Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00041860 | ||
Relator: | MARIA ADELAIDE DOMINGOS | ||
Descritores: | MENORES REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL COMPETÊNCIA INTERNACIONAL | ||
Nº do Documento: | RP200811120855376 | ||
Data do Acordão: | 11/12/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 356 - FLS. 169. | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I- Face à Convenção de Haia de 5 de Outubro de 1961, em vigor em Portugal desde 4/2/1968, é competente para alteração da regulação do poder paternal de menor o Tribunal do País da sua residência habitual à data da introdução do pedido em Juízo. II- Para esse efeito “residência habitual” é o local onde se encontra organizada a vida do menor, em termos de maior estabilidade e permanência, onde desenvolve habitualmente a sua vida, em suma, onde está radicado. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º5376/08-5 (Apelação) (Proc. n.º …../07.8TMMTS) Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO B……………., em representação do menor C………….., residente na Rua ………, …., ….º centro frente, Perafita, requereu a alteração da regulação do exercício do poder paternal referente ao referido menor, seu filho, sendo requerida D……………., residente em ….. …, …., ….., Luzern, Suíça, pedindo que seja alterado o regime de visitas em vigor. Foi realizada conferência de pais, em 11 de Julho de 2007, onde foi fixado regime provisório. Foram juntas alegações pelo requerente e requerido e realizado relatório social relativo ao requerido. Em 14 de Fevereiro realizou-se nova conferência de pais, à qual não compareceu a requerida, apesar do tribunal ter aguardada a vinda da requerida a Portugal, o que não chegou a ocorrer, e onde não foi possível obter acordo. Realizou-se audiência de discussão e julgamento. Foi proferida decisão que alterou o regime de visitas, nos termos constantes de fls. 114 a 116. Inconformada apelou a requerida, formulando, no essencial, as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida violou o artigo 8.º, n.º 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, quando considerou o Tribunal de Família e de Menores de Matosinhos competente em razão da nacionalidade para apreciar a acção. 2. Também, violou o artigo 65.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, que contempla os factores atributivos da competência internacional dos Tribunais Portugueses e que excepciona a competência internacional dos tribunais portugueses se existirem tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais. 3. Esta acção de alteração da regulação do exercício do poder paternal foi intentada em 23 de Maio de 2007, residindo o menor com a sua progenitora, na Suíça, desde Julho de 2006, pelo que é aplicável a Convenção Relativa à Competência das Autoridades e à Lei Aplicável em Matéria de Protecção de Menores, feita em Haia, em 5 de Outubro de 1961, em que Portugal e a Suíça são signatários. 4. Por força dessa Convenção são as autoridades, quer judiciais, quer administrativas do Estado de residência habitual do menor, competentes para decretar medidas visando a protecção da sua pessoa ou dos seus bens. 5. Considera-se que a violação das normas que atribuem a competência internacional aos Tribunais da residência habitual do menor acarreta graves prejuízos para a decisão de mérito. 6. Foram, concomitantemente violadas as normas preceituadas nos artigos 177.° e 178.º da Organização Tutelar de Menores que prevêem, como instrução deste tipo de processos, inquéritos sociais, relatórios psicológicos e médicos aos pais e ao menor; 7. Por o menor e a mãe residirem na Suíça, apenas foi feito um inquérito social ao ora Recorrido, o que prejudicou a instrução do processo que ficou praticamente reduzida ao depoimento do avó paterno do menor, à companheira do progenitor e a um relatório social do pai do menor. 8. Por se estar perante de um processo de jurisdição voluntária, competia ao tribunal coligir e ordenar as provas e inquéritos convenientes, pelo que a sua omissão determinou a violação das normas preceituadas nos artigos 1409.