Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
216/11.4TUBRG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: DECLARAÇÕES DE PARTE
VALORIZAÇÃO
Nº do Documento: RP20140915216/11.4TUBRG.P1
Data do Acordão: 09/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: As declarações de parte [artigo 466º do novo CPC]– que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

PROCESSO Nº 216/11.4TUBRG.P1
RG 407

RELATOR: ANTÓNIO JOSÉ ASCENSÃO RAMOS
1º ADJUNTO: DES. EDUARDO PETERSEN SILVA
2º ADJUNTO: DES. PAULA MARIA ROBERTO

PARTES:
RECORRENTE: B…
RECORRIDAS:“COMPANHIA DE SEGUROS C…, S.A.” E “D…, LDA.”

VALOR DA ACÇÃO: € 33.890,58
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Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
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I – RELATÓRIO
1.
Frustrada a tentativa de conciliação, B…, casado, serralheiro civil, residente na Rua …, nº …, r/c, Braga intentou a presente acção emergente de acidente de trabalho, no Tribunal do Trabalho de Braga, contra “D…, LDA.”, com sede na Rua …, .., Lisboa e “COMPANHIA DE SEGUROS C…, SA.”, com sede na Rua …, Lote …, …, Palmela, pedindo a condenação das rés no pagamento de pensão de acordo com o grau de IPP já fixada pelo IML, nas indemnizações devidas pelos períodos de IT´s sofridos e ainda no reembolso de despesas efetuadas.
Alegou o autor, em síntese e com utilidade, que no dia 14.01.2010 trabalhava como serralheiro civil sob as ordens, direção e fiscalização da ré “D…”, mediante retribuição anual de 19,00 €/h, quando, numa obra em curso na cidade de Antuérpia (Bélgica), ao carregar uma vara de cerca de 12 metros, fez um movimento com os braços e o tronco a fim de segurar aquela barra, tendo sentido uma dor intensa e imediata na região lombar, ficando incapaz de fazer qualquer movimento, tendo sofrido traumatismo na região lombar.
As lesões descritas determinaram para o autor 150 dias de ITA, contados desde 15.10.2010 a 13.03.2011, data em que se consolidaram clinicamente, tendo o autor ficado a padecer de sequelas, as quais lhe determinam uma IPP de 3,00%.
Pese embora o autor tenha comunicado ao encarregado geral da obra da ré a verificação do acidente logo após o sucedido, este não disponibilizou ao autor qualquer tipo de assistência médica, pelo que o autor teve necessidade de recorrer pelos próprios meios aos serviços do Centro Médico da Cruz Vermelha, onde foi tratado.
Por não revelar sinais de melhoras, o autor regressou a Portugal no dia 24.10.2010,comunicando tal ao encarregado de obra da ré e chegado a Portugal o autor comunicou à ré patronal o acidente, tendo esta recusado a prestação de assistência médica ao autor e negando-se a comunicar à ré seguradora o acidente descrito.
Na data encontrava-se em vigor o contrato de seguro por acidente de trabalho celebrado entre a ré “D…” e a ré companhia de seguros, titulado pela apólice n.º……… na modalidade de prémio variável, pela retribuição de 1320,00 € x 14.
Em virtude de tal comportamento da ré patronal, o autor recorreu à sua médica de família e a consultas no hospital, tendo-se submetido a exames de diagnóstico, nomeadamente radiografia, TAC e a uma consulta de neurocirurgia e, por prescrição da médica de família, a tratamentos de fisioterapia, tendo para tais efeitos despendido quantias monetárias.
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2.
Citadas as Rés, ambas contestaram.
A entidade patronal alega a exceção da prescrição do direito do autor. Sem conceber impugnou tudo quanto o alegado pelo trabalhador, quer quanto à alegada retribuição, quer quanto à ocorrência do acidente de trabalho, pois desde logo nunca o mesmo foi comunicado à ré. Por outro lado, o autor, após regressar a Portugal faltou ao trabalho, apresentando como justificação certificado temporário de doença com menção de “doença natural” e assim se manteve 02.03.2011, data da alta e, após tal data, não mais compareceu ao trabalho. Conclui peticionando a improcedência da ação e a condenação do autor como litigante de má-fé.
A ré companhia de seguros contestou, e pese embora não negue a existência do contrato de seguro com base no qual é demandada nos presentes autos, impugna os factos alegados atinentes à verificação do mesmo e às respetivas consequências para a capacidade de trabalho do autor, porquanto tal acidente nunca lhe foi participado.
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3.
O ISS, Centro Distrital de Braga, deduziu, a fls. 232 e ss. pedido de reembolso contra as aqui rés, uma vez que em virtude dos períodos em que o autor esteve temporariamente incapaz para o trabalho procedeu ao pagamento, ao mesmo, de subsídio de doença em montante cujo reembolso ora peticiona daquelas.
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4.
Respondeu o Autor, quanto à alegada exceção de prescrição.
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5.
Foi proferido despacho saneador onde se relegou para a fase da sentença o conhecimento da excepção de prescrição, julgando-se improcedente a invocada nulidade.
