Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
604/12.9EAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: CRIME DE EXPLORAÇÃO ILÍCITA DE JOGO
JOGO DE FORTUNA E AZAR
RIFAS OU TOMBOLAS
Nº do Documento: RP20170531604/12.9EAPRT.P1
Data do Acordão: 05/31/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º29/2017, FLS.98-105)
Área Temática: .
Sumário: À luz da doutrina do AFJ nº 4/2010, não são consideradas máquinas de jogo de fortuna ou azar as máquinas que funcionam como uma espécie de rifas ou tômbolas mecânicas, porque nelas a expetativa é limitado ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, pois ela não induzem aqueles comportamentos compulsivos com reflexos sociais danosos que a criminalização da exploração ilícita do jogo pretende combater.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pr 604/12.9EAPRT.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – B… veio interpor recurso da douta sentença do Juiz 3 da Secção Criminal da Instância Local de Vila do Conde do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que a condenou, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro, na pena de três meses de prisão, substituídos por igual tempo de multa, e cinquenta dias de multa, à taxa diária de seis euros.

Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões:
«A. No que se refere à subsunção da conduta que se imputa à Recorrente em sede de factualidade tida como provada, entende modestamente aquela que, ao contrário do decidido na douta Sentença sob recurso, não se poderia haver concluído por preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal em causa relativamente à máquina dos autos, denominada “6 ELEMENTOS”, uma vez que, e desde logo, não será de entender o mesmo jogo como um qualquer desses jogos nefastos (em que efectivamente “pensava” o legislador quando decidiu restringir a sua prática/exploração às zonas de jogo) cuja exploração a tais zonas se limita, conforme se manifestou em sede de Motivação de Recurso e que aqui se considera integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
B. Na verdade, a utilização da máquina dos autos é absolutamente imediata e instantânea, esgotando-se com a emissão do respectivo talão, não sendo sequer possível acumular pontos ou qualquer outra espécie de pontuações, ou sequer creditar ou dobrar “apostas”, motivo pelo qual, conclui-se que não estamos perante um qualquer acto de jogar.
C. Mais, se bem atentarmos ao alegado modo de funcionamento explanado no referido “Exame Pericial” de fls… dos autos, TÃO SÓ podemos concluir o seguinte:
1.º A máquina funciona apenas com a introdução de uma moeda de 0,50€, 1€ e 2€
2.º Em virtude de tal conduta, a máquina expele um “talão”.
3.º O “talão” pode ou não ser premiado.
4.º A utilização da máquina esgota-se com a introdução de uma moeda.
5.º Se o utilizador pretender voltar a utiliza-la, terá que introduzir nova moeda.
ORA, ISTO É ALGUM JOGO DE FORTUNA OU AZAR??! OBVIAMENTE QUE NÃO!!!
D. Mais, qualquer juízo “técnico” que se “encontre subtraído à livre apreciação do julgador”, nos termos do artigo 163.º do Código de Processo Penal, apenas e só será quanto às concretas características e funcionamento do material apreendido e nunca e em momento algum quanto à subsunção jurídica a aplicar à situação, sob pena de esvaziar por completo os poderes que competem a um tal órgão de soberania (v.g. “Tribunal”) e, por outro lado, por tal enquadramento jurídico ser realizado por pessoa que não possui “capacidades” técnicas necessárias e suficientes para proceder a tal qualificação.
E. Deste modo, e por outro lado, quanto a esta factualidade sempre é de salientar, o que muito recentemente manifestou este Dign.º Tribunal da Relação do Porto, 1.ª Secção, através do Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 150/12.0GDGDM.P1, e no que toca a uma máquina exactamente igual à dos presentes autos, inclusive com a mesma denominação, seja, “6 Elementos”, referindo que «Trata-se de um jogo que funciona como uma espécie de rifa, jogo de pequena danosidade, em que o valor arriscado pelo jogador é diminuto e em que o prémio a que se habilita está à partida predeterminado, pelo que estão reunidas as características próprias das modalidades afins dos jogos de fortuna azar.»
F. Perante tal, concluiu este Dign.º Tribunal da Relação no seu douto Aresto: «A exploração da referida máquina em que era desenvolvido o jogo descrito não integra um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art. 108.º, n.º 1 do DL n.º 422/89, de 2/12, mas antes uma contra-ordenação prevista pelos art.s 159.º, 160.º n.º 1 e 163.º n.º 1, do mesmo diploma.» (sublinhado nosso)
ACRESCE QUE,
G. Tendo por base e fundamento a Jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto Acórdão n.º 4/2010 (proferido no Processo n.º 2485/08 e publicado na 1.ª Série, N.º 46º, do D.R. de 08 de Março de 2010), sempre se questiona o Recorrente de quais as diferenças existentes entre o jogo desenvolvido pela máquina dos autos e aquele outro jogo que foi objecto do citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência, para além daquela diferença óbvia de que a máquina ora em causa depende de impulso electrónico, enquanto que aquela outra depende de impulso mecânico?
