Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3642/20.4T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: FACTOS CONCLUSIVOS
ASSÉDIO MORAL
Nº do Documento: RP202207133642/20.4T8VFR.P1
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - As conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada.
II - O assédio moral pressupõe práticas depreciativas e ofensivas da dignidade do trabalhador, com determinada duração e consequências de extrema gravidade.
III - Inexiste qualquer indício do intuito persecutório, ficando demonstrado o interesse organizativo subjacente à transferência do Trabalhador e esclarecidas as circunstâncias em que foi escolhido para preencher o lugar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3642/20.4T8VFR.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira – Juiz 1
4ª secção
Relatora: Teresa Sá Lopes
1º Adjunto: Desembargador António Luís de Oliveira Carvalhão
2ª Adjunta: Paula Leal de Carvalho



Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório (transcrição, em parte, do relatório efetuado na sentença):
“AA instaurou contra C... EPE., a presente ação de processo comum emergente de contrato de trabalho, peticionando seja reconhecida a justa causa de resolução do contrato pelo Autor, e o Réu condenado no pagamento:
a) Indemnização, no montante de 45 dias por cada ano de trabalho, atendendo à ilicitude dos factos, no montante de €26.139,45;
b) Créditos laborais supra melhor identificados nos pontos 57 a 62 48, no montante de €2.627,67;
c) Juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento sobre as quantias acima referidas; d) Custas e procuradoria.
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Realizou-se audiência de partes, tendo resultado frustrada a conciliação.
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Regularmente notificado, o Réu contestou.
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Mediante requerimento com a Ref. 38192029, o Autor apresentou Resposta.
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Foi proferido despacho saneador, dispensando-se a indicação do objeto do litígio e a seleção dos temas de prova.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal.”

Em 25.08.2021, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, vistas as normas e os princípios jurídicos enunciados, decide-se julgar parcialmente procedente a presente ação e, em consequência condenar o Réu C... EPE. a pagar ao Autor AA as seguintes quantias:
a. Férias não gozadas, vencidas em 1 de janeiro de 2019, no valor de €534,55;
b. Proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal relativos ao ano da cessação do contrato, no valor de €1.878,15;
c. Crédito por horas de formação não ministradas no valor de €296,25.
As referidas quantias vencem juros de mora desde a data da cessação do contrato (29.09.2020) até integral pagamento.
Mais se decide absolver a Ré do demais peticionado.
Custas a cargo de Autor e Ré, na proporção do respetivo decaimento.
Notifique.”

Notificado, o Autor apresentou recurso, terminando as respetivas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1. O Recorrente não tem dúvidas de que foi feita prova dos fundamentos por si alegados e que permitem reconhecer a justa causa de resolução do contrato. Porquanto,
2. Ficou provado que a transferência implicaria redução de rendimento, pelo aumento dos custos no transporte e que o Autor passaria a ficar impedido de levar e ir buscar a sua filha à escola, tudo conforme a produção e prova testemunhal realizada em julgamento e, ainda, pela prova documental.
3. Ficou provado que a decisão de transferência foi o culminar de um processo de perseguição de que o Autor vinha a ser alvo desde que o atual chefe do ... tomou posse, tudo conforme a produção de prova testemunhal realizada em sede de audiência de discussão e julgamento, cujas testemunhas, na sua grande maioria, referiram não ter dúvidas de que se tratava de um castigo.
4. Tanto mais que, durante a audiência de discussão e julgamento ficou sobejamente demonstrado, pelas declarações das testemunhas do ora Recorrente e do ora Recorrido (de entre as quais o chefe do ...) que, afinal, não havia necessidade de colocação de um trabalhador na Unidade de Oliveira de Azeméis,
5. Deve, igualmente, ser considerado provado que o ato de transferência foi tomado pelo Réu de forma deliberada para prejudicar o Autor, o que se infere da contradição entre as conclusões assacadas na sequência do processo de inquérito e aquele que, depois, foi o depoimento prestado na audiência de julgamento pelo Eng. BB, responsável pelo serviço do ..., e pela testemunha, CC, designadamente porque:
1. No processo de inquérito, concluiu-se que a decisão de transferência do Recorrente foi tomada pelo Responsável do ..., por precisar de um técnico com maiores valências, na Unidade de Oliveira de Azeméis, ou seja, teria de ser transferido um eletromecânico.
2. O Recorrido dizia, em setembro de 2020, que a necessidade era temporária, porque se iria aposentar em janeiro um trabalhador, mas agora, depois de terem saído, não um, mas dois elementos (o trabalhador que se reformou e o Eng. que saiu autorizado por cedência de interesse público), ambos no final de janeiro, já entende que não é necessário transferir ninguém, seja para a Unidade de Oliveira de Azeméis ou para a de São João da Madeira.
3. Quando contrataram um eletromecânico em fevereiro (Sr. DD), por decisão de gestão do Responsável do ..., este entendeu que já não era necessário transferi-lo porque aquele poderia dar apoio às outras Unidades a partir de Santa Maria de Feira!….o Recorrente é que não!
4. Quando inquirido, o responsável do ..., na audiência de julgamento, referiu, inicialmente que teria de ser colocado um trabalhador na Unidade de Oliveira de Azeméis, com muitas valências, ou seja um eletromecânico, tendo entrado em contradição quando assumiu que não só não era é necessário um elemento efetivo em Oliveira de Azeméis, como não tinha de ser eletromecânico….