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6.
Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo:
“Pelo exposto, e sem necessidade de outras considerações, julga-se a presente ação totalmente improcedente, e consequentemente absolvem-se as rés dos pedidos formulados nos presentes autos pelo autor, bem como do pedido de reembolso deduzido pelo ISSS – Centro regional de Braga.
*
Custas pelo autor, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi atribuído.”
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7.
Inconformado com esta decisão o Autor veio interpor recurso, pedindo a revogação da sentença, assim concluindo:
I. O recorrente não pode conformar-se com a sentença proferida pela Meritíssima Juiz a quo, ao decidir como decidiu.
II. o Autor, ora Recorrente, que trabalhava como serralheiro civil sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré D,…, ora Recorrida, no exercício dessa actividade numa obra em curso na cidade de Antuérpia (Bélgica), ao carregar uma vara de cerca de 12 metros, fez um movimento com os braço se o tronco a fim de segurar aquela barra, tendo sentido uma dor intensa e imediata na região lombar, ficando incapaz de fazer qualquer movimento, tendo sofrido traumatismo na região lombar.
III. Com efeito a lesão sofrida, foi uma lesão interna, não tendo a visibilidade de um corte ou fractura, não tendo, portanto, exigido cuidados imediatos ou aparatosos.
IV. No entanto, atendendo aos relatórios e perícias médicas as lesões sofridas pelo recorrente são perfeitamente consonantes com o sinistro e sua mecânica.
V. A verdade é que o A. não conseguiu recolher ou indicar elementos probatórios que ajudassem a comprovar a sua versão, na medida em que os demais elementos presentes no sinistro simplesmente se recusaram a colaborar e trazer a sua versão dos factos, quer por medo de represálias, porquanto ou são trabalhadores da Patronal ou têm expectativa de o virem a ser.
VI. As declarações de parte tomadas nos termos do artigo 466º do CPC não podem ser tomadas pelo Tribunal como um elemento nefasto para o seu requerente.
VII. Com efeito, de toda a prova produzida, o depoimento do Autor foi o único depoimento credível, coerente e cabal, o qual assim deveria ter sido valorado.
VIII. No seu depoimento o recorrente descreve detalhadamente toda a mecânica associada ao sinistro, a dor, a lesão e os seus efeitos.
IX. Descreve ainda o que sucedeu após o sinistro, a sua incapacidade e a incapacidade de a R. Patronal tratar os seus trabalhadores como pessoas e não como objectos…
X. Diz a experiencia comum que uma lesão ao nível vertebral, articular ou muscular apenas se manifesta várias horas depois do facto que a provoca. Vejam-se por exemplo os acidentes de viação, em que o sinistrado é imobilizado e só com exames complementares de diagnostico se detectam as lesões.
XI. O depoimento do Autor foi verdadeiro e espontâneo e em nenhum momento entrou o Autor em qualquer contradição ao contrário do que a Meritíssima Juiz a quo sustentou.
XII. Basta escutar com atenção o depoimento do Autor para constatar que não houve qualquer afirmação feita de forma titubeante, vaga ou pouco precisa, muito menos em relação ao momento do sinistro.
XIII. Deverá ainda dar-se como devidamente provado qual a retribuição auferida pelo A., porquanto resulta de forma clara e inequívoca nos extractos juntos com a primeira petição inicial o valor efectivamente recebido pelo A.
XIV. O facto de se tratar de um sinistro que atendendo ao tipo de lesões provocadas não é de todo manifesto exteriormente, é outra circunstância que não abona em nada o Autor, sendo necessário valorar toda a prova documental junta, que inclui relatórios médicos, tratamentos de fisioterapia, radiografias, TAC’s, consultas de neurocirurgia, e ainda o relatório do Gabinete de Medicina Legal.
XV. Não pode ser escamoteada a lesão sofrida pelo Autor ainda para mais atendendo ao que é sustentado no relatório do exame médico realizado pelo Gabinete de Medicina Legal que admite o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano.
XVI. A lesão constatada no local e no tempo de trabalho (...) presume-se consequência de acidente de trabalho.” (nº 1) 10.º da Lei nº 98/2009.
XVII. A argumentação do Autor no presente recurso, deverá ser dado como provado os pontos i), ii), iii), iv), v), vi), xii), xiii) e xiv) e, assim, merecer o presente recurso o efectivo deferimento.
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8.
A Ré Seguradora apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso
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9.
A Exª Procuradora-Geral Adjunta deu o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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10.
Respondeu a Ré conformando-se com o entendimento perfilhado pela Exª Procuradora-Geral Adjunta.
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11.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II – QUESTÕES A DECIDIR