° do Código de Processo Civil e 178°, n.º 3 da OTM. 9. Considera-se que a sentença recorrida foi contraditória quando, na sua fase dispositiva, refere que a mãe teve uma conduta muito negativa pelo facto de, ao arrepio do regime ainda em vigor, permitiu que o filho em 18 meses após a ida para a Suíça, apenas permitiu que o filho estivesse uma vez com o progenitor, uma vez que refere que o pai não suscitou incidente de incumprimento. 10. Esquecendo que a alteração da residência do menor impedia o cumprimento do regime de visitas fixado. 11. Nos termos do artigo 712.º, n.º 3 e do CPC, o tribunal ad quem deve determinar a renovação dos meios de prova de modo a aferir que foi a progenitora quem antes de partir para a Suíça, tomou a iniciativa de intentar acção de alteração da regulação do exercício do poder paternal, tendo dado origem ao Processo Administrativo n.º …../06.4TQMTS. 12. A deficiente produção e apreciação da prova conduziu a uma sentença que penaliza o menor por falhas imputáveis ao progenitor, impondo-lhe um regime de visitas que prejudica a sua convivência com a família materna, a sua integração no novo país onde reside, na escola, bem como em relação às suas actividades extra-curriculares. 13. Caso venham a ser considerados os tribunais portugueses internacionalmente competentes para apreciaram esta acção, um regime de visitas mais equilibrado e que tenha essencialmente em conta o supremo interesse do menor. Nas suas contra-alegações o apelado defende, essencialmente, o seguinte: 1. Antes de ter requerido a alteração do exercício do poder paternal, intentou a providência cautelar n.º ……/06.0 TMMTS, do Tribunal de Família e Menores de Matosinhos, com vista a impedir a mãe de levar o menor para a Suíça. 2. Porém, como na data da inquirição das testemunhas (14 de Setembro de 2006), o menor já encontrava a residir na Suíça, desde finais de Junho de 2006, a mesma findou por inutilidade superveniente da lide. 3. Não se aplica a Convenção referida nas conclusões do recurso porque não está em causa a aplicação ao menor ou aos seus bens de qualquer medida de protecção, mas apenas a alteração do regime de visitas, por alteração superveniente das circunstâncias. 4. Nos termos dos artigos 65.º do CPC, 155.º da OTM, 57.º do CC, são competentes internacionalmente os tribunais portugueses, por o apelado residir em Portugal, o exercício do poder paternal já se encontrar regulado, visando-se apenas uma alteração a tal regulação. 5. As provas fundamentadoras da decisão foram as apresentadas pelas partes, que em igualdade puderam carrear para os autos o que tiveram por conveniente, estando as mesmas sujeitas ao princípio da livre apreciação pelo tribunal, tendo os depoimentos sido valorados nos aspectos que revelaram conhecimento directo dos factos, não existindo discrepâncias entre os mesmos. 6. A realização do inquérito social à apelante seria irrelevante para se proceder a uma alteração da regulação do exercício do poder paternal, estaria sujeito a a formalismos de uma lei estrangeira com todas as delongas que daí advinham, prejudicando o interesse do menor na manutenção dos laços parentais com o pai. 7. Para além disso, não é obrigatória a sua realização, excepto de o tribunal o considerar indispensável face aos elementos constantes do processo, que no caso não se verificava (artigos 147.º-B, n.º 3 e 178.º da OTM). 8. É equilibrada repartição de despesas quanto ao pagamento das viagens do menor e defende o interesse do menor em manter laços parentais com o apelado, pois este em nada contribuiu para a deslocação geográfica, sofrendo com a separação e com a possibilidade de apenas estar com o menor nas férias escolares deste. O Ministério Público pronunciou-se, defendo, em síntese: 1. A questão da incompetência internacional dos Tribunais Portugueses apenas foi suscitada nas alegações de recurso; 2. O tribunal não deu como assente que a morada na Suíça fosse tida como residência habitual do menor, à data da entrada da acção; 3. Sendo este um processo de jurisdição voluntária (art. 150.° da OTM) o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo adoptar, em cada caso, a solução que achar oportuna e conveniente (art. 1410.° do CPC), o que foi feito no caso concreto; 4. Os depoimentos das testemunhas foram valorados enquanto se reportavam ao seu conhecimento directo dos factos ocorridos no seu lado familiar; 5. O regime de visitas ponderou devidamente os interesses do menor e repartiu equitativamente a partilha das despesas inerentes às deslocações do menor. II- FUNDAMENTAÇÃO A- Objecto do Recurso: Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objecto do recurso nos termos dos artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 e 3 do CPC, sem prejuízo do disposto no artigo 660.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, as questões essenciais a decidir são as seguintes: a)- Competência internacional do Tribunal de Família e Menores de Matosinhos; e sendo competente, ainda: b)- Deficiências na instrução do processo e na produção e apreciação da prova; c)- Alteração do regime de visitas. B- De facto: Ficou provada a seguinte factualidade: 1. No dia 09 de Julho de 1988 nasceu o C………….., com a paternidade registada em nome do aqui requerente e a maternidade em nome da aqui requerida; 2. Por acordo homologado em 16 de Janeiro de 2001 ficou regulado o exercício do poder paternal em todas as suas vertentes, nomeadamente ao nível de visitas; 3. Nomeadamente ficou estabelecido que, a partir de Julho de 2001, o menor passaria com o pai fins-de-semana alternados desde as 10h00 de Sábado e as 19h30 de Domingo, bem como 15 dias nas férias do Verão; 4. Em Julho de 2006 a progenitora foi viver para a Suíça, juntamente com o menor e o marido; 5. Desde essa altura o menor apenas esteve com o pai no Verão de 2007, conforme regime provisório estabelecido em 11 de Julho; 6. Nessa altura o menor esteve bem tendo apreciado muito o tempo em que esteve com o progenitor e família paterna; 7. Enquanto estava em Portugal, e antes de ir viver para a Suíça, o menor manteve sempre grande ligação afectiva com os avós paternos, figuras de referência para o menor; 8. Sendo que os mesmos asseguravam, muitas vezes, a pedido da progenitora, muitos dos cuidados ao menor, passando muito tempo com o mesmo; 9. Desde a ida para a Suíça que os contactos do progenitor e avós paternos têm sido ou telefónicos ou através da internet, embora os contactos não sejam sempre semanais uma vez que nem sempre conseguem estabelecer contacto com o menor; 10. O progenitor vive maritalmente com E………… a qual o tem apoiado sempre nos contactos com o menor; 11. Habitam em casa própria, de tipologia T3; 12. O progenitor trabalha por turnos na F…………….., em Leça da Palmeira, onde tem 1 dia de férias por cada 3 de trabalho e uma semana de férias por cada 31 dias de trabalho; 13. Aufere um vencimento mensal de cerca de 1560 € enquanto que a sua companheira aufere um vencimento mensal de cerca de 850 €; 14. De despesas relevantes destaca-se a prestação mensal relativa ao empréstimo para aquisição de habitação, no valor de 844 €; 15. Na Suíça o menor frequenta a Escola Municipal de ………., onde tem 5 grandes períodos de férias, a saber: ● Cerca de 15 dias em finais de Setembro e inícios de Outubro; ● Cerca de 15 dias na época do Natal; ● Cerca de 15 dias por altura do Carnaval; ● Cerca de 15 dias por altura da Páscoa; ● Cerca de 45 dias na altura do Verão; 16. A progenitora trabalha numa empresa suíça, com uma carga horária der 40 horas por semana; 17. No último Natal o menor não esteve com o pai nem com a família paterna; 18. Tendo estado com a mãe e família materna em Portugal. C- De Direito: A primeira questão a analisar é da competência internacional do Tribunal de Família e Menores de Matosinhos para decidir o pedido de alteração da regulação do exercício do poder paternal. Importa dizer que esta questão apenas foi suscitada em sede de recurso por parte da apelante. De facto, resulta do processo que nem as partes, nem o curador de menores suscitaram a questão na primeira instância. Embora os recursos sejam mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, esta regra não vale em relação a questões de conhecimento oficioso, de que podem conhecer tanto o tribunal a quo como o tribunal ad quem, ainda que as partes não as tenham suscitado (artigos 684.º e 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC). Ora, a incompetência absoluta decorrente da infracção das regras da competência internacional é, no nosso ordenamento jurídico, uma excepção dilatória que o tribunal aprecia oficiosamente. É o que resulta dos termos conjugados dos artigos 101.º, 102.º, n.º 1, 288.º, n.º 1, alínea a), 494.º, n.º 1, alínea a) e 495.º, todos do CPC, pelo que importa decidir esta questão em fase de recurso. A competência internacional é um pressuposto processual, uma condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa e afere-se pelo objecto apresentado pelo autor na petição inicial. No caso, a causa de pedir resume-se à alegação de circunstâncias supervenientes que determinaram a necessidade de alteração do regime de visitas, por a criança ter passado a residir com a mãe na Suíça, formulando-se pedido no sentido de compatibilizar essa situação com a permanência do pai em Portugal, pelo que, face ao disposto no artigo 182.º, n.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27.10 (OTM), estamos perante uma acção de alteração da regulação do exercício do poder paternal. Esta acção, embora se tramite por apenso ao processo de regulação do exercício do poder paternal, formalmente é uma nova acção, pois o efeito pretendido é o de regular, por outra forma, o exercício do poder paternal. Este é entendimento consensual em termos jurisprudenciais[1] e tem arrimo normativo no disposto no artigo 182.º, n.º 4 da OTM. Assim sendo, face ao disposto no artigo 22.º da Lei n.º 3/99, de 13.01 (LOFTJ), conjugada com o disposto no artigo 267.º, n.º 1 do CPC, a competência do tribunal fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorrem posteriormente, considerando-se a acção como proposta logo que seja recebida na secretaria do tribunal. In casu, e por aplicação destas regras, a acção de alteração da regulação do poder paternal considera-se proposta no dia 23 de Maio de 2007 e será, em face desta data, que se irão aferir os efeitos relevantes em termos de competência internacional do tribunal que proferiu a decisão recorrida. A competência internacional do tribunal português resulta da regra atributiva de competência inserida no artigo 65.º do CPC, a qual estabelece diferentes elementos de conexão em face das circunstâncias que a mesma prevê. Contudo, a aferição da competência internacional está sempre depende de um pressuposto prévio, que se traduz na existência de “…tratados, convenções, regulamentos e leis especiais…”, que determinem regras específicas sobre competência internacional, ou seja, caso existem regras convencionais prevalecentes sobre normas internas, serão aquelas as aplicáveis. Tal deve-se ao facto de vigorar na ordem jurídica interna portuguesa, por força do artigo 8.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, o princípio da recepção automática das normas de direito internacional, constante de tratados e acordos em que participe o Estado Português, as quais são directamente aplicáveis pelos tribunais, estando a sua eficácia interna apenas dependente de publicação oficial na sequência da ratificação ou aprovação. No caso, e em matéria de protecção de menores, Portugal assinou e ratificou a Convenção Relativa à Competência das Autoridades e à Lei Aplicável em Matéria de Protecção de Menores, concluída em Haia, em 5 de Outubro de 1961, designada, abreviadamente, por Convenção de Haia de 1961, conforme consta do Diário do Governo, 1.ª série, n.º 172, de 22 de Julho de 1968 (Decreto-Lei n.º 48 494), a qual passou a vigorar em 04.02.1969. Por sua vez, também a Suíça foi Estado parte nesta Convenção, que assinou em 18.11.64, ratificou em 09.12.66, entrando em vigor nesse país em 04.02.69.[2] Nos termos do artigo 1.º da Convenção de Haia de 1961, “As autoridades, quer judiciais, quer administrativas, do Estado da residência habitual do menor, sob reserva das disposições dos artigos 3.º, 4.º e 5.º, alínea III, da presente Convenção, são competentes para decretar medidas visando a protecção da sua pessoas ou bens.” Por sua vez, o artigo 13.º estipula que “A presente Convenção aplica-se a todos os menores que têm a sua residência habitual num dos Estados contratantes”. Consequentemente, a Convenção será aplicável se o objecto da causa se enquadrar nas situações nela previstas e em face da residência habitual do menor à data da instauração da acção. Quanto ao primeiro aspecto, defendeu o recorrido que a Convenção não se aplica porque não está em causa a aplicação ao menor ou aos seus bens de qualquer medida de protecção, mas apenas a alteração do regime de vistas. Discordamos de tal interpretação. Parece-nos linear que uma decisão que regule ou altere o regime de visitas dos progenitores visa, essencialmente, proteger o menor. Não nos podemos esquecer que é sempre no superior interesse do menor que todas estas decisões são tomadas, conforme expressamente referem os 1905.º, n.º 2 do Código Civil e artigo 180.º, n.º 1 da OTM. A regulação dos contactos, visitas, convívio do menor com os progenitores separados são medidas que, na perspectiva deste, visam garantir-lhe a efectividade do direito ao desenvolvimento físico e psíquico, ao seu bem-estar, segurança e formação da sua personalidade, incumbindo aos pais, no acervo de poderes-deveres que constituem o poder paternal, prosseguir esses interesses, actuando em conformidade (artigo 1878.º do Código Civil). Quanto ao segundo aspecto - residência habitual do menor à data da propositura desta acção – também entendemos que o mesmo se verifica. Está provado que a mãe foi viver para a Suíça, juntamente com o filho e o marido, em Julho de 2006 e que a presente acção deu entrada em 23 de Março de 2007, ou seja, decorridos oito meses após a alteração da residência do menor. O artigo 1.º da Convenção de Haia de 1961 faz depender a competência do tribunal da circunstância do menor residir habitualmente no país abrangido pela mesma. O conceito “residência habitual” tem sido entendido, para efeitos de aplicação desta Convenção, mas não só, também de outros instrumentos internacionais que também usam este elemento de conexão[3], como, igualmente, para efeitos de definição da competência territorial, face ao disposto no artigo 155.º, n.º 1 da OTM, que a residência habitual é o local onde se encontra organizada a vida do menor, em termos de maior estabilidade e permanência, onde desenvolve habitualmente a sua vida, em suma, onde está radicado.[4] Sendo assim, considerando que à data da entrada da acção, o menor já residia na Suíça há oito meses, nunca se poderia entender que a ida para aquele país era um acto ocasional, isolado, não perdurável no tempo. Bem pelo contrário, esse dado revelava que o menor tinha alterado a sua residência habitual, passando a ter na Suíça o local onde estava organizada o centro da sua vida. E tal veio a confirmar-se com o decurso do tempo. E na data do julgamento, os factos provados sob os números 4, 5, 9, 15 e 16 dos factos provados confirmam que a mãe trabalha naquele país e o menor frequenta a escola, deslocando-se a Portugal apenas no período de férias. Importa esclarecer, na sequência do invocado pela curadora de menores quanto ao tribunal não ter dado como assente que a morada do menor na Suíça fosse tida como residência habitual, que tal circunstância é irrelevante dada a natureza jurídico-conclusiva de tal conceito (“residência habitual”). Mas para além disso, a aferição da competência do tribunal resulta das circunstâncias factuais relevantes para o efeito invocadas na petição inicial, as quais, aliás, não foram contraditadas. E resulta claramente do artigo 4.º daquela petição inicial que o requerente reconhece que o filho, desde 20 de Julho de 2006, passou a residir, com carácter permanente, na Suíça para onde a mãe se deslocou invocando razões profissionais. Portanto esta invocação era suficiente para que o tribunal pudesse aferir, à data da entrada da acção, qual era o local da residência habitual da criança. Será também de mencionar que o facto da acção ter dado entrada decorridos largos meses após a alteração das circunstâncias subjacentes à regulação do poder paternal, no que concerne à residência do menor, não favorece raciocínio diferente, sendo certo que nada foi invocado que tornasse compreensível ou perceptível a demora na propositura da acção, até porque a instauração do procedimento cautelar indiciava que o progenitor estava a desenvolver esforços no sentido de ver alterado o regime de visitas, conforme expressamente refere no artigo 13.º da petição inicial daquele procedimento cautelar, quando menciona a natureza incidental face ao futuro pedido de alteração da regulação do poder paternal. Por isso, é incompreensível a inércia subsequente, mas a mesma não pode deixar de produzir efeitos quando à estabilização das circunstâncias que revelam que a residência habitual da criança passou a ser no local para onde foi viver. Assim sendo, verificando-se o preenchimento dos pressupostos de aplicação da Convenção de Haia de 1961, a mesma é aplicável e, consequentemente, os Tribunais Portugueses, incluindo o Tribunal de Família e Menores de Matosinhos, é incompetente internacionalmente para se pronunciar sobre a acção de alteração da regulação do exercício do poder paternal relativo ao menor C…………., ficando, por essa razão, prejudicada a análise das demais questões suscitadas. De referir, e antevendo que esta conclusão e as consequências jurídicas que daí advêm podem afigurar-se incompreensíveis para o recorrido, que a aplicação de instrumentos internacionais como aquele em causa neste processo, que estabelecem critérios de conexão baseados na residência habitual da criança, visam dar prevalência ao princípio da proximidade, por considerarem que é o mais eficaz na defesa e tutela dos interesses da mesma, visto exactamente nessa perspectiva, no sentido de poderem as entidades da residência habitual melhor aferir todo o circunstancialismo que rodeia o caso em concreto e que irão servir para fundamentar a tomada de uma decisão consciente. Por outro lado, convém também referir que, enquanto o país onde reside a criança não alterar ou substituir a decisão do Tribunal de Família e Menores do Porto, datada 16 de Janeiro de 2001, que regulou o exercício do poder paternal, essa decisão mantém-se em vigor, por tal resultar expressamente do artigo 5.º da Convenção de Haia de 1961. E mais, se o tribunal Suíço decidir que altera ou substitui essa decisão, só o poderá fazer depois de avisar previamente as autoridades portuguesas. Por conseguinte, caso não se desencadeiam medidas, no tribunal suíço competente, para alterar a regulação do exercício do poder paternal, os progenitores terão de saber viver e adaptar o regime de visitas judicialmente fixado na acção de regulação do exercício do poder paternal, assegurando ao filho o efectivo direito de estar com o pai, dentro das novas circunstâncias das suas vidas. Porque vencido, o apelado suportará o pagamento das custas (artigo 446.º, n.º 1 e 2 do CPC). III- DECISÃO Nos termos e pelas razões expostas, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se procedente a excepção de incompetência absoluta do Tribunal de Família e Menores de Matosinhos, em razão das regras da incompetência internacional, absolvendo-se a requerida da instância. Custas pelo apelado/requerente. Porto, 12 de Novembro de 2008 Maria Adelaide de Jesus Domingos Baltazar Marques Peixoto José Augusto Fernandes do Vale ____________ [1] Cfr. Ac. RC, de 27.05.2008, processo n.º 668-F/2002.C1, in www.dgsi.pt, e jurisprudência nele mencionada. [2] http://hcch.e-vision.nl/index_en.php?act=convenctions.statusprint&cid=39 [3] Veja-se, o Regulamento (CE) n.º 2201/2003, do Conselho, de 27.11.2003, relativo à competência, ao reconhecimento em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, que regula esta matéria entre os países membros da União Europeia, excepto Dinamarca. [4] Ac. RP, de 26.02.2004, processo n.º 0430548 e Ac. RC, de 27.05.2008, processo n.º 668-F2002.C1, in www.dgsi.pt. |