Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9573/18.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: FACTOS ESSENCIAIS
DESCARACTERIZAÇÃO DO ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE SEGURANÇA
PREVISIBILIDADE DO RISCO
Nº do Documento: RP202210039574/18.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 10/03/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; REVOGADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Os factos essenciais são os factos integradores da causa de pedir, constitutivos do direito alegado à luz do quadro legal (substantivo) invocado, ou integradores das excepções.
II – Assim, quanto a estes dos factos essenciais (stricto senso), atento o referido nos nºs 1 e 2 do art. 72º do CPT, (-que … deve o juiz … ampliar os temas da prova enunciados…, e -que... se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respectivas provas…) essa possibilidade, apenas, é aplicável em 1ª instância, estando a mesma afastada deste Tribunal
III – Para que o comportamento do sinistrado, se enquadre na situação prevista no art. 14º, nº 1, al a) da Lei nº 98/2009 de 04.09, por incumprimento de condições de segurança previstas na lei, não basta a sua existência, é necessário que se apure no caso, em concreto, o que era exigível cumprir em termos daquelas.
IV - Nada se tendo provado sobre as características e condições concretas do local de onde o sinistrado caiu, ou seja, sobre qual o estado das placas de fibrocimento do concreto telhado, qual a inclinação do referido telhado e quais as condições atmosféricas no dia do acidente, a prova, apenas, da tarefa que o sinistrado se propunha efectuar, por si só, e em termos de normal previsibilidade, não nos permite concluir pela existência de risco de queda em altura.
V – E, não resultando provado que, no caso concreto, era exigível o cumprimento de medidas de protecção colectiva e individual, por parte do sinistrado, o facto de o mesmo, quando se deslocava sobre o telhado (com o propósito de efectuar um orçamento para a sua reparação) se ter desequilibrado ao colocar o pé sobre uma telha que cedeu sob o seu peso, vindo a precipitar-se no solo, a cerca de 10 metros de profundidade, não nos permite concluir sobre quais os meios de protecção (colectivos ou individuais), nomeadamente, equipamentos anti-queda que o sinistrado estava obrigado a utilizar e, consequentemente, concluir pela violação, sem causa justificativa, de condições de segurança previstas na lei estabelecidas pela descaracterização do acidente de trabalho que vitimou aquele.
VI - O juízo de prognose quanto à avaliação da previsibilidade do risco deve ser feito em função das condições existentes “a priori”, perante o circunstancialismo que se verificava aquando do acidente, e não, “a posteriori”, perante a constatação do acidente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 9573/18.0T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho da Maia - Juiz 2
Recorrente: AA
Recorrida: X... - Companhia de Seguros, S.A.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
A A., AA, viúva, nascida a .../.../1971, com o NIF ..., residente na Alameda ..., ..., ..., Maia, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, intentou acção emergente de acidente de trabalho, contra a R., X... - COMPANHIA DE SEGUROS, SA, com sede na Avenida ..., ..., ..., Lisboa, nº...-...-...-Lisboa, pedindo que esta seja julgada procedente e, em consequência:
a) ser reconhecida à A. a qualidade de beneficiária legal do sinistrado;
b) Ser considerado como de trabalho o acidente descrito nos autos e, consequentemente
c) Ser a R. condenada ao pagamento das quantias liquidas e pensões acima peticionadas, com juros, à taxa legal.
Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que foi casada, até 20/04/2018, com o sinistrado BB, vivendo, até então, com este na mesma habitação, o qual desempenhava, por conta própria, a atividade de construção civil, detendo a categoria profissional de pedreiro e, no dia 20/04/2018, pelas 14H00, na Rua ..., ..., no Porto, quando trabalhava por conta própria, auferindo o salário anual total de € 10.185,00 (€ 727,50 x 14 – salário base), foi vítima de um acidente mortal.
E, alegando que, o acidente sofrido por aquele consistiu numa queda em altura, que ocorreu nas referidas circunstâncias espácio-temporais, quando o sinistrado se encontrava no telhado de um armazém, constituído por telhas de fibrocimento (lusalite), suportadas por vigamento metálico, com o propósito de efetuar um orçamento para a reparação do mesmo, tendente a obstar à ocorrência de infiltrações de água, o qual se destinava a ser entregue a CC.
Mais, alega que, o sinistrado acedeu ao referido telhado, transportando consigo uma pistola de silicone e por razões desconhecidas, quando se deslocava sobre o telhado, no sentido da cumeeira do mesmo, desequilibrou-se, tendo colocado o pé sobre uma telha, que cedeu sob o seu peso, vindo a precipitar-se no solo, a cerca de 10 metros de profundidade, de cabeça tendo-lhe, como consequência direta e necessária dessa queda, resultado as lesões examinadas e descritas no relatório da autópsia, as quais foram causa direta e necessária da morte, que lhe sobreveio, no mesmo dia, em consequência do impacto provocado pela queda.
Por fim, alega que, a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho referente ao sinistrado encontrava-se transferida para a ré seguradora, através da apólice n.º ..., até ao limite do salário anual do sinistrado.
Assim, termina reclamando:
a) Que se reconheça a A. a qualidade de beneficiária legal do sinistrado;
b) Que o acidente descrito nos autos e sofrido pelo sinistrado, seja qualificado como de trabalho e, consequentemente,
c) Seja a R. condenada a pagar à A. viúva a pensão anual e vitalícia acima, no montante total anual de € 3.055,50.
d) Seja a R. condenada a pagar à A. viúva o subsídio por morte acima peticionado, no montante total de € 5.661,48.
e) Seja a R. condenada a pagar à A. viúva o subsídio por despesas de funeral acima peticionado, no montante total de € 1.887,16.
f) Juros à taxa legal, desde a citação, nos termos do disposto nos artºs. 805º e 806º, do C. Civil.