Tendo em conta que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações do recorrente - artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho -, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:
1 - ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
2 – E, EM FACE DESSA ALTERAÇÃO, A EXISTÊNCIA DO ACIDENTE DE TRABALHO E A PROCEDÊNCIA DA ACÇÃO.
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III – FUNDAMENTOS
1. SÃO OS SEGUINTES OS FACTOS QUE A SENTENÇA RECORRIDA DEU COMO PROVADOS:
1. O autor B… nasceu no dia 13.12.1949. (al. A) da matéria de facto assente)
2. Na data de 14.01.2010 o autor trabalhava como serralheiro civil sob as ordens, direcção e fiscalização da ré “D…”, mediante retribuição anual de, pelo menos, 18.480,00 € (1.320,00 € x 14). (al. B))
3. Na data de 14.01.2010 encontrava-se em vigor o contrato de seguro por acidente de trabalho celebrado entre a ré “D…” e a ré companhia de seguros, titulado pela apólice n.º ……… na modalidade de prémio variável, pela retribuição referida em B). (al. C))
4. O autor é beneficiário da Segurança Social através do Centro Distrital de Braga, inscrito sob o n.º ………... (al. D))
5. O CDSS de Braga pagou ao autor o montante de 3.039,54 € a título de subsídio de doença pelo período em que o mesmo esteve incapacitado para o trabalho desde 25.10.2010 a 02.03.2011. (al. E))
6. A ré patronal não comunicou à ré seguradora o acidente descrito no artigo 1º da BI.(al. F))
7. O autor apresenta lombalgia residual, a qual corresponde uma IPP de 3 %.
8. O autor regressou a Portugal no dia 24.10.2010, comunicando tal ao encarregado de obra da ré. (resposta dada ao artigo 12º da BI)
9. O autor recorreu à sua médica de família, Dr.ª E…. (resposta dada ao artigo 15º da BI)
10. Nas consultas no hospital e médico de família despendeu o autor o montante de 38,25 €. (resposta ao artigo 16º da BI)
11. O autor, por prescrição da médica de família, submeteu-se a trata de fisioterapia.(resposta ao artigo 17º da BI)
12. Nos tratamentos referidos no artigo 17º, despendeu o autor a quantia de 332,20€. (resposta ao artigo 18º da BI)
13. O autor submeteu-se a exames de diagnóstico, nomeadamente radiografia, TAC e a uma consulta de neurocirurgia. (resposta ao artigo 19º da BI)
14. Nos exames e consulta referidos no artigo 19º despendeu o autor a quantia de 100,55 €. (resposta ao artigo 20º da BI)
15. No âmbito dos presentes autos o autor deslocou-se a este tribunal nos dias 01.04.2011, 28.10.2011, 2.12.2011, 12.12.2011 e 27.01.2012 e ao GML no dia 05.08.2011,no que despendeu em transportes para o efeito um total de 10,00 €. (resposta ao artigo 21ºda BI).
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2.
Cabe, então, resolver as questões que nos foram trazidas pelas recorrentes.
2.1.
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

2.1.1.
Pretende o recorrente que os pontos i), ii), iii), iv), v), vi), xii), xiii) e xiv) e, deverão ser considerados provados, com base no seu depoimento pessoal em conjugação com toda a prova documental junta.

Vejamos:
A reapreciação, pela Relação, com base em meios de prova com força probatória não vinculativa, da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto deverá ser feita com o cuidado e ponderação necessárias, face aos princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova[1].
Com efeito, inúmeros são os factores relevantes na apreciação da credibilidade do teor de um depoimento que só são apreensíveis pelo julgador mediante o contacto direto com os depoentes em audiência. Embora a reapreciação da matéria de facto, no que ao Tribunal da Relação se reporta, esteja igualmente subordinada ao princípio da livre apreciação da prova e sem limitação (à excepção da prova vinculada) no processo de formação da sua convicção, deverá ela, no entanto, ter em conta que dos referidos princípios decorrem aspectos de relevância indiscutível (reacções do próprio depoente ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões) na valoração dos depoimentos pessoais que apenas são, ou melhor são, perceptíveis pela 1ª instância. À Relação caberá analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova gravada e demais elementos de prova constantes dos autos, se as respostas dadas apresentam erro evidenciável e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimento comuns e, bem assim, ponderando embora as mencionadas limitações, formar a sua convicção, não bastando para eventual alteração diferente avaliação que o Recorrente possa fazer quanto à prova testemunhal produzida.

Os pontos factuais que o recorrente pretende ver co o provados têm o seguinte teor:
i) Na data referida em B), pelas 15:00 h, em Antuérpia, Bélgica, ao carregar uma vara de cerca de 12 metros, o autor fez um movimento com os braços e o tronco a fim de segurar aquela barra, tendo sentido uma dor intensa e imediata na região lombar, ficando incapaz de fazer qualquer movimento. (artigo 1º da Base Instrutória)
ii) Como consequência direta e necessária do descrito no artigo 1º da BI, sofreu o autor traumatismo na região lombar. (artigo 2º da BI)
iii) As lesões descritas no artigo 3º da BI determinaram para o autor 150 dias de ITA, contados desde 15.10.2010 a 13.03.2011. (artigo 3º da BI)
iv) As lesões descritas no artigo 2º da BI consolidaram-se clinicamente no dia 13.03.2011. (artigo 4º da BI)
v) Como consequência direta e necessária das lesões descritas no artigo 2º da BI, ficou o autor a padecer de sequelas. (artigo 5º da BI)
vi) Pese embora o referido em B) da matéria de facto assente, a ré “D…” pagava ao autor, a título de retribuição, o montante anual de 63.840,00 € (19,00 € x 8 h/dia x 30 dias x 14 meses). (artigo 7º da BI)
viii O autor comunicou ao encarregado geral da obra da ré o descrito no artigo 1º da BI, logo após o sucedido. (artigo 8º da BI)
ix) O encarregado da ré não disponibilizou ao autor qualquer tipo de assistência médica. (artigo 9º da BI)

O Tribunal a quo deu tais factos como não provados com a seguinte fundamentação:

Pretende o recorrente provar os factos acima enumerados com base nas suas próprias declarações (em conjugação com a prova documental), pois como ele próprio afirma nas suas alegações «[r]econhece o recorrente que a prova foi escassa e se subsumiu ao seu depoimento e aos relatórios médicos».