5. e ainda, pelo depoimento “falso” prestado na audiência de julgamento, pelo Sr. CC, que no processo de inquérito sequer foi ouvido e, depois de todas as testemunhas (quase todas trabalhadores ao serviço do Réu) terem afirmado, na primeira audiência de julgamento que a transferência tinha sido por castigo, convenientemente, esta testemunha veio assumir que a sugestão, afinal, teria sido sua!
6. Ficou igualmente provado que “As situações começaram a intensificar-se e o Autor, que sempre desempenhou as suas funções com gosto e dedicação, começou a viver em constante estado de ansiedade quando ia trabalhar por não saber com o que contar”.
7. Isso mesmo resulta de forma clara dos depoimentos dos colegas que trabalhavam com o Recorrido e que não hesitaram em afirmar que, se antes era um “homem” bem disposto, após o início de funções do atual chefe do ..., aquele passou a viver em constante estado de ansiedade, provocada pelo facto de nunca saber o que o esperava no dia seguinte, fosse nas reuniões que mantinha à porta fechada com o chefe ou nas reuniões de serviço nas quais era posto em causa o seu trabalho, precisou de recorrer à ajuda de psiquiatra e estava a ser medicado para poder ficar “sossegado”, o que, aliás, resulta, também, de forma objetiva no relatório médico.
8. Relatório médico subscrito por especialista, em psiquiatria, “sob compromisso de honra profissional” cuja autenticidade não foi posta em causa e que, por isso, permite provar que o Recorrente estava a sofrer “Ao ponto de ter precisado de recorrer a ajuda médica de psiquiatria porque já nem conseguia dormir” sic.
9. Tendo ficado que “A pressão psicológica, humilhação e discriminação foram aumentando ao ponto de o Autor ter ficado impossibilitado de ir trabalhar, por indicação do seu médico psiquiatra, Dr. EE.”- isto porque, nos dois meses anteriores à decisão de despedimento por iniciativa do Recorrente, aquele encontrava-se a faltar por motivo de doença, tendo entregue certificado de incapacidade para o trabalho, no qual era possível aferir que se podia ausentar de casa durante determinados dos dia, precisamente por, as saídas serem consideradas terapêuticas.
10. E, não temos dúvidas de que ficou, ainda, provado que o “O Réu agiu com a intenção de prejudicar o Autor, tendo-o humilhado e ofendido, porquanto, o responsável do ..., invariavelmente, punha em causa a qualidade do trabalho realizado pelo Recorrente, referindo-se àquele em tom jocoso e irónico em frente do grupo de trabalho, ao ponto de nas suas costas o descrever como a cabeça de uma cobra que existia no serviço e que referir que como profissional e como pessoa era do pior, tudo conforme foi referido pelas várias testemunhas inquiridas e cujas citações infra se transcreveram. Não podendo restarem dúvidas de que tais expressões não podiam ter outra intenção que não fosse a de prejudicar o Recorrente e outra leitura que não fosse a de que aquelas expressões eram, e são, suscetíveis de humilhar e ofender.
11. Circunstâncias e factos que, inevitavelmente, determinaram “Em consequência do conjunto de atitudes supra descritas, o Autor iniciou um processo de desgaste psíquico que culminou com a necessidade de recurso a apoio psiquiátrico e tratamento medicamentoso, para tentar debelar os sintomas de ansiedade e depressão com que passou a viver e que ainda persistem, resultantes das constantes e graves humilhações a que foi sujeito, não só a nível profissional, como também pessoal, e que
12. Tais sintomas refletem-se, ainda, numa total rejeição daquele que foi o seu local de trabalho por mais de 20 anos, recusando, sequer, falar de qualquer assunto relacionado com o Réu.
13. o que resulta provado, quer pelos depoimentos prestados pelos colegas de serviço, que assistiram à degradação psíquica do colega, ora Recorrente, ao ponto daquele ter precisado de ajuda de médico psiquiatra e de tomar medicação para tentar debelar os sintomas de ansiedade com que vivia, para conseguir lidar com a situação, o que, mesmo assim, se veio a revelar insuficiente em face da decisão de transferência, tomada com o único propósito de o castigar, como aliás o responsável do ... já havia ameaçado fazer e, por fim,
14. Ficou, também, provado que os factos praticados pelo responsável do ... “determinaram a apresentação de uma queixa crime contra o Autor dos factos identificados, que corre termos a coberto do Proc. nº 1046/20.8T9ESP”, através do depoimento prestado pela testemunha, FF, que já foi ouvido na fase de inquérito, no âmbito desse processo.
15. Em face dos factos que consideramos terem ficado sobejamente provados, entendemos que houve uma violação culposa das garantias do trabalhador que, pela sua gravidade, impediram a manutenção da relação de trabalho.
16. Factos esses que, de um modo mais genérico quanto a algumas circunstâncias e de forma mais especificada quanto a outras, foram alegados na carta de resolução do contrato,
17. E que foram de tal modo percetíveis pelo Réu, que até decidiu instaurar um processo de inquérito, do qual resultaram conclusões totalmente opostas àquelas que depois, em sede de julgamento, procuraram fazer vingar, para fugir à verdade quanto às reais intenções por detrás da transferência, que não era nem mais nem menos do que o castigo há muito prometido pelo Responsável do ....
