Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4597/16.5T8PRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LINA BAPTISTA
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
QUESTÕES DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA
Nº do Documento: RP201809254597/16.5T8PRT-C.P1
Data do Acordão: 09/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 847, FLS 38-52)
Área Temática: .
Sumário: I – As responsabilidades parentais, cujo conteúdo se encontra fixado no art.º 1878.º do Código Civil são um conjunto de poderes/deveres atribuídos legalmente aos pais no interesse dos filhos.
II - O conceito de “questão de particular importância” no exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio deve reservar-se para um número reduzido de situações, a interpretar casuisticamente. Esta aplicação apenas a casos existenciais restritos e graves justifica-se por razões de estabilidade na vivência dos menores e de prevenção de conflitos nas relações entre os ex-cônjuges.
III – A submissão de um menor a consultas de psicologia clínica, nos dias de hoje, não deve considerar-se acto de particular importância, por se ter tornado num expediente corrente a que os pais recorrem crescentemente em casos de suspeitas de inadaptação social ou emocional.
IV - Actualmente, entende-se por alimentos tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, aqui se compreendendo também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor (cf. art.º 2003.º, n.º 1 e 2 do Código Civil).
V – Sendo o critério essencial a atender o das necessidades do menor, a medida da contribuição de cada progenitor depende da capacidade económica comparativa de cada um deles para prover às necessidades alimentícias daquele.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4597/16.5T8PRT-C.P1
Comarca: [Juízo de Família e Menores do Porto (J4); Comarca do Porto]

Relatora: Lina Castro Baptista
Adjunta: Alexandra Pelayo
Adjunto: Vieira e Cunha
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SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO

B..., residente na Rua ..., n.º .., Porto, instaurou a presente ação de alteração das responsabilidades parentais dos menores C... e D..., nascidos respectivamente em 16/07/2006 e 08/12/2010, contra E..., residente na Rua ..., n.º .., 2.º andar, Porto.
Alega, em síntese, que, desde a data em que foram reguladas as responsabilidades parentais dos menores (15/03/2016), se alteraram um conjunto de circunstâncias que impõem a alteração do regime fixado, quer no que tange ao regime de visitas fixado ao progenitor, que no que concerne a alteração de condutas e comportamentos por parte do mesmo, quer ainda no que tange à pensão de alimentos.
Expõe – entre o mais – ter tomado a iniciativa de levar a menor C... a consultas de psicologias.
No que concerne à pensão de alimentos, alega que o progenitor viu aumentado o seu vencimento de cerca de € 2.000,00 mensais para € 4.350,00 ilíquidos mensais.
Bem como que este deixou de pagar metade da mensalidade do empréstimo contraído pelo casal para aquisição da casa que foi morada de família, no valor de € 380,00,valor que passou a ser por si suportado.
Pede, designadamente, que seja aumentada a pensão de alimentos a pagar pelo Requerido para o valor total de € 700,00, sendo € 350,00 para cada uma das filhas.
Citado o Requerido, o mesmo veio apresentar alegações, opondo-se às alterações pretendidas e requerendo a fixação de regime provisório.
Entende haver necessidade de alteração do regime fixado, propondo o regime de residência alternada como o único capaz de responder às reais necessidades dos menores.
Foi realizada Conferência de pais, no âmbito da qual as partes chegaram a acordo sobre todos os pontos, excepto quanto a alimentos às crianças.
As partes vieram apresentar alegações, reiterando as alegações que já haviam produzido nos autos.
Entretanto, a 04/07/2017, o Requerido veio apresentar um requerimento nos autos alegando que os menores vêm sendo acompanhados por uma Sr.ª Psicóloga, F..., apenas única e exclusivamente por decisão unilateral da progenitora.
Diz que já, por diversas vezes, manifestou a sua oposição a este acompanhamento, pelo facto de esta Sr.ª Psicóloga ter adoptado uma posição parcial, com consequências nefastas para a saúde e bem-estar dos menores.
Pede que se ordene que a progenitora cesse as consultas de psicologia com a Sr.ª Psicóloga F... aos menores, sob pena da saúde e do bem-estar das crianças estarem a ser postos em causa.
Este requerimento foi indeferido por despacho, com o seguinte teor: “A frequência de consultas de psicologia não reveste carácter de facto de particular importância, pelo que não tem de ter o acordo do progenitor. Nessa medida indefere-se o requerido.”
Inconformado com este despacho, o Requerido interpôs recurso, pedindo que seja revogada a decisão proferida que indeferiu “liminarmente” o requerimento, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
1. O objecto do presente Recurso é, assim, o de saber se a frequência de consultas de psicologia é, ou não (como entendeu o Tribunal Recorrido), uma questão de particular importância na vida de um menor.
2. Os menores filhos do Recorrente – hoje com 11 e 6 anos de idade – vêm frequentando consultas de psicologia clínica, sem orientação médica e por decisão unilateral da mãe, indiferente à posição expressa do progenitor, já que não foi alcançada a necessária relação terapêutica, também, com este elemento essencial – o pai.
3. No entendimento do Tribunal a quo, segundo o qual a frequência de consultas de psicologia não constitui questão de particular importância e, como tal, não carece de acordo do pai, afronta os princípios e garantias fundamentais do direito convencional e constitucional português, ao relegar a saúde, in casu, a saúde psicológica, enquanto factor de estabilidade que permite um desenvolvimento salutar e uma plena realização de vida, para um acto de vida corrente.
4. Entendimentos como o espelhado naquela decisão legitimam uma multiplicidade de abordagens clínicas às crianças, posto que, a ser como se entende, qualquer um dos pais pode encetar os caminhos que bem entender na orientação psicológica dos filhos, conquanto que o faça no período em que com eles se encontrar.