H. Não obstante, e sem descurar do exposto, apraz referir que, após rigorosa análise e enquadramento de tudo o vertido em tal douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, no seu douto Acórdão de 02-02-2011 (proferido no âmbito do Proc. n.º 21/08.5FDCBR.C2 e disponível in www.dgsi.pt), elaborado após rigorosa análise e enquadramento de tudo o vertido em tal douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010, e aquando da análise comparativa entre o jogo em causa nos autos onde veio a ser fixada a aludida Jurisprudência e naqueles autos de recurso (nos quais se trata das vulgarmente denominadas “roletas electrónicas”).
I. E, ainda que tais jogos possam mesmo atribuir prémios em dinheiro ou desenvolver temas de jogos de fortuna ou azar, até porque, e ainda segundo o vertido naquele douto Acórdão, mesmo «às modalidades afins que atribuam prémios em dinheiro ou fichas a lei não deixa de designar como modalidades afins», constituindo uma qualquer sua exploração ilícita uma “mera” contra-ordenação, conforme preceituado no art. 163º, pois que, conclui então aquele Venerando Tribunal da Relação de Coimbra «ser esta a tese que está imanente ao acórdão de fixação de jurisprudência e que importa considerar até em obediência ao princípio da igualdade plasmado no artigo 13º da Constituição da República.».
J. Donde, atento o vertido no douto Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-02-2011, de 26-03-2014, de 25-06-2014 (este não publicado) e de 18-03-2015, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 11-12-2013, de 12-02-2014 (este não publicado), de 09-07-2014 e de 17-09-2014, 24-09-2014 (este não publicado), 04-02-2015 e de 22-04-2015, e o Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 31-05-2011, de 28-02-2012 e de 10-05-2016, encontrando-se disponíveis em www.dgsi.pt, está em crer modestamente a Recorrente que a máquina em causa nos presentes autos, não poderá ser entendida como desenvolvendo um qualquer jogo de fortuna ou azar.
K. Mais que não seja porque, e abordando-se a questão por outro prisma, e tal qual resulta do vertido no aludido douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2010, sendo o tipo legal em causa (exploração ilícita de jogo) dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade, claramente será de excluir o jogo dos autos das previsões de punição penal decorrentes do preceituado nos artigos 1.º, 3.º, 4.º e 108.º da “Lei do Jogo”,
L. Isto sem descurar do facto de a própria “Lei do Jogo” (artigos 1.º e 4.º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, na redacção do D.L. n.º 10/95, de 19 de Janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combinar uma fórmula generalizadora (artigo 1.º) com a técnica exemplificativa (artigo 4.º), donde resulta que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, e não outros, pois que, não obstante exemplificativa, a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, sempre tal especificação é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia,
M. Ao que acresce o facto de, nem mesmo pelas Portarias actualmente em vigor (nºs 817/2005, de 13 de Setembro e 217/2007, de 26 de Fevereiro), relativamente às regras de execução dos jogos de fortuna ou azar, porque os tipos de jogos (bancados, não bancados, e, em máquinas electrónicas) quase totalmente coincidentes com os especificados no D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, se poder concluir pela observância por parte do jogo da máquina dos autos das características dos denominados jogos de casino.
N. Assim, tal como se infere do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010 (Diário da República, 1.ª série — N.º 46 — 8 de Março de 2010), tendo o critério de distinção entre o ilícito criminal e o ilícito contra - ordenacional que ser um critério material, imposto pelo princípio da legalidade e pela função de garantia inerente a cada tipo de crime, motivo pelo qual os jogos de fortuna ou azar serão aqueles que se encontram especificados no n.º 1 do artigo 4.º, e, como tal, nunca a máquina dos autos poderá ser enquadrada nesses jogos, na medida em que, não pagava directamente prémios em fichas ou moedas, nem sequer atribuía pontuações, não permitia acumular e/ou arriscar posteriormente, e, não desenvolvia um qualquer tema próprio dos jogos de fortuna ou azar ou similar.
O. No entanto, sempre se diga que, nem mesma a referida possibilidade de atribuição de prémios pecuniários em função do texto “impresso” poderá, por si só, fazer precludir a sua “integração” enquanto mera modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar, mas tão só, poderá consubstanciar, ela própria, uma distinta contra - ordenação.
P. Ademais, de referir que, temos por inconstitucional a interpretação das normas contidas nos nºs 4.º, 108.º e 115.º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, quando efectuada (como sucede no caso dos autos) no sentido de que um qualquer jogo desenvolvido por máquina electrónica, cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, e que sem desenvolver tema próprio de fortuna ou azar não se destine à atribuição de pontuações, susceptíveis de serem acumuladas e/ou arriscadas em novas jogadas, consubstancia um qualquer jogo de fortuna ou azar,
Q. Pois que, uma tal interpretação é claramente inconstitucional por violação dos princípios da “liberdade individual” e da “proporcionalidade”, designadamente, da norma constante no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, e, bem assim, por clara violação do supre referido princípio da “legalidade”, na vertente de “nullum crimen sine lege certa”, logo, por violação do disposto no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa.