18. Razão pela qual não temos dúvidas em concluir que a mudança de local de trabalho, foi imposta com “fins ilegítimos, designadamente, intuito persecutório (cf. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 5.ª edição, 2010, Almedina, Coimbra, p. 805).” e que, por isso, consubstancia em si mesma uma forma de assedio laboral,
19. Porquanto, não ficou provado o interesse organizativo subjacente a tal transferência. Pelo contrário, ficou provado que a transferência nunca foi necessária, o que foi assumido pelo próprio responsável pela transferência, que até aos dias de hoje não colocou ninguém na Unidade Hospitalar para a qual transferiu o ora Recorrente.
20. Para além de que, dúvidas não restam de que os factos praticados vindos de enumerar, atentaram contra a dignidade do ora Recorrente, porque foram utilizados com o propósito de o humilhar, ofender e menosprezar junto dos colegas.
21. Comportamentos esses que, foram praticados de forma intencional e consciente, com intuito persecutório e, por conseguinte têm de ser considerados dolosos.
22. Por tudo o exposto, consideramos provado o justo motivo justificado para a resolução do contrato, nos termos do disposto no art. 394.º do Código do Trabalho.
Termos em que, e nos melhores de direito que doutamente serão supridos, deverá ser o Recurso ser considerado totalmente procedente: pelo reconhecimento da justa causa de resolução do contrato e, consequentemente, pela condenação do Recorrido no pagamento da indeminização peticionada no montante de €26.139,45, acrescidos de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.”, (realce nosso).

A Ré contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
“1) A douta sentença proferida apreciou a prova produzida documental e testemunhal e julgou improcedente a ação no que concerne á requerida resolução por parte do trabalhador na carta que remeteu ao recorrido e julgou-a improcedente por não provada.
2) Não existe qualquer matéria de facto a alterar pois a prova dada como provada e não provada na sentença é o espelho fiel da prova produzida nos autos.
3) O Tribunal “a quo” julgou conforme ao direito aplicável em face da prova produzida.
4) A sentença proferida em 1ª instância não merece qualquer censura.
Termos em que julgando a apelação improcedente por não provada e mantendo a sentença proferida em 1ª Instância V. Exªs farão Justiça.”

Foram proferido despacho a admitir o recurso interposto pelo Autor.

Remetidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se nestes termos:
“1 - É pelas conclusões da alegação da recorrente que se delimita/afere, o objecto do recurso, não podendo o Tribunal de recurso, conhecer de matérias que delas não constem, salvo se as mesmas forem de conhecimento oficioso, - art.º 87º do CPT, e artigos 608º, n.º 2, 635, n.º 4, 639º, n.ºs 1 e 2 e 640º, do CPC.
Impugna o Recorrente a matéria de facto.
Em consequência, impugna a decisão de direito.
*
2. Impugnado o Recorrente, matéria de facto, deverá:
- indicar obrigatória “dos concretos pontos de facto” que “considera incorretamente julgados” (al. a), do art.º 640º do CPC),
- especificar os “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b),
- especificar “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto.
E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exata “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder optar pela apresentação da “transcrição dos excertos” relevantes.
Embora nas conclusões não remeta para as passagens da gravação, na alegação de recurso o Recorrente cumpre este ónus, indicando os factos que considera julgados, o sentido em que deveriam ser e as passagens da gravação em que se funda esta discordância.

3. Depreende-se da leitura do processo, que o lugar a ocupar pelo Recorrente continua vago, sendo asseguradas as funções por outros trabalhadores que aí se deslocam, quando necessário. E que esta é uma decisão da gestão.
Assim a necessidade de deslocar o Recorrente para aquele local, parece que não era, assim, tão premente, que justificasse a deslocação de um trabalhador para assegurar aquelas funções, que podiam ser executadas pontualmente.
Além disso, sendo possível a substituição só quando necessário, também o Recorrente, como alega o podia ter feito, não sendo, oportunamente, sugerida essa possibilidade, ou, tomada essa medida de gestão.
O que associado ao depoimento de algumas testemunhas referidos na alegação de recurso, se fica com a ideia de que a decisão de deslocar o Recorrente não era apenas uma decisão de gestão, pois não implicava necessariamente a deslocação de um trabalhador para assegurar aquelas funções, que podiam ser executadas pontualmente, como se disse.
4. Também uma deslocação que implica passar a percorrer o dobro de distância acarreta prejuízos, por mínimos que sejam, embora possam não ser suficientes para justificar a resolução do contrato.
5. Da leitura do processo entende-se que, salvo sempre diferente e melhor opinião, assiste razão ao Recorrente.
Termos em que, se emite parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso.”, (sublinhado e realce nossos).

A Ré respondeu ao parecer, nos seguintes termos:
“1. O que está em causa nestes autos é decidir se a resolução de contrato apresentada pelo trabalhador tinha ou não fundamento.
2. Damos por reproduzido os considerandos das alegações apresentadas oportunamente.
3. O Autor ora recorrente, de forma alguma demonstrou qualquer prejuízo concreto.
4. Não tinha qualquer fundamento para resolução pois em tempo algum solicitou, se fosse o caso, qualquer pedido de trabalho flexível por necessidades familiares ou qualquer meio de transporte ou pagamento de despesa por essa deslocação.
5. Sendo certo que já anteriormente o recorrente se deslocava àquela Unidade Hospitalar por necessidade.
6. Acresce ainda, como resulta a evidência dos autos, que a transferência em causa tinha um caráter temporário.
7. Não existe, por isso, qualquer fundamento, nem de facto, nem de direito, para que seja alterada a decisão da Meritíssima Juíza do tribunal “a quo”.”, (realce nosso).