5. A psicologia clínica é a área da actuação da psicologia que lida com a avaliação, diagnóstico e tratamento das doenças mentais e que visa promover mudanças de comportamento.
6. O progenitor Recorrente não poderá ser arredado de questões como o diagnóstico e tratamento de eventuais doenças mentais dos seus filhos, nem deixar de ser voz activa na promoção de eventuais mudanças de comportamento dos menores.
7. Tomando os pais as decisões relacionadas com a saúde física e a educação académica, assim como a educação desportiva, religiosa e cultura, e ainda a orientação vocacional e profissional (exercida por psicólogos em consultas particulares ou em grupo de psicologia) como questões de particular importância, será previsível que, em reflexão que ponha de lado os interesses e afectos pessoais dos progenitores, acordem que o acompanhamento psicológico se enquadrará na mesma categoria.
8. De acordo com o Relatório Clínico junto aos autos pela progenitora, a menor E... apresenta “mal-estar clinicamente significativo, nomeadamente, humor depressivo, choro fácil, desânimo, ansiedade muito acentuada, mal-estar emocional, sono agitado”, pelo que estamos perante uma questão de saúde mental de que o progenitor Recorrente não deve ser arredado.
9. Ao admitir este estado de perturbação em que se encontra a menor, sua filha, o pai não nega, o auxílio, como a psicóloga já deixou exarado, mas apenas pretende exercer a co-responsabilidade parental que lhe é atribuída e que lhe foi fixada para, em conjunto com a outra progenitora, enveredarem pelas diligências que sejam do melhor interesse da criança, através de um clínico imparcial.
10. A frequência de consultas de psicologia por parte dos menores deverá ser considerada uma questão de particular importância na vida da C... e do D....
11. A decisão proferida que veda ao progenitor Recorrente o direito a participar numa questão tão importante como a saúde mental dos seus filhos é discriminatória em função do entendimento incorrecto por parte do Tribunal a quo do que são as questões importantes na vida dos seus filhos, designadamente a de proporcionar àqueles as melhores condições para se desenvolverem de forma saudável, designadamente ao nível da sua relação com o pai.
12. O despacho sob recurso viola os artigos 36.º, n.º 5, 68.º, n.º 2 e 69.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, os princípios 2.º e 4.º da Declaração dos Direitos da Criança, os artigos 6.º, 14.º e 18.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, os artigos 8.º e 14.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, os artigos 1877.º, 1878.º, n.º 1, 1885.º, 1901.º, n.º 1, 2 e 3, 1902.º, n.º 1 e 2, 1906.º, n.º 1, do Código Civil e o artigo 44.º do Regime geral do Processo Tutelar Cível.
A Requerente veio apresentar contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Também o Ministério Público veio contra-alegar, pugnando pela improcedência do recurso, sustentando que, na falta de acordo dos progenitores sobre a frequência das consultas de psicologia, o Recorrente deveria ter lançado mão da acção autónoma prevista e tipificada no artigo 44.º do Regime Jurídico Geral ou Organização Quadro do Processo Tutelar Cível. E não pretender que no âmbito dos presentes autos se discuta uma questão que não pode ser apreciada nem faz parte do seu objecto.
Realizou-se audiência de julgamento e proferiu-se sentença, com a seguinte parte decisória “Por todo o exposto, o Tribunal decide quanto aos alimentos devidos a C... e D..., fixando-a nos termos seguintes: 1. Quanto a obrigação de prestação de alimentos, o pai pagará mensalmente, a quantia no valor de € 325,00 para cada uma das crianças, não podendo as despesas a seu cargo com as actividades extra (Ballet e outra actividade para o D...), à parte as respectivas mensalidades, ultrapassar o valor anual dos € 250,00 para ambas as crianças. 2. Este valor passará a ser devido a partir de Julho, inclusive, de 2018, altura em que cessam a maior parte dos compromissos com os créditos contraídos pelo requerido. No mais, mantém-se o anteriormente regulado.”
Inconformada com esta sentença, o Requerido interpôs recurso, pedindo que esta seja revogada e substituída por outra que, assente no princípio da igualdade entre os progenitores, julgue improcedente a alteração da regulação das responsabilidades parentais, mantendo-se o regime anteriormente acordado, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
1. O Tribunal errou na decisão quanto à matéria de facto, que se impugna, porquanto:
2. a) no facto n.º 7, o Tribunal dá como provado que a progenitora tem despesas com a mensalidade do empréstimo bancário para aquisição de habitação no valor de € 760,00, quando dos documentos juntos pela Requerente/Recorrida a 18-12-2017, Requerimento com a Ref.ª 17166856, a progenitora afirma pagar 326,62 + 243,96 + 85,22, o que totaliza € 655,80 (seiscentos e oitenta e cinco euros e oitenta cêntimos);
3. b) nos factos n.os 25 e 26, o Tribunal dá como provado que a progenitora tem inscrita em seu nome uma habitação na Póvoa de Varzim mas, em sede de fundamentação, refere que “embora em nome da requerente não é realmente dela, é a casa de morada de família de seus pais, que a usaram para poderem beneficiar de crédito bonificado, como tantos fizeram, não lhe trazendo quaisquer despesas ou rendimentos”. O Tribunal está vinculado ao valor probatório do registo predial lavrado com base em documentos autênticos e não foi produzida qualquer prova bastante que o infirmasse. Impunha-se, assim, valorar aquele imóvel como fazendo parte do património predial da Requerida/Recorrida.