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Citada, a Ré/seguradora contestou, desde logo, dizendo que, atentas as circunstâncias em que o acidente dos autos se verificou, não pode ser responsabilizada pela reparação ao Autor dos danos que aqui reclama, atento o facto de o acidente em discussão ter tido como causa directa, necessária, única e exclusiva, a violação das regras de segurança, que no caso se impunham e cujo incumprimento é imputável exclusivamente ao próprio Sinistrado, que assume a posição de Trabalhador/Empregador.
Alega, em síntese que, no dia 20 de Abril de 2018, pelas 14h00m, o Sinistrado/Falecido encontrava- se a executar um serviço de construção civil numa obra para o qual foi contratado pela Senhora D.ª CC, senhoria das instalações da empresa "S..., Lda.", sita na Rua ..., ..., ..., Porto. O Sinistrado/Falecido efectuava a medição da área a intervencionar e respectiva orçamentação, para correcção das infiltrações detectadas nas instalações da empresa acima identificada. Pelo que o Sinistrado terá averiguado, as infiltrações tinham como origem a acumulação de resíduos nos caleiros da cobertura do armazém contíguo, que se encontrava devoluto e que era igualmente da propriedade da Senhora D.ª CC.
Prossegue, alegando que, o Sinistrado/Falecido juntamente com o seu funcionário, o Sr. DD, acederam ao telhado através de uma janela das instalações da empresa, e posteriormente com recurso a uma escada móvel, subiram para a cobertura do armazém devoluto, entretanto, o Sinistrado/Falecido solicitou ao seu funcionário que descesse para recolher uma fita métrica e, nesse ínterim, o Sinistrado deslocava-se em cima das telhas de fibrocimento (lusalite) na cobertura, quando uma delas partiu e cedeu, provocando a queda de cabeça do Sinistrado em direcção ao solo, a uma altura de cerca de 10 metros, que culminou para o Sinistrado em lesões que provocaram a sua morte.
Alega, ainda, que o sinistrado só sofreu o acidente em apreço, porque, de motu próprio, desenvolveu a sua actividade profissional sem previamente implementar os EPI e EPC convenientes, sabendo que tal conduta apenas poderia resultar na sua queda, dado as características técnicas das telhas de fibrocimento não serem adequadas para suportar pesos excessivos, risco com o qual o Sinistrado se conformou, desrespeitando as regras de segurança, ao invés de actuar com a diligência que lhe era devida e que a situação em causa exigia.
Por fim, alega que o Sinistrado/Falecido não utilizou o equipamento de trabalho adequado à tarefa que visava realizar, nem implementou as concretas medidas de segurança aptas a evitar os riscos inerentes à tarefa que pretendeu realizar, responsabilidade que é atribuída única e exclusivamente a este que assume a posição de Sinistrado/Empregador, sendo o único causador do fatal acidente que sofreu. Nada fazendo para evitar ou minorar as suas consequências.
Conclui que deve ser absolvida, com as legais consequências.
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Nos termos que constam do despacho, de 17.01.2022, foi proferido saneador tabelar, fixados os factos assentes, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, nos termos documentados na acta de 01.06.2022, foi ordenada a conclusão dos autos para prolação de sentença que terminou com a seguinte Decisão: “Termos em que julgo a presente ação improcedente e, em consequência, absolvo a Ré dos pedidos formulados.
Custas a cargo da Autora – cfr. art.º 527.º, n.s 1 e 2 do C.P.C. - sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido.
Fixo o valor da presente ação em €50.570,08 – cfr. art.º 520.º do C.P.T..
Registe e notifique.”.
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Inconformada a A. interpôs recurso, nos termos das alegações juntas, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:
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A Ré apresentou contra-alegações, as quais terminou com as seguintes Conclusões:
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O recurso foi admitido como apelação, com efeito devolutivo e ordenada a subida dos autos a esta Relação.
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O Ministério Público teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº3, do CPT, tendo emitido parecer no sentido de se julgar o recurso integralmente procedente, no essencial, aderindo às alegações do Mº Pº junto da 1ª instância.
As partes, notificadas, não responderam a este parecer.
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Dado cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2 do CPC, cumpre decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a decidir e apreciar consistem em saber, se o Tribunal “a quo” incorreu em:
- insuficiente enunciação da matéria de facto dada como provada; e
- em errónea valorização e interpretação da factualidade e aplicação do direito.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
O Tribunal a quo considerou:
Factos Provados (por ordem lógica e cronológica):
1. A Autora foi casada, até 20/04/2018, com o sinistrado BB, vivendo, até então, com este na mesma habitação.
2. BB desempenhava, por conta própria, a atividade de construção civil, detendo a categoria profissional de pedreiro.
3. No dia 20/04/2018, pelas 14H00, na Rua ..., ..., no Porto, o sinistrado BB, trabalhando por conta própria, foi vítima de um acidente mortal.
4. Nas referidas circunstâncias espácio-temporais, o sinistrado encontrava-se no telhado de um armazém, sito naquele local acima indicado, constituído por telhas de fibrocimento (lusalite), suportadas por vigamento metálico, com o propósito de efetuar um orçamento para a reparação do mesmo, tendente a obstar à ocorrência de infiltrações de água.
5. Aquele orçamento destina-se a ser entregue a CC.
6. O sinistrado acedeu ao referido telhado, transportando consigo uma pistola de silicone.
7. O sinistrado juntamente com o seu funcionário, o Sr. DD, acederam ao telhado através de uma janela das instalações da empresa, e posteriormente com recurso a uma escada móvel, subiram para a cobertura do armazém devoluto.
8. Quando o sinistrado se deslocava sobre o telhado, no sentido da cumeeira do mesmo, desequilibrou-se, tendo colocado o pé sobre uma telha, que cedeu sob o seu peso, vindo aquele a precipitar-se no solo, a cerca de 10 metros de profundidade, de cabeça.