Foi cumprido o disposto na primeira parte do nº2 do artigo 657º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06., aplicável “ex vi” do artigo 87º, nº1, do Código de Processo do Trabalho.
Uma vez realizada a Conferência cumpre decidir.

Objeto do recurso:
O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635, nº4 e 639, nº1 do Código de Processo Civil), salvo as questões de conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608, nº2, in fine, e 635º, nº5, do Código de Processo Civil), consubstancia-se nas seguintes questões:
- Impugnação da matéria de facto;
- Verificação de justa causa de resolução do contrato pelo Autor - se a resolução de contrato apresentada pelo trabalhador tinha ou não fundamento.

2. Fundamentação:
2.1 Fundamentação de facto:
Foi esta a decisão de facto (em realce a matéria de facto aditada):
“ FACTOS PROVADOS:
(Petição inicial)
1. O Autor foi admitido, no mês de fevereiro de 2000, ao serviço do Hospital ..., atualmente integrado no CENTRO HOSPITALAR ..., tendo exercido funções de Eletromecânico, no Serviço de ... do Centro Hospitalar (...).
2. O Autor auferia um salário de cerca de 840 euros ilíquidos.
3. Por carta datada de 23.09.2020, o Autor resolveu o contrato de trabalho, nos termos que constam na carta junta a fls. 11 vs dos autos, com o seguinte teor:
“Exmo. Senhor
Venho comunicar a imediata resolução, com justa causa, do contrato de trabalho celebrado no dia 1 de fevereiro de 2000, com fundamento no nº 1, als. e) e f) do nº 2 e alínea b) do nº 3 do art. 394.º do Código do Trabalho, porquanto:
No dia 05.09.2020, recebi, por carta registada com aviso de receção, ordem de transferência do Hospital ..., em Santa Maria da Feira, onde exerço funções desde a data da contratação para o Hospital ..., em Oliveira de Azeméis (…)
Esta decisão consubstancia uma alteração substancial das condições de trabalho, que pressupõe uma perda considerável de rendimento.
Atualmente, da minha residência ao local de trabalho, percorro 16 km, ida e volta (32 km no total). Com esta decisão, passaria a ter de percorrer 33 km, ida e volta (66 km no total) demorando o dobro do tempo de viagem. Num salário que ronda os 840 euros ilíquidos, representa uma redução de rendimento na ordem dos 100 euros e impede-me de ir levar à escola a minha filha, de dois anos de idade.
Optando pelo percurso mais rápido, a autoestrada, para encurtar o tempo de viagem, percorreria 41 km , ida e volta (82 km no total), mas os gastos seriam ainda maiores.
Ademais, embora seja referido que se trate de uma transferência “em regime provisório”, a verdade é que o pedido que a antecedeu e lhe deu origem é do responsável do Serviço de ... (...), apresentada no dia 01.09.2020, e no qual é dito “(…) o colaborador Sr. AA (...) passará a exercer a sua atividade profissional na Unidade do Hospital ... em Oliveira de Azeméis (…) tendo apresentado, para efeitos de materialização dessas alterações o organograma em que figura esta alteração (…).
Ora, a proposta que conduziu à decisão, para além da gravidade que encerra em si mesma, é o culminar de um processo reiterado de perseguição a que tenho sido sujeito desde que o atual chefe do ... tomou posse. E prova disso, é o clima de intimidação, ameaça, discriminação, ofensa ao meu bom nome, profissional e pessoal, e ainda de humilhação pela atribuição de tarefas incompatíveis com as funções para as quais fui contratado.
Conforme cronologia que passo a descrever:
24.04.2020 – o Chefe, Eng, BB, enviou-se email a pedir para efetuar trabalhos de canalização da copa da louça fina e da louça grossa.
24.04.2020 – enviou-se email acusando-me de não ter enviado os relatórios. Sendo falsa a acusação, respondi que os enviei sempre e, como faça também para o meu próprio email tenho prova de os ter recebido, mas o chefe respondeu – quando solicito algum documento é para me enviar, mesmo que o já tenha enviado, se pedir novamente tem de me responder em tempo útil e acrescentou “já agora se tiver alguma coisa a dizer não envie recados por outros”.
07.05.2020 – O Chefe atribuiu, ao meu colega (GG) dois turnos no período da noite com direito a 9h de suplementos) e colocou-se a fazer dois turnos de 12 horas durante o dia, não recebendo uma única hora de suplemento. À pergunta se havia engano, ele respondeu: “não há engano nenhum” (sic)
14.05.2020 – fui chamado ao gabinete do chefe. Fui acusado de não ter limpo as condutas nas consultas externas. Disse que as limpei mas o chefe insistiu e como não gostou de ser contrariado disse, e passo a citar, conforme transcrição: “(…) Ó AA você está a querer brincar com isso e o ATL já acabou (…) você anda-me a tentar medir o pulso e vai medir o pulso, vai medir o pulso (…) à pergunta “você está a ameaçar-me? Ele respondeu “Eu estou a consciencializa-lo, isto não vai continuar assim, eu disse-lhe há um ano para ver o que era preciso, você anda a fazer política cá dentro, a desestabilizar quem quer trabalhar (…) tem os dias contados, está a perceber? Está a brincar com o que não deve brincar, se quer manter aqui o seu posto de trabalho, eu estou a consciencializa-lo” (…) “você não está de acordo com o que se pretende”… você deve pensar que eu sou como o HH ou a II, você pensa que eu ando aqui a dormir, mas você continua a fazer o mesmo (…) os seus colegas não têm de me vir dizer as coisas, eu sei de tudo cá dentro” (…) “você é um foco de situações que criam atritos” (…) “consigo é a terceira vez que estamos aqui a falar e não adianta nada”.