4. c) O Tribunal incorreu em erro de cálculo ao afirmar que o Recorrente aufere uma média mensal de € 3.355,00 (em sede de fundamentação), quando na matéria de facto consta que aufere um ordenado líquido de € 2.400,00 (factos n.os 13 e 22), e que auferiu um prémio anual de € 6.660,00. Erro de cálculo, já que o prémio anual repartido pelos 12 (doze) meses do ano equivale a €555,00, donde, o rendimento médio mensal do Requerido é de € 2.955,00, resposta que se impunha.
5. Os progenitores acordaram no valor da pensão de alimentos de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) em Março de 2016 e, desde então, as despesas das crianças não sofreram alterações, pelo que não há fundamento para alterar a pensão de alimentos já fixada.
6. A progenitora Requerida assumiu, posteriormente àquela fixação, um encargo que, aparentemente, não pode pagar (a totalidade da prestação de um empréstimo), não devendo essa opção reflectir-se no montante de alimentos devido pelo pai aos filhos, já que não é uma despesa das crianças.
7. As crianças apresentam despesas correntes de € 359,37 cada um. Para estas mesmas despesas considerou o Tribunal “justo” que o progenitor contribuísse com € 325,00!!!
8. Com a sentença proferida, o progenitor Recorrente pagaria €325,00 e a progenitora €34,37!!! O pai 90% e a mãe 10%. É uma clara violação dos princípios da igualdade consagrados nos artigos 13.º, n.º 1, e 36.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, e nos artigos 1874.º, 1878.º, n.º 1, e 1879.º do Código Civil.
9. Ademais, a sentença condena o progenitor, ainda, a pagar metade das despesas de saúde e escolares (livros, material escolar, visitas de estudo) e uma actividade extracurricular para cada uma das crianças, mantendo, assim, a ostensiva desproporção da contribuição de cada um dos progenitores para o sustento das crianças.
10. A pensão “fixa”, os € 325,00/mês, sem acréscimos de outras comparticipações, já representa 60% de todas as despesas da C... que a progenitora elencou, incluindo as actividades (€534,00), e 82% de todas as despesas do D... (€394,00).
11. A progenitora não é uma indigente que não pode contribuir para o sustento dos filhos, já que aufere, por mês, rendimentos declarados na ordem de € 1.355,00 – cfr. facto provado n.º 27 - e tem dois imóveis registados em seu nome, totalizando um património predial com valor (fiscalmente relevante) superior a € 230.000,00.
12. Tanto assim que o progenitor Recorrente também tem despesas com a habitação que adquiriu para receber os seus filhos (o progenitor Requerente persegue a intenção de ver fixada uma residência alternada para os seus filhos) – facto 19.
13. Refere a douta sentença que “as crianças continuam a ter as mesmas despesas”. Porquê então alterar o valor dos alimentos se o mesmo, por referência às despesas das crianças, além de bastante, já reflecte a supremacia de rendimentos do pai? Com efeito, o valor “fixo” de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) corresponde a 69% das despesas fixas dos menores (€359,37).
14. O regime em vigor, antes da sentença, já obriga o pai a pagar 69%, quando a mãe só paga 31%. Percentagem, aliás, equivalente à diferença de rendimentos entre o pai (€2955,00 = 68%) e a mãe (€1354,38 = 32%)…
15. O Recorrente demonstra, através da matemática, que a pensão de alimentos fixada é excessiva e a alteração decretada não tem fundamento, pelo menos, no artigo 2004.º, n.º 1, do Código Civil – “a necessidade de quem houver de recebê-los”.
16. Não há, assim, qualquer necessidade alimentar das crianças que não esteja já suprida pelo quantum dos alimentos anteriormente fixado.
17. Consequentemente, a decisão proferida violou o princípio do caso julgado “rebus sic stantibus”, previsto no artigo 42.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o princípio da igualdade dos deveres decorrentes das responsabilidades parentais, previsto no artigo 36.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, e nos artigos 1874.º, 1878.º, n.º 1, e 1879.º do Código Civil, o disposto no artigo 2003.º e 2004.º, n.º 1, do Código Civil, quanto à medida dos alimentos, os artigos 371.º e 372.º do Código Civil e o artigo 446.º do Código de Processo Civil quanto à força probatória dos documentos autênticos e o artigo 342.º do Código Civil e os artigos 607.º, n.º 5, quanto ao ónus da prova e ao princípio da livre apreciação da prova.
A Requerente veio contra-alegar, pugnando pela improcedência do recurso.
Também o Ministério Público veio contra-alegar, pugnando pela improcedência do recurso.
O tribunal recorrido admitiu ambos os recursos como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Cumpre decidir.
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II—DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões dos recursos, são as seguintes:
• Modificabilidade da matéria de facto por reapreciação dos meios de prova produzidos;
• Qualificação da frequência de consultas de psicologia como questão de particular importância;
• Verificação da existência de factos supervenientes que justifiquem a alteração das responsabilidades parentais.
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III – MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO

Decorre do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil[1] que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa."
A Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art.º 607.º do CP Civil. Assim, após análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a Relação deve proceder a reapreciação da prova, de acordo com a própria convicção que sobre eles forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito material.
Tal como explica Abrantes Geraldes[2], "(…) sendo a decisão do Tribunal “a quo” o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação (…) a Relação, assumindo-se como verdadeiro Tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia. Afinal nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o Tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores da imediação e oralidade."
