ravara, A acção especial de impugnação da regularidade e da licitude do despedimento: questões práticas no contexto do novo código do processo civil, in A acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, e-book do CEJ, Abril de 2015, p. 71
[5] Integrada pelo contrato de trabalho, pela declaração de despedimento, pelas causas de irregularidade ou ilicitude da mesma e por todos os factos necessários à quantificação da indemnização e das retribuições de tramitação.
[6] Integrada pelo contrato de trabalho, pelos factos geradores desses outros créditos laborais (v.g. trabalho suplementar, subsídios de turno, comissões ou outras prestações retributivas complementares…) e por todos os demais factos necessários à quantificação desses créditos.
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Sumário:
Registado o encerramento da liquidação de uma sociedade unipessoal, com a consequente extinção da mesma e das correspondentes personalidades jurídica e judiciária, deve prosseguir contra a sua única sócia a acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento que já se encontrava pendente à data daquele registo.

Jorge Loureiro