Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1629/15.8T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: NOMEAÇÃO DE PATRONO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE CONTESTAÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Nº do Documento: RP201609121629/15.8T8MTS.P1
Data do Acordão: 09/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 244, FLS.229-235)
Área Temática: .
Sumário: I – O prazo para contestar a acção judicial, que se interrompeu com a apresentação do pedido de nomeação de patrono, inicia-se, nos termos do artigo 24º, nº5, al. b) da Lei do Apoio Judiciário – Lei nº34/2004 de 29.07 com as alterações introduzidas pela Lei nº47/2007 de 28.08, – a partir da notificação ao requerente da decisão judicial que julgou improcedente a impugnação judicial.
II – Não havendo impugnação judicial, o prazo para contestar a acção judicial inicia-se após o termo do prazo concedido ao requerente para impugnar a decisão administrativa.
III – Tal interpretação é conforme ao princípio do acesso ao Direito e aos Tribunais consagrado no artigo 20º, nº1 da Constituição da República Portuguesa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º1629/15.8T8MTS.P1
Relatora: M. Fernanda Soares – 1379
Adjuntos: Dr. Domingos José de Morais
Dra. Paula Leal de Carvalho
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B… instaurou, em 27.03.2015, na Comarca do Porto, Matosinhos – Instância Local, Secção de trabalho, acção emergente de contrato de trabalho contra Colégio C… Lda., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 22.611,20, a título de salários em atraso, subsídios de férias e subsídio de natal de 2012 a 2014, proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal de 2014 e indemnização prevista no artigo 396º do CT, tudo acrescido dos juros legais.
Designado dia para uma audiência de partes, frustrou-se a conciliação por ausência da Ré à referida diligência tendo sido ordenado a sua notificação para contestar a acção nos termos do artigo 56º, al. a) do CPT e sob cominação do artigo 57º do mesmo Código.
Em 21.05.2015 a Ré veio apresentar documento comprovativo de ter requerido em 20.05.2015 o benefício do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono tendo em vista contestar a presente acção. Com a data de 25.05.2015 a Mmª. Juiz a quo declarou, ao abrigo do artigo 24º, nº4 da Lei nº34/2004 de 29.07, a interrupção do prazo para a apresentação da contestação.
Em 02.09.2015 a Mmª. Juiz a quo ordenou se oficiasse à Segurança Social informação sobre se já foi proferida decisão quanto ao pedido de apoio judiciário requerido pela Ré. Em 21.09.2015 a Segurança Social informou o Tribunal de que o processo em causa se encontra em sede de audiência prévia, de acordo com o disposto no artigo 23º da Lei nº34/2004.
Por carta registada expedida em 03.11.2015 a Ré foi notificada da decisão de indeferimento do requerido apoio judiciário.
A Ré veio apresentar contestação em 09.12.2015.
A Mmª. Juiz a quo, em 14.12.2015, determinou o desentranhamento da contestação, por extemporânea e, ao abrigo do disposto no artigo 57º, nº2 do CPT, proferiu sentença a condenar a Ré a pagar à Autora 1. € 7.728,00, a título de retribuições correspondentes aos meses de Fevereiro a Agosto de 2014, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados sobre o valor de € 1.104,00, relativamente a cada um dos meses, desde o primeiro dia do mês seguinte àquele a que dizem respeito, até integral pagamento; 2. € 331,20, a título de retribuição correspondente a 9 dias de Setembro de 2014, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a cessação do contrato até integral pagamento; 3. € 552,00, a título de proporcionais de subsídio de férias e de subsídio de natal de 2012, sendo € 276,00 relativamente a cada um, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde 01.01.2013 quanto ao subsídio de férias e desde 16.12.2012 quanto ao subsídio de natal, até integral pagamento; 4. € 2.208,00, a título de subsídio de férias de 2013 e 2014, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contabilizados sobre o valor de € 1.104,00 relativamente a cada um, respectivamente desde 01.01.2014 e desde a cessação do contrato até integral pagamento; 5. € 1.104,00, a título de subsídio de natal relativo a 2013, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde 16.12.2013 até integral pagamento; 6. € 2.208,00, a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a cessação do contrato, até integral pagamento; 7. € 3.312,00, a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a cessação do contrato, até integral pagamento; 8. € 5.168,00, a título de diferenças salariais à razão de € 304,00 por mês, relativas aos meses de Setembro de 2012 a Janeiro de 2014, acrescido de juro de mora, à taxa legal, contabilizados sobre o valor de € 304,00 relativamente a cada um daqueles meses, desde o primeiro dia do mês seguinte àquele a que dizem respeito, até integral pagamento.
A Ré, inconformada, veio recorrer pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que admita a contestação apresentada pela recorrente, ordenando-se o prosseguimento dos autos, concluindo do seguinte modo:
1. A Ré entende que o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação do artigo 24º, nº5 da Lei nº34/2004, de 29.07 (LAJ), e violou o direito fundamental a uma tutela jurisdicional efectiva, constante do artigo 20º da CRP.
2. A Ré foi notificada para contestar no dia 11.05.2015, pelo que o prazo para apresentação da contestação terminava em 21.05.2015. Nesse mesmo dia a Ré apresentou comprovativo pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono. O prazo de contestação foi interrompido ao abrigo do artigo 24º, nº4 da LAJ.
3. O pedido de apoio judiciário veio a ser indeferido por decisão que se presume notificada à Ré em 06.11.2015 e, face ao indeferimento, a Ré apresentou a sua contestação em 09.12.2015, juntando de imediato comprovativo do pagamento da multa devida pela prática do acto no 3º dia após o prazo, a que se refere o artigo 139º do CPC.
4. O Tribunal a quo considerou, ao abrigo da norma do artigo 24º, nº5, al. b) da LAJ, que o prazo de 10 dias para deduzir contestação teria o seu termo em 06.11.2015 – data da notificação da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário – o que determinaria a extemporaneidade que acabou por ser decidida.
5. A expressão «notificação» constante do artigo 24º, nº5, al. b) da LAJ não se refere à notificação da decisão proferida pela autoridade administrativa.
6. Com efeito, essa decisão tem um cariz meramente interlocutório no contexto do processo único especial da LAJ e, como tal, não tem a aptidão de decidir, com força de caso decidido, o indeferimento. A expressão «notificação» refere-se à decisão final ou definitiva (na ordem jurídica) desse processo especial de pedido de concessão do benefício de apoio judiciário com nomeação de patrono.
7. Ou seja: o interessado na nomeação de patrono tem o direito reconhecido pela LAJ de impugnar judicialmente a decisão final administrativa – mas interlocutória no processo especial da LAJ – no prazo de 15 dias sobre a notificação da decisão final administrativa (artigo 27º, nº1 da LAJ).
8. Perante uma decisão administrativa desfavorável, o requerente pode impugnar a decisão ou, simplesmente, nada fazer. Se usar esse direito, apresentando impugnação judicial, o prazo interrompido no processo em cujo âmbito se requereu o benefício, só se reiniciará com a notificação da decisão judicial, esta sim decisão final do PEAJ, na modalidade de nomeação de patrono.
9. Mas se o requerente optar por não impugnar judicialmente a decisão administrativa, fará sentido, à luz do quadro normativo aplicável, ter um entendimento diverso? Por outras palavras: o requerente que pretenda esgotar os primeiros 14 dias do prazo de impugnação para reflectir sobre os prós e contras dessa decisão, pode ver precludido o seu direito de praticar o acto processual, cujo prazo se havia interrompido, porquanto este já se iniciara com a notificação da decisão administrativa? Evidentemente que não, ao contrário do que defende a primeira Instância.
10. Desde logo porque a decisão de indeferimento só se torna decisão final do processo especial de AJ, torna-se «caso decidido», com o transcurso do prazo de impugnação sem que esta seja apresentada, ou seja 15 dias após a notificação da decisão final administrativa.
11. Só a partir de uma das duas datas apontadas (da notificação da decisão judicial, esta sempre final e definitiva do PEAJ, ou do decurso do prazo de impugnação sem que esta seja apresentada, momento em que a decisão final administrativa se torna decisão final definitiva do PEAJ) é que se reinicia o prazo interrompido.
12. Esta é a única interpretação aceitável perante os valores e os direitos individuais que a CRP e a LAJ visam defender e salvaguardar no seu exercício em concreto.
13. A interpretação feita na sentença esvaziaria o conteúdo e o substrato teleológico do instituto de acesso ao direito e inutilizaria, na prática, o direito de impugnação judicial ou o direito à atribuição de patrono.
14. Num caso, como nos autos, em que o prazo para a prática do acto processual, entretanto interrompido, é inferior ao prazo de 15 dias para impugnação judicial do indeferimento, o requerente do apoio judiciário vê-se na contingência de abdicar dos dias remanescentes de prazo de impugnação, seja pagando a taxa de justiça devida e constituindo mandatário, ou seja impugnando a decisão no prazo mais curto.
15. Ou seja: é claro que estando em causa um pedido de nomeação de patrono, o interessado não pode nem deve ser obrigado a contratar advogado até final do PEAJ que, em caso de indeferimento administrativo do pedido, só se verifica numa das duas datas apontadas supra. Até lá o interessado não pode ser obrigado a contratar advogado. É esta a própria essência do pedido de nomeação de patrono – ver artigo 27º, nº1 da LAJ – ao permitir que o interessado intente a impugnação judicial directamente sem advogado.
16. Qual seria a lógica de obrigar à constituição de advogado para contestar neste contexto, para impedir a perda do direito em causa no processo que viu o prazo interrompido? Isto seria manifestamente contraditório: o interessado pode apresentar impugnação judicial sem advogado mas, se quisesse defender-se no processo/base teria que constituir advogado.
17. Esta seria sempre uma solução absurda e que recusaria, em concreto os direitos que a CRP e a LAJ quiseram salvaguardar. Mas mais evidente se torna o absurdo em casos como o dos autos em que o prazo interrompido é inferior ao prazo de impugnação judicial.
18. Basta ponderar a situação de o interessado deixar correr o prazo de 10 dias da contestação (decorrido sobre a notificação da decisão administrativa do PEAJ) e apresentar a impugnação judicial por si subscrita nos 5 dias restantes. Sendo a decisão judicial favorável a este interessado, o patrono nomeado era-o para quê?
19. Numa interpretação como a da sentença, tal patrono já nada teria a fazer, apesar de a LAJ lhe dar prazo para isso. Sem olvidar o elevado grau de incerteza que uma interpretação nesses moldes geraria, mormente através da contradição de julgados: na impugnação o direito de contestar no prazo interrompido e então reiniciado, para o qual lhe era nomeado patrono; no caso concreto processo para o qual lhe foi nomeado patrono a perda de tal direito de contestar!
20. A interpretação da sentença conduziria à negação de direitos constitucionais e legais, à insegurança jurídica e à possibilidade real de sentenças de sentido oposto, com o completo desprestígio da Justiça.
21. Diz-se na sentença que a Ré foi notificada em 07.11.2015 da decisão final administrativa. Considerou-se ali ser o dia 7 o terceiro dia útil seguinte à data da expedição documentada nos autos, 3 de Novembro (na realidade o terceiro dia útil é o dia 6 e não o dia 7, aliás sábado). O prazo de impugnação judicial, de 15 dias sobre o dia 6, terminaria em 23/11, data na qual se tornou definitiva a decisão administrativa. O prazo para contestar de 10 dias sobre o dia 23 de Novembro, terminaria a 3 de Dezembro. O dia 9 de Dezembro é o terceiro dia útil após o termo do prazo para contestar.
22. Ora, a Ré apresentou a contestação em 09.12.2015 e juntou logo comprovativo do pagamento da multa a que se refere o artigo 139º do CPC.
23. A sentença recorrida não soube seguir as orientações do artigo 9º do C. Civil, na interpretação das disposições que, constitucional e legalmente, asseguram o princípio de acesso ao direito e aos tribunais, designadamente os contidos no processo especial de apoio judiciário previsto na Lei nº34/2004, tendo violado as disposições do artigo 20º da CRP e os artigos 24º e 27º da LAJ.
24. Desde já se argui, para os devidos efeitos, a inconstitucionalidade do artigo 24º, nº5, al. b) da LAJ, quando interpretado no sentido de que o prazo interrompido pela junção aos autos do comprovativo do pedido de benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono se inicia logo após a notificação da decisão da Segurança Social e não quando esta já não é susceptível de impugnação judicial.
A Autora veio contra alegar pugnando pela manutenção da decisão recorrida, concluindo do seguinte modo:
1. A impugnação judicial da decisão da Segurança Social de indeferir o pedido de apoio judiciário é denegatória do pedido formulado, tendo efeitos meramente devolutivos.
2. A impugnação judicial não interrompe o prazo para contestar.
3. Não havendo disposição legal expressa atribuindo efeito suspensivo à impugnação judicial da decisão administrativa, a partir do momento em que recebe o indeferimento, o requerente tem que contar o prazo para contestar, não podendo esperar mais 15 dias para reflectir sobre os prós e os contras dessa decisão, para a impugnar ou não, tanto mais que sabe não ter razão, pois nunca podia ter pedido apoio judiciário.
4. O recorrente esperou mais 15 dias após os 6 meses e os 10 dias do prazo e no último dia mais os 3 de multa dá entrada da contestação. Assim sendo, o recorrente tinha 25 dias para contestar e não os 10 previstos no artigo 56º do CPT.
5. Sendo que, quem pedisse apoio judiciário, mesmo sabendo que não o ia ter aumentava sempre o prazo de contestação, violando-se assim o princípio da igualdade previsto no artigo 13º da CRP.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta junto desta Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, ao qual a Ré veio responder referindo que nada foi adiantado, no parecer, quanto à questão processual colocada no recurso e deste modo conclui como defendido na apelação.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir.
* * *
II
Objecto do recurso.
1. Da tempestividade do articulado/contestação.
2. Da inconstitucionalidade do artigo 24º, nº5, al. b) da Lei do Apoio Judiciário.
* * *
III
Da tempestividade do articulado/contestação.
Nenhuma factualidade importa aqui referir para além da que consta no item I do presente acórdão. Assim sendo, passemos à análise da presente questão.
A Mmª. Juiz a quo proferiu o seguinte despacho: “Apesar de regularmente citada, a Ré não compareceu, nem se fez representar na audiência de partes designada nos autos. Foi notificada para contestar por carta registada de 06/05/2015, pelo que considerando que a notificação produziu os seus efeitos em 11/05/2015 nos termos do artigo 248º do Código de Processo Civil, o prazo para apresentação da contestação termina em 21.05.2015. Nesse mesmo dia a Ré apresentou comprovativo de ter requerido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, pelo que, por despacho de 25/05/2015 foi o prazo da contestação interrompido ao abrigo do artigo 24º, nº4 da Lei 34/2004 de 29/07, sendo a Ré notificada com a advertência do disposto pelo nº5 da mesma disposição legal, ou seja, de que aquele prazo se iniciava a partir da notificação ao patrono da sua designação ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono. Em 27 de Outubro foi junta aos autos a decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono, tendo sido solicitada à Segurança Social informação sobre a data da notificação à Ré daquela decisão. A Segurança Social informou em 24/11/2015, juntando documento comprovativo, que a notificação da decisão de indeferimento «tem registo de saída ctts datado de 03/11/2015». Tal informação foi notificada às partes. Em 09/12/2015 a Ré veio apresentar contestação, juntou procuração, documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça e da multa a que alude o artigo 139º do Código de Processo Civil. Fê-lo, porém, fora do prazo legal. Na verdade, como decorre do supra exposto, o prazo de dez dias, para a apresentação da contestação, iniciou-se, com a notificação à Ré do indeferimento do pedido de nomeação de patrono, ou seja, em 07/11/2015, considerando-se a notificação efectuada no terceiro dia útil subsequente à data do registo. Por isso, o prazo terminava em 17/11/2015, sendo ainda admissível a apresentação da contestação até 19/11/2015, mediante o pagamento da multa a que alude o artigo 139º do Código de Processo Civil. Assim, quando em 09/12/2015 a Ré apresentou a contestação há muito havia decorrido o prazo de que dispunha para o efeito. Também não foi invocado justo impedimento para os efeitos previstos pelo artigo 139º, nº4 do Código de Processo Civil. Conclui-se, pois, que a contestação é extemporânea e como tal, determina-se o respectivo desentranhamento” (…).
A apelante defende a tempestividade do articulado/contestação argumentado do seguinte modo: 1. A expressão «notificação» constante do artigo 24º, nº5, al. b) da LAJ não se refere à notificação da decisão proferida pela autoridade administrativa. Com efeito, essa decisão tem um cariz meramente interlocutório no contexto do processo único especial da LAJ e, como tal, não tem a aptidão de decidir, com força de caso decidido, o indeferimento; a expressão «notificação» refere-se à decisão final ou definitiva (na ordem jurídica) desse processo especial de pedido de concessão do benefício de apoio judiciário com nomeação de patrono; o interessado na nomeação de patrono tem o direito reconhecido pela LAJ de impugnar judicialmente a decisão final administrativa – mas interlocutória no processo especial da LAJ – no prazo de 15 dias sobre a notificação da decisão final administrativa (artigo 27º, nº1 da LAJ); perante uma decisão administrativa desfavorável, o requerente pode impugnar a decisão ou, simplesmente, nada fazer. Se usar esse direito, apresentando impugnação judicial, o prazo interrompido no processo em cujo âmbito se requereu o benefício, só se reiniciará com a notificação da decisão judicial, esta sim decisão final do PEAJ, na modalidade de nomeação de patrono. Mas se o requerente optar por não impugnar judicialmente a decisão administrativa, fará sentido, à luz do quadro normativo aplicável, ter um entendimento diverso? Por outras palavras: o requerente que pretenda esgotar os primeiros 14 dias do prazo de impugnação para reflectir sobre os prós e contras dessa decisão, pode ver precludido o seu direito de praticar o acto processual, cujo prazo se havia interrompido, porquanto este já se iniciara com a notificação da decisão administrativa? Evidentemente que não, ao contrário do que defende a primeira Instância. Desde logo porque a decisão de indeferimento só se torna decisão final do processo especial de AJ, torna-se «caso decidido», com o transcurso do prazo de impugnação sem que esta seja apresentada, ou seja 15 dias após a notificação da decisão final administrativa. Só a partir de uma das duas datas apontadas (da notificação da decisão judicial, esta sempre final e definitiva do PEAJ, ou do decurso do prazo de impugnação sem que esta seja apresentada, momento em que a decisão final administrativa se torna decisão final definitiva do PEAJ) é que se reinicia o prazo interrompido. Esta é a única interpretação aceitável perante os valores e os direitos individuais que a CRP e a LAJ visam defender e salvaguardar no seu exercício em concreto. A interpretação feita na sentença esvaziaria o conteúdo e o substrato teleológico do instituto de acesso ao direito e inutilizaria, na prática, o direito de impugnação judicial ou o direito à atribuição de patrono. Num caso, como nos autos, em que o prazo para a prática do acto processual, entretanto interrompido, é inferior ao prazo de 15 dias para impugnação judicial do indeferimento, o requerente do apoio judiciário vê-se na contingência de abdicar dos dias remanescentes de prazo de impugnação, seja pagando a taxa de justiça devida e constituindo mandatário, ou seja impugnando a decisão no prazo mais curto; é claro que estando em causa um pedido de nomeação de patrono, o interessado não pode nem deve ser obrigado a contratar advogado até final do PEAJ que, em caso de indeferimento administrativo do pedido, só se verifica numa das duas datas apontadas supra. Até lá o interessado não pode ser obrigado a contratar advogado. É esta a própria essência do pedido de nomeação de patrono – ver artigo 27º, nº1 da LAJ – ao permitir que o interessado intente a impugnação judicial directamente sem advogado. Qual seria a lógica de obrigar à constituição de advogado para contestar neste contexto, para impedir a perda do direito em causa no processo que viu o prazo interrompido? Isto seria manifestamente contraditório: o interessado pode apresentar impugnação judicial sem advogado mas, se quisesse defender-se no processo/base teria que constituir advogado. Esta seria sempre uma solução absurda e que recusaria, em concreto os direitos que a CRP e a LAJ quiseram salvaguardar. Mas mais evidente se torna o absurdo em casos como o dos autos em que o prazo interrompido é inferior ao prazo de impugnação judicial. Basta ponderar a situação de o interessado deixar correr o prazo de 10 dias da contestação (decorrido sobre a notificação da decisão administrativa do PEAJ) e apresentar a impugnação judicial por si subscrita nos 5 dias restantes. Sendo a decisão judicial favorável a este interessado, o patrono nomeado era-o para quê? Numa interpretação como a da sentença, tal patrono já nada teria a fazer, apesar de a LAJ lhe dar prazo para isso. Sem olvidar o elevado grau de incerteza que uma interpretação nesses moldes geraria, mormente através da contradição de julgados: na impugnação o direito de contestar no prazo interrompido e então reiniciado, para o qual lhe era nomeado patrono; no caso concreto processo para o qual lhe foi nomeado patrono a perda de tal direito de contestar! Diz-se na sentença que a Ré foi notificada em 07.11.2015 da decisão final administrativa. Considerou-se ali ser o dia 7 o terceiro dia útil seguinte à data da expedição documentada nos autos, 3 de Novembro (na realidade o terceiro dia útil é o dia 6 e não o dia 7, aliás sábado). O prazo de impugnação judicial, de 15 dias sobre o dia 6, terminaria em 23/11, data na qual se tornou definitiva a decisão administrativa. O prazo para contestar de 10 dias sobre o dia 23 de Novembro, terminaria a 3 de Dezembro. O dia 9 de Dezembro é o terceiro dia útil após o termo do prazo para contestar. Ora, a Ré apresentou a contestação em 09.12.2015 e juntou logo comprovativo do pagamento da multa a que se refere o artigo 139º do CPC.
Que dizer?
O sentido da expressão «notificação da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono» prevista na al. b) do nº5 da Lei do Apoio Judiciário (LAJ).
Nos termos do artigo 24º, nº1 da LAJ “O procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeita, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nos números seguintes”. Por sua vez o nº4 do mesmo artigo determina o seguinte: “Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”, sendo que “O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono” – al. b) do nº5 do mesmo artigo.
O artigo 26º da LAJ, sob a epígrafe “Notificação e impugnação da decisão”, prescreve o seguinte: “1 – A decisão final sobre o pedido de protecção jurídica é notificada ao requerente e, se o pedido envolver a designação de patrono, também à Ordem dos Advogados. 2 – A decisão sobre o pedido de protecção jurídica não admite reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo susceptível de impugnação judicial nos termos dos artigos 27º e 28º” (…) 4 – Se o requerimento tiver sido apresentado na pendência de acção judicial, a decisão final sobre o pedido de apoio judiciário é notificada ao tribunal em que a acção se encontra pendente, bem como, através deste, à parte contrária. 5 – A parte contrária na acção judicial para que tenha sido concedido apoio judiciário tem legitimidade para impugnar a decisão nos termos no nº2”.
E finalmente o artigo 29º da mesma Lei, sob a epígrafe “Alcance da decisão final” determina: “1 – A decisão que defira o pedido de protecção jurídica especifica as modalidades e a concreta medida do apoio concedido” (…) “4 – O indeferimento do pedido de apoio judiciário importa a obrigação do pagamento das custas devidas, bem como, no caso de ter sido solicitada a nomeação de patrono, o pagamento ao Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas de Justiça, I.P., da quantia prevista no nº2 do artigo 36º ”.
Posto isto cumpre, então, averiguar se a decisão a que se refere a al. b) do nº5 da LAJ é a decisão administrativa ou a decisão judicial proferida no âmbito da impugnação judicial.
Decorre do disposto no artigo 26º, nº2 e nº5 da LAJ que a decisão administrativa sobre o pedido de protecção jurídica pode ser objecto de impugnação judicial por parte do requerente do pedido e também pela parte contrária na acção para que tenha sido concedido o mesmo pedido.
A LAJ, quanto aos efeitos [suspensivo ou devolutivo] da decisão administrativa objecto de impugnação judicial, nada refere [o mesmo não acontece no que respeita à impugnação judicial da decisão administrativa proferida no âmbito das contra-ordenações laborais – artigo 35º, nº1 da Lei nº107/2009 de 14.09 – onde se determina, como regra geral, o efeito meramente devolutivo].
A considerar-se que a decisão a que se reporta o artigo 24º, nº5, al. b) da LAJ é a decisão administrativa, então o legislador está a consagrar, implicitamente, o efeito meramente devolutivo à impugnação judicial da decisão administrativa, atribuindo a esta decisão efeitos preclusivos no que respeita à prática de acto processual [no caso, a apresentação da contestação por parte do Réu]. E sendo o prazo para contestar a acção inferior ao prazo de impugnação judicial da decisão administrativa [o prazo para contestar a acção é de 10 dias e o prazo para impugnar a decisão administrativa de 15 dias – artigos 56º, al. a) do CPT e 27º, nº1 da LAJ, respectivamente] tal poderá conduzir à inutilidade da impugnação da decisão administrativa na medida em que o Réu se confronta com o «esgotamento» do prazo para contestar quando ainda decorre o prazo para impugnar a decisão administrativa.
Ou seja, o entendimento de que o prazo para contestar se inicia imediatamente à notificação ao requerente, pela segurança social, do indeferimento do pedido de nomeação de patrono, constitui um obstáculo ao princípio do acesso ao Direito e aos Tribunais consagrado no artigo 20º, nº1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Na verdade, se ao requerente do apoio judiciário assiste o direito de impugnar a decisão administrativa que lhe negou a nomeação de patrono, esse direito constitui condição suspensiva da obrigação de constituir mandatário [na acção em que é Réu e em que é obrigatória a constituição de advogado] e de apresentar contestação enquanto não for decidida, em definitivo, essa impugnação.
Por outras palavras: não é exigível ao requerente do apoio judiciário que constitua mandatário na acção judicial enquanto o seu pedido de nomeação de patrono não for definitivamente indeferido, sob pena de o obrigar ao pagamento de despesas decorrentes do mandato para as quais alegou insuficiência económica.
Deste modo, defendemos que a decisão a que se reporta o artigo 24º, nº5, al. b) da LAJ só pode ser a decisão judicial proferida no âmbito da impugnação da decisão administrativa, na medida em que o indeferimento do pedido de nomeação de patrono está directamente conexionado com o efeito preclusivo de acto processual a praticar na acção – a apresentação de contestação – e esse indeferimento só se torna definitivo com a decisão judicial a proferir no âmbito da impugnação judicial – artigo 28º, nº5 da LAJ.
Neste sentido é o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12.04.2005, publicado na CJ, ano 2005, tomo 2, página 20/21, e cujo sumário é o seguinte: I – No caso de impugnação da decisão administrativa que indefira o apoio judiciário, o prazo para contestar que tenha sido interrompido em consequência do pedido de apoio apenas se reinicia com a notificação da decisão judicial definitiva tomada naquela impugnação. II – É essa a melhor interpretação que permite dar conteúdo ao princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, não obstante não haver disposição legal expressa atribuindo efeito suspensivo à impugnação judicial da decisão administrativa.
Em suma: quando na al. b) do nº5 do artigo 24º da LAJ se fala em notificação da decisão de indeferimento o legislador está-se a referir à decisão judicial proferida no âmbito da impugnação da decisão administrativa.
Mas avancemos.
Ao considerarmos que a «decisão» a que se refere o artigo 24º, nº5, al. b) da LAJ é a decisão judicial cumpre, então, analisar quando é que se inicia o prazo para contestar quando o requerente do apoio judiciário não impugna judicialmente a decisão administrativa.
Entendemos que deve aguardar-se o prazo concedido ao requerente do apoio judiciário para impugnar a decisão administrativa. Expliquemos.
Conforme determina o nº4 do artigo 26º da LAJ – já atrás transcrito – a decisão proferida pela segurança social quanto ao pedido de apoio judiciário deve ser notificada ao Tribunal em que a acção se encontra pendente. Fica, assim, o Tribunal a conhecer o sentido da decisão administrativa. E como tal decisão pode ser impugnada, correndo, no caso, a impugnação por apenso à acção judicial – artigo 206º, nº2 do CPC – há que aguardar que a decisão administrativa se torne definitiva, o que acontece decorrido que seja o prazo de impugnação judicial sem que o requerente do apoio judiciário use de tal direito. Findo esse prazo, de imediato se inicia o prazo para apresentar a contestação na acção judicial.
Em conclusão: o prazo para contestar a acção judicial, que se interrompeu com a apresentação do pedido de nomeação de patrono, inicia-se, nos termos do artigo 24º, nº5, al. b) da LAJ, a partir da notificação do requerente do apoio judiciário da decisão judicial que julgou improcedente a impugnação judicial ou, não havendo impugnação judicial, a partir do termo do prazo concedido ao requerente do apoio judiciário para impugnar a decisão administrativa.
Uma nota final: o facto de a Ré ser uma pessoa colectiva com fins lucrativos – sem direito a protecção jurídica nos termos do artigo 7º, nº3 da LAJ – não determina, por si só, a improcedência da sua pretensão, na medida em que é à Segurança Social que compete apreciar o pedido de apoio judiciário. Ora, tendo esse pedido dado entrada naquele organismo e tendo sido junto à acção o comprovativo de tal solicitação, tanto basta para que seja accionado o disposto no artigo 24º, nº4 da LAJ.
Da extemporaneidade da contestação apresentada pela Ré.
Segundo o disposto no artigo 37º da LAJ “São aplicáveis ao procedimento de concessão de protecção jurídica as disposições do Código do Procedimento Administrativo em tudo o que não esteja especialmente regulado na presente lei”.
O prazo para impugnar a decisão administrativa é de 15 dias “corre continuadamente a partir do dia seguinte ao conhecimento da decisão pelos interessados, suspende-se nos sábados, domingos e feriados, e, se terminar no dia em que os serviços da segurança social estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil imediato” – Salvador da Costa, O Apoio Judiciário, 2013, 9ª edição, página 168.
Segundo os elementos dos autos a Ré foi notificada da decisão administrativa por correio enviado em 03.11.2015, pelo que se presume notificada no dia 06.11.2015. O prazo para impugnar a decisão administrativa iniciou-se em 09.11.2015 e terminou em 27.11.2015 (descontando-se os sábados e domingos). Em 28.11.2015 iniciou-se o prazo para apresentar contestação, o qual terminou em 07.12.2015 [no que respeita ao prazo para contestar já se está perante um prazo processual que é contado seguidamente]. A contestação entrou no dia 09.12.2015, ou seja, no primeiro dia útil após o prazo, sendo certo que se mostra paga a multa. É, assim, a contestação tempestiva.
Mesmo seguindo a contagem efectuada pela Ré relativamente ao prazo para impugnar a decisão administrativa – contou tal prazo seguido – o mesmo iniciou-se em 07.11.2015 e terminou em 23.11.2015. Em 24.11.2015 iniciou-se o prazo para contestar, o qual terminou em 03.12.2015. A contestação entrou no dia 09.12.2015, ou seja, no terceiro dia útil após o prazo, sendo que se mostra paga a respectiva multa. É, deste modo, a contestação tempestiva.
Por isso, não pode a sentença recorrida manter-se.
* * *
IV
Da inconstitucionalidade do artigo 24º, nº5, al. b) da Lei do Apoio Judiciário.
Em face da conclusão a que se chegou no item anterior fica prejudicado o conhecimento da presente questão, qual seja, a inconstitucionalidade do artigo 24º, nº5, al. b) da LAJ, quando interpretado no sentido de que o prazo interrompido pela junção aos autos do comprovativo de pedido de benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono se inicia logo após a notificação da decisão da segurança social, e não quando já não é susceptível de impugnação judicial.
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Termos em que se julga a apelação procedente, se revoga a sentença recorrida e se ordena o prosseguimento dos autos.
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Custas da apelação a cargo da apelada.
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Porto, 12.09.2016
Fernanda Soares
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
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SUMÁRIO:
I – O prazo para contestar a acção judicial, que se interrompeu com a apresentação do pedido de nomeação de patrono, inicia-se, nos termos do artigo 24º, nº5, al. b) da Lei do Apoio Judiciário – Lei nº34/2004 de 29.07 com as alterações introduzidas pela Lei nº47/2007 de 28.08, – a partir da notificação ao requerente da decisão judicial que julgou improcedente a impugnação judicial.
II – Não havendo impugnação judicial, o prazo para contestar a acção judicial inicia-se após o termo do prazo concedido ao requerente para impugnar a decisão administrativa.
III – Tal interpretação é conforme ao princípio do acesso ao Direito e aos Tribunais consagrado no artigo 20º, nº1 da Constituição da República Portuguesa.

Fernanda Soares