Descendo ao caso concreto, temos que o Recorrente sustenta que o tribunal errou na decisão quanto à matéria de facto, que se impugna, porquanto:
a) no facto n.º 7, o Tribunal dá como provado que a progenitora tem despesas com a mensalidade do empréstimo bancário para aquisição de habitação no valor de € 760,00, quando dos documentos juntos pela Requerente/Recorrida a 18-12-2017, Requerimento com a Ref.ª 17166856, a progenitora afirma pagar 326,62 + 243,96 + 85,22, o que totaliza € 655,80 (seiscentos e oitenta e cinco euros e oitenta cêntimos);
b) nos factos n.os 25 e 26, o Tribunal dá como provado que a progenitora tem inscrita em seu nome uma habitação na Póvoa de Varzim mas, em sede de fundamentação, refere que “embora em nome da requerente não é realmente dela, é a casa de morada de família de seus pais, que a usaram para poderem beneficiar de crédito bonificado, como tantos fizeram, não lhe trazendo quaisquer despesas ou rendimentos”. O Tribunal está vinculado ao valor probatório do registo predial lavrado com base em documentos autênticos e não foi produzida qualquer prova bastante que o infirmasse. Impunha-se, assim, valorar aquele imóvel como fazendo parte do património predial da Requerida/Recorrida.
c) O Tribunal incorreu em erro de cálculo ao afirmar que o Recorrente aufere uma média mensal de € 3.355,00 (em sede de fundamentação), quando na matéria de facto consta que aufere um ordenado líquido de € 2.400,00 (factos n.os 13 e 22), e que auferiu um prémio anual de € 6.660,00. Erro de cálculo, já que o prémio anual repartido pelos 12 (doze) meses do ano equivale a €555,00, donde, o rendimento médio mensal do Requerido é de € 2.955,00, resposta que se impunha.
Vejamos, quanto ao facto provado n.º 7 é do seguinte teor: “A progenitora tem as seguintes despesas mensais: a) Mensalidade do empréstimo bancário para aquisição da habitação - € 760,00; b) Água - € 35,00; c) Electricidade - € 109,00; d) Comunicações (TV, Internet e Telemóvel) - € 26,00; e) Transportes - € 90,00; f) Supermercado, média - € 500,00; g) Vestuário/calçado - € 130,00 (corresponde a um mínimo de € 400,00 por época e por cada filho); h) Refeições escolares e despesas escolares - € 37,00; i) Explicações da C... - € 75,00; j) Actividades extracurricular da C... – Ballet - € 60,00; k) Actividade extracurricular do D... – Natação - € 35,00; l) Seguros de saúde - € 41,80,44; m) Psicóloga da C... - € 40,00; n) Segurança Social - € 124,09; o) Ginásio da progenitora - € 42,40; p) Seguro de saúde da progenitora - € 33,23; q) Seguro, inspecção e imposto de selo anuais do carro - € 258,37; r) Seguro do recheio da casa - € 68,41; s) IMI anual € 486,00. Totalizam as despesas mensais da progenitora o valor global mensal de € 1 948,83.”
O respectivo teor tem, no entanto, que ser conjugado com o do Item 6) – sobre o qual não recaiu qualquer impugnação -, de onde decorre que “A casa que foi morada de família foi entretanto adjudicada à Requerente sendo esta quem suporta sozinha mensalmente tal encargo, no valor mensal de € 760,00.”
Assim, sem necessidade de mais considerações, mantém-se a redacção do Item 7) nos termos previstos na sentença recorrida.
Os Itens 25) e 26) são do seguinte teor: “A progenitora tem inscrito em seu nome uma habitação situada na Póvoa de Varzim.” e “Nessa habitação sempre habitaram os seus pais, sendo a sua casa de morada de família, os quais para obter benefícios com crédito para habitação decidiram usar o nome da sua única filha.”
Sendo certo que o tribunal está vinculado ao valor probatório do registo predial, é igualmente certo que este valor probatório não é absoluto, podendo e devendo ser conjugado com os demais elementos probatórios carreados para os autos, designadamente com os depoimentos das testemunha G... (pai da Requerente), H... (mãe da Requerente), I... e J... (amigas da Requerente), os quais foram peremptórios e credíveis ao explicar que a “casa da Póvoa de Varzim” sempre pertenceu e sempre foi habitada pelos pais da Requerente, tendo-se a mesma limitado a pedir o crédito em seu nome para beneficiar de condições mais vantajosas.
Em face destes elementos probatórios, decidimos manter a redacção dos Itens em causa pela forma respondida pelo tribunal a quo.
Por fim, não nos cabe atender – nesta sede – a eventuais erros de cálculo quanto ao vencimento mensal do Recorrente e prémio anual cometidos em sede de fundamentação de direito, relegando-se esta questão para a apreciação da verificação da existência de factos supervenientes que justifiquem a alteração das responsabilidades parentais.
A conclusão é, portanto, a da improcedência deste fundamento de recurso.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

São os seguintes os factos dados como provados na decisão recorrida:

1) O progenitor obrigou-se em decisão devidamente homologada a contribuir para cada uma das crianças com a quantia de €250,00 (duzentos e cinquenta euros) mensais, total €500,00 (quinhentos euros) a título de pensão de alimentos devidos às crianças, a pagar até ao dia 8 do mês a que respeitar através de depósito bancário para a conta que a mãe lhe indicar. O pai pagará, ainda, metade das despesas de saúde e escolares (livros, material escolar, visitas de estudo) e uma actividade extra-escolar para cada uma das crianças, relativas aos menores, na parte não comparticipada e sempre que devidamente documentadas. As despesas serão comunicadas até oito dias após a sua realização e serão pagas juntamente com a próxima prestação. A pensão acima fixada será actualizada em Janeiro do próximo ano e, posteriormente, todos os anos na mesma altura, de acordo com o índice anual de variação de preço ao consumidor, publicada pelo INE (taxa de inflação), no início de cada ano civil, sendo que, o índice de actualização será o anual e referente ao ano imediatamente anterior.
2) À data da fixação da pensão em vigor, o progenitor auferia cerca de € 2.000,00 mensais.
3) Actualmente aufere o valor mensal de € 4.350,00 ilíquidos.
4) Ao invés do que acontecia naquela data, o progenitor pagava metade da mensalidade do empréstimo contraído pelo casal para aquisição da casa que foi morada de família e onde a progenitora reside com os filhos, no valor de cerca de € 380,00.
5) O que deixou de fazer desde o passado mês de Setembro inclusive de 2016.
6) A casa que foi morada de família foi entretanto adjudicada à Requerente sendo esta quem suporta sozinha mensalmente tal encargo, no valor mensal de € 760,00.
7) A Progenitora tem as seguintes despesas mensais: a) Mensalidade do empréstimo bancário para aquisição da habitação- € 760,00;b) Água - € 35,00;c) Electricidade - € 109,00;d) Comunicações (TV, Internet e Telemóvel) - € 26,00;e) Transportes - € 90,00;f) Supermercado, média - € 500,00;g) Vestuário/calçado - € 130,00 (correspondente a um mínimo de € 400,00 por época e por cada filho);h) Refeições escolares e despesas escolares- € 37,00;i) Explicação da C... - € 75,00;j) Actividade extracurricular da C... - Ballet - € 60,00;k) Actividade extracurricular do D... - Natação - € 35,00;l) Seguros de saúde - € 41,80,44; m)psicóloga da C..., €40,00;n) segurança social€124,09;o) ginásio da progenitora,€42,40;p) seguro de saúda da progenitora€33,23;q) Seguro, inspecção e imposto de selo anuais do carro €258,37; r) seguro do recheio da casa€68,41;s) IMI anual €486,00.Totalizam as despesas mensais da progenitora o valor global mensal de €1.948,83.
8) Acrescem ainda despesas com o material escolar e despesas excepcionais com medicamentos e medicamentosas, caso um dos menores sofra alguma enfermidade.
9) A Requerente é arquitecta de profissão, infelizmente não tem rendimento mensal certo, sendo trabalhadora independente.
10) A requerente no ano de 2015 declarou ter auferido por prestação de serviços a quantia de 16.911,91 e o requerido a quantia € 55.488,42, ilíquidos, sendo que aquela nos dois anos imediatamente anteriores e respectivamente declarou €10.894,97 e €3.012,00.
11) Em Setembro de 2016 o requerido auferia ilíquidos 4.357,14 e líquidos a quantia de € 2.404,85, a que acresce os subsídios de natal e de verão.
12) A requerente exerce a actividade profissional independente como arquitecta e comissionista de robots de cozinha Bimby podendo auferir mensalmente a quantia de €600,00.
13) Presta serviços em regime de recibos verdes por trabalhos que sejam solicitados na área da sua especialidade, participando com outros profissionais em projectos, tendo participado de uma reportagem destinada a publicitar uma marca comercial que presta serviços também de arquitectura, aparecendo associada à marca ... através da empresa K..., prestadora de serviços e parceira da L... para a qual a requerente passa recibos verdes quando tem algum projecto em parceria com outros colegas
14) Aufere ainda abono de família de menores €81,60 mensais.
15) À mensalidade do ballet da filha acrescem gastos variáveis com exames, espectáculos e material, perfazendo uma média mensal de € 29,00.
16) O progenitor em Abril de 2017 tinha despesas com : renda de habitação no valor de € 302, 00, electricidade, €32,00, água, €15,00, lavandaria self-service, €60,00, Tvcabo, net e telefone €45,90, ginásio, €45,00, alimentação em média €250,00.
17) O progenitor adquiriu uma nova habitação em Maio de 2017, apartamento T3 em ..., Porto, passando a pagar mensalmente €511,13 de prestação de empréstimo bancário da habitação, €65,00 de condomínio e €145,00 anuais de seguro de riscos da habitação, para além dos valores que está obrigado a pagar a título da pensão de alimentos devida aos filhos .
18) A requerente socorreu-se de familiares para a obtenção da quantia de € 30.000.00 que entregou ao requerido para ficar com a casa de morada de família.
19) O Progenitor a certa altura pagava metade da amortização devida ao banco pela então casa de morada de família do ex-casal e a requerente a outra metade e a renda de sua casa para onde foi viver após a separação.
20) O progenitor como funcionário da firma M..., SA desde Maio de 2016 apresenta um vencimento mensal ilíquido de €4.422,50, recebendo anualmente um prémio por objectivos sendo que o prémio por si auferido relativo ao ano de 2016, pago em maio de 2017, totalizou €6.660,00.
21) O requerido contratou ainda créditos para aquisição de electrodomésticos, mobiliário e outras despesas, sendo o primeiro a amortizar mensalmente em 10 prestações cada uma de €126,57 com início em 15.08.2017, o segundo em 23.08.2017 a pagar em 12 prestações cada uma de €92,16 e o terceiro de €59,99 mensais com início em 15.11.2016 em 20 prestações a finalizar em Junho de 2018.
22) Por empréstimo obtido junto do N..., paga ainda mensalmente a quantia de € 71,36.
23) A progenitora tem inscrito em seu nome uma habitação situada na Póvoa de Varzim.
24) Nessa habitação sempre habitaram os seus pais, sendo a sua casa de morada de família, os quais para obter benefícios com crédito para habitação decidiram usar o nome sua única filha.
25) Em 2016 a requerente declarou o rendimento anual de € 16.252,50.
26) Todos os gastos inerentes ao uso da viatura da empresa cedida ao requerido são suportados pela sua entidade patronal, bem como seguros, IUC, portagens, alimentação e estadias, desde que relacionadas com o desenvolvimento da sua actividade laboral, sendo reembolsadas.