9. As características técnicas das telhas de fibrocimento indicam fragilidade, pelo que não são adequadas para suportar pesos excessivos dada a sua pouca resistência.
10. No local não estava instalada linha de vida para utilização da mesma como ponto de ancoragem ao arnês anti-queda.
11. O sinistrado não fez uso do recurso a tábuas de rojo ou passadiços guarda-corpos.
12. Era do conhecimento do sinistrado que deveria implementar medidas de protecção adequadas à prevenção dos riscos associados à execução da tarefa que visava realizar, de forma a desenvolver seu trabalho de forma segura e sem comprometer a sua integridade física.
13. Como consequência direta e necessária dessa queda resultaram-lhe as lesões examinadas e descritas no relatório da autópsia que está a fls. 77 a 81 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, as quais foram causa direta e necessária da morte, que lhe sobreveio, no mesmo dia, em consequência do impacto provocado pela queda.
14. À data do acidente, o sinistrado auferia o salário anual total de €10.185,00 (€727,50 x 14 – salário base).
15. No dia 20 de abril de 2018 encontrava-se em vigor o contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º ... celebrado entre a Ré Seguradora e o Sinistrado/Falecido, enquanto trabalhador independente.
16. Mediante o aludido contrato encontrava-se transferida para a Ré a responsabilidade infortunística laboral, referente ao salário transferido de €727,50 x 14 meses, a que corresponde o salário anual transferido para a Ré de €10.185,00 (dez mil cento e oitenta e cinco euros).
17. O sinistrado era um homem de 52 anos, saudável, alegre e comunicativo que nutria o maior carinho e afeição pela A.
18. A perda do marido causou à A. uma angústia profunda e medo relativamente ao futuro.
19. Passou ainda a A. a sentir dificuldades económicas.
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Factos não provados (com interesse à decisão):
Não há.”.
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B) O DIREITO
Impugnação da matéria de facto
Como supra enunciado a presente questão a apreciar no recurso consiste em saber se o Tribunal “a quo” ocorreu em errónea percepção da prova realizada nos autos e, em consequência, incorreu em insuficiente enunciação da matéria de facto dada como provada, sendo que, como alega e defende a recorrente, “atenta a prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente através das testemunhas ouvidas e dos documentos que foram juntos aos autos,... não deu com provados factos que são essenciais para a boa aplicação do direito no caso sub judice.”. Ou seja, que não deu o Tribunal “a quo” como provados, “como deveria, os seguintes factos:
a) que o local da queda do sinistrado situa-se numa área do telhado diferente, independente e afastada - e para o qual apenas se acedia através do uso de uma escada -, daquele onde iriam ocorrer os trabalhos de reparação, sendo desconhecido o motivo pelo qual o sinistrado acedeu à mesma;
b) que o sinistrado, juntamente com o seu funcionário e testemunha DD, havia chegado ao local onde ocorreu o acidente, da parte da tarde, apenas há poucos minutos, logo ao início da tarde, depois do almoço;
c) que o sinistrado tinha no interior da sua carrinha, para serem instalados no local, os instrumentos de proteção coletiva identificados nos pontos 10 e 11 da matéria de facto dada como provada, para além de outros, como cordas e coletes;
d) que tais instrumentos não haviam ainda sido instalados no telhado, porque não estavam ainda reunidas as condições para o efeito, nem o sinistrado havia tido tempo nem oportunidade ainda para os instalar.”.
Fundamenta a sua pretensão, alegando, em síntese, que “os factos contidos na al. a) supra, resultam da ausência de prova produzida para o efeito (no que concerne ao motivo pelo qual o sinistrado acedeu a tal parte do telhado) e do depoimento da testemunha CC, dona da obra, (...).
Já os factos enunciados em b), c) e d), resultam do depoimento prestado pela testemunha DD, a qual, desde logo, começou o seu depoimento por referir – o que repetiu depois por várias vezes – que o propósito da sua deslocação e do sinistrado ao local do acidente se prendia somente com a avaliação do estado do telhado, tendo em vista a elaboração de um orçamento, negando, deste modo, que estivessem ainda a executar efetivamente quaisquer tarefas de reparação:
(...).
Disse ainda esta testemunha que os materiais de proteção e segurança se encontravam, ainda, no interior da carrinha, prestes a serem instalados no telhado, o que só não ocorreu, porque haviam ali chegado ainda há poucos minutos:
(...)”.
Pelo que, termina considerando que “o Tribunal a quo não seleccionou suficientemente toda a matéria de facto que resultou provada em sede de audiência de julgamento, com influência para a decisão da causa, designadamente no sentido de se concluir pela ocorrência de uma causa justificativa para a ausência dos equipamentos de proteção que foram enunciados nos pontos 10.º e 11.º dos factos dados como provados.”.
Vejamos, então.
- Aditamento de novos factos provados
Como decorre da alegação e conclusões da apelante, a sua pretensão radica no aditamento aos factos provados daqueles que identifica sob aquelas alíneas a) a d) supra transcritas, mas sem referir quem e onde foi alegada essa matéria nos articulados.
E compulsados aqueles, (em concreto, a p.i.), não se alcança que nalgum esteja alegada a redacção proposta para aqueles pontos, cujo aditamento é, agora, pretendido. A recorrente fundamenta a sua pretensão, apenas, naquela alegação, de que resultam da ausência de prova produzida para o efeito e daqueles concretos meios probatórios que indica, já que nem alega que tenha a sentença recorrida violado o art. 72º, nº 1 do CPT, por não ter considerado factos sobre os quais incidiu discussão na audiência de julgamento.
E, sendo desse modo, verificando-se que a impugnação em causa respeita a factos essenciais, (destinados a afastar a alegada e decidida, na sentença recorrida, descaracterização do acidente) afastada está a possibilidade de se pronunciar quanto a eles este Tribunal.
Explicando.
Dispõe o nº 1 daquele art. 72º que, “sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão.”.
Por sua vez, o nº 2 do art. 5º do CPC, dispõe que:
“2- Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.”.
Verifica-se, assim, que o nº 1 do art. 72º do CPT é aplicável aos factos essenciais (stricto senso ou principais) mas já não aos factos complementares e instrumentais, aos quais se refere o citado art. 5º, nº 2 que, aquela norma expressamente ressalva.
Os factos essenciais são os factos integradores da causa de pedir, constitutivos do direito alegado à luz do quadro legal (substantivo) invocado, ou integradores das excepções peremptórias, enquanto os factos instrumentais não integram a causa de pedir; já os factos complementares concretizam os integradores da causa de pedir sem alterar o objecto do processo, conforme se refere no (Acórdão desta Secção e Relação de 31.03.2020, Proc. nº 1372/19.9T8VFR-A.P1.) e vem sendo o entendimento deste colectivo.
Ora, articulando os nºs 1 e 2 do art. 72º (referindo o primeiro que … deve o juiz … ampliar os temas da prova enunciados…, e o segundo que... se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respectivas provas…) temos que esse regime, dos factos essenciais (stricto senso), apenas é aplicável em 1ª instância, onde os temas de prova podem ser ampliados.
Já quanto aos factos (essenciais) complementares e aos factos instrumentais, atento o disposto no art. 5º, nº 2, concluímos que o Tribunal da Relação pode pronunciar-se sobre eles, com a seguinte diferença de regime:
− quanto aos primeiros é exigido que as partes tenham tido a possibilidade de sobre eles se pronunciar (al. b), o que ocorre se eles tiverem sido discutidos em sede de audiência de discussão e julgamento, caso em que o recorrente os pode invocar em recurso, com vista a aditá-los, pois nesse caso existiu a possibilidade de o recorrido se pronunciar sobre eles, a propósito veja-se o (Acórdão desta Relação (Secção Cível) de 08.10.2020, Proc. nº 818/13.4TBMTS.P1) onde se lê no ponto II do seu sumário, que “a Relação não pode, em violação do disposto no art.º 5º, nº 2, al. b) do Código de Processo Civil, levar em consideração um facto complementar novo, mas não alegado e não discutido pelo tribunal recorrido”.
− já quanto aos segundos bastará que os mesmos tenham resultado da instrução da causa (al. a).
Mas, sendo deste modo, caso estejam em causa factos essenciais (stricto senso/principais) não alegados nos articulados, não tendo aplicação o regime do nº 1 do referido art. 72º no Tribunal “ad quem”, como se disse, não se nos afigura possível sindicar a decisão recorrida, por omissão dos mesmos, em sede de impugnação da matéria de facto, assim como não será de enviar o processo à 1ª instância para o efeito, sendo o caminho a seguir pela parte o de arguir essa omissão (de ampliação dos temas de prova) aquando da audiência de discussão e julgamento (de modo a abranger factos não alegados nos articulados), veja-se o (Acórdão do STJ de 18.04.2018, Proc. nº 205/12.1TTGRD.C3.S1 «sendo de ter presente que quando o mesmo foi proferido estava em vigor a redacção do art. 72º do CPT anterior à Lei nº 107/2019, de 09 de Setembro, não contendo desde logo a expressão “sem prejuízo do disposto no artigo 5º do Código de Processo Civil”»).
Razão porque, dissemos, estar afastada a possibilidade de nos pronunciarmos quanto à impugnação deduzida relativa ao pretendido aditamento de novos factos.
Mas, apesar disso, sempre com o devido respeito, podermos dizer que da leitura que fizemos e apreciação dos depoimentos das testemunhas indicadas pela autora que, não lograram, eles, convencer-nos sobre a veracidade daquela matéria que sustenta, devia ter sido dada como provada.
Improcede, assim, esta questão da impugnação da decisão de facto.
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Passemos, então, tendo em conta a factualidade que ficou, definitivamente, assente nesta sede, à análise da invocada questão da, “errónea valorização e interpretação da factualidade e aplicação do direito”, ou seja, da “descaracterização ou não do acidente” que a recorrente, com base nos argumentos que refere nas suas conclusões 4 e ss., defende não ocorrer.
Diferentemente, a Mm.ª Juíza “a quo” concluiu que o acidente que vitimou o Autor não dá direito à reparação por verificação da situação prevista no artigo 14º, nº1, al. a) da LAT, com os seguintes fundamentos que, em síntese, se transcrevem: «(...).
No caso dos autos, perante a factualidade apurada, constata-se que o sinistrado sofreu um acidente no tempo e local de trabalho, consistente em queda em altura, que lhe produziu lesões que foram a causa da sua morte.
A questão essencial a decidir centra-se em apurar as circunstâncias em que tal acidente ocorreu, uma vez que a entidade seguradora, aqui Ré, imputa a sua ocorrência à conduta do sinistrado, que terá violado, sem causa justificativa, as condições de segurança aplicáveis.
Concretamente, a Ré refere que o sinistrado não utilizou o equipamento de trabalho adequado à tarefa que visava realizar, nem implementou as concretas medidas de segurança aptas a evitar os riscos inerentes à tarefa que pretendeu realizar, responsabilidade que é atribuída única e exclusivamente a este que assume a posição de sinistrado/empregador, sendo o único causador do fatal acidente que sofreu; e que, caso o sinistrado tivesse feito uso de linha de vida e arnês, os mesmos impediriam a queda contra o solo, não tendo assim sofrido qualquer lesão.
Vejamos.
Da factualidade provada resulta que o acidente ocorreu quando o sinistrado se deslocava sobre um telhado de um armazém constituído por telhas de fibrocimento (lusalite), suportadas por vigamento metálico, tendo colocado o pé sobre uma telha, que cedeu sob o seu peso, vindo a precipitar-se no solo, a cerca de 10 metros de altura.