SEM PRESCINDIR – DA MEDIDA DA PENA
R. E sem conceder do exposto, apraz referir que, delimitando-se as penas a aplicar à Recorrente na culpa desta, e, bem assim, nas exigências de prevenção, geral e especial, sempre resulta que, de forma alguma de poderá compreender e aceitar as penas aplicadas, na medida em que, extravasam claramente a culpa desta e as próprias necessidades de prevenção, e, não tem, devidamente, em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor da mesma Recorrente.
S. São de todo incompreensíveis, porque exageradas e desproporcionadas, as penas aplicadas à Recorrente, ainda que mais não seja pelo facto de se tratar de uma única máquina, de funcionamento rudimentar, a qual permitia apenas “apostas” em moedas, o que, naturalmente, sempre obstaria a um qualquer delapidar grave e sério do património dos seus utilizadores e, bem assim, sempre limitaria quaisquer benefícios económicos que para a Recorrente pudessem eventualmente vir a resultar de tal exploração.
T. Já no que respeita às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor da Recorrente, é de referir que, e independentemente de não se conhecer se a Arguida se encontra familiar e socialmente inserida, não se poderá deixar de realçar que não existe notícia crime posterior e de factos similares, ou quaisquer outros factos ilícitos, da sua parte, enaltecendo que a Arguida é primária em termos penais.
U. Aliás, mais se diga, não parece ter sido devidamente valorada a verdadeira impossibilidade de poderem vir a ocorrer futuramente factos similares no que respeita à pessoa da Recorrente, porquanto, a Arguida encontra-se afastada “da exploração de cafés” (Cfr. “III. Os Factos e o Direito”, ponto “2. Determinação da medida da pena”, sexto parágrafo), inexistindo possibilidade futura de voltar a “anuir” na colocação de máquinas de jogo em estabelecimento comercial de café e/ou similar, máquinas essas que, diga-se com todo o devido respeito, o respectivo enquadramento jurídico numa vertente criminal não é uniforme.
V. No caso presente, e por de aplicação ao mesmo, atenta a problemática em apreço, deverá relevar-se tudo quanto vem vertido no recente douto Acórdão desta Relação do Porto, de 18/09/2013 (proferido pela 4ª Secção no âmbito do Proc. n.º 311/10.7EAPRT.P1), que nos refere estarmos perante o «domínio das denominadas “bagatelas penais”», com um pequeno grau de ilicitude dos factos e com pequenas necessidades de prevenção geral, porquanto, o tipo em causa não é causador de grande alarme social.
W. Donde, sempre será de concluir que, no caso presente, e atento tudo o exposto, sempre deverá decidir-se pela aplicação de penas substancialmente inferiores, na medida em que, da mesma sempre resultarão perfeitamente prosseguidas as exigências de prevenção, resultando, daí, por realizadas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, bem assim, seja o quantitativo diário reduzido para o respectivo mínimo legal.
X. Ademais, e na sequência da recentemente decidido pelo STJ, no seu douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência, n.º 8/2013, sempre temos que a substituição da pena de prisão aplicada deveria ter sido efectivada, não em medida igual ou proporcional àquele prazo, mas sim em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, apresentando-se assim como exagerada e desproporcional a pena aplicada, impondo-se em medida inferior.
Y. Também o quantitativo diário, de €:6,00 (seis euros) da pena de multa que o Digníssimo Tribunal “a quo” julgou por adequado ao caso presente, merece a reprovação por parte da Recorrente, isto porque, conforme resulta da factualidade considerada como provada e constante no ponto 9, refere expressamente que «A Arguida consta nas bases de dados da Segurança Social como tendo tido a última remuneração em Dezembro de 2014, no valor de €260,34, liquidada pela Santa Casa da Misericórdia; não lhe são conhecidos quaisquer bens susceptíveis de registo.» (sublinhado nosso)
Z. Ora tendo em conta os concretos rendimentos da Arguida, e sabendo que como qualquer outro ser humano em todo o mundo, a Arguida apresenta despesas fixas mensais como a alimentação, saneamento, electricidade, gaz e vestuário, resultando claramente que a Recorrente vive em parcas condições socioeconómicas, pelo que, e perante tal circunstancialismo, com todo o devido e merecido respeito, sempre se entende que nunca poderia ser superior ao mínimo legal de €:5,00 (cinco euros), montante esse, aliás, habitual em casos como o presente, e em que o rendimento disponível é de carácter diminuto e reduzido.
A douta Sentença proferida nos autos violou os artigos 40.º, 43.º, n.º 1, e 71.º, nºs 1 e 2 do Código Penal, 1.º, 3.º, 4.º e 108.º, 159.º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, e 18.º, 29.º e 32.º da C.R.P..»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo não provimento do recurso (exceto no que se refere à redução da taxa diária da multa em que a arguida e recorrente foi condenada)..

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes:
- saber se a exploração da máquina em apreço configura a prática do crime de exploração ilícita de jogo por que a arguida e recorrente foi condenada;
- saber se é inconstitucional a interpretação que considera que tal se verifica;
- saber se a pena em que a arguida foi condenada, e a respetiva taxa diária, são exageradas, face aos critérios legais.

III – É o seguinte o teor da fundamentação da douta sentença recorrida:

«(...)
II. Produzida a prova e discutida a causa resultaram os seguintes,
FACTOS PROVADOS:
1 – No dia 20 de Dezembro de 2012, pelas 12h30m, no decurso de uma acção de fiscalização ao estabelecimento comercial denominado “Café C…”, sito na Rua …, nº …, na Póvoa de Varzim, pertencente e explorado pela arguida, os agentes da ASAE que abaixo figuram como testemunhas detectaram a existência, no interior desse estabelecimento e em cima de uma arca congeladora situada junto do acesso à cozinha, de uma máquina electrónica, pronta a funcionar e para utilização do público em geral, com os dizeres “6 Elementos”.
2 – Tal máquina é de pequenas dimensões e trata-se de um móvel tipo portátil, de várias cores, com estrutura em fórmica, apresentando nas suas laterais e na parte frontal a inscrição das palavras “amizade”, “amor”, “saúde”, “virilidade”, “negócio” e “finanças”. Na parte frontal da máquina encontra-se ainda instalado o mecanismo de introdução de moedas de €0,50, €1 e €2, ao lado do qual se situa a ranhura através da qual são expelidos pequenos talões. Na base encontra-se a inscrição da designação da máquina: “6 Elementos”.
3 – Esta máquina funciona da seguinte forma: “Após a introdução de uma ou mais moedas, e sem que o jogador tenha qualquer interferência, a máquina expele um ou mais talões que têm no seu topo a inscrição “6 elementos”, seguido da data, hora, número de série e uma frase de aconselhamento que se reporta idêntica aos textos do horóscopo, contendo aleatoriamente também um número. Em seguida aparecem as inscrições “saúde”, “negócio”, “finanças”, “amor”, “amizade” e “virilidade” com asteriscos/símbolos à frente da cada uma, símbolos estes que variam entre as quantidades de 1 e 5.
4 – A partir deste ponto uma de duas situações pode ocorrer:
- se na frase de aconselhamento consta um algarismo e o talão contempla um conjunto igual de asteriscos seguidos, o algarismo corresponde ao prémio ganho pelo jogador, sendo que por norma uma unidade corresponde a €1;
- se na frase de aconselhamento não consta nenhum algarismo, o jogador não terá direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo novas moedas.”
5 – O objectivo do referido jogo consiste em conseguir talões premiados, sendo que para tal a intervenção do jogador se limita à introdução de uma moeda no mecanismo existente para o efeito.
6 – No interior da máquina encontravam-se a quantia de €67,50 em moedas de €1 e de €0,50, produto da sua utilização pelo público.
7 – A arguida sabia que a utilização da máquina nas condições referidas era proibida e punida por lei, sendo que agiu voluntária, livre e conscientemente.
MAIS SE PROVOU:
8 – A arguida não tem antecedentes criminais.
9 – A arguida consta nas bases de dados da Segurança Social como tendo tido a última remuneração em Dezembro de 2014, no valor de €260,34, liquidada pela Santa Casa da Misericórdia; não lhe são conhecidos quaisquer bens susceptíveis de registo.
***
FACTOS NÃO PROVADOS:
Da Contestação:
- Que a arguida não era, nem nunca foi proprietária e/ou exploradora de qualquer máquina de jogo que soubesse de carácter ilícito e que se encontrasse exposta/presente em estabelecimento comercial;
- Que a arguida nunca utilizou a máquina e os demais materiais apreendidos nos autos, desconhecendo, por absoluto, o seu concreto modo de funcionamento e/ou finalidades da respectiva utilização;
- Que a arguida seja pessoa humilde, honesta, trabalhadora e apresenta elevados padrões morais, é respeitada e respeitadora no meio social em que se encontra inserida.
***
3- MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO.
A convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados baseou-se, no conjunto da prova produzida, designadamente, nas declarações das testemunhas D… e E…, ambos inspectores da ASAE, que procederam à operação de fiscalização em causa, tendo, de forma clara, precisa, segura e, por conseguinte, credível, descrito o modo como a mesma decorreu, e modo de desenvolvimento do jogo (que segundo ele foi corroborado pela arguida), tendo sido experienciado na ocasião pelos inspectores, pela arguida e por um cliente do café explorado e propriedade desta; que a aludida máquina estava ligada à corrente eléctrica num local de fácil acesso pelos clientes.
Por último, tiveram-se em consideração o auto de apreensão de fls. 4- 7, o bilhete apreendido premiado que se encontrava na caixa registadora, segundo as testemunhas, como modo de justificar a saída do prémio correspondente, constante a fls. 8, os documentos de fls. 10 que sustentam a exploração/propriedade do estabelecimento e logo a exploração da máquina pela aqui arguida; os fotogramas de fls. 11; e, o relatório do exame pericial de fls. 67 a 68, a que alude directamente a acusação, devidamente analisados em sede de audiência de julgamento.
Pois bem.
Sendo indesmentível o preenchimento por parte da arguida dos elementos objectivos do crime de que vem acusada, cumpre agora averiguar do preenchimento dos elementos subjectivos do mesmo tipo legal, considerando que a arguida não compareceu em Audiência, inexistindo declarações a considerar.
Como é sabido, sob pena de incontornável frustração de qualquer tentativa de apreensão exacta da realidade sujeita a judicial comprovação, exige-se do julgador que, uma vez confrontado – como não raras vezes sucede no universo da criminalidade em que nos situamos – com a ausência de testemunhos completos e auto-suficientes, proceda a uma apreciação global e correlativa de toda prova produzida, valorando-a dialecticamente e inferindo a partir dos factos expressamente afirmados aqueles outros que são sugeridos por um critério de experiência comum ou pela lógica subjacente aos normais acontecimentos da vida.
Ora, a verdade é que, tudo ponderado, à luz das regras da lógica e no confronto com as regras da experiência comum, parece-nos manifesto que a arguida sabia que a máquina em causa desenvolvia um jogo proibido, fundamentalmente, porque, à data dos factos, segundo os inspectores da ASAE a mesma estava familiarizada com o jogo, a 2ª testemunha referiu que a arguida não se mostrou surpresa quando confrontada pela inspecção da ASAE por a máquina desenvolver um jogo ilegal, não se vislumbrando, assim, como é que podia ignorar que a exploração do jogo dos autos era proibida.
De resto, decorre das mais elementares regras de experiência comum que os proprietários de cafés, principalmente na zona desta comarca onde a prática do jogo ilícito é bastante frequente, sabem perfeitamente que não podem ter nos seus estabelecimentos máquinas como a dos autos.
Quanto à situação sócio - económica da arguida, valemo-nos do que resultou das consultas às bases de dados. Finalmente, ponderou-se o teor do CRC junto aos autos.
Quanto aos factos dados supra como não provados alegados na contestação foram assim considerados ou porque nenhuma prova se produziu que os permitisse dar como não provados ou a prova que foi produzida determinou a consideração como provado do seu contrário.
***
III. OS FACTOS E O DIREITO
1. Enquadramento jurídico-penal:
Apurados e assentes que estão os factos cumpre agora efectuar o seu enquadramento jurídico-legal.
A arguida B… encontra-se acusada da prática de um crime de exploração ilícita de jogo previsto e punível pelo art. 108º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 422/89, de 2.12, na redacção do Dec. Lei n.º 10/95, de 19/01, com referência aos arts. 1.º, 3.º e 4º/1, al. g) do mesmo diploma.
Dispõe o artigo 108º, nº 1, do DL 422/89, de 2/12, com as alterações introduzidas pelo DL 10/95, de 19/1 l que “Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com pena de prisão até 2 anos e com pena de multa até 200 dias.”
Dispõe ainda o artigo 1º, do referido diploma que “jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”.
E, conforme ressalta do preceituado no seu artigo 3º nº 1, a exploração e prática de tais jogos só é permitida nos casinos existentes nas zonas de jogo permanente ou temporário ou, fora deles, nas situações excepcionais previstas nos artigos 6º a 8º, do citado diploma legal.
Temos, assim que são elementos constitutivos do crime de exploração de jogo ilícito:
a) a exploração de jogo de fortuna ou azar, ou seja, de jogo cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte;
b) que essa exploração seja feita fora dos locais a isso destinados legalmente;
c) a consciência por parte do agente de que tal tipo de jogo é de fortuna ou azar e que tal lhe é vedado por lei.
Na alínea g) do nº 1 do art. 4.º da Lei do Jogo estão previstas as máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna e azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
Por outro lado, é irrelevante que a arguida obtenha, efectivamente, qualquer ganho económico, pois basta que a máquina esteja exposta em local acessível aos clientes e apta para funcionar.
O jogo da máquina no presente caso, é jogo de fortuna ou azar, estando aliás em conformidade com a interpretação legal veiculada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010 sobre a definição de jogo de fortuna ou azar. Conforme acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4/2/2015, in www.dgsi.pt: «Cabe assinalar que são, expressamente, excluídos do conceito de “modalidade afim” os jogos que desenvolvam temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola, totoloto ou substituam por dinheiro as fichas ou os prémios atribuídos.».
No caso em apreço, a máquina desenvolvia um jogo cujo objectivo era conseguir talões premiados pois que após introduzir uma moeda uma de duas podia acontecer: se na frase de aconselhamento consta um algarismo e o talão contempla um conjunto igual de asteriscos seguidos, o algarismo corresponde ao prémio ganho pelo jogador, sendo que por norma uma unidade corresponde a €1, se na frase de aconselhamento não consta nenhum algarismo, o jogador não terá direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo novas moedas.
Sendo pois assim substituídos por dinheiro os talões premiados.
Talões esses com prémios que poderiam ir de €1,00 a €200,00 (sendo este prémio bastante aliciante para quem aposta €0,50 ou €1,00), como referiu a 1ª testemunha, mas que poderiam não ter qualquer prémio, dado que saíam talões não premiados, o que induz a que o jogador a voltar a jogar, a fim de tentar novamente a sua sorte, e com vista a diminuir o seu prejuízo!
Estamos assim perante um jogo ilícito e não uma modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar como pretende a Defesa. De facto, modalidades afins (dos jogos de fortuna ou azar) são “as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico” (artigo 159.º).
Como modalidades afins, a lei refere, exemplificativamente, as rifas, as tômbolas, os concursos publicitários, os sorteios, os concursos de conhecimentos e os passatempos.
No acórdão de unificação de jurisprudência supra referido frisa-se que “…. não obstante exemplificativa a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, ela é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia. Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins, como se defende no acórdão-fundamento”.
Atenta a previsão legal, pratica o referido crime quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar - aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte - fora dos locais legalmente autorizados, quais sejam, nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário ou, fora daqueles, nos casos excepcionados nos arts. 6º a 8º do aludido diploma legal.
Trata-se de sujeitar a controle estadual a definição das condições em que pode ser exercida e satisfeita a tendencial natureza do homem para jogar, no exacto pressuposto de que, através do seu encaminhamento para instituições onde são dadas garantias de seriedade e isenção dos jogadores, se contêm os efeitos negativos do jogo, reduzindo ou anulando o interesse pelo jogo clandestino.
É que os jogos de fortuna e azar têm, reconhecidamente, carácter vicioso e trazem consigo consequências perniciosas a nível social e familiar, sendo fonte de criminalidade e de perturbação social, e por isso nada impede o legislador de, através do direito penal, proteger os bens jurídico-constitucionais que a exploração desses jogos põe em causa.
O Tribunal Constitucional foi até chamado já a pronunciar-se sobre esta problemática e no acórdão n.º 99/2002 proferiu juízo de constitucionalidade das referidas normas, sendo certo que a opção criminalizadora portuguesa não se encontra isolada, já que outras legislações europeias punem esta conduta como ilícito penal, e mesmo de forma grave”, como é o caso dos Códigos Penais alemão (§ 284) e francês (artigo 410.º)
Há, pois, que concluir, deste modo, que se encontram preenchidos os elementos objectivos do tipo de ilícito em causa, encontrando-se igualmente preenchidos os elementos subjectivos desse mesmo tipo no que tange à arguida, já que esta actuou livre e conscientemente, bem sabendo que não podia explorar os jogos em causa, dado que para tal não estava autorizado, sabendo que tal conduta era ilegal e punível.
Em suma temos assim que dúvidas pois não subsistem de que o jogo em causa nestes autos deve ser qualificado como jogo de fortuna e azar, já que, para além de o respectivo resultado assentar exclusivamente na sorte, o mesmo se encontrava colocado em estabelecimento aberto ao público onde os interessados se dirigiam, ao invés do que acontece quando os promotores vão junto do público oferecer o jogo.
Considerando, pois, o que dito fica, impõe-se concluir pela confirmação da responsabilidade criminal que vem imputada à arguida, já que, a par de todos os elementos já analisados, demonstrado resultou ainda que o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que era proibido explorar o jogo acima referido.
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2. Determinação da medida da pena.
Enquadrado que fica o comportamento da arguida, importa, agora, graduar, dentro da moldura abstracta que ao crime cabe, a pena concreta a aplicar.
O crime de exploração ilícita de jogo é punível com pena de prisão até dois anos e multa até 200 dias. (cfr. artº 108º/1 do DL nº 422/89 de 2/12)
Tratando-se de um caso de sanções cumulativas, importará determinar a medida concreta de cada uma das penas, funcionando a culpa como limite inultrapassável e as exigências de prevenção geral e especial, estas na sua vertente primordial de socialização, como vectores determinantes do quantum a aplicar.
No que concerne aos factores atinentes à execução do facto, denuncia o mitigado desvalor da acção, a considerar pela dupla via da culpa e das exigências de prevenção, a circunstância de o comportamento criminoso haver incidido sobre duas máquinas.
Não obstante, depõe contra a arguida o razoável grau de sofisticação da referida máquina de jogo.
Já no que concerne às exigências de prevenção geral, importa destacar que o jogo tende a ser considerado uma actividade socialmente indesejada, quer pelas nefastas consequências que de um ponto de vista patrimonial lhe estão associadas, quer pelo complexo problema da viciação a que muitas vezes dá lugar, destacando-se ainda o facto de, nesta comarca, serem frequentes estes comportamentos, o que aumenta as exigências de tutela de bens jurídicos.
Contra a arguida, depõe ainda, do ponto de vista da culpa, o carácter directo do dolo, o que denuncia a presença, no facto típico e ilícito praticado, de uma personalidade mais contrária ao dever ser jurídico-penal.
No que à prevenção especial diz respeito, há a salientar o facto de a arguida estar já aparentemente afastada da exploração de cafés.
Face ao exposto, entende-se ser de aplicar ao arguido uma pena de 3 meses de prisão e uma pena de 50 dias de multa.
Ponderando o facto de que a pena privativa da liberdade deve ser encarada como a última ratio da política criminal, afigura-se-nos suficiente e adequada a fixação de pena pecuniária, substituindo-se a pena privativa da liberdade, ao abrigo do preceituado no art. 43º nº 1, do Cód. Penal.
E uma vez que o artº 108º do Dec. Lei nº 422/89 de 2/12, prevê a aplicação cumulativa de prisão e multa, tendo-se já decidido substituir a primeira, haverá ainda que atender ao preceituado no art. 6º nº 1, do Dec. Lei nº 48/95, de 15/3, fixando-se uma só pena equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão.
In casu: 90+50= 140.
Na fixação concreta das penas atender-se-á ainda ao disposto no art. 47º nº 2, do Cód. Penal.
Ora considerando a factualidade supra descrita acerca da sua situação económica, entende-se ser de fixar em €6,00 o quantitativo diário da pena de multa, o que perfaz um total de €840,00.
(...)»
IV – Cumpre decidir.
Vem a arguida e recorrente alegar que não estão preenchidos, face à matéria de facto considerada provada na douta sentença recorrida, os elementos constitutivos do crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro.
Alega a arguida e recorrente que a máquina em apreço é equiparável à que deu origem ao acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2010 e, portanto, à luz da doutrina desse acórdão, não deve ser considerada máquina de jogo de fortuna ou azar, mas modalidade afim.
E alega que será inconstitucional, por violação dos princípios da “liberdade individual”, da “proporcionalidade” e da “legalidade”, a interpretação das normas contidas nos n.ºs 4.º, 108.º e 115.º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro, quando efetuada (como sucederá no caso em apreço) no sentido de que um qualquer jogo desenvolvido por máquina eletrónica, cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, e que, sem desenvolver tema próprio de fortuna ou azar, não se destine à atribuição de pontuações, suscetíveis de serem acumuladas e/ou arriscadas em novas jogadas, consubstancia um qualquer jogo de fortuna ou azar,
Vejamos.
Considerou a douta sentença em apreço que estamos perante uma máquina de jogo de fortuna e azar, tal como este é definido nos artigos 1.º e 4.º, n.º 1, g) deste Decreto-Lei nº 422/89.
Estatui esse artigo 1.º que são jogos de fortuna e azar «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte». O artigo 4.º define os tipos de jogos de fortuna e azar, autorizados apenas nos casinos, constando dessa lista os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte (alínea g) do nº 1).
Decisivo é, pois, saber se está preenchida a previsão destes artigos.
Alega a arguida e recorrente que a máquina em apreço é equiparável à que foi objeto do processo que deu origem ao acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2010.
Este acórdão fixa jurisprudência no seguintes termos:
«Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos artigos 159.º, n.º 1, 161.º, 162.º e 163.º do Decreto -Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto -Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público».
Há, então, que apurar se os fundamentos em que se baseia esse acórdão para a jurisprudência em causa levarão, em coerência e por identidade de razão, a que se conclua que também a máquina a que se reporta o presente processo deva ser incluída não entre os jogos de fortuna e azar, mas entre as modalidades a eles afins (reguladas nos artigos 159.º e seguintes do mesmo diploma).
Estatui o n.º 1 deste artigo 159º que modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico. Nelas se incluem, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos (n.º 2 do mesmo artigo).
Impõe-se, assim, uma breve análise do referido acórdão nº 4/2010.
A questão por este dirimida, e que dividia até então a jurisprudência, diz respeito a máquinas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas e atribuem prémios com valor económico de acordo com resultados que dependem exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
De acordo com a definição ampla do artigo 1.º atrás citado, poderia pensar-se que essas máquinas configuram um jogo de fortuna ou azar pelo facto de os seus resultados dependerem da sorte.
Não é, no entanto, esse o entendimento perfilhado pelo acórdão nº 4/2010. Na sua fundamentação afirma-se a dado passo:
«Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto -Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto -Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins, como se defende no acórdão fundamento.
No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:
Os jogos em máquinas pagando diretamente prémios em fichas ou moedas;
Os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte. O facto de os jogos em máquinas terem desaparecido do elenco exemplificativo do artigo 159.º, n.º 2 (modalidades afins), após as alterações introduzidas pelo Decreto - Lei n.º 22/85, de 17 de janeiro, não significa que todos os jogos em máquinas se dividam, pura e simplesmente, em jogos de fortuna ou azar e jogos de diversão, estes de resultados dependentes exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador e não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, nos termos do artigo 1.º do
Decreto -Lei n.º 21/85, também de 17 de janeiro.
Ora, os jogos nas máquinas automáticas em causa nos acórdãos em conflito (cf. supra n.os 6.1 e 6.2), se apresentavam resultados que dependiam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, não desenvolviam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas. Por conseguinte, não podiam ser enquadradas em qualquer dos tipos de jogos de fortuna ou azar praticados em máquinas automáticas, tal como descritos nas referidas alíneas f) e g) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/95, revertendo, antes, para as modalidades afins referidas no artigo 159.º, pois constituem uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas.
É certo que os referidos jogos proporcionavam também prémios em coisas com valor económico e em dinheiro, ou só em dinheiro, mas tal circunstância, se não é permitida pelo artigo 161.º, n.º 3, do referido diploma legal, também não é suficiente, por si só, para integrar a «específica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento directo em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar», como se diz no acórdão fundamento.»
E a razão para seguir tal entendimento é a seguinte:
«Como vimos atrás, o tipo legal de crime é dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade. Assim, aquela circunstância não retira aos jogos em causa a natureza de modalidade afim.
Acresce que a tutela penal adscrita à proibição dos jogos de fortuna ou azar fora dos locais autorizados encontra fundamento, como se viu (cf. supra n.º 7.1.1), em valores de relevante ressonância ético -social, nomeadamente pelos efeitos devastadores a nível social, familiar, económico e laboral, com incremento de criminalidade grave, não só de carácter patrimonial mas também de carácter pessoal (vida, integridade física, ameaça, coacção) que a dependência de jogos de grande poder aditivo e potenciação de descontrolo pode acarretar.
Tal não sucede relativamente aos jogos em máquinas automáticas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa, pois a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, ao contrário do que sucede com os jogos de casino, mesmo em máquinas, possibilitando uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente.»
Há. assim, duas razões para optar pelo entendimento seguido pelo acórdão.
Uma relativa ao princípio da legalidade e à rigidez da definição do tipo penal em causa. Essa definição não se basta com a noção genérica do citado artigo 1.º, há que a completar com o elenco que consta do artigo 4.º. Não basta que o resultado do jogo dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte. É necessário que se esteja perante um dos tipos de jogo elencados no artigo 4.º, o que não se verifica com as máquinas em questão no acórdão.
Uma outra razão na base do entendimento perfilhado pelo acórdão é de ordem teleológica, relativa à ratio da incriminação e aos princípios da dignidade penal da carência de pena e da máxima restrição penal. A criminalização da exploração de uma máquina de jogo há-de justificar-se à luz de prementes necessidades de proteção de bens jurídicos de particular relevo social. Tal não se verifica, de acordo com o acórdão em relação a máquinas que funcionam como uma espécie de rifas ou tômbolas. Nestas o risco assume pouco significado, pois a «expectativa é limitada ou predefinida», o «impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação», ao contrário do que sucede com os jogos de casino, os quais possibilitam «uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre os risco de se envolver emocionalmente»
À luz da doutrina deste acórdão, não são consideradas máquinas de jogo de fortuna ou azar as máquinas que funcionam como uma espécie de rifas ou tômbolas mecânicas, porque nelas a expetativa é limitado ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, mas já o serão máquinas que possibilitam uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente, em que os pontos adquiridos pode ser usados em jogos sucessivos e o próprio funcionamento do jogo induz à cumulação de pontos e a essa utilização em jogos sucessivos, pois estas induzem comportamentos compulsivos com reflexos sociais danosos, que a criminalização da exploração ilícita do jogo pretende combater.
Ora, a máquina em apreço integra-se na primeira dessas categorias (independentemente da questão de saber se os prémios em causa têm expressão monetária). Como nela se integram (e, por isso, não foram consideradas máquinas de jogo de fortuna ou azar) as máquinas (semelhantes à máquina aqui em apreço) que deram origem aos processos a que são relativos os acórdãos da Relação de Coimbra de 18 de março de 2015, proc. n.º 27/10.4EATCT.C1, relatado por Belmiro Andrade; da Relação do Porto de 17 de setembro de 2014, proc. n.º 480/13.4 EAPRT. P1 relatado por Artur Oliveira; da Relação do Porto de 4 de fevereiro de 2015, proc. n.º 514/13.2EAPRT.P1, relatado por Alves Duarte; da Relação de Évora de 31 de maio de 2011, proc. n.º 10/07.6TACCH.E1, relatado por Alves Duarte; da Relação de Évora de 28 de fevereiro de 2012, proc. n.º 81/10.9GCMN.E1, relatado por Ana Bacelar Cruz, e da Relação de Évora de 10 de maio de 2016, proc.n.º 271/11.7ECCLSB.E1, relatado por João Amaro (todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Integram-se na segunda dessas categorias (e, por isso, foram consideradas máquinas de jogo de fortuna ou azar) as máquinas que deram origem aos processos a que são relativos o acórdão (invocado na douta sentença recorrida) da Relação do Porto de 4 de fevereiro de 2015, proc. n.º 60/10.6PEMTS.P1, relatado por Neto Moura; e da Relação do Porto de 7 de maio de 2014, proc. n.º 970/10.0GALSD.P1, relatado por Pedro Vaz Pato (ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
A arguida e recorrente deverá, pois, ser absolvida do crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, por que foi condenada.
Uma vez que a modalidade desenvolvida pela máquina em apreço deverá ser considerada modalidade afim de jogo de fortuna ou azar (ver artigo 159.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro), a conduta da arguida poderia integrar a prática da contra-ordenação p. e p. pelos artigos 161.º e 163.º, n.º 1, do mesmo diploma. No entanto, atendendo ao tempo decorrido desde a data da prática da infração (20 de dezembro de 2012), à moldura da coima aplicável e ao disposto nos artigos 27.º, b), 27.º-A, n.º 2, e 28.º, n.º 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro) já há muito se extinguiu, por prescrição, o procedimento repetivo.

Não há lugar a custas (artigo 513.º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal)

V – Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso, absolvendo a arguida e recorrente do crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro, por que foi condenada.

Notifique

Porto, 31/5/2017
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo