Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15/09.4IDVRL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: CRIME DE FRUSTRAÇÃO DE CRÉDITOS
CONDUTA TÍPICA
ELEMENTO OBJECTIVO
BEM JURÍDICO TUTELADO
ELEMENTO SUBJECTIVO
CRIME DE PERIGO CONCRETO
CRIME ESPECÍFICO PRÓPRIO
CONSUMAÇÃO
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
Nº do Documento: RP2014052815/09.4IDVRL.P1
Data do Acordão: 05/28/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 88° do RGIT tipifica o crime de frustração de créditos, em duas modalidades distintas:
- As condutas do n.º 1, do próprio obrigado tributário, traduzem-se em alienar, danificar, ocultar, fazer desaparecer, onerar bens que integrem o seu património, ou seja, actos daquele que está obrigado à entrega da prestação tributária;
- As condutas do n.º 2, não sendo do obrigado tributário, antes de um terceiro interveniente, consistem na outorga dolosa em negócio jurídico (acto ou contrato) que tenha por efeito a transferência ou oneração de património que possa responder pelas dívidas tributárias.
II - Constituem elementos objectivos do crime em causa, nos casos do n.° 1:
a) Conhecimento por parte do devedor da obrigação de proceder ao pagamento do tributo ou dívida à segurança social;
b) Estar o tributo ou a dívida à segurança social já liquidado ou em processo de liquidação;
c) Haver alienação, danificação, ocultação, desaparecimento voluntário ou oneração do património, com vista a causar a frustração total ou parcial do crédito tributário ou de dívida às instituições de Segurança Social
III – Constituem elementos objectivos do crime em causa, nos casos do n.° 2:
a) A outorga de actos ou contratos que determinem a transferência ou a oneração de património;
b) Conhecimento da existência de tributo já liquidado ou em processo de liquidação ou de dívida à segurança social.
c) Intenção de frustrar total ou parcialmente o crédito tributário
IV - O crime de frustração de créditos tutela o bem jurídico denominado património do Estado, também ele constituído pelas receitas tributárias.
V - Trata-se de crime doloso, havendo uma componente de dolo específico - intenção de frustrar no todo ou em parte, a garantia patrimonial do crédito tributário (derivado de Imposto ou de dívida à Segurança Social).
VI - É crime de perigo concreto, não de dano, pois a consumação do crime não depende da efectiva frustração do crédito tributário, que apenas tem de ser almejada pelo agente.
VII – Consuma-se com a prática dos actos de alienar, danificar, ocultar, fazer desaparecer ou onerar intencionalmente o património, com intenção da frustrar, total ou parcialmente, o crédito
VIII – Não se exige, como elemento do tipo, a impossibilidade de cobrar os créditos ou a prova do dano causado ao credor tributário.
IX - No caso do n.º 1, trata-se de crime específico próprio pois que apenas pode ser praticado por quem detenha qualidades pessoais ou sobre quem recaia um dever especial ou que certa situação de facto típica seja fonte desse dever, ou seja, só pode ser cometido pela categoria de pessoas sobre as quais recai o dever de entregar o tributo ou pagar a dívida à segurança social.
X - A responsabilidade subsidiária dos administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados está prevista no art.º 24°, n.° 1 da LGT e efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, nos termos do art. 23° do mesmo diploma legal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal n.º 15/09.4IDVRL.P1
Peso da Régua.
Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação do Porto.
2ª Secção criminal

I-Relatório.
No Processo Comum Singular 15/09.3IDVRL do 1º Juízo do Tribunal Judicial do Peso da Régua, foram submetidos a julgamento os arguidos B…, C…, D… e E…, melhor identificados na sentença sob escrutínio.
Realizado julgamento foi proferida sentença a 8 de Outubro de 2013, depositada a 09.10.2013, com o seguinte dispositivo:
«a) Julga-se extinta – por extinção da sociedade F…, Lda. – a responsabilidade criminal da arguida pelo crime de que vem acusada e ordena-se nesta parte o arquivamento dos autos;
b) Condena-se a arguida B…, pela prática de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art. 88º n.º 1 da Lei 15/2001 de 5 de Junho, em co autoria e na forma consumada, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 10, o que perfaz o montante global de € 3000;
c) Condena-se o arguido C…, pela prática de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art. 88º n.º 1 da Lei 15/2001 de 5 de Junho, em co autoria e na forma consumada, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 10, o que perfaz o montante global de € 3000;
d) Condena-se o arguido D…, pela prática de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art. 88º n.º 2 da Lei 15/2001 de 5 de Junho, em co autoria e na forma consumada, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 10, o que perfaz o montante global de € 700;
e) Condena-se a arguida E…, pela prática de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art. 88º n.º 2 da Lei 15/2001 de 5 de Junho, em co autoria e na forma consumada, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 10, o que perfaz o montante global de € 600.
Vão, ainda, os arguidos condenados em 2 UC de taxa de justiça e demais encargos com o processo.»
*
Inconformados, vieram os arguidos B…, D… e E… interpor recurso, apresentando a motivação de fls. 348 a 393, que rematam com as seguintes conclusões:
«1.Nos termos do artigo 88.º, n.º2, da Lei n.º15/2001, de 05 de Junho, o crime de frustração de créditos é um crime doloso, porquanto se exige o conhecimento da existência de tributo já liquidado ou em processo de liquidação ou de dívida às instituições de Segurança Social, e a intenção total ou parcialmente o crédito tributário;
No entanto,
2.Em face da faculdade considerada provada resulta evidente que o arguido D… não teve qualquer intervenção no negócio jurídico correspondente à doacção das fracções autónomas designadas pelas letras “B” e “D”, e no que se reporta à transmissão dos veículos das marcas “Toyotta” e “Opel” com as matrículas ..-..-OP, ..-BX-.. e ..-..-QT, os mesmos também não integram o seu património pessoal pois que foram transmitidos à sociedade “G…, Lda.”, sendo esta sociedade enquanto pessoa jurídica concreta e individualizada, a qual aliás, figura como arguida no âmbito dos presentes autos, que outorgou no negócio de transmissão dos identificados veículos;
Por outro lado,
3.Em parte alguma da factualidade considerada provada se deu concretamente por assente que o arguido D… e esposa E… conheciam e sabiam que a sociedade “F…, Lda.” era devedora aos Serviços de Finanças – Direcção Geral dos Impostos da quantia de 260.382,45€, e que se encontrava pendente o respetivo processo executivo, tal como vem vertido nos pontos 5. e 6. da factualidade provada;
E portanto,
4.Não se encontrava provado que estes arguidos tivessem conhecimento que os identificados tributos já estivessem liquidados ou em processo de liquidação, sendo certo que os mesmos não detinham qualquer participação na sociedade “F…, Lda.”
E assim,
5.Atenta a estrutura típica do crime de frustração em análise correspondente ao art. 88.º, n.º2, da Lei n.º15/2001, de 05 de Junho, há que concluir que no que se reporta aos arguidos D… e E…, os factos provados e que sustentaram a decisão proferida a ele não se subsumem, porquanto não estão preenchidos os elementos objectivos exigidos pelo texto-norma, o que impõe a absolvição destes dois identificados arguidos;
6.Porque assim não decidiu o Tribunal a quo, violou o art. 1.º, do Código Penal, e art. 88.º, n.º2, da Lei n.º15/2001, de 05 de Junho (RGIT);
7.A sociedade “F…, Lda” consubstancia a ser sociedade devedora dos créditos fiscais que resultam da factualidade considerada provada e, por isso, à data da outorga do negócio da transmissão dos veículos e da doação, ou seja em 28 e 29 de Maio de 2009, apenas o património desta sociedade respondia por essas dívidas fiscais, as quais no período compreendido entre os anos de 2006 e 2011 ascendiam à quantia de 260.382,45€, acrescido de juros, tal como resulta da al. 5. Da factualidade;
No entanto,
8.Parece resultar com foros de certeza que a responsabilidade criminal imputada aos arguidos B… resulta da circunstância de, enquanto sócios e gerente da sociedade “F…, Lda”, e antevendo estes a reversão da dívida sobre o seu património pessoal, decidiram tal como se refere na factualidade doar a terceiros os seus bens pessoais;
No entanto,
9.Não resulta da factualidade provada e que sustentou a decisão proferida em que data ocorreu, e se ocorreu, na referida reversão da dívida, sendo certo que a não ter ocorrido os bens pessoais dos sócios e gerentes B… e C… não responde pelas dívidas da sociedade “F…, Lda.”
Ora,
10.O que se deixa exposto reveste manifesta relevância no que se reporta ao negócio da doação identificado nas alíneas 12., 14. e 16. da factualidade considerada provada e que sustentaram a decisão proferida de condenação destes arguidos não se subsumem ao crime de frustação de créditos, porquanto não estão preenchidos os elementos objectivos exigidos pelo texto-norma, o que impõe a absolvição destes dois identificados arguidos nesta parte;
Acresce que,
11.Na formação da sua convicção, o Tribunal a quo não estabeleceu criticamente a relevância dos meios probatórios, nem os modos ou processos intelectuais das regras da experiência comum para a obtenção da conclusão que os arguidos com a intenção de frustrar créditos, tal como considerou sob as alíneas 10., 11. ( este desde o seu início até “delineado”), 14., 15., 16. e 17. da factualidade considerada provada e que sustentaram as condenações processadas;
De facto,
12.Na motivação processada o Tribunal a quo limita-se apenas a invocar a prova documental junta aos autos a partir da objectividade revelada pelos documentos que enuncia, bem como a processar uma súmula dos depoimentos prestados pelas três testemunhas inquiridas, com considerações objectivas, admitindo até que os arguidos iam processando alguns pagamentos por conta para liquidação da dívida;
Sendo que,
13.A motivação processada pelo Tribunal a quo e que sustentou a decisão da matéria de facto é absolutamente inexistente na parte referente à actuação e intenções dos arguidos D… e esposa E…;
Por outro lado,
14.Os serviços fiscais não penhoraram em 24/02/2009 os veículos automóveis identificados nos autos, e tal como processaram com a demais maquinaria, porque assim não entenderam em quiseram, sendo que de fls. 46 a 52 também não resulta que em 07 de Maio de 2009 tenham ocorrido problemas a nível central com a gestão da aplicação informática no que se reporta ao pedido de penhora dos veículos;
15.E no que respeita ao negócio de doação identificado nas alíneas 12. e 14. da factualidade provada, terá forçosamente de se concluir que em 29 de Maio de 2009, o património pessoal dos sócios gerentes B… e C… não respondia pelas dívidas da sociedade “F…, Lda”, desconhecendo até qual o resultado da possível venda dos bens penhorados no identificado processo de execução fiscal; 16.-Aliás, fazendo fé dos documentos de fls. 169 a 174 a reversão das dívidas contra estes gerentes apenas poderá ter ocorrido mais de um ano após o processamento de doação;
E, por isso,
17.-Atento este extenso período temporal decorrido, daí não se poderá extrair de acordo com o senso e experiência comum, e com o mínimo de certeza resultante de presunção, que em Maio de 2009 os arguidos efectuaram a doacção de bens pessoais com o objectivo de retirarem os seus bens do pagamento de dívidas fiscais derivadas da reversão;
Por outro lado,
18.-A Intenção da frustração de créditos em causa também não se poderá retirar dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, com especial relevo para os depoimentos de H…, técnico oficial de contas, e de I…e, com respeito, respectivamente, às seguintes passagens dos seus depoimentos:
Testemunha H…: Passagem com início ao minuto 06:05 e termo ao minuto 12:04; Passagem com início ao minuto 14:16 e termo ao minuto 15:24;
Testemunha I…: Passagem com início ao minuto 04:09 e termo ao minuto 05:12; Passagem com início ao minuto 06:52 e termo ao minuto 07:20; Passagem com início ao minuto 08:45 e termo ao minuto 12:31;
Sendo que,
19.-A testemunha J…, apenas revelou ter conhecimento documental e formal dos processos de execução, tendo relegado para as outras testemunhas factos concretos relativos a actuação dos arguidos, tal como consta das seguintes passagens do seu depoimento:
Passagem com início ao minuto 04:52 e termo ao minuto 05:21; Passagem com início ao minuto 08:28 e termo ao minuto 08:58; Passagem com início ao minuto 18:19 e termo ao minuto 22:49;
E assim,
20.-Da apreciação da prova testemunhal produzida, nomeadamente no que respeita aos depoimentos das testemunhas H… e I…, resulta minimamente evidenciado que os arguidos B… e C…, procederam durante anos à entrega de avultadas quantias monetárias aos serviços fiscais, na ordem dos €2.500,00 mensais, para pagamento da dívida da sociedade “F…, Lda.”, sendo que parte destes pagamentos se processaram no decorrer do ano de 2009, assim revelando a intenção de pagamento por parte dos arguidos;
21.-Resulta também minimamente evidenciado que os serviços fiscais não procederam à penhora dos veículos em questão dos autos porque assim o entenderam, apesar de terem podido fazê-lo atempadamente, e como forma de garantirem o crédito;
22.-E, por fim, haverá também de concluir que a transacção dos veículos foi formal e substancialmente válida, tal como resulta do depoimento da testemunha H…;
E, assim,
23.-Para além do Tribunal a quo não ter processado criticamente a relevância dos meios probatórios, nem os modos ou processos intelectuais utilizados e inferiores das regras da experiência comum para obter a conclusão que os arguidos agiram com intenção de frustrar créditos, tal intenção também não se poderá retirar da conjugação crítica dos depoimentos prestados em audiência;
Daí que,
24.-Na ausência de outros meios probatórios não poderia o Tribunal a quo ter considerado como provado que os arguidos tiveram a intenção de frustrar os créditos da Fazenda Nacional, e tal como processou nas alíneas 10., 11., 14. a 17. da matéria de facto considerada provada, que expressamente se impugna, porque insuficientemente motivada ou assente em erro na apreciação da prova produzida, o que se invoca e requer ao abrigo do disposto nos art.ºs 410.º, n.º2, als. a) e c), 428º e 431º, do Código de Processo Penal;
25.-Por todo o alegado supra, imperativo resulta que o Tribunal “ad quem” afira da arbitrariedade de decisão proferida, claramente violadora dos critérios legais impostos ao julgador na valoração da prova, porquanto ao inexistir correspondência lógica entre os factos dados como provados e a prova a produzida, o Tribunal a quo ultrapassou os limites impostos pela Lei Penal na valoração da prova, violando assim o disposto no art.º 127.º, do Código de Processo Penal;
26.-Sendo certo que, sempre que o julgador tenha dúvidas quanto à verificação ou não de determinado facto deverá decidir no sentido mais favorável ao arguido, em cumprimento do princípio “in dúbio pro reo”, sendo que no presente processo a dúvida resulta e é razoável;
Pelo que,
27.-O desrespeito pelo Tribunal do princípio “in dúbio pró reo” constitui uma frontal violação do art. 32.º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa;
28.- No entanto, e sem prescindir, ainda que se considere que os arguidos B… e C… praticaram o crime de frustração de créditos no que se reporta unicamente à alienação dos veículos automóveis identificados nos autos, o que de todo não se concede, haverá que admitir que é excessiva a pena de multa de 300 (trezentos) dias à taxa de €10,00, fixados a cada um deles;
Pois que,
29.-Para além da moldura do crime em questão fixar o limite máximo da pena de multa em 240 dias, haverá que não censurar criminalmente os arguidos no que se reporta à transmissão dos seus bens pessoais, por inexistência de qualquer crime quanto à doação processada;
E, assim,
30.-Sempre se deverá entender que a pena de 100 dias de multa à taxa diária de €10,00 é suficiente e adequada a prevenir os arguidos, atentas as suas condições sociais e económicas.
Termina pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que declare a absolvição dos arguidos.»
*
O recurso foi admitido, para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho constante de fls. 397.
O Mº Pº junto do Tribunal a quo veio responder, conforme fls. 402 a 426, rematando a sua resposta com as seguintes conclusões:
«I. Face à prova produzida em audiência de julgamento - conjugação da prova documental e testemunhal – o Tribunal A QUO, decidiu pela condenação dos arguidos
- B…, pela prática de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art. 88º n.º 1 da Lei 15/2001 de 5 de Junho, em co-autoria e na forma consumada, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 10, o que perfaz o montante global de € 3000;
- D…, pela prática de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art. 88º n.º 2 da Lei 15/2001 de 5 de Junho, em co-autoria e na forma consumada, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 10, o que perfaz o montante global de € 700;
- E…, pela prática de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art. 88º n.º 2 da Lei 15/2001 de 5 de Junho, em co-autoria e na forma consumada, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 10, o que perfaz o montante global de € 600,
e na nossa perspectiva, bem.
II.-Os arguidos recorrem da decisão por esta padecer, em seu entender, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, alíneas. a), e c), do Código de Processo Penal – insuficiência da matéria para a decisão e erro notório na apreciação da prova - fundamentando, no entanto, tais vícios em supostos erros de julgamento da matéria de facto, que sustenta com recurso a depoimentos prestados na audiência de julgamento.
III.-Tendo presente que os vícios do referido artigo 410.º, n.º 2, têm que resultar do próprio texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo possível, para a sua demonstração o recurso a quaisquer elementos externos à própria decisão, torna-se clara a manifesta improcedência do presente recurso.
IV.-Ao longo do recurso, o que o arguido faz é criticar o uso que o tribunal fez do referido princípio da livre apreciação da prova. No fundo, o que pretende é que se dê como provada a sua versão dos factos. Porém, perante a prova produzida em julgamento, tal pretensão revela-se de todo improvável.
V.-O julgamento da matéria de facto não merece, quanto a nós, qualquer reparo, uma vez que a mesma tem correcto suporte na prova documental e testemunhal no qual o tribunal recorrido muito bem se fundamentou.
VI.-Consequentemente, não se mostra violado o Princípio In Dúbio Pró Reo, que no caso de dúvida insanável, sobre se se verificaram ou não determinados factos, esta deve ser resolvida a favor dos arguidos, culminando numa eventual absolvição.
VII.-E porque, não existiram circunstâncias atenuantes, que o tribunal a quo, não tivesse tido em consideração no doseamento das penas aplicadas considerámos que estas foram justas e adequadas.
Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.»
*
Nesta Relação, a Exma. PGA emitiu douto Parecer com a seguinte conclusão:
Pelo exposto, emite-se parecer no sentido de que o recurso merece provimento, devendo, em consequência:
a) os arguidos C… e E… ser absolvidos dos crimes de frustração de créditos por que foram condenados;
b) a arguida B… ser absolvida da prática dos factos relativos à doação e que foram integrados na previsão do crime de frustração de créditos por que foi condenada;
c) a pena de multa que foi aplicada à arguida B… pela prática do crime por que foi condenada ser reduzida em conformidade, sempre se impondo, de qualquer das formas, a sua redução, por ser superior ao máximo legal previsto;
d) ser ordenado o reenvio parcial do processo para novo julgamento, quanto ao arguido José Bernardo Pinto.»
Cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, os recorrentes não responderam.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
1.-Questões a decidir.
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, pela ordem em que são enunciadas, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, na parte em que foi dado como provado que «os arguidos agiram com intenção de frustrar os créditos tributários em causa», tal como está coprocessado nos pontos 10, 11, 14 a 17 dos factos provados, por erro na apreciação da prova produzida o que invoca ao abrigo do disposto nos arts. 410º, n.º 2, als. a) e c), 428 e 431º do CPP. Invoca ainda a violação do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do CPP, e do princípio in dubio pro reo;
- Subsunção jurídica dos factos ao crime de frustração de créditos do art. 88º, n.º 1, do RGIT, pelo qual os arguidos B… e C… foram condenados, no que se reporta ao negócio da doação;
- Subsunção jurídica dos factos ao crime de frustração de créditos do art. 88º, n.º 2, do RGIT, pelo qual os arguidos D… e E…, foram condenados;
- Medida da pena.
*
2. Factualidade.
Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respectiva motivação.
«I. Factos provados
Discutida a causa resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. A sociedade arguida, com sede na Rua …, .., Peso da Régua, é uma sociedade comercial por quotas; que iniciou a sua actividade comercial em 2004 e a encerrou em 2012, com registo do encerramento da sua liquidação.
2. Encontrava-se tributada em Imposto sobre Rendimento de Pessoas colectivas – IRC -, no exercício da actividade de fabricação de outros reservatórios e recipientes metálicos e enquadrada em imposto sobre o valor acrescentado – IVA – no regime normal de periodicidade trimestral.
3. A arguida B… era sócio gerente da sociedade arguida, sendo, desde sempre, responsável pelo seu funcionamento.
4. O arguido C… foi, igualmente, sócio gerente da sociedade arguida, desde a sua constituição até 05.05.2009.
5. No período compreendido entre os anos 2006 a 2011, a sociedade arguida foi acumulando dívidas junto aos Serviços Finanças - Direcção Geral dos Impostos, por falta de pagamento de coimas, IVA, IRC, quantia que ascendeu a € 260.382,45, acrescida de juros.
6. Os serviços de Finanças a fim de obter coercivamente tal montante instauraram o processo executivo sob o n.º …………...
7. Em 24.03.2009, no âmbito do processo referido em 6, foram penhorados à sociedade arguida as máquinas descritas no auto de penhora junto a fls. 321 e 322, no valor total de € 20.770,00.
8. Em 07.05.2009 o serviço de Finanças do Peso da Régua, no âmbito do processo executivo em curso, fez o pedido de penhora dos seguintes bens pertencentes à sociedade arguida: veículo automóvel, marca TOYOTA, matrícula ..-..-OP, de 1999; veículo automóvel, marca OPEL, matrícula ..-BX-.., de 2006; veículo automóvel, marca TOYOTA, matrícula ..-..-QT, de 2000.
9. Devido a problemas a nível central com a gestão da aplicação informática, o pedido de registo de penhora não deu entrada na Conservatória do Registo Automóvel.
10. Os arguidos, conhecedores do elevado valor da dívida, e da insuficiência de bens sociais e pessoais susceptíveis de responder e, antevendo a penhora e subsequente venda de bens pessoais mediante a reversão da dívida, decidiram vender/doar a terceiros bens da sociedade e bens pessoais, a fim de se furtarem ao pagamento das quantias devidas pela sociedade arguida aos cofres do Estado.
11. Em concretização do plano acima delineado, em 28.05.2009, a sociedade arguida procedeu à venda dos veículos automóveis acima identificados à firma G…, Lda., com o NIPC ………, com sede na Rua …, …, Peso da Régua, legalmente representada pelo arguido D….
12. Um dia depois, 29.05.2009, no cartório Notarial sito em Peso da Régua, os arguidos B… doaram à arguida E…, sua mãe, a raiz ou nua propriedade das fracções autónomas designadas pelas letras “B” e “D”, já acima identificadas, cuja aquisição se encontra registada a seu favor pela inscrição Ap. Três de vinte e nove de Abril de dois mil e cinco e o usufruto a favor da donatária pela inscrição Ap. Três de vinte e nove de Abril de dois mil e cinco, com os valores patrimoniais, respectivamente €65.715,25 e €58.535,75.
13. Apesar de saber que estavam por pagar ao Estado impostos devidos pela sociedade arguida, desde 2006, bem como da existência de processos contra - ordenacionais e de execução fiscal decorrentes de tais dívidas, a arguida B… vendeu ainda bens propriedade da sociedade arguida à firma G…, Lda., (cujo legal representante, é o arguido D…, pai dos arguidos B… e C…).
14. A fim de evitar que os seus bens pessoais viessem a responder, por via da reversão, pelas dívidas da sociedade arguida, os arguidos C… e B… doaram à arguida E…, sua mãe, a raiz ou nua propriedade das fracções autónomas supra discriminadas, facto que era do conhecimento da arguida E….
15. A arguida B… agiu com o intuito de frustrar a cobrança dos créditos fiscais por parte do Estado, através, pelo menos, da alienação do património da sociedade arguida e, bem assim, através da doação de bens pessoais, o que logrou conseguir.
16. Os arguidos D… e E…, por sua vez, representaram que, ao adquirirem/aceitaram bens da sociedade arguida e a aceitarem a doação da arguida B…, impediam a cobrança dos créditos fiscais, por parte do Estado, na quantia de €124.251,00 – correspondente à soma dos valores patrimoniais dos bens alienados, a que acresce o valor dos veículos automóveis - o que quiseram, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.
17. O arguido C… tentou eximir-se ao pagamento dos impostos devidos, vislumbrando a reversão de dívida, através das doações acima discriminadas, apesar de bem saber que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.
18. Actualmente, a dívida da sociedade arguida ao Estado, a título essencialmente de IVA e IRC, ascende a € 483.610,83.
19. A arguida B… encontra-se desempregada há cerca de quatro anos, não se encontra inscrita no centro de emprego, vive com os pais, de quem depende economicamente.
20. Tem o 12º ano de escolaridade e o curso profissional de turismo.
21. A arguida foi condenada, por sentença, transitada em julgado, pela prática em 17.11.2008, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 300 dias de multa; de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 100 dias de multa e pela prática em 01.12.2008 de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 120 dias de multa.
22. O arguido C…, desde 2009, exerce a actividade de serralheiro, auferindo a quantia de € 500/600 mensais e vive com os pais.
23. Tem o 12º ano de escolaridade.
24. O arguido foi condenado por sentença, transitada em julgado, pela prática em 17.11.2009, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 300 dias de multa e pela prática em 01.12.2008 de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 120 dias de multa.
25. O arguido D… é gerente da sociedade G…, desde o ano de 2009, auferindo cerca de € 600/mês e vive em casa própria.
26. Tem a 4ª classe.
27. O arguido foi condenado por sentença, transitada em julgado, pela prática em 26.06.2010, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 70 dias de multa; pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 160 dias de multa e pela prática em 01.12.2008 de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 120 dias de multa.
28. A arguida E… aufere uma pensão de reforma de cerca de € 280 e vive em casa própria.
29. Tem a 4ª classe.
30. À arguida não são conhecidos antecedentes criminais.
II.Factos não provados
Relevante para a decisão da causa, nenhum outro facto se provou.
III.Motivação da decisão de facto
O Tribunal baseou a sua convicção na prova documental junta aos autos (auto de notícia, informações, print informático, certidões, assento de nascimento, autos de penhora, escrituras, despacho para audição de reversão, parecer), conjugada com o depoimento das testemunhas, J…, inspector tributário da Direcção de Finanças de Vila Real, I…, chefe de serviço de finanças de Peso da Régua, cujos depoimentos se afiguraram isentos e credíveis, as quais confirmaram o valor devido pela sociedade arguida, o qual está a ser exigido em processo fiscal, dando conta das várias tentativas de cobrança e de alguns pagamento por conta que os arguidos iam fazendo para liquidar a dívida, que apesar de ir acumulando, os arguidos dissipavam o património tanto da sociedade arguida, quanto o pessoal. A primeira testemunha referiu ainda, pela análise da contabilidade da empresa e da inspecção fiscal que realizou, que a segunda, terceiro e quarto arguidos desenvolviam uma gestão partilhada da sociedade arguida, dando conta de um decisão de reversão fiscal, referente a um dos vários processos de execução fiscal instaurados contra a sociedade arguida. A testemunha I… referiu que quando foi efectuada a penhora referida no ponto 7 dos factos provados, já a dívida da sociedade arguida ascendia a mais de duzentos mil euros, sendo que alguns dos bens objecto da mesma já se encontram deteriorados, inexistindo património, mercê da actuação dos arguidos, capaz de saldar a dívida ao Estado.
A testemunha H…, contabilista da sociedade arguida e da nova sociedade constituída pelo arguido D…, referiu que quando fechou a empresa arguida, esta era devedora ao Estado em mais de duzentos mil euros, não obstante, confirmou que aquela transferiu para a nova sociedade do arguido, G…, o património existente na primeira.»
*
3.- Apreciação do recurso.
3.1.- Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, na parte em que foi dado como provado que «os arguidos agiram com intenção de frustrar os créditos tributários em causa», tal como está processado nos pontos 10, 11, 14 a 17 dos factos provados, por erro na apreciação da prova produzida o que invoca ao abrigo do disposto nos arts. 410º, n.º 2, als. a) e c), 428 e 431º do CPP. Invoca ainda a violação do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do CPP, e do princípio in dubio pro reo;
Sustentam os recorrentes nas suas conclusões 18 a 25 que o tribunal não explanou na sua motivação os modos ou processos intelectuais utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção da conclusão que os arguidos actuaram com a intenção de frustrar créditos, ta como considerou sob as alíneas 10, 11, 14 a 17, dos factos provados. Argumenta que, por outro lado os serviços fiscais não penhoraram em 24.03.2009 os veículos automóveis identificados nos autos, como fizeram com a demais maquinaria, porque assim não quiseram, sendo que também não resulta de fls. 46 a 52 que em 07 de Maio de 2009 tenham ocorrido problemas a nível central com a gestão de aplicação informática no que se reporta ao pedido de penhora dos veículos. Por outro lado, argumentam que a intenção de frustração de créditos em causa também não se poderá retirar dos depoimentos prestados em audiência, com especial relevo dos depoimentos de H…, TOC, e de I…, nas passagens que enunciou e menos ainda dos depoimentos da testemunha J…. E aduzem um outro argumento, referindo que da apreciação da prova testemunhal produzida, nomeadamente do depoimento das testemunhas H… e I… resulta minimamente evidenciado que os arguidos B… e C… procederam durante anos à entrega de avultadas quantias monetárias aos serviços fiscais, na ordem dos 2.500,00€ mensais para pagamento de dívidas da sociedade “F…, Lda.” sendo que parte destes pagamentos se processaram no ano de 2009, o que revela a intenção de pagamento por parte dos arguidos. Finalmente referem que há que levar em conta que a transacção dos veículos foi formal e substancialmente válida, tal como resulta do depoimento da testemunha H…. Concluem que na ausência de outros meios probatórios não poderia o tribunal a quo ter considerado provado que os arguidos tiveram intenção de frustrar os créditos da Fazenda Nacional, tal como processou nas alíneas 10.11 e 14. a 17.
Impõe-se referir, antes de iniciarmos a nossa análise, que o único ponto onde se encontra contido o facto impugnado é o artigo 15º dos factos provados relativo à arguida Anabela: A arguida B… agiu com o intuito de frustrar a cobrança dos créditos fiscais por parte do Estado, através, pelo menos, da alienação do património da sociedade arguida e, bem assim, através da doação de bens pessoais, o que logrou conseguir.
Posto isto, vejamos.
Atento o disposto no artigo 428.º, n.º 1, do Código Processo Penal, as Relações conhecem de facto e de direito, acrescentando o artigo 431.º que “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Assim e de acordo com o artigo 412.º, n.º 3, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”.
Acrescenta-se no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
Por sua vez, decorre do artigo 410.º, n.º 2, que “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras de experiência comum:” algum dos vícios adiante assinalados relativamente à insuficiência da decisão [a)], à contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão [b)] ou erro notória na apreciação da prova [c)].
Porém, o recorrente não suporta qualquer destes vícios a partir do “texto da decisão recorrida” ou conjugado com “as regras de experiência comum”, como sucede nesta possibilidade de revista alargada, mas invocando os depoimentos que transcreve ou a que faz referência. Por isso, temos que esta referência aos vícios do artigo 410.º, n.º 2, não tem por base qualquer fundamento idóneo, resultando antes de uma incompreensão, por parte do arguido recorrente, deste instituto, confundindo-o com o reexame da matéria de facto. Assim sendo e atendendo ao formato que foi dado ao recurso, todo ele apropriado ao reexame da matéria de facto, e porque também, não vislumbramos no texto da decisão nenhum daqueles vícios, fixar-nos-emos apenas neste preciso fundamento de recurso.
Para se proceder à revisão da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente indicar os factos impugnados, a prova que impõe decisão diversa, identificando ainda o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova. Convém, no entanto, ter presente que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efectuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso (ac. STJ de 22.06.2006 Rec. n.º 1426/06).
Por outro lado, o recurso sobre a matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso de todos os elementos de prova que foram produzidos e que serviram de fundamento à sentença recorrida, mas somente a reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal “a quo”, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente (ac. do STJ de 10.01.2007). Daí que o reexame esteja sujeito ao ónus de impugnação, sendo através da impugnação que se fixam os pontos de controvérsia e se possibilita o seu conhecimento pelo Tribunal da Relação (ac. STJ de 08.11.2006).
Como é sabido nos termos do artigo 127.º, do CPP, o tribunal aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção e as regras da experiência, sem prejuízo de diferentes disposições da lei.
Por tudo isto, o princípio da livre apreciação das provas não tem carácter arbitrário nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado, estando ainda sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas e “in dubio pro reo”. Assim a decisão da matéria de facto só é susceptível de ser alterada, em sede de recurso, quando o juízo (vertido na motivação) correspondente ao julgamento dessa matéria corresponda, de um modo objectivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.
A matéria de facto provada e posta em causa, é essencialmente que «os arguidos agiram com intenção de frustrar os créditos tributários em causa», configurando-se a mesma como o dolo de actuação dos arguidos.
Ora, no aspecto subjectivo, tem de levar-se em conta o iter criminis apurado.
Existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta como são todos os elementos de estrutura psicológica, os relativos ao aspecto subjectivo da conduta criminosa – vide M. Cavaleiro Ferreira, in Curso de Proc. Penal. Vol. II, 1981, pg. 292.
Em corroboração desta afirmação, diz-nos N. F. Malatesta, in A Lógica das Provas em Matéria Criminal, pg. 172 e 173, que exceptuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indirectas: percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita e, dessas coisas, passa-se a concluir pela sua existência.
A ilustrar tal entendimento podem citar-se, entre outros, os seguintes acórdãos: Acórdão do S.T.J. de 07.07.93 publicado na Base de Dados da DGSI (www.dgsi.pt) sob o n.º SJl99307070444783: "Os elementos do crime, de estrutura psicológica como o dolo, só são, em regra, susceptíveis de prova indirecta, porque muito raros são os casos em que o agente anuncia que vai praticar um crime." Acórdão do S.T.J. de 01.04.93 in BMJ n.º 426, pág. 154 no qual se exarou: "Dado que o dolo pertence à vida interior e afectiva de cada um e, é portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo possa concluir-se, entre os quais surge, com a maior representação, o preenchimento dos elementos materiais integrantes da infracção. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral de experiência. "
Ora, é recorrendo às regras de experiência que se há-de aferir ou não a existência da intenção criminosa, e é da matéria fáctica dada como provada que se hão-de retirar os elementos confirmativos da sua verificação.
Compulsando a prova documental esgrimida na sentença e os depoimentos esgrimidos pelos recorrentes não foi apresentada qualquer prova que imponha decisão diversa.
Com efeito, resulta dos autos, quer dos documentos juntos quer dos factos de 1 a 9 não impugnados, que a sociedade arguida, F…, Lda., é uma sociedade comercial por quotas que se encontrava tributada em Imposto sobre Rendimento de Pessoas colectivas – IRC -, e enquadrada em imposto sobre o valor acrescentado – IVA – no regime normal de periodicidade trimestral; Que a arguida B… era sócio gerente da sociedade arguida, sendo, desde sempre, responsável pelo seu funcionamento; que no período compreendido entre os anos 2006 a 2011, a sociedade arguida foi acumulando dívidas junto aos Serviços Finanças - Direcção Geral dos Impostos, por falta de pagamento de coimas, IVA, IRC, quantia que ascendeu a € 260.382,45, acrescida de juros. Que os serviços de Finanças a fim de obter coercivamente tal montante instauraram o processo executivo sob o n.º ……………; que em 24.03.2009, no âmbito desse processo, foram penhorados à sociedade arguida as máquinas descritas no auto de penhora junto a fls. 321 e 322, no valor total de € 20.770,00, para pagamento da quantia exequenda de 86.837,07€, acrescida de juros de mora e custas processuais. Que em 07.05.2009 o serviço de Finanças do Peso da Régua, no âmbito do processo executivo em curso, fez o pedido de penhora dos seguintes bens pertencentes à sociedade arguida: veículo automóvel, marca TOYOTA, matrícula ..-..-OP, de 1999; veículo automóvel, marca OPEL, matrícula ..-BX-.., de 2006; veículo automóvel, marca TOYOTA, matrícula ..-..-QT, de 2000. Devido a problemas a nível central com a gestão da aplicação informática, o pedido de registo de penhora não deu entrada na Conservatória do Registo Automóvel, como resulta da conjugação dos documentos jutos aos autos a fls. 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, com o depoimento da testemunha I….
Ora, provados estes factos e provado que o valor da quantia exequenda era em 24.03.2009 de 86.837,07, enquanto os bens penhorados era de 20.770,00€ e sendo a venda dos veículos mencionados efectuadas em 28 de Maio de 2009 após aquela referida penhora, quando os arguidos também dispuseram de bens pessoais, nomeadamente através de doacção [e independente do que se vier a considerar sobre se nessa fase tal actuação (disposição de bens pessoais) constituía crime] a intenção de frustrar os créditos pela arguida B… com a referida venda de bens resulta inequívoca segundo as regras da experiência dos restantes factos materiais provados. Com efeito, segundo a normalidade do acontecer e, portanto, as regras gerais da experiência, é normal que nas circunstâncias como as materialmente provadas as pessoas efectuem negócios como vendas (fictícias ou não) ou doacções de bens, com a intenção de obstar a que todo o património que pode ser penhorado para pagamento das dívidas ou tributos seja afecto a esse pagamento. Facto que aliás só está vertido (dentro dos factos impugnados) no ponto 15 dos factos provados.
Pelo exposto nenhuma prova foi apresentada que imponha decisão diversa, em relação à intenção com actuou a arguida B…, visto que só em relação a esta consta dos factos provados que a arguida B… agiu com o intuito de frustrar a cobrança dos créditos fiscais por parte do Estado, através, pelo menos, da alienação do património da sociedade arguida… o que logrou conseguir.
Por outro lado, como é manifesto ante o que deixamos exposto, e dada a inexistência de violação das regras da experiência comum, não há qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova.
Invocam ainda os recorrentes a violação do princípio in dubio pro reo, decorrência do princípio da presunção da inocência.
Quanto a este último princípio dir-se-á que a presunção de inocência não se confunde com convicção de inocência - cfr. Souto Moura, “A questão da presunção de inocência do arguido”, in Revista do MP, Ano 11, n.º 42, págs. 31 e segs.- e tem a sua influência intra processual, no essencial, com a distribuição do ónus da prova. Também é sabido que, no nosso processo penal a incidência deste princípio tem que ser temperada com o princípio de investigação oficiosa, a cargo do juiz. Nada nos permite fazer qualquer reparo, nesta sede, ao procedimento do tribunal recorrido.
A violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados. Como não é manifestamente o caso, o recorrente só pode pretender que, apesar de o tribunal da primeira instância não ter tido dúvidas sobre o que considerou provado, deveria tê-las tido.
A violação daquele princípio adviria então, não do facto de, na dúvida, se ter decidido contra o arguido, mas apenas do facto de, sem ter tido dúvidas, o tribunal ter decidido contra o arguido. Dúvidas que, como se disse, se as não teve, devia tê-las tido.
Tal raciocínio está viciado, pois o “in dubio” é condição prévia do “pro reo”.
Como refere ROXIN, “o princípio não se mostra atingido quando, segundo a opinião do condenado, o juiz deveria ter tido dúvidas, mas sim quando condenou apesar da existência real de uma dúvida” – in “Derecho Procesal Penal”, Editores del Puerto, Buenos Aires, pag. 111.
Na verdade, o princípio in dubio pro reo complementa o da presunção da inocência mas não é uma tradução deste. Emanação do princípio da presunção de inocência é, entre o mais, o estabelecimento de regras de produção de prova e portanto de formação da convicção do julgador. Diz respeito ao “intervalo” da produção de prova, enquanto o in dubio tem o seu campo de ação depois de concluída a produção de prova. Dispõe, na verdade, o princípio do in dubio, que “a dúvida insanável sobre factos deve favorecer o arguido. (…) O princípio do in dubio pro reo não é, pois, um princípio de direito probatório, mas antes uma regra de decisão na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos” – cf. P.P. Albuquerque, in Comentário do CPP, pág. 61.
Tanto basta, para que tenhamos por não violado o referido princípio.
Improcedendo nesta parte o recurso.
*
3.2.- - Subsunção jurídica dos factos ao crime de frustração de créditos do art. 88º, n.º 1, do RGIT, pelo qual os arguidos B… e C… foram condenados, no que se reporta ao negócio da doação; e Subsunção jurídica dos factos ao crime de frustração de créditos do art. 88º, n.º 2, do RGIT, pelo qual os arguidos D… e E…, foram condenados;
Sustenta a recorrente B…, que, consoante resulta da matéria de facto dada como provada, a sociedade "F…, Lda.," era a devedora dos créditos fiscais em causa, à data do negócio da transmissão dos veículos e da outorga da doação, e que, por isso, apenas o património desta sociedade respondia por essas dívidas fiscais.
Defende assim que não pode ser responsabilizada criminalmente, nem o arguido H…, com base nos factos provados de que, sendo sócios e gerentes da referida sociedade e antevendo a reversão da dívida sobre o seu património, decidiram doar a terceiros os seus bens pessoais, sem que tenha sido apurado se ocorreu a reversão da dívida e em que data.
Por último alega ainda que, fazendo fé nos documentos de fls. 169 a 174, a reversão da dívida ocorreu mais de um ano após o processamento da doação.
Termina pedindo a sua absolvição e a do arguido C… da prática do crime de frustração de créditos por que foram condenados, na parte reportada à doação dos bens pessoais em causa.
Por sua vez, sustentam os recorrentes D… e E…, que não foi dado como provado que tivessem conhecimento das dívidas fiscais da sociedade arguida "F…, Lda.", nem da pendência do processo executivo, quando, na qualidade de legal representante da sociedade "G…, Lda.," interveio no negócio de venda dos veículos automóveis referidos na matéria fáctica, propriedade daquela, pelo que não se encontram preenchidos todos os elementos do crime de frustração de créditos do art. 88º, n.º 2, do RGIT por que foi condenado.
Afigura-se-nos que, efectivamente assiste razão aos recorrentes. A recorrente B… quanto à doacção de bens pessoais em 29.05.2009 e aos recorrentes E… e D…, quanto à aceitação dessa doacção e à compra dos veículos automóveis.
Com efeito, dispõe-se no art. 88º, do RGIT (frustração de créditos)
1.Quem, sabendo que tem de entregar tributo já liquidado ou em processo de liquidação ou divida às instituições de segurança social, alienar, danificar ou ocultar, fizer desaparecer ou onerar o seu património com intenção de, por essa forma, frustrar total ou parcialmente o crédito tributário é punido com prisão até dois anos ou multa até 240 dias.
2.Quem outorgar em actos ou contratos que importem a transferência ou oneração de património com a intenção e os efeitos referidos no número anterior, sabendo que o tributo já está liquidado ou em processo de liquidação ou que tem dívida às instituições de segurança social, é punido com prisão até um ano ou multa até 120 dias».
O artigo 88º do RGIT tipifica o crime de frustração de créditos. Tal crime pode revestir duas modalidades típicas diversas. Efectivamente, as condutas previstas no n.º 1 do artigo citado consistem em condutas do próprio obrigado tributário que se traduzem em alienar, danificar, ocultar, fazer desaparecer, onerar bens que integrem o seu património, ou seja, actos daquele que está obrigado à entrega da prestação tributária; por seu turno, o n.º 2 prevê as condutas daquele que não sendo o obrigado tributário, antes um terceiro interveniente, outorga dolosamente em negócio jurídico (acto ou contrato) que tenha por efeito a transferência ou oneração de património que possa responder pelas dívidas tributárias – vide Isabel Marques da Silva, in Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, n.º 5, 3.ª edição, págs. 172 e 173.
Constituem elementos objectivos do crime em causa, nos casos do n.º 1:
a) Conhecimento por parte do devedor da obrigação de proceder ao pagamento do tributo ou dívida à segurança social;
b) Estar o tributo ou a dívida à segurança social já liquidado ou em processo de liquidação;
c) Haver alienação, danificação, ocultação, desaparecimento voluntário ou oneração do património, com vista a causar a frustração total ou parcial do crédito tributário ou de dívida às instituições de segurança social."- vide António Augusto Tolda Pinto e Jorge Manuel Almeida Reis Bravo, Regime Geral das Infracções Tributárias e regimes sancionatórios Especiais, Anotados, Coimbra Editora, 2002, pág. 248.
Constituem elementos objectivos do crime em causa, nos casos do n.º 2:
a).A outorga de actos ou contratos que determinem a transferência ou a oneração de património;
b) Conhecimento da existência de tributo já liquidado ou em processo de liquidação ou de dívida à segurança social.
c) Intenção de frustrar total ou parcialmente o crédito tributário - vide Autores e obra citada pág. 248 e especialmente Isabel Marques da Silva, in Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, n.º 5, 3.ª edição, págs. 172 in fine e 173 in initio.
O crime de frustração de créditos tutela o bem jurídico património do Estado, também ele constituído pelo produto proveniente das receitas tributárias – vide, Paulo Pinto de Albuquerque José Branco (Org.) Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume 2, pág. 416, Anotação de Carlos Teixeira e Sofia Gaspar.
Trata-se de um crime doloso, havendo uma componente de dolo específico – intenção de frustrar no todo ou em parte, a garantia patrimonial do crédito tributário (derivado de imposto ou de dívida á segurança social) – vide António Augusto Tolda Pinto e Jorge Manuel Almeida dos Reis Bravo, Ob. Cit. pág. 248 e 249.
Trata-se também de um crime de perigo concreto, e não de um crime de dano, pois a consumação do crime não depende da efectiva frustração do crédito tributário, que apenas tem de ser almejada pelo agente. No crime de frustração de créditos fiscais, a consumação verificar-se-á com a prática dos actos de alienar, danificar, ocultar, fazer desaparecer ou onerar intencionalmente o património, com intenção da frustrar, total ou parcialmente, o crédito – vide Isabel Marques da Silva, Ob. Cit. Pág. 173.
O legislador não exige como elemento do tipo, a impossibilidade de cobrar os créditos ou a prova do dano causado ao credor tributário.
Trata-se de um crime específico próprio (apenas pode ser praticado por quem detenha qualidades pessoais ou sobre quem recaia um dever especial ou que certa situação de facto típica seja fonte desse dever – cfr. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS in "Direito...'', Coimbra Editora, 2004, p. 287 e ss. e H. SALINAS MONTEIRO, A comparticipação em crimes especiais no Código Penal, Universidade Católica, Lisboa, 1999, p.13 e SS).” – vide Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume 2, pág. 417.
No caso o crime do n.º1 só pode ser cometido pela categoria de pessoas sobre as quais recai o dever de entregar o tributo ou pagar a dívida à segurança social.
No caso em apreço, as dívidas à Administração Tributária eram da responsabilidade da sociedade arguida "F…, Lda.", de que a arguida Anabela era sócia gerente e de que o arguido C… foi sócio gerente até 5 de Maio de 2009, provenientes da liquidação de IVA e IRC, tendo os respectivos serviços de Finanças instaurado um processo executivo contra aquela, a fim de obterem o seu pagamento coercivo (pontos 3 a 6).
Mostra-se provado que "Os arguidos, conhecedores do elevado valor da dívida, e da insuficiência de bens sociais e pessoais susceptíveis de responder e, antevendo a penhora e subsequente venda de bens pessoais mediante a reversão da dívida, decidiram vender/doar a terceiros bens da sociedade e bens pessoais, a fim de se furtarem ao pagamento das quantias devidas pela sociedade arguida aos cofres do Estado" (n.º 10) e que "A fim de evitar que os seus bens pessoais viessem a responder, por via da reversão, pelas dívidas da sociedade arguida, os arguidos C… e B… doaram à arguida E…, sua mãe, a raiz ou nua propriedade das fracções autónomas supra descriminadas" (n.º 14).
Resulta, portanto, da matéria provada que ainda não tinha sido ordenada contra os arguidos B… e C… a reversão do processo de execução fiscal quando estes, no dia 29 de Maio de 2009, doaram a raiz ou nua propriedade das fracções autónomas referidas no ponto 12.
Por outro lado, e no sentido alegado pela recorrente, resulta dos documentos juntos aos autos que a preparação do processo para efeitos de reversão só foi ordenada no dia 15 de Julho de 2010 (fls. 169 a 174). E notificada à recorrente B… por carta expedida nesse mesmo dia.
Ora, como dispõe o art. 18º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, o sujeito passivo da relação tributária "é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável".
Por sua vez, o artigo 23º da mesma lei sob a epígrafe (responsabilidade tributária subsidiária) dispõe no seu n.º1 que: A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal.
E finalmente, no artigo 24º da mesma lei, dispõe-se:
1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Da conjugação dos referidos artigos decorre que a responsabilidade subsidiária dos administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados está prevista no art. 24º, n.º 1, da LGT e que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão do processo de execução fiscal, nos termos do art. 23º do mesmo diploma legal.
Assim, resultando da factualidade apurada que ainda não tinha sido ordenada contra os arguidos B… e C… a reversão do processo de execução fiscal, quando doaram os bens pessoais mencionados no ponto 12, os mesmos não eram sujeitos passivos da relação tributária em causa, como bem evidencia a Excelentíssima PGA no seu douto Parecer.
Pelo exposto, à data da doação, apenas o contribuinte directo, a sociedade "F…, Lda.," estava vinculada ao cumprimento da prestação tributária, nos termos do art. 18º, n.º 3, da Lei Geral Tributária.
Como atrás vimos, o crime de frustração de créditos do art. 88º, n.º 1, do RGIT é um crime específico próprio, que só pode ser cometido pelas pessoas sobre as quais recai o dever de entregar tributo já liquidado ou em processo de liquidação ou dívida às instituições de segurança social, quando alienam, danificam ou ocultam, fazem desaparecer ou oneram o seu património com intenção de, por essa forma, frustrar total ou parcialmente o crédito tributário.
Por outro lado, dos factos provados resulta que a doação incidiu sobre o património dos arguidos B… e C…, e que à data (29 de maio de 2009) ainda não tinha sido contra eles ordenada a reversão do processo de execução fiscal. Com o que se conclui que nessa data (da doacção) não estavam os referidos arguidos obrigados a cumprir a dívida tributária da sociedade arguida "F…, Lda.
Assim, não obstante ter sido dado como provado que os arguidos B… e C… doaram bens pessoais, antevendo a reversão, a fim de frustrarem a cobrança dos créditos fiscais por parte do Estado, certo é que a essa data (da doacção) sobre estes arguidos não recaía o dever de entregar tributo (liquidado ou em processo de liquidação) ou dívida às instituições de segurança social, pelo que em relação à referida doacção não estão preenchidos os elementos objectivos constitutivos do crime de frustração de créditos do n.º 1, do art. 88º do RGIT.
Em conformidade, como bem refere a Excelentíssima PGA no seu douto Parecer, a diminuição da garantia patrimonial da Administração Tributária decorrente da referida doacção só pode ser atacada mediante impugnação pauliana, nos termos do art. 610º do Cód. Civil.
Os factos relativos à doacção de bens próprios, pelos arguidos Anabela e José Pedro, não integram o crime de frustração de créditos do art. 88º, n.º1 do RGIT.
Embora o recurso só tenha sido interposto pela arguida Anabela, há que atender ao disposto no art. 402º, n.º 2 a) do CPP “salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto: a) por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes”.
Ora uma vez que os arguidos B… (recorrente) e C… (não recorrente) são comparticipantes nos factos da doacção, por ter doado conjuntamente a raiz ou nua propriedade das fracções autónomas referidas no ponto 12 dos factos provados, e uma vez que a actuação do arguido C… se confinava a essa doacção impõe-se a absolvição total deste arguido do crime de frustração de créditos por que foi condenado, em co-autoria com aquela recorrente, por força do disposto no art. 402º, n.º2, al. a) do CPP, o que a final se determinará.
Em relação à recorrente B…, vejamos:
Visto que a questão da alteração da matéria de facto que se prendia com a actuação da arguida B… com intenção de frustrar os créditos tributários foi improcedente; visto que está provados que esta arguida, em representação da sociedade arguida, e na sua qualidade de sócia gerente vendeu os veículos automóveis pertencentes àquela sociedade com intenção de, por essa forma, frustrar total ou parcialmente os créditos tributários – vide factos dados por provados sob os pontos 3, 11 e 15; visto que no artigo 6º do RGIT se consagra legalmente, em sede de infrações Tributárias, a possibilidade de censura penal pela actuação em nome de outrem, estendendo aos gerentes e aos administradores a responsabilidade pelas ilegalidades “cometidas pela empresa”, a chamada responsabilidade por actuação em nome de outrem, fixando-se na pessoa do representante uma responsabilidade, por uma sua actuação – vide António Augusto Tolda Pinto, e Jorge Manuel Almeida dos Reis Bravo, in Ob. Cit. Pág. 31 e 32 -; visto que nos termos do artigo 7º, n.º3 do RGIT a responsabilidade das sociedades, não exclui a responsabilidade individual dos agentes individuais que actuaram em nome e no interesse daquela; entendemos verificados em relação à recorrente Anabela os elementos constitutivos do crime de frustração de créditos previsto no n.º 1, do art. 88º, do RGIT relativamente a sua actuação na venda dos veículos automóveis da empresa arguida de que era sócia gerente.
Tudo sem embargo de atenta a menor ilicitude da conduta da arguida Anabela, que ficará confinada à venda dos veículos automóveis da sociedade arguida, a pena de multa vir a seu tempo a ser reduzida.
Procede, assim parcialmente a questão colocada.
*
Quanto à subsunção da actuação dos arguidos D… e E…, vejamos.
3.2.1 A arguida E… outorgou na escritura de doação, aceitando os bens doados pelos arguidos B… e C… (ponto 12 da matéria fáctica). Como vimos à data da doação, ainda não tinha sido ordenada contra os arguidos B… e C… a reversão do processo de execução fiscal instaurado à sociedade arguida, pelo que aqueles não estavam obrigados a cumprir a dívida tributária, não tendo, pois, a alienação tido por objecto o património do devedor. Assim, a arguida E…, ao ter aceitado a doação efectuada pelos seus filhos, não incorreu na prática do crime de frustração de créditos do art. 88º, n.º 2, do RGIT, uma vez que o património transferido não respondia pelas dívidas em causa perante a Administração Tributária. Impõe-se, portanto também a absolvição da recorrente E….
*
3.2.2 Importa agora averiguar da subsunção jurídica dos factos relativos ao recorrente D….
Quanto ao recorrente D… foi dado como provado que a sociedade arguida procedeu à venda dos veículos automóveis identificados no ponto 8 à firma G…, Lda.," legalmente representada pelo arguido D… (ponto 12). Foi ainda dado como provado que o arguido D… representou que, ao adquirir bens da sociedade arguida, impedia a cobrança dos créditos fiscais por parte do Estado correspondente ao valor dos veículos automóveis (ponto 16).
Como resulta do que atrás dissemos os pressupostos comuns às duas modalidades do crime, são o conhecimento da existência de tributo já liquidado ou em processo de liquidação ou de dívida às instituições de segurança social; e a intenção de frustrar total ou parcialmente o crédito tributário.
Por outro lado, também referimos que o crime de frustração de créditos é doloso, não se bastando o preenchimento do tipo subjectivo com o dolo genérico. A lei exige um dolo específico: que o agente actue com intenção de frustrar, no todo ou em parte, a garantia patrimonial do crédito tributário, proveniente de impostos ou de dívidas à segurança social.
Todavia, percorrendo o elenco dos factos provados verificamos que não se encontra provado que este arguido tivesse conhecimento da existência de tributo já liquidado ou em processo de liquidação ou de dívida às instituições de segurança social;
E por outro lado, a prova que foi efectuada relativamente ao elemento subjectivo “representou que, ao adquirir bens da sociedade arguida, impedia a cobrança dos créditos fiscais por parte do Estado correspondente ao valor dos veículos automóveis (ponto 16)”, coaduna-se quando muito com o dolo genérico, sendo que o dolo específico é no caso, como vimos, imprescindível para o preenchimento do tipo em causa.
Além disso, os factos relativos ao “conhecimento da existência de tributo já liquidado por parte do arguido José Bernardo” não constam da acusação pública (cfr. fls. 250 a 255). Ora, decorre da consagração constitucional da estrutura acusatória do processo - art. 32º, n.º5, da CRP e arts. 309º e 379º do CPP – que pela acusação se define e fixa o objecto do processo - o objecto do julgamento – e daí ser nula a pronúncia na parte em que pronuncie o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação ou no requerimento para abertura da instrução - art. 309º do CPP - e também nula a sentença que condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia - art. 379º do CPP – vide Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. I, Editorial Verbo, 2008, págs. 56 a 61. Por outro lado, outra implicação essencial da estrutura acusatória do processo é o reconhecimento do arguido como sujeito processual a quem é garantida efectiva liberdade de actuação para exercer a sua defesa face à acusação que fixa o objecto do processo e é deduzida por entidade independente do Tribunal.
O princípio do acusatório implica ainda que sendo pela acusação que se define e fixa o objecto do processo – o objecto do julgamento – passível de condenação é tão-só o acusado e relativamente aos factos constantes da acusação.
Ora, no caso, e pela falta dos referidos elementos, a acusação era manifestamente infundada, e deveria, por isso, ter sido rejeitada aquando do recebimento e saneamento dos autos. Sendo que a sanação da acusação manifestamente insuficiente na fase de julgamento só pode ter lugar através de uma alteração substancial dos factos – vide em casos em tudo idênticos o ac. do STJ de 15.02.1995, in CJ, Acs. do STJ, III, 1, 219; de 11.07.1990, in BMJ, 399, 238; e o Ac. do TRop de 26.05.1993, in CJ, 1993, 3, 246.
Ora, tendo apenas havido recurso do arguido não é possível reenviar o processo para novo julgamento, visando averiguar os elementos em falta, por inexistir o acordo a que se faz referência no n.º3, do art. 359º, do CPP.
Assim e em conclusão, tendo o recurso sido interposto pelos arguidos e, portanto, no seu exclusivo interesse, resulta que uma eventual anulação do julgamento para ampliação da matéria de facto, visando a averiguação de elementos em falta desde a acusação, violaria o princípio da acusação e o disposto no artigo 359º do CPP.
Por tudo isto, entendemos que dada a falta dos elementos em causa se impõe a absolvição do arguido José Bernardo Pinto da prática deste crime, como defende o recorrente, já que os factos dados como provados são insuficientes para integrarem a prática pelo arguido José Bernardo do crime de frustração de créditos do art. 88º, nº 2, do RGIT pelo qual foi condenado.
Procede, assim esta questão em relação aos recorrentes E… e D….
*
3.3 - Medida da pena.
Sustenta a arguida B… que sendo o crime pelo qual vem condenada punido com prisão até dois anos ou multa até 240 dias e tendo o Tribunal optado pela pena de multa, a pena que lhe foi aplicada de 300 dias de multa é superior ao limite máximo legal previsto para o crime em causa. Pugna por uma pena de 100 dias de multa.
A Excelentíssima PGA entende que uma vez que a conduta da arguida B… fica confinada à venda dos veículos automóveis da sociedade arguida e atenta a menor ilicitude da conduta da arguida, por via da absolvição dos restantes factos ou seja da doação dos imóveis, bens pessoais próprios, entende que a pena de 100 dias de multa propugnada pela recorrente se mostra adequada e de acordo com os critérios legais.
A pena que cabe ao crime praticado pela recorrente B… é, atento o disposto no art. 88º, n.º1, do RGIT pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.
Sobre a medida concreta da pena discorreu-se, na sentença.
«…No critério da escolha da pena, se ao crime forem aplicáveis pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta se mostre capaz de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, nº1, do C. Penal).
Ora, as exigências de prevenção geral são, no caso, de grau elevado devido a prática das condutas descritas porem em causa a “máquina tributária do Estado” e as suas funções; quem actua da forma prescrita demonstra um total desrespeito pelo Estado social (que é o bem jurídico defendido), sendo que em causa não está a fuga aos pagamentos em si, mas a tentativa de frustração do património estadual, património pertencente à comunidade em geral para a prossecução dos fins subjacentes à Constituição, é premente sancionar este tipo de ilícito. Acresce o facto de os arguidos (segundo, terceiro e quarto) já terem sofrido incriminações por crimes de natureza fiscal, cuja prática se interrelaciona com os factos em discussão nestes autos.
Importa também considerar, o valor em dívida ao Estado, elevadíssimo, conjugado com o valor do património que transferiram para obstar a cobrança coerciva, à intensidade do dolo dos arguidos, às motivações das suas condutas, à sua condição pessoal e económica.
Será caso de dar preferência à aplicação da pena de multa, por a mesma ainda realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da pena, atento o circunstancialismo dado como provado.
Por todo o exposto, os arguidos B… (…) serão…, condenados:
- na pena de trezentos (300) dias de multa, à taxa diária de € 10, o que perfaz o montante total de € 3000. (…)»
Valem aqui as considerações efectuadas pela douta sentença, quanto à escolha da pena que, aliás, não foi posta em causa pela recorrente.
Dentro da moldura abstracta da pena impõe-se encontrar o quantum concreto de pena em que a arguida deve ser condenada, tendo em atenção que a culpa estabelece o máximo de pena concreta que não pode, em caso algum, ser ultrapassado. Assim, até ao máximo consentido pela culpa, é a prevenção geral positiva ou de integração que vai determinar a medida da pena, criando uma moldura de prevenção, dentro da qual atuarão as finalidades de prevenção especial.
Escolhida a pena de multa, impõe-se, então determinar, dentro da moldura penal abstrata, a medida concreta da pena, seguindo-se, o critério geral do art. 71º, nº 1: sendo essa determinação feita “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.
Desta forma, ponderam-se em desfavor da recorrente:
- O grau médio/elevado da ilicitude do facto, atenta o o valor em dinheiro que o Estado se viu impedido de realizar devido à venda dos automóveis em causa.
- A intensidade do dolo da arguida - o dolo específico.
- Elevadas exigências de prevenção geral, atenta a frequência com que são cometidos hoje em dia, crimes que lesam, em última instância, o património do Estado, constituído pelo produto proveniente das receitas tributárias.
- A condenação, por sentença, transitada em julgado, pela prática em 17.11.2008, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 300 dias de multa; de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 100 dias de multa e pela prática em 01.12.2008 de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 120 dias de multa, e por consequência algumas exigências de prevenção especial
Ponderam em favor da arguida:
- Estar integrada social e familiarmente – vive com os pais -, ter formação profissional – curso profissional de turismo - embora, actualmente e há cerca de quatro anos, desempregada.
Após ponderação global das referidas circunstâncias, à luz dos critérios expostos, entende-se adequada, proporcional e necessária uma pena de multa de 150 dias de multa à taxa diária de 10,00€ (taxa) que não foi posta em causa, pela recorrente.
Procede, assim, parcialmente, a questão da redução da pena de multa.
*
III- Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento aos recursos interpostos pelos recorrentes D… e E…, com a absolvição dos mesmos arguidos do crime de frustração de créditos p. e p. pelo art. 88º, n.º2, do RGIT em que vinham condenados.
Conceder parcial provimento ao recurso da recorrente B…, com o entendimento de que a sua actuação na doacção dos seus bens próprios, ao tempo da doacção, não integrava o crime de frustração de créditos, p. e p. pelo artigo 88º, n.º1, do RGIT com a consequente redução da pena de multa em que vem condenada.
Em consequência condenar a arguida B…, pela prática de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art. 88º, n.º1, do RGIT, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 10,00€.
Por extensão dos efeitos do recurso da recorrente B… ao arguido C…, nos termos do art. 402º, n.º2, al. a) e 403º, n.º2, al. e) do CPP, absolve-se o arguido C… do crime de frustração de créditos p. e p. pelo art. 88º, n.º1, do RGIT, em que vinha condenado.
Sem custas - art. 513º n.º 1, a contrario, do Cód. Proc. Penal.
*
[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP]
Porto, 28 de Maio de 2014
Maria Dolores da Silva e Sousa - Relatora
Fátima Furtado – Adjunta