Resulta ainda da factualidade provada que no local não estava instalada linha de vida para utilização da mesma como ponto de ancoragem ao arnês anti-queda; e que o sinistrado não fez uso do recurso a tábuas de rojo ou passadiços guarda-corpos.
Nos termos do disposto no art.º 14.º, n.º 1 da Lei 98/2009, de 4 de setembro:
(...)
No caso dos autos, como vimos, o sinistrado trabalhava “por conta própria”, pelo que era ao mesmo que incumbia realizar formação adequada à prevenção de riscos de acidentes de trabalho.
(...)
No caso dos autos, perante a defesa da Ré, cumprirá apreciar, essencialmente, sobre a verificação das circunstâncias previstas na al. a) do n.º 1 do art.º 14.º da Lei 98/2009, de 4 de setembro, ou seja, apurar se o acidente proveio de ato ou omissão do sinistrado, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança previstas na lei.
(...)
No caso dos autos, em face da factualidade provada, resulta que não foram adotadas quaisquer medidas de proteção coletiva, nem o sinistrado estava equipado com qualquer equipamento de proteção individual tendo, assim, violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei. A tal não obsta o facto de a vítima se encontrar naquele telhado com o propósito de efetuar um orçamento para a reparação do mesmo, ou seja, não tendo ainda iniciado qualquer obra. O sinistrado podia e devia ter feito uso, pelo menos, de “tábuas de rojo” que, como explicou a testemunha DD, são tábuas de 15 a 20 cm de largura (podendo ser utilizadas várias tábuas), e que são colocadas entre o vigamento metálico, permitindo caminhar por cima das mesmas. A colocação destas tábuas teria permitido à vitima deslocar-se naquele telhado sem risco de colocar o pé sobre uma telha, como sucedeu, tanto mais que se tratavam de telhas de fibrocimento, que não são adequadas para suportar pesos.
Verifica-se, pois, a descaracterização do acidente, nos termos previstos no art.º 14.º, n.º 1, al, a) da Lei 98/2009, de 4 de setembro, não cabendo à Ré qualquer obrigação de reparação.».
Desta decisão discorda a recorrente e invoca a falta de razão do Tribunal “a quo”, no que respeita a esta conclusão, argumentando o seguinte: “ao contrário do que entendeu o Tribunal recorrido, não consideramos que tais condições de segurança tivessem sido violadas ou omitidas no caso em concreto, ou, pelo menos, sem causa justificativa.
Com efeito, resulta já dos factos dados como provados na sentença recorrida que o sinistrado, na ocasião do acidente, encontrava-se sobre o telhado de um armazém, com o propósito de efetuar um orçamento para a reparação de um outro (mas contíguo àquele), tendente a obstar à ocorrência de infiltrações de água.
Efetivamente, o sinistrado, na altura do acidente, não se encontrava ainda a executar quaisquer tarefas de reparação do referido telhado, mas tão só a averiguar o seu estado, tendente a poder entregar um orçamento de reparação à proprietária do mesmo. Concedemos que tal tarefa, ainda que prévia e independente da eventual execução de quaisquer trabalhos de reparação, carece, como, aliás, todas os trabalhos de construção civil, de especiais cautelas ao nível da segurança. Porém, também nos parece consensual admitir que o grau de exigência na implementação de tais medidas de segurança não é o mesmo num caso ou no outro, sendo necessariamente mais exigente no primeiro caso.
Decorre da própria natureza da tarefa que o sinistrado estava a desempenhar – a verificação do estado do telhado, para a elaboração de um orçamento, tendente à sua reparação, e que necessariamente demanda uma ampla liberdade de movimentos e o percurso, a pé, de distâncias extensas, tanto mais que, no caso concreto, o armazém onde ocorreu o acidente faz parte de um aglomerado de outros armazéns contíguos entre si, com cerca de 5000m2 no total – ser praticamente inviável a implementação de mecanismos de proteção, tendentes a obstar quedas em altura, e, concretamente (que é o que está em causa nos autos – factos provados 10.º e 11.º), a instalação de uma linha de vida para utilização da mesma como ponto de ancoragem ao arnês anti-queda ou o uso tábuas de rojo ou passadiços guarda-corpos.
Com efeito, como decorre dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, estas foram as únicas medidas de proteção violadas pelo sinistrado que a decisão recorrida deu como provado – vide pontos 10 e 11 dos factos provados.
Neste particular, importa ressaltar que na sentença recorrida não se dá como facto provado que o sinistrado não usasse quaisquer equipamentos de protecção individual, no momento do acidente, pelo que nunca poderia considerar, como considerou, que o sinistrado não estava equipado com qualquer equipamento de proteção individual.”.
Que dizer?
Dispõe o art. 14°, da Lei 98/2009 de 04.09, (adiante designada LAT- e a que pertencerão todos os artigos citados, sem outra indicação), sob a epígrafe "Descaracterização do acidente" o seguinte:
“1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c) Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal provação derivar da própria prestação de trabalho, for independente da vontade do sinistrado, ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação.
2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
3 - Entende-se por negligência grosseira, o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.”.
A propósito dos requisitos previstos na al. a) deste dispositivo, tem o STJ se pronunciado várias vezes, como entre outros (Ac. de 19.11.2014, Proc. 177/10.7TTBJA.E1.S1 in www.dgsi.pt), seguindo o entendimento, que perfilhamos e, diga-se, acolhemos aqui, de que: “A descaracterização do acidente (de trabalho) prevista na alínea a) do nº1 do artº14º da NLAT (Lei nº98/2009, de 4 de Setembro), exige a conjugação cumulativa dos seguintes requisitos: a existência, por um lado, de condições de segurança e o seu desrespeito por parte do destinatário/trabalhador; em actuação voluntária, embora não intencional, por acção ou omissão, e sem causa justificativa; por outro lado, impõe-se que o acidente seja consequência, em termos de causalidade adequada, dessa conduta”.