Como é sabido compete ao sinistrado a prova da ocorrência do acidente de trabalho (artigo 342º, nº 1 do CC). Sendo certo que o artigo 10º da lei nº 98/2009, de 1/9 dispõe que:
“1 — A lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho.
2 — Se a lesão não tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele.”

No caso, as lesões não foram reconhecidas a seguir ao acidente (cuja existência se discute e não se encontra provado). Assim, cabe ao recorrente a prova da ocorrência do acidente, bem como a prova de que as lesões por ele sofridas são fruto do aludido acidente.

O Autor pretende que com base nas suas declarações prestadas ao abrigo do artigo 466º do CPC, os aludidos factos sejam dados como provados:
O Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.6., que entrou em vigor no dia 1.9.2013 [art. 8º], estabelece no seu artigo 466º, nº 1 que «[a]s partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.»
Tais declarações serão livremente apreciadas pelo tribunal na parte em que não representem confissão – cfr. art. 466º, nº 3.
Na sentença recorrida no que se refere à motivação da matéria de facto relacionada com esta questão referiu-se que “Os meios de prova apresentados pelo autor em sede de audiência de discussão e julgamento resumiram-se ao depoimento da testemunha F… e às suas próprias declarações, requeridas e prestadas ao abrigo do atual regime previsto no artigo 466º do CPC.
Sobre o autor impendia desde logo, e acima de tudo, a prova da verificação do acidente e das lesões do mesmo resultantes, por se tratar de factos constitutivos do seu direito de obter por parte do tribunal uma sentença condenatória das rés no pagamento das prestações a que força da LAT teria direito e ainda ao reembolso das despesas efetuadas com vista à recuperação do seu estado de saúde e capacidade de ganho. E conseguiu cumprir tal ónus? Desde já se responderá de forma negativa a tal questão.
Com efeito, a testemunha F… não presenciou a ocorrência do alegado acidente, tendo tão-somente visto o autor, em determinado dia do mês de Outubro de 2010,a sair da obra a coxear, a “andar com muitas dificuldades”. O que esta testemunha relatou quanto à verificação do alegado acidente foi baseado com comentários que ouviu na obra, pese embora não tenha logrado identificar ninguém em concreto que lhe tenha transmitido tal informação, e nas conversas que posteriormente veio a ter com o aqui autor na viagem de regresso a Portugal que ambos fizeram no dia 24.10.2014. Ora, a origem das lesões que poderão ter demandado para o autor tais dificuldades na marcha, quer no suposto dia do acidente, quer posteriormente já no aeroporto onde se encontraram, poderiam ter sido inúmeras, quer extrínsecas, quer intrínsecas ao organismo do autor.
Por seu turno, as declarações do autor, que não se encontram subtraídas ao princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, não nos mereceram a credibilidade que o autor pretendia transmitir, desde logo ao requerer a prestação das mesmas. Com efeito, entrou o autor em várias discrepâncias quanto à descrição da dinâmica do acidente, pois que começou por afirmar que se encontrava com mais dois colegas de trabalho a pegar numa vara de cerca de 15 m, tendo mais tarde afirmado que afinal eram já 4 trabalhadores a efetuar tal trabalho. Depois afirmou, de forma um pouco titubeante, que tal se verificou da parte da tarde do dia 14.10.2010. Mais adiante nas suas declarações apenas afirmou que sentiu uma dor forte quando se encontrava a fazer força ao elevar a tal vara, sem que contudo tenha especificado a zona concreta do corpo em que sentiu tal dor.
Se, por um lado, poderíamos considerar que tais inexatidões se deviam ao lapso de tempo entretanto decorrido, o certo é que não poderemos descurar as demais incongruências decorrentes das declarações do autor quando em confronto com a factualidade que o mesmo alega nos presentes autos e que consubstanciam a causa de pedir para a presente ação. Na verdade, e em total contradição com o alegado, o autor afirmou que não deu de imediato conhecimento do acidente ao encarregado da obra, tendo-o apenas feito no dia 18, cerca de 4 dias depois, e que na ocasião apenas lhe transmitiu “eu não consigo andar, não consigo trabalhar”. Acresce que o autor declarou ainda que face ao que transmitiu então ao encarregado, o mesmo determinou que um outro trabalhador da ré patronal o levasse ao posto da “Cruz Vermelha”, local onde habitualmente os trabalhadores daquela recebiam assistência quando vítimas de acidentes de trabalho, tendo sido ainda aquela ré quem, na ocasião, custeou as despesas de tal assistência. Por último, diga-se que o declarado pelo autor no sentido de, ainda em Antuérpia, ter telefonado para os escritórios da ré patronal, ocasião em que falou com a testemunha G…, dizendo-lhe “põe-me no seguro”, tendo aquele respondido “nem penses”, não faz muito sentido. Diz-nos as regras da experiência e a normalidade das coisas, que encontrando-se os trabalhadores deslocados para o estrangeiro o seu interlocutor com a entidade patronal é o encarregado de obra, reportando os trabalhadores, a este, todos e quaisquer assuntos. Por tal razão, terá o autor comunicado àquele encarregado que não já conseguia trabalhar mais, tendo sido também junto do encarregado que solicitou o seu regresso a Portugal. Se assim não fosse, também a propósito de todos estes assuntos teria telefonado ao referido G… para que o mesmo tomasse as devidas diligência. E não o fez…
Se é certo que a testemunha arrolada pela ré patronal nos mereceu também algumas reservas quanto à sua credibilidade, atenta a forma como depôs, parecendo-nos receosa na resposta que dava a algumas questões que lhe foram colocadas, demonstrando nervosismo perante as contra instâncias que lhe foram feitas, o certo é que não era sobre a ré patronal que incumbia a prova da ocorrência do acidente e esta, por tudo o que ficou dito, não se mostra nos autos feita por quem, sobre si, tinha tal ónus da prova.
E contra esta nossa conclusão não se diga que o parecer maioritário dos senhores peritos que integraram a junta médica foi no sentido de que se se verificou o acidente. Os senhores peritos, de forma maioritária apenas defenderam que dos elementos clínicos constantes dos autos resulta que o sinistrado, à data de 14.10.2010, sofreu lombalgia de esforço, mas já não que tal lombalgia se verificou no tempo e local de trabalho, pois tal factualidade encontra-se subtraída ao parecer pericial, reservado para outros meios de prova, mormente testemunhal. Acresce que os elementos clínicos constantes dos autos nenhum deles se reporta ao especifico dia 14.10.2010, mas antes são posteriores e reportados a tal data – vide fls. 7 a 13 e 30 a 36. O documento junto a fls. 91 não se encontra traduzido para língua portuguesa, competindo ao seu apresentante, caso pretendesse do mesmo valer-se, apresentar a competente e certificada tradução, pelo que não poderá ser considerado pelo tribunal. Mas ainda que assim se não entenda sempre se dirá que do mesmo não resulta que no dia 14.10.2010 o autor tenha sofrido qualquer acidente (de trabalho) pois que as datas referidas em tal documento, ainda que com “??” acoplados, é a data de “18.10.2010”, bem como a data de 19.10.2010, e tal documento encontra-se, ademais, datado de 10.02.2012. Por seu turno, os documentos de fls. 105 e 107 (Relatórios de exame médico) reportam-se a exames realizados a 27.10.2010 e 19.11.2010, já em Portugal. Por último, o documento de fls. 109, referente a informação clínica da “Clínica
Neurológica e da coluna Vertebral” quanto ao aqui autor, tem mais uma “preciosidade”, que entendemos dever transcrever: “Senhor com 60 anos de idade. Trabalha com ferro em refinaria. Pelo dia 16 de Outubro e após esforço sentiu lombalgia (…)”. Acreditando que foi o autor quem prestou tal informação histórica ao médico subscritor de tal documento, e que o mesmo se encontra datado de 25.11.2010, em data muito próxima da verificação do alegado acidente, muito se estranha que a data aí indicada pelo próprio autor como sendo a da eclosão do referido acidente não seja coincidente com a trazida aos presentes autos. Em que ficamos então? Parece-nos então que nem o autor sabe em que dia terá sofrido o alegado acidente!!!
Da mesma forma não logrou o autor provar a retribuição mensal por si alegada, à razão de 19 €/h, pois que a apontada testemunha F…, pese embora tenha referido que a remuneração era calculada com base na hora de trabalho, afirmou que em média, por mês auferia cerca de 2.000,00 €, montante esse muito distante dos alegados cerca de 3.344,00 € mensais (19 € x 8 hx 22). A resposta “não provado” à matéria constante do artigo 22º da BI teve em conta o depoimento de tal testemunha F…, a qual afirmou que era a ré patronal quem suportava todas as despesas inerentes a transporte, viagem e alojamento, bem como as regras da experiência e a normalidade das coisas em situações similares à dos autos: estando o trabalhador deslocado em obra para o estrangeiro, tais encargos recaem sobre a entidade patronal.”

Ora, subscrevemos na quase totalidade estas considerações, com os seguintes esclarecimentos. Na verdade, entendemos que as declarações de parte – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado, mesmo sem considerarmos as incongruências relatadas. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.
Por estas razões, concordamos com o decidido, e inexistindo outros meios de prova que minimamente corroborem a versão da parte, o mesmo não deve ser valorado, sob pena de se desvirtuar na totalidade o ónus probatório e que as acções se decidam apenas com as declarações das próprias partes. Ao contrário do que alega o recorrente os documentos médicos juntos aos autos não têm a virtualidade – nem nunca a poderão ter – de considerarem que as lesões apresentados por este são fruto de um determinado acidente. Tal matéria de facto está subtraída aos respetivos médicos e peritos. E não é pelo facto de se dizer que as lesões descritas são compatíveis com a dinâmica de um acidente de trabalho relatado pelo próprio sinistrado, que se deve dar como provada a sua existência. Na verdade, o mesmo pode ter várias origens compatíveis com as lesões, que não o próprio acidente de trabalho.
Por outro lado, salvo o devido respeito, não vislumbramos a impossibilidade de prova do acidente de trabalho nas circunstâncias relatadas pelo recorrente, até porque existia contrato de seguro válido.
Assim sendo, mantêm-se as respostas dadas.
Ora, como a procedência do restante recurso, dependia da alteração da matéria de facto, e improcedendo esta, prejudicado fica o conhecimento do restante.
Assim, sem mais de longas, improcede o recurso.
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3.
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
As custas do recurso ficam a cargo do Recorrente/Autor [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil], sem prejuízo do apoio judiciário que lhe tenha sido concedido.
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IV.
DECISÃO
Em conformidade com os fundamentos expostos, acordam os juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em:
a) Julgar improcedente o recurso interposto pelo Autor B… e, em consequência manter a sentença recorrida.
b) Condenar o Recorrente B… no pagamento das custas do recurso, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe tenha sido concedido.
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Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663º, nº 7 do actual CPC.
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Processado e revisto com recurso a meios informáticos.

Porto, 15 de Setembro de 2014
António José Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
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[1] Na livre apreciação das provas, o juiz julga segundo a sua livre e prudente consciência a respeito de cada facto, removendo, muitas vezes, um “nevoeiro” que afasta a clara visibilidade de um determinado ângulo (depoimento limpo), socorrendo-se para tal da força da impressão que lhe causaram todas as provas, isoladamente ou no seu conjunto, numa visão prudente face à normalidade dos fenómenos [Ac. do STJ de 27/05/2010, processo 182/2001.S1, dgsi.pt].
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SUMÁRIO – a que alude o artigo 663, nº 7 do CPC
As declarações de parte [artigo 466º do novo CPC]– que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.

António José Ascensão Ramos