A pressão psicológica e discriminação foi aumentando ao ponto de ter ficado impossibilitado de ir trabalhar, por motivo de doença psíquica.
Apresentei o primeiro atestado de 20.07.2020 a 31.07.2020, que foi prorrogado por mais 30 dias, de 01.08.2020 a 30.08.2020.
No dia 27.08.2020, o hospital, com vários trabalhadores a faltar por motivo de doença (facto que se comprova facilmente pelo pedido de registo de CITT entregues naquelas datas) pediu uma verificação da minha incapacidade à segurança social (…) 11.09.2020 – para além do supramencionado, o chefe de serviço, em reunião com os colegas de serviço ao qual pertenço, difamou o meu bom nome, quando disse a meu respeito: “como profissional e pessoa é do pior”, conforme testemunharam os presentes, JJ, FF, KK, LL, MM, NN, OO, PP e QQ.
Para além da gravidade do ato de transferência (tomada, de forma deliberada para me prejudicar com a ameaça que me fez de que poderia perder ali o meu posto de trabalho) que se verificou após a apresentação dos atestados médicos, a insustentabilidade da relação laboral fica marcada pela reiteração de atos praticados pela minha entidade empregadora, na pessoa do responsável de serviço que inviabiliza irremediavelmente a manutenção do meu contrato e, por isso, determina a justa causa de resolução do mesmo.
Os factos descritos resultam de um comportamento culposo da entidade empregadora, porquanto foram praticados com a intenção de me prejudicar, através de reiteradas atitudes censuráveis, não adequadas a uma entidade de serviço público, como é o Centro Hospitalar e que põe em causa o prestígio da Administração Pública.
Em consequência do conjunto de atitudes supra descritas, iniciei um processo de desgaste psicológico com a necessidade de recurso a apoio psiquiátrico, para tentar debelar todos os sintomas apresentados, de ansiedade e depressão, resultantes de uma constante e grave humilhação a que fui sujeito, refletem-se uma rejeição total ao local de trabalho e até mesmo a qualquer assunto relacionado com o centro Hospitalar.
Os factos praticados pela Entidade empregadora, ilícitos e culposos, pela sua gravidade e reiteração dos comportamentos censuráveis, consubstanciam justa causa de resolução do contrato, com direito a indemnização os termos do art. 396.º do CT.
Assim, em conformidade com o previsto nos arts. 341.º do Código do Trabalho, aguardo o envio, no prazo de cinco dias úteis, os documentos a que tenho direito. (…)”
4. O Réu acusou a receção da carta do Autor, por carta registada com aviso de receção, datada de 29.09.2020, não aceitando a resolução do contrato, nem reconhecendo a ilicitude dos factos alegados.
5. E remeteu em anexo o modelo 5044 com indicação do motivo de cessação do contrato de trabalho, com efeitos a 29.09.2020.
6. O ... é chefiado desde o dia 28.05.2019 por BB, Engenheiro.
7. O Autor, no dia 5.09.2020, foi notificado, por carta registada com aviso de receção, da ordem de transferência do Hospital ..., em Santa Maria da Feira, onde exercia funções desde a data da contratação, para o Hospital ..., em Oliveira de Azeméis.
8. De acordo com o teor da referida carta, “No âmbito das diversas solicitações efetuadas pelos serviços e pelos Utentes, surgiu a necessidade imediata de reorganização do Serviço de ... (...). A medida visa efetuar um planeamento e organização mais adequado dos serviços a executar pelo Serviço de ..., a fim de responder com a necessidade do C... EPE, vimos pelo presente comunicar, que nos termos da alínea b), do nº 1, do artigo 194.º do Código do Trabalho, a partir do dia 14 de setembro de 2020, V. Exa exercerá a sua atividade no Hospital ..., sito na ..., Oliveira de Azeméis, Portugal, em regime provisório até se articular solução técnica mais adequada”.
9. A ordem de transferência foi antecedida da Proposta de Reorganização dos recursos humanos do ..., datada de 01.09.2020, apresentada pelo responsável do ..., Eng. BB, nos termos da qual se propunham as seguintes alterações: “Colocação do colaborador Sr. CC (...) como Encarregado Geral nas unidades do H... e do H..., organizando e executando todas as tarefas inerentes às atividades de manutenção e demais, de acordo com as diretivas e instruções diretas ao responsável e Coordenador do .... O colaborador irá dividir a sua atividade profissional entre as duas Unidades de forma a corresponder às necessidades e de acordo com plano a definir futuramente. O colaborador Sr. RR (...) manterá a sua atividade e funções habituais de manutenção e formação nas vertentes técnicas, reportando diretamente Sr. CC. O colaborador Eng. HH (...) toda a sua atividade será organizada, gerida e reportada diretamente ao Encarregado geral Sr. CC. O colaborador Sr. AA (...) passará a exercer a sua atividade profissional na Unidade do Hospital ... em Oliveira de Azeméis, reportando diretamente ao Encarregado Geral Sr. CC. Remetemos em anexo documentos de proposta de novo organigrama do ..., assim como comunicação a remeter ao colaborador Sr. AA”.
10. Da sua residência ao local de trabalho até então percorria, 16km para cada lado, e com esta decisão teria de percorrer 30km para cada lado.
11. No dia 24.04.2020, o Chefe do ... enviou e-mail a pedir ao Autor, eletromecânico, para efetuar trabalhados de: “canalização da copa da louça fina e da louça grossa” e reparação de tetos.
12. No dia 24.04.2020, o Chefe enviou e-mail ao Autor com o seguinte teor: “Ainda não obtive resposta ao email do passado dia 02/04/2020, relativamente aos relatórios de atividades diárias, que não foram rececionados por mim como habitual. Informo igualmente que faltam relatórios de atividade diária do mês de abril (08/04/2020, 11/04/2020, 21/04/2020 me 23/04/2020). Não é compreensível nem admissível a sua falta de resposta ao email enviado por mim do passado dia 02/04/2020, assim como da não a entrega dos relatórios deste mês, visto que existe disponibilidade temporal durante o horário de serviço para manter estes registos em dia. Terá que submeter todos os relatórios em falta até ao dia 27/04/2020, pelas 08:00h. A partir dessa data, terá obrigatoriamente um prazo máximo de até 20:00h após conclusão do seu turno, para entregar os seus relatórios diários de atividade, caso não se verifique será alvo de procedimento disciplinar. (…).
13. O Autor respondeu, por email de 26.04 de 2020 que “Envio em anexo relatórios. Esses mesmos relatórios, recebi-os tanto no meu email do hospital, bem como no meu email pessoal. Como compreende, não tenho culpa que o Eng. não os tenha recebido. (…)”
14. Tendo o responsável do ... remetido novo email, referindo que “Agradeço o seu envio, porém, apesar da sua argumentação, não é compreensível a sua atitude. Enviei-lhe um email no dia 02/04/2020 a solicitar os relatórios de atividade em falta, email esse que Você não respondeu após mais de 20 dias, apesar da disponibilidade temporal que tem tido nos últimos turnos. Depois queixa-se que é injustiçado, e que lhe são colocados limites. As regras são iguais para todos. Os seus colegas têm sempre os relatórios em dia, apenas você tem estas dificuldades. Quando solicito algum serviço ou documento deverá responder em tempo útil e não ignorar como fez, independentemente se vai enviar informação repetida ou não. Já agora se tiver alguma coisa a dizer, não envie recados por outros, fale diretamente comigo, visto que tenho sempre a porta do gabinete aberta.”
15. No dia 7.05.2020, o chefe do ... atribuiu dois turnos ao mesmo colega do Autor, no período da noite, que lhe conferiram o direito a 9h de suplementos.
16. Ao Autor atribuiu-lhe os dois turnos de 12h, diurnos, que não conferem suplemento.
17. Questionado o Chefe do ... pelo Autor sobre se havia engano, aquele limitou-se a responder: “não há engano nenhum”.
18. No dia 14.05.2020, o Autor foi chamado ao gabinete do chefe, que lhe disse que este não havia limpo as condutas nas consultas externas.
19. O Autor disse-lhe que as limpou, mas o chefe insistiu dizendo-lhe: “Ó AA você está a querer brincar com isso e o ATL já acabou”; (…) “deve pensar que está a falar com a Dra. II”.
20. O Autor apresentou Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho (CITT), no dia 20.07.2020 com duração até 31.07.2020, prorrogado por mais 30 dias, de 01.08.2020 a 30.08.2020.
21. O Réu, no dia 27.08.2020, pediu a verificação de incapacidade à segurança social relativamente ao trabalhador Autor.
22. Em data não concretamente apurada em setembro de 2020, encontrando-se o Autor com Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho, na reunião do serviço, estando presentes vários colegas do Autor, o chefe do ... afirmou que o Autor, como profissional e pessoa “é do pior”.
(Contestação)
23. O Serviço de ... do CH ... tem que ser uma equipa organizada e pronta a satisfazer as necessidades de manutenção de uma estrutura essencial de saúde indispensável ao país e à população – Hospital ..., de São João da Madeira e de Oliveira de Azeméis – e que funciona ininterruptamente durante 24 horas por dia.
24. Desde fevereiro de 2009, o Autor passou a ser funcionário do C... EPE, que abarca os Hospitais ..., de São João da Madeira e de Oliveira de Azeméis.
25. Nas funções que desempenhava no Serviço de ..., o Autor prestou assistência técnica em várias instalações do CH....
26. O Autor prestou serviços quer no Hospital ..., quer no Hospital ... (Oliveira de Azeméis), por necessidades técnicas.
27. Em junho e julho de 2020 o Autor e o colega JJ deslocaram-se diversas vezes ao H... para a resolução de problemas no sistema de produção de frio (chiller).
28. O Conselho de Administração do Réu, de imediato, e ao receber a carta de resolução, mandou abrir um inquérito, nomeando como inquiridor SS, Advogado externo do CH....
29. O qual apresentou relatório final, no qual concluiu pela inexistência dos factos alegados e daí o arquivamento do inquérito.
30. O que a Chefia, na pessoa do Eng. BB, pretendia era um trabalho competente, coordenado, exigia responsabilidade e subordinação hierárquica e resposta às solicitações, como era exigido por igual a todos os colegas do A..
31. Na sequência da ordem de transferência referida em 7.º, o Autor não reclamou/solicitou do R. o custeio dos custos da deslocação ou a colocação de uma viatura para o transporte.
32. A transferência temporária do Autor para um dos polos hospitalares do CH... esteva relacionada com o facto de o Sr. RR técnico do ..., a prestar serviço na unidade de S. João da Madeira, estar em fase final de carreira e já perto da reforma, e o Engenheiro HH ter saído para outra unidade hospitalar.
33. Dada a complexidade das funções e a necessidade de existir uma passagem suave e gradual de funções, rotinas, procedimentos e trabalhos e como não era possível contratar novo colaborador sem o RR já estar aposentado foi deslocado de forma provisória o Sr. CC para a unidade de SJM e era necessário mobilizar um elemento do ... da unidade HSS, com características técnicas e o maior número de valências possíveis para ocupar o lugar provisoriamente em Oliveira de Azeméis, daí ter sido chamado o Autor.
34. O Autor foi chamado depois de o Eng. BB ter conferenciado com o Sr. CC e este ter entendido, tambm, que o A. era a pessoa que mais se adequava à situação e necessidades do momento.
35. O Sr. RR veio a reformar-se em janeiro de 2021 e o CH... está a recrutar novo colaborador.
36. O Responsável pelo SIE (Eng. BB) deu parecer favorável à solicitação do Autor de exercer funções em acumulação com a atividade privada e o Réu autorizou em 18/06/2020 tal exercício.
37. O que permitia ao Autor angariar rendimentos extra-hospital.
38. O Réu pagou ao Autor, a título de subsídio de férias vencido em 1 de janeiro de 2020 a quantia de € 840,11.
39. O Autor gozou, a título de férias vencidas em 1 de janeiro de 2020, 8 dias.
40. O Réu não proporcionou ao Autor formação nos anos de 2018 e 2019.
41. O Autor vivenciou/sofreu de ansiedade;
42. A ponto de ter precisado de ajuda médica de psiquiatria;
43. O chefe do ... descreveu o Autor como a cabeça de uma cobra que existia no serviço.
44. O Autor iniciou um processo de desgaste psíquico que culminou com a necessidade de recurso a apoio psiquiátrico e tratamento medicamentoso, para tentar debelar os sintomas de ansiedade e depressão com que passou a viver.
45. O Autor manifesta total rejeição daquele que foi o seu local de trabalho, recusando falar de qualquer assunto relacionado com o Réu.

***
FACTOS NÃO PROVADOS
1. A transferência do Autor representava uma redução de rendimento na ordem dos 100 euros e impediria o Autor de ir levar a filha de dois anos à escola.
2. Durante todo o período em que perdurou a quarentena obrigatória, na sequência da Pandemia Mundial provocada pelo Covid 19, o Réu organizou o serviço por turnos de 12h seguidas, com equipas compostas por 2 elementos, que ficariam sempre “em isolamento Covid” para responderem apenas a situações urgentes, evitando assim o risco de contágio.
3. Ao Autor continuaram a ser atribuídas pelo Chefe, ao Autor, tarefas diárias para executar, que era obrigado a registar.
4. Sendo do conhecimento do Autor que o seu colega de turno (Sr. GG) se limitava a registar na folha de serviço “Isolamento Covid”.
5. Em consequência do supra referido, o Réu expôs o Autor a um risco de contágio desnecessário.
6. Acresce ainda que, dos vários elementos da Equipa do ..., que realizavam as doze horas de trabalho por turnos, alguns elementos, como por exemplo a secretária do serviço e o Assistente operacional com funções atribuídas de supervisor (responsável designadamente por um engenheiro altamente qualificado) recebeu, invariavelmente, 5 horas como trabalho extraordinário.
7. Desde que este iniciou funções, o Engenheiro BB começou a tratar o Autor de forma arrogante e sem urbanidade.
8. Sem perceber as razões subjacentes a esta atitude o Autor, por diversas vezes, questionou o seu chefe sobre as razões de tal comportamento.
9. As situações começaram a intensificar-se e o Autor, que sempre desempenhou as suas funções com gosto e dedicação, começou a viver em constante estado de ansiedade quando ia trabalhar por não saber com o que contar.
10. Ao ponto de ter precisado de recorrer a ajuda médica de psiquiatria porque já nem conseguia dormir.
11. A proposta que conduziu à decisão de transferência do local de trabalho do Autor, foi o culminar de um processo de perseguição de que o Autor vinha a ser alvo desde que atual chefe do ... tomou posse.
12. Tanto mais que, após a decisão de transferência, o ... iniciou processo de recrutamento de trabalhadores para o local de trabalho do Autor.
13. A pressão psicológica, humilhação e discriminação foram aumentando ao ponto de o Autor ter ficado impossibilitado de ir trabalhar, por indicação do seu médico psiquiatra, Dr. EE.
14. O ato de transferência foi tomado pelo Réu de forma deliberada para prejudicar o Autor.
15. O Réu agiu com a intenção de prejudicar o Autor, tendo-o humilhado e ofendido.
16. Na sequência do referido em 18.º dos factos provados, o Autor questionou o Chefe do ... “você está a ameaçar-me?” tendo aquele respondido “eu não estou a ameaçar eu estou a consciencializá-lo, isto não vai continuar assim, eu disse-lhe há um ano para ver o que era preciso, você anda a fazer politica cá dentro, a destabilizar quem quer trabalhar, tem os dias contados, está a perceber, está a brincar com o que não deve brincar, se quer manter aqui o seu posto de trabalho, eu estou a consciencializa-lo” “não está de acordo com o que se pretende”... você pensa que eu ando aqui a dormir, mas você continua a fazer o mesmo…”.
17. E disse ainda: “Os seus colegas não têm de me vir dizer as coisas, eu sei de tudo cá dentro”. “você anda o dia todo nas centrais” …” você é um foco de situações que criam atritos” “consigo é a terceira vez que estamos aqui a falar e não adianta nada ” sic.
18. Em consequência do conjunto de atitudes supra descritas, o Autor iniciou um processo de desgaste psíquico que culminou com a necessidade de recurso a apoio psiquiátrico e tratamento medicamentoso, para tentar debelar os sintomas de ansiedade e depressão com que passou a viver e que ainda persistem, resultantes das constantes e graves humilhações a que foi sujeito, não só a nível profissional, como também pessoal.
19. Tais sintomas refletem-se, ainda, numa total rejeição daquele que foi o seu local de trabalho por mais de 20 anos, recusando, sequer, falar de qualquer assunto relacionado com o Réu.
20. E que determinaram a apresentação de uma queixa crime contra o Autor dos factos identificados, que corre termos a coberto do Proc. nº 1046/20.8T9ESP, e cuja prova aí produzida, designadamente a que respeita ao episódio de 14.05.2020.

Foi esta a motivação da decisão de facto constante da decisão recorrida:
“Os factos descritos em 1.º a 9.º, 20.º e 21.º do elenco de factos provados encontram-se assentes por acordo das partes.
Os factos descritos em 23.º a 28.º do elenco de factos provados encontram-se assentes por confissão do Autor.
O facto descrito em 10.º da matéria de facto provada resultou provado com base no teor da pesquisa do site Google Maps (fls. 130 e 131), do qual resulta, efetivamente, uma distância percorrida de cerca de 30 km entre Espinho e Oliveira de Azeméis e de, aproximadamente, metade até Santa Maria da Feira, conjugados com o teor dos esclarecimentos prestados pelas testemunhas FF e HH.
Os factos descritos em 11.º a 17.º do elenco de factos provados encontram-se provados com base no teor dos emails juntos a fls. 16 vs, 17 vs, 18 e 18, vs cujo teor não foi impugnado pela parte contrária.
O facto descrito em 32.º resultou provado com base no teor do relatório junto a fls. 51 e ss dos autos (documento 15 junto com a contestação).
Os factos descritos em 18.º e 19.º do elenco de factos provados (e 16.º e 17.º do elenco de factos não provados) resultaram apurados, essencialmente, com base no teor do depoimento da testemunha BB, Engenheiro, responsável do Serviço de ... (...), que confirmou parte do teor da conversa descrita na petição inicial tendo por referência os trabalhos de limpeza a executar nas grelhas do serviço de consulta externa, referindo que deu ordens ao Autor para realizar o serviço em causa, tendo este apenas executado 50% dos trabalhos, e que, por força disso, houve uma reunião em que o Autor foi confrontado com a execução meramente parcial dos trabalhos, tendo este refutado o incumprimento da ordem, usando, porém, segundo a testemunha, um tom provocatório e de gozo (sem que alguma vez invocasse qualquer erro de interpretação do âmbito da ordem). Na sequência disso, a testemunha referiu-lhe, conforme alegado, que “isto não é um ATL”, que “não estava a brincar” e que “não estava a falar com a Dra II”. Não se provou, porém, as restantes expressões utilizadas, já que a testemunha não as confirmou e nenhum outro meio de prova foi produzido que as confirmasse.
O facto descrito em 22.º do elenco de factos provados resultou provado com base no teor do depoimento da testemunha FF, que confirmou o teor da expressão proferida pelo Chefe de Serviço do ... aquando de uma reunião havida na ausência do Autor (quando este se encontrava de baixa médica), sustentando que aquele tinha sido “indelicado”, afirmando que “o AA como profissional e pessoa não valia nada; (…) cumpria os cinco dias que tinha por lei para lhe entregar a baixa e não avisava. Havia de o avisar”. Tais declarações foram ainda confirmadas pela testemunha JJ (que referiu que o Chefe do ..., numa reunião de serviço, quando o Autor já se encontrava a faltar há algum tempo, referiu que este, “como pessoa e profissional, era do pior”) e foram ainda em parte, indiretamente admitidas pelo próprio autor da afirmação (Eng. BB), que confirma ter usado a expressão, embora não visando especificamente o Autor, sustentando que foi referida de forma meramente genérica (referindo-se aos funcionários em geral que não usavam de deferência para com a instituição, os colegas e a chefia, prestando informações relevantes quanto ao motivo da ausência e à duração previsível desta), acabando, porém, por admitir que, à data, apenas o Autor se encontrava a faltar ao serviço, o que significa que a expressão utilizada apenas a este se aplicava.
O facto descrito em 29.º do elenco de factos provados resultou apurado com base no teor do relatório junto a fls. 52 vs e ss (documento 15 junto com a p.i.).
O art. 30.º do elenco de factos provados resultou apurado com base no teor das declarações das testemunhas BB, Engenheiro, Chefe do ..., que referiu ser “tendencialmente exigente com o trabalho feito e os padrões observados”, e gostar “das coisas planeadas e organizadas”, pois só assim é possível “ter o controlo da instalação” e fazer com que as coisas funcionem (sendo da responsabilidade do ..., nomeadamente, a sala de operações, oxigénio, redes de monitorização de incêndio). Acrescentou que quando iniciou funções no CH..., “a instalação estava num estado de abandono total”; com “redes de águas