Anterior, mas em idêntico sentido, veja-se o (Ac. do STJ de 13.01.1993, Proc. 003383, in www.dgsi.pt), em cujo sumário se consignou o seguinte: «I - Para que se verifique a descaracterização do acidente de trabalho por violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal, nos termos da alínea a) do n. 1 da Base VI da Lei n. 2127, é imprescindível que ocorram, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal; b) violação dessas condições de segurança pela vítima, através de acto ou omissão; c) que a conduta da vítima seja voluntária, embora não intencional e sem causa justificativa; d) que o acidente seja consequência dessa conduta.
II - A descaracterização do acidente de trabalho constitui facto impeditivo do direito invocado pelo sinistrado, cabendo à entidade responsável o ónus da prova dos factos integrantes de tal descaracterização (artigo 342 n. 2 do Código Civil).».
A nível doutrinal, no mesmo sentido, ainda que a propósito da Lei nº 100/97, mas com inteira aplicação à actual legislação, neste caso, (Pedro Romano Martinez in “Direito do Trabalho”, 3.ª Edição, Almedina, 2006, págs. 851 e 852), refere que, “o legislador exige somente que a violação careça de «causa justificativa», pelo que está fora de questão o requisito da negligência grosseira da vítima; a exigência dessa culpa grave encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito. A diferença de formulação constante das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 7.º da LAT (correspondentes às mesmas alíneas do n.º 1 do art. 290.º do CT) tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado, há motivos para que o legislador tenha estabelecido regras diversas. Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras.
(...).
Se o trabalhador, conhecendo as condições de segurança vigentes na empresa, as viola conscientemente e, por força disso, sofre um acidente de trabalho, não é de exigir a negligência grosseira do sinistrado nessa violação para excluir a responsabilidade do empregador.”.
Apesar desta questão, não ser pacifica, como se explica, citando doutrina e jurisprudência, o Acórdão desta Relação de 14.07.2021, Proc. nº 507/16.8T8VLG.P1.
Mas continuemos.
Segundo dispõe o art. 11º, sob a epígrafe “Quedas em altura” da Portaria nº101/96 de 03.04 (que regulamenta as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis).
1. Sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de protecção colectiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.
2. Quando, por razões técnicas, as medidas de protecção colectiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adoptadas medidas complementares de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável”.
O referido artigo, quanto ao uso de equipamento anti queda, não contém normas específicas (limita-se a estabelecer princípios gerais), remetendo para o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto nº41821 de 11.08.58, o qual determina no seu art. 1º que, “É obrigatório o emprego de andaimes nas obras de construção civil em que os operários tenham de trabalhar a mais de 4 metros do solo ou de qualquer superfície contínua que ofereça as necessárias condições de segurança”.
Por sua vez, na Secção II, sobre “Utilização dos equipamentos de trabalho destinados a trabalhos em altura”, o art. 36º do DL nº50/2005 de 25.02, (diploma que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº89/655/CEE, do Conselho, de 30.11, alterada pela Directiva nº95/63/CE, do Conselho, de 05.12, e pela Directiva nº2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27.06, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho), dispõe sob a epígrafe, “Disposições gerais sobre trabalhos temporários em altura” o seguinte: “
1. Na situação em que não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras.
2. Na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, o empregador deve dar prioridade a medidas de protecção colectiva em relação a medidas de protecção individual.
3. O dimensionamento do equipamento deve corresponder à natureza dos trabalhos e às dificuldades que previsivelmente ocorram na sua execução, bem como permitir a circulação de trabalhadores em segurança.
4. A escolha do meio de acesso mais apropriado a postos de trabalho em altura deve ter em consideração a frequência da circulação, a altura a atingir e a duração da utilização.
(...)”.
E o art. 37º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe, “Medidas de protecção colectiva” refere que:
1. As medidas de protecção colectiva destinadas a limitar os riscos a que os trabalhadores que executam trabalhos temporários em altura estão sujeitos devem atender ao tipo e características dos equipamentos de trabalho a utilizar.
2. Sempre que a avaliação de riscos considere necessário, devem ser instalados dispositivos de protecção contra quedas, com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura
(...)”.
Verifica-se, assim, que o DL nº50/2005 de 25.02 não contém, igualmente, normas específicas quanto ao uso de equipamento anti queda (limita-se a estabelecer princípios programáticos, de ordem geral), pelo que, há que averiguar se o sinistrado estava obrigado a observar, no caso concreto, determinados meios de protecção (colectivos ou individuais).
Nele provou-se que, “o sinistrado encontrava-se no telhado de um armazém, sito naquele local acima indicado, constituído por telhas de fibrocimento (lusalite), suportadas por vigamento metálico, com o propósito de efetuar um orçamento para a reparação do mesmo, tendente a obstar à ocorrência de infiltrações de água. O sinistrado acedeu ao referido telhado, transportando consigo uma pistola de silicone.O sinistrado juntamente com o seu funcionário, o Sr. DD, acederam ao telhado através de uma janela das instalações da empresa, e posteriormente com recurso a uma escada móvel, subiram para a cobertura do armazém devoluto. Quando o sinistrado se deslocava sobre o telhado, no sentido da cumeeira do mesmo, desequilibrou-se, tendo colocado o pé sobre uma telha, que cedeu sob o seu peso, vindo aquele a precipitar-se no solo, a cerca de 10 metros de profundidade, de cabeça. As características técnicas das telhas de fibrocimento indicam fragilidade, pelo que não são adequadas para suportar pesos excessivos dada a sua pouca resistência.”.
Ou seja, a tarefa a executar era o de orçamentar o trabalho a efectuar para a reparação do telhado e não, propriamente, a reparação desse telhado. Deste modo, ressalvando sempre melhor opinião, afigura-se-nos não ser exigível, no caso em apreço, o uso de medidas de protecção colectiva, como andaimes.
Mas, processando-se a concreta tarefa que o sinistrado efectuava a uma altura de dez metros do solo, importa averiguar se no caso seria exigível o uso de protecção individual.
E a este respeito, importa ter em atenção o enunciado no art. 150º daquele Decreto nº41821 de 11.08.1958 que determina: “A entidade patronal deve pôr à disposição dos operários os cintos de segurança, máscaras e óculos de protecção que forem necessários.
§ único. Os operários utilizarão obrigatoriamente estes meios de protecção sempre que o técnico responsável ou a entidade patronal assim o prescrevam”.
E, também, o art. 44º do mesmo Decreto que sob a epígrafe, “Obras em telhados” prescreve o seguinte: “No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guardas-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo.
§ 1º As plataformas terão a largura mínima de 0,40m e serão suportadas com toda a segurança. As escadas de telhador e as tábuas de rojo serão fixadas solidamente.
§ 2º Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resistente da construção”.
Decorre deste art. 44º que, o Decreto nº41821, apenas, determina o uso do cinto de segurança nas condições e circunstâncias aí referidas.
Ou seja, a adopção das medidas previstas na citada disposição legal só é obrigatória quando existe risco de queda devido: -a) à inclinação do telhado; -b) à fragilidade do material de cobertura; -c) à existência de condições atmosféricas adversas.
Donde sejamos obrigados a concluir que, o facto de se andar em cima de um telhado, por si só, não obriga à adopção de medidas de protecção e, sendo desse modo, obrigados a concluir que, compete à entidade responsável provar que, na situação em concreto, o telhado não oferecia condições para sobre ele se caminhar por se verificar alguma das situações atrás indicadas.
Na verdade, a averiguação do risco de queda tem de ser analisada em função das concretas circunstâncias do caso.
Por outras palavras, devemos colocar-nos na posição do sinistrado no momento que antecedeu o cumprimento da tarefa que se propunha executar, e avaliá-la em termos de risco de queda. Como se refere no Acórdão desta Secção Social, de 09.12.2013 (relatado pela Desembargadora Paula de Carvalho in Colectânea Jurisprudência, ano 2013, tomo V, pág. 332) “para que se verifique a responsabilidade agravada do empregador é necessário que a previsibilidade do risco lhe possa ou deva ser imputável, sendo o juízo de prognose quanto à avaliação do risco feito a priori, perante o circunstancialismo que se verificava aquando do acidente, e não, a posteriori, perante a ocorrência do mesmo”.
Igual posição foi tomada no acórdão desta Secção Social de 13.01.2014, (Proc. nº 400/11.0TTMTS.P1 in www.dgsi.pt, subscrito, também, por aquela Desembargadora) onde se refere que, “Não basta que tenha ocorrido um acidente de trabalho traduzido em queda em altura para, de imediato e sem mais, se poder afirmar que houve violação das regras de segurança, não podendo a eclosão do acidente ser o ponto de partida para se ajuizar da necessidade de implementar uma determinada medida de segurança”.
Retomando, analisemos agora o caso concreto.
Provou-se que, o sinistrado encontrava-se no telhado de um armazém, sito naquele local acima indicado, constituído por telhas de fibrocimento (lusalite), suportadas por vigamento metálico, com o propósito de efetuar um orçamento para a reparação do mesmo, tendente a obstar à ocorrência de infiltrações de água. O sinistrado acedeu ao referido telhado, transportando consigo uma pistola de silicone. O sinistrado juntamente com o seu funcionário, o Sr. DD, acederam ao telhado através de uma janela das instalações da empresa, e posteriormente com recurso a uma escada móvel, subiram para a cobertura do armazém devoluto. Quando o sinistrado se deslocava sobre o telhado, no sentido da cumeeira do mesmo, desequilibrou-se, tendo colocado o pé sobre uma telha, que cedeu sob o seu peso, vindo aquele a precipitar-se no dolo, a cerca de 10 metros de profundidade, de cabeça. As características técnicas das telhas de fibrocimento indicam fragilidade, pelo que não são adequadas para suportar pesos excessivos dada a sua pouca resistência.
Não se provou qual o estado das placas do concreto telhado, mas tão só o que, em abstracto, pode acontecer com os telhados feitos do material de fibrocimento (facto 9 da matéria de facto provada). Não se provou qual a inclinação do referido telhado e muito menos quais as condições atmosféricas no dia do acidente.
Ou seja e, tendo em conta a matéria de facto provada, a tarefa que o sinistrado se propunha efectuar, por si só, e em termos de normal previsibilidade, não nos permite concluir pela existência de risco de queda em altura.
E, não resultando provado que, no caso, era exigível o cumprimento de medidas de protecção colectiva ou individual por parte do sinistrado não se pode concluir, como se fez na sentença recorrida, que o sinistrado violou, sem causa justificativa, as normas de segurança que se impunham adoptar no caso.
Sendo deste modo, parece-nos, não se suscitarem dúvidas, não ter a recorrida demonstrado e verificarem-se, no caso, os requisitos exigíveis, na al. a) do referido art. 14º da LAT para que ocorra a descaracterização do acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado, como decidiu a Mª Juíza “a quo”.
Importa, apenas, uma nota final para referir que os factos 10, 11 e 12 (No local não estava instalada linha de vida para utilização da mesma como ponto de ancoragem ao arnês anti-queda. O sinistrado não fez uso do recurso a tábuas de rojo ou passadiços guarda-corpos. Era do conhecimento do sinistrado que deveria implementar medidas de protecção adequadas à prevenção dos riscos associados à execução da tarefa que visava realizar, de forma a desenvolver seu trabalho de forma segura e sem comprometer a sua integridade física) não são aptos a “destruir” a conclusão a que chegamos já que, apenas, se tratam, como já referido, de considerações de ordem genérica e não versam o que no caso concreto era exigível em termos de medidas de segurança a aplicar.