São os seguintes os factos dados como provados na decisão recorrida:

a) Que o progenitor pague uma média de €800.00/mês para as crianças.
b) Que o progenitor tenha despesas com combustível e portagens. c) Que a Requerente pague mensalmente a quantia de €150,00 para amortizar alegado empréstimo de €30.000.00 feito a familiares.
d) Que a requerente tenha arrendado um escritório para o exercício da sua actividade profissional com renda no montante de €100,00.
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V – QUALIFICAÇÃO DA FREQUÊNCIA DE CONSULTAS DE PSICOLOGIA COMO QUESTÃO DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA

O Recorrente, neste primeiro recurso, sustenta que os seus filhos – hoje com 11 e 6 anos de idade – vêm frequentando consultas de psicologia clínica, sem orientação médica e por decisão unilateral da mãe, indiferente à posição expressa do progenitor, já que não foi alcançada a necessária relação terapêutica, também, com este elemento essencial – o pai.
Entende que não poderá ser arredado de questões como o diagnóstico e tratamento de eventuais doenças mentais dos seus filhos, nem deixar de ser voz activa na promoção de eventuais mudanças de comportamento dos menores.
Defende que, tomando os pais as decisões relacionadas com a saúde física e a educação académica, assim como a educação desportiva, religiosa e cultura, e ainda a orientação vocacional e profissional (exercida por psicólogos em consultas particulares ou em grupo de psicologia) como questões de particular importância, será previsível que, em reflexão que ponha de lado os interesses e afectos pessoais dos progenitores, acordem que o acompanhamento psicológico se enquadrará na mesma categoria – devendo a frequência de consultas de psicologia por parte dos menores ser considerada uma questão de particular importância na vida da C... e do D....
Respondeu a Recorrida, em síntese, que o Recorrente foi por si auscultado sobre o início da frequência de tais consultas pela C... sem que tenha chegado a pronunciar-se.
Acrescenta que a Sr.ª Psicóloga foi consultada várias vezes pelo Requerido, antes e depois da primeira consulta da C..., quer presencial, quer por longas conversas de telefone.
Afirma que o Recorrente sempre foi informado das datas das consultas com a psicóloga, tendo sido convidado a participar nas mesmas de modo a potenciar a aproximação com os filhos, o que declinou.
Diz que, desde Junho de 2016, a filha C... é acompanhada pela psicóloga, nunca tendo o Recorrente colocado qualquer entrave ou demonstrado descontentamento com esta actividade, apesar de não participar na mesma.
Também o Ministério Público veio contra-alegar, pugnando pela improcedência do recurso, sustentando que, na falta de acordo dos progenitores sobre a frequência das consultas de psicologia, o Recorrente deveria ter lançado mão da acção autónoma prevista e tipificada no artigo 44.º do Regime Jurídico Geral ou Organização Quadro do Processo Tutelar Cível. E não pretender que no âmbito dos presentes autos se discuta uma questão que não pode ser apreciada nem faz parte do seu objecto.
Vejamos: decorre do disposto no art.º 1906.º, n.º 1, 3 e 6 do Código Civil[3], relativo ao exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, que “As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os cônjuges nos termos que vigoravam na constância do matrimónio (…)” e que “O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho, cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente (…), assistindo, no entanto, ao progenitor que não exerce às responsabilidades parentais o direito de ser informado.
A contraposição operante é feita, pois, entre “questões de particular importância” e “actos da vida corrente”.
Clara Sottomayor[4] explica que a noção de acto de particular importância “varia de acordo com a personalidade de cada criança e com os costumes de cada família.” e acrescenta, mais à frente, “Em caso de falta de acordo, a noção de referência para decidir da importância de um acto, que exige intervenção judicial, deve ter um conteúdo uniforme e limitado, por razões de segurança jurídica e para reduzir a conflitualidade entre ex-cônjuges. Este conceito de acto de particular importância deve ser, portanto, interpretado restritivamente sob pena de se criar demasiada incerteza para o progenitor residente e para terceiros.”
No mesmo sentido, refere Tomé d’Almeida Ramião[5] que “As denominadas questões de particular importância para a vida do filho, deverão estar relacionadas com questões existenciais graves, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos do filho, as questões centrais e fundamentais para o seu desenvolvimento, segurança, saúde, educação e formação, todos os actos que se relacionem com o seu futuro, a avaliar em concreto e em função das suas circunstâncias.”
Assim, e como também vem sendo defendido maioritariamente pela jurisprudência, o conceito de “questão de particular importância” deve reservar-se para um número reduzido de situações, a interpretar casuisticamente. Esta aplicação apenas a casos existenciais restritos e graves justifica-se precisamente por razões de estabilidade na vivência dos menores e de prevenção de conflitos nas relações entre os ex-cônjuges.
Descendo ao caso concreto, afigura-se-nos que a submissão dos menores a consultas de psicologia clínica, nos dias de hoje, não deve considerar-se acto de particular importância, por se ter tornado num expediente corrente a que os pais recorrem crescentemente em casos de suspeitas de inadaptação social ou emocional.
Deverá, portanto, considerar-se um mero acto da vida corrente, confiando-se no poder de decisão da progenitora com quem as crianças residem, que, por cuidar delas diariamente, presumivelmente conhecerá melhor as suas necessidades.
Aliás, no caso em análise, desconhecemos se – tal como alega a Requerente – a menor C... é, desde Junho de 2016, acompanhada por psicóloga, com o conhecimento do Recorrente e sem que este tenha colocado qualquer entrave ou demonstrado descontentamento com esta actividade, apesar de não participar na mesma.
No entanto, sabemos que logo no requerimento inicial deste apenso, em 25 de Outubro de 2016, a Requerente expôs – entre o mais – ter tomado a iniciativa de levar a menor C... a consultas de psicologias, sem que o Requerido tenha vindo tomar qualquer posição sobre esta alegação.
Mais sabemos que, apenas em 04 de Julho de 2017, o Requerido veio apresentar um requerimento nos autos insurgindo-se sobre o acompanhamento dos menores por psicóloga.
Assim, se não antes, pelo menos na ocasião da interposição deste requerimento inicial, deve presumir-se, por aplicação do disposto no art.º 1902.º, n.º 1, do C Civil, que a actuação da Requerente está conforme à vontade do Requerido.
Em suma, concordamos com a posição tomada pelo tribunal recorrido, nada havendo a questionar quanto à legitimidade da Requerente quanto à submissão dos menores a consultas de psicologia.
Improcede, por inerência, este fundamento de recurso.
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VI – VERIFICAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE FACTOS SUPERVENIENTES QUE JUSTIFIQUEM A ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS

O Recorrente pretende, em fundamento central do recurso da decisão final, que se julgue improcedente a alteração da regulação das responsabilidades parentais, mantendo-se o regime anteriormente acordado.
Expõe que os progenitores acordaram no valor da pensão de alimentos de € 250,00 em Março de 2016 e que, desde então, as despesas das crianças não sofreram alterações, pelo que não há fundamento para alterar a pensão de alimentos já fixada.
Alega que as crianças apresentam despesas correntes de € 359,37 cada uma e que, com a sentença proferida, o progenitor Recorrente pagaria €325,00 e a progenitora €34,37!!! O pai 90% e a mãe 10%.
Defende que a pensão de alimentos fixada é excessiva, sendo uma clara violação dos princípios da igualdade consagrados nos artigos 13.º, n.º 1, e 36.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, e nos artigos 1874.º, 1878.º, n.º 1, e 1879.º do Código Civil.
A Recorrida veio contra-alegar, pugnando pela improcedência do recurso, alegando – em síntese – que, aquando da celebração do acordo que fixou a pensão de alimentos em Março de 2016, ficou determinado que o valor da pensão de alimentos fixada tinha em consideração que o Recorrente iria suportar não só as despesas extracurriculares, escolares e de saúde, mas também pagar metade da prestação da casa morada de família, ficando a Recorrida a viver lá com os filhos.
Diz que, em Maio de 2016 e no âmbito do Processo de divisão de coisa comum por aquele intentada, o Recorrente lhe exigiu o pagamento da quantia de € 30 000,00 para que pudesse ficar com a casa que foi morada de família, e que passasse ela a ter o compromisso de pagar integralmente a prestação do imóvel ao banco (no valor de € 760,00).
Alega, ainda, que, entretanto, o Recorrente aumentou a sua capacidade económica, auferindo actualmente um vencimento mensal ilíquido de € 4.422,50, acrescido de prémio anual.
Bem como que, ao valor de € 359,37, por cada criança, que o pai apresenta, há ainda a acrescentar a terça parte das despesas com habitação e as despesas com as actividades, o que totaliza € 690,20 de despesas mensais com as crianças.
Em apreciação deste fundamento de recurso, há que considerar que o art.º 1878.º do C Civil determina que “Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e administrar os seus bens.”
Da mesma forma, o Regime Geral do Processo Tutelar Cível[6] determina que “(…) o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança (…).” (Cf. Art.º 40.º, n.º 1).
Assim, o interesse superior da criança é, mais do que um direito, um princípio orientador e interpretativo, adaptável à evolução das sociedades e, em concreto, à evolução do próprio menor.
Afinando a nossa análise, temos que o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, atenta a sua natureza de processo de jurisdição voluntária, pode ser revisto a todo o tempo.
O objeto destas alterações pode ser todas as questões reguladas ou apenas algumas delas, tais como a guarda do menor, o montante dos alimentos e/ou o regime de visitas.
Prescreve o art.º 988.º, n.º 1, do CP Civil que “Nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.”
No mesmo sentido, e especificamente para o âmbito do Processo Tutelar Cível, o art.º 42.º do RGPTC determina que “Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um deles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais” (n.º 1), operando-se ainda uma delimitação negativa, ao determinar que “Junta a alegação ou findo o prazo para a sua apresentação, o juiz, se considerar o pedido infundado, ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo, condenando em custas o requerente.” (n.º 4).
E, ainda mais especificamente para o campo dos alimentos, determina o art.º 2012.º do C.Civil que “Se, depois de fixados os alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas serem obrigadas a prestá-los.”
O Recorrente pretende, com o presente recurso, a reapreciação do montante da pensão de alimentos.
Actualmente, entende-se por Alimentos tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, aqui se compreendendo também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor (cf. art.º 2003.º, n.º 1 e 2 do Código Civil).
Esta obrigação legal concretiza a tutela constitucional do direito à vida, à integridade física, à saúde, e ao desenvolvimento integral da criança (cf. art.º 24.º, 25.º, 64.º e 69.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).
Deve, portanto, ter-se como princípio básico o de que a prestação de alimentos aos filhos é um encargo paralelo e de igual valia aos encargos com as despesas básicas dos progenitores.
Na verdade, nunca é demais relembrar que cabe aos pais lutarem e sacrificarem-se pelo sustento dos seus filhos, até estes completarem a sua formação.
A este respeito, a regra principal é a constante do art.º 2004.º do C.Civil, de que os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, sem esquecer a possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Tal como se explica no Acórdão desta Relação de 27/03/2008, tendo como Relator Madeira Pinto[7] “Com tal princípio não pretende a lei que cada progenitor contribua com metade do necessário à manutenção dos filhos, antes se visa que sobre cada um deles impenda a responsabilidade de assegurar, na medida das suas possibilidades, o que for necessário ao sustento, habitação e vestuário (alimentos naturais), bem como a instrução e educação do menor (alimentos civis).”
Ou seja, a medida da contribuição de cada progenitor depende na capacidade económica comparativa de cada um deles para prover às necessidades alimentícias do filho.
Descendo ao caso concreto, há, desde logo, que atender ao critério essencial das necessidades dos menores.
O Recorrente afirma que as despesas correntes dos menores são no valor de € 359,37.
Assiste, no entanto, razão à Recorrida ao contrapor que a este valor há que acrescentar a terça parte das despesas com habitação e com as demais despesas correntes comuns.
Além disso, e tal como se refere na decisão recorrida, há que ter em conta que as despesas dos menores tendem a aumentar, por força do seu crescimento e exigências de formação e socialização, o que é um facto notório e resultante do conhecimento da realidade social.
Em termos das possibilidades económico-financeiras dos progenitores, é manifesto que a progenitora perdeu capacidade económica ao mesmo tempo que o progenitor aumentou capacidade económica – atendendo aos respectivos rendimentos versus encargos.
Dando como nossas as palavras da sentença recorrida, por concordarmos inteiramente com as mesmas, o Requerido, em Março de 2016, auferia cerca de € 1 900,00 por mês e actualmente aufere o rendimento líquido de cerca de € 2 400,00. Bem como ao acrescentar que, trabalhando este por objectivos e tendo recebido em Maio de 2017 a quantia de € 6 600,00, a média mensal recebida por este é na ordem dos € 3 355,00[8].
Em termos de encargos, apurou-se que o Progenitor em Abril de 2017 tinha despesas com: renda de habitação no valor de € 302,00, electricidade, €32,00, água, €15,00, lavandaria self-service, €60,00, Tv cabo, net e telefone €45,90, ginásio, €45,00, alimentação em média €250,00. Bem como que o progenitor adquiriu uma nova habitação em Maio de 2017, apartamento T3 em ..., Porto, passando a pagar mensalmente €511,13 de prestação de empréstimo bancário da habitação, €65,00 de condomínio e €145,00 anuais de seguro de riscos da habitação, para além dos valores que está obrigado a pagar a título da pensão de alimentos devida aos filhos[9].
Relativamente à Requerente, a mesma trabalha a recibos verdes como arquitecta, auferindo em média a quantia mensal de € 1.200,00, sem beneficiar de subsídio de férias e de Natal, pagando ainda à Segurança Social a quantia mensal de cerca de € 130,00, ficando com um rendimento mensal líquido de cerca de € 1.050,00.
Em termos de encargos, apurou-se que a Progenitora tem as seguintes despesas mensais: a) Mensalidade do empréstimo bancário para aquisição da habitação- € 760,00;b) Água - € 35,00;c) Electricidade - € 109,00;d) Comunicações (TV, Internet e Telemóvel) - € 26,00;e) Transportes - € 90,00;f) Supermercado, média - € 500,00;g) Vestuário/calçado - € 130,00 (correspondente a um mínimo de € 400,00 por época e por cada filho);h) Refeições escolares e despesas escolares- € 37,00;i) Explicação da C... - € 75,00;j) Actividade extracurricular da C... - Ballet - € 60,00;k) Actividade extracurricular do D... - Natação - € 35,00;l) Seguros de saúde - € 41,80,44; m)psicóloga da C..., €40,00;n) segurança social€124,09;o) ginásio da progenitora,€42,40;p) seguro de saúda da progenitora€33,23;q) Seguro, inspecção e imposto de selo anuais do carro €258,37; r) seguro do recheio da casa€68,41;s) IMI anual €486,00.Totalizam as despesas mensais da progenitora o valor global mensal de €1.948,83.
Há, particularmente, que ter em conta que a casa que foi morada de família foi, entretanto, adjudicada à Requerente sendo esta quem suporta sozinha mensalmente tal encargo, no valor mensal de € 760,00 – o que representou um acréscimo relevante nos respectivos encargos mensais.
Em face desta análise da capacidade comparativa de cada um dos progenitores, cremos ser equitativa a fixação do montante da pensão de alimentos em € 325,00, nos termos decididos no tribunal recorrido.
A conclusão final é, sem margem para quaisquer dúvidas, a da manutenção da decisão recorrida.
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VII - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar improcedentes ambos os recursos interpostos pelo Requerido.
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Custas a cargo do Recorrente (art.º 527.º do CP Civil).
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Notifique e registe.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)
Porto, 25 de Setembro de 2018
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
Vieira e Cunha
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[1] Doravante apenas designado por CP Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[2] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, 4ª Edição, pág. 277.
[3] Doravante designado apenas por C Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[4] In Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 2014, 6.ª Edição, Almedina, pág. 312.
[5] In Regime Geral do Processo Tutelar Cível – Anotado e Comentado, 2016, Quid Juris, pág. 168.
[6] Doravante designado apenas por RGPTC, por questões de operacionalidade e celeridade.
[7] Proferido no Processo n.º 0831087 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[8] Tendo em conta, contrariamente ao defendido pelo Recorrente, que o rendimento mensal fixo do rendimento é devido por 14 meses e acrescido do valor do prémio anual de € 6 600,00.
[9] Refira-se que o Requerido contratou empréstimos para aquisição de electrodomésticos e mobiliário, mas que já decorreu o prazo da sua liquidação total.