Deste modo, procede a apelação no sentido da não verificação da «descaracterização» do acidente e revoga-se a decisão recorrida no aspecto em que absolveu a ré.
E, perante esta conclusão, o acidente, sofrido pelo sinistrado, qualificado e caracterizado como de trabalho (art. 8º da LAT), ao contrário do que se decidiu na sentença recorrida é reparável, (nos termos do disposto nos art.s 2º, 23º, 47º e ss. da mesma lei), sendo a responsabilidade, pela reparação dos danos emergentes daquele, atenta a factualidade que se apurou (factos 14, 15 e 16) da Ré, seguradora, (atento o disposto no art. 79º).
Importa, então, apurar e proceder ao cálculo das prestações devidas, (atento o que decorre do facto 1), à A., enquanto, viúva, beneficiária legal daquele, (nos termos das disposições conjugadas dos artº 57º, nº1, al. a)).
Assim, perante a factualidade descrita tem a A. direito a uma pensão anual por morte, nos termos dos art.s 56º, 57º, nº 1 alínea a) e 59º, no montante de € 3.055,50 (30% da retribuição do sinistrado) até atingir a idade da reforma por velhice, devida desde 21.04.2018, dia seguinte ao da morte, vitalícia e actualizável, (atento o disposto no art. 6º, do DL n.º 142/99, de 30 de Abril, na redacção dada pelos Decretos-Leis n.ºs 185/2007, de 10 de Maio, e 18/2016, de 13 de Abril) a ser paga mensalmente e no seu domicílio, (nos termos dos nºs 1 e 2, do art. 72º), correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, bem como o subsídio de férias e de Natal, no valor de 1/14 da pensão anual cada, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, respectivamente.
Pensão, esta que foi actualizada, a partir de 1 de Janeiro de 2019 para o montante de € 3.104,39 por força da (Portaria nº 23/2019 de 17 de Janeiro -Diário da República n.º 12/2019, Série I de 2019-01-17, - que fixou em 1,60 %, a percentagem de actualização das pensões de acidentes de trabalho para o ano de 2019), a partir de 1 de Janeiro de 2020 para o montante de € 3.126,12 por força da (Portaria nº 278/2020 de 4 de Dezembro que fixou em 0,70% a actualização anual das pensões resultantes de acidentes de trabalho com efeitos a partir de 01.01.2020) e a partir de 1 de Janeiro de 2022 para o montante de € 3157,38 por força da (Portaria nº 6/2022 - DR n.º 2/2022, Série I de 04.01.2022 que fixou em 1% a actualização anual das pensões resultantes de acidentes de trabalho para o ano de 2022).
E, a partir daquela idade da reforma ou a partir do momento em que ficar afectada por doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, a pensão passará para 40% do salário anual do sinistrado, ou seja, para o montante de € 4.074,00.
Para além, de ser responsável pelo pagamento do valor da pensão, a Ré é ainda responsável, face ao que dispõem o art. 56º, nº 2 da LAT e art. 135º do CPT, pelo pagamento dos juros de mora a calcular sobre o valor mensal de cada uma das prestações, já vencidas, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma dessas prestações e até integral e efectivo pagamento.
A Autora, além da pensão, tem direito, também, a receber a quantia de € 5.661,48 - 12 vezes o valor de 1,1 IAS à data da morte do sinistrado (12 x (428,90 x 1,1)) (nos termos do art. 65º, nº 2, al. b)), correspondente ao subsídio por morte.
E, ainda, (nos termos do art. 66º) a receber o pagamento do subsídio por despesas de funeral, com o limite de quatro vezes o valor de 1,1 IAS, ou seja € 1.887,16, (decorrendo do Doc. 2., junto com a p.i., que a A. pagou, por este, a quantia de € 2.435,27).
Quantias, estas, também, acrescidas de juros à taxa legal, desde a citação, nos termos do disposto nos art.s 805º e 806º, do C. Civil, até integral pagamento.
Procede, assim e nestes termos, a apelação.
*
III – DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e revogar a sentença recorrida, que se substitui pelo presente acórdão, no qual se decide:
- Julgar totalmente procedente, por provada, a acção especial emergente de acidente de trabalho que a Autora, AA move à Ré, “X... - COMPANHIA DE SEGUROS, SA” e, em consequência, condena-se esta a pagar-lhe:
1) A pensão anual e vitalícia, no valor de €€ 3.055,50, a partir de 21.04.2018 e até perfazer a idade da reforma por velhice; e no valor de € 4.074,00, a partir da idade da reforma ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, a pagar mensalmente, nos termos supra descritos, actualizada nos seguintes termos:
- A partir de 1 de Janeiro de 2019 para o montante de € 3.104,39;
- A partir de 1 de Janeiro de 2020 para o montante de € 3.126,12; e
- A partir de 1 de Janeiro de 2022 para o montante de € 3157,38.
2 - Juros de mora, a calcular sobre o valor mensal de cada uma das prestações, aludidas no ponto anterior, já vencidas, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma dessas prestações e até integral e efectivo pagamento.
3 - A quantia de € 5.661,48, correspondente ao subsídio por morte – art. 65º, nº 2, alínea a) da LAT.
4) a quantia de € 1.887,16, a titulo de subsídio por despesas de funeral.
5- Juros de mora, sobre estas quantias e pensões, calculados desde a citação até integral e efectivo pagamento.
*
Custas da acção e da apelação, a cargo da ré/seguradora.
*
Fixa-se à causa o valor de € 51.737,24 - cfr. art. 120º, nº 1 do C. P. Trabalho.
*
Porto, 3 de Outubro de 2022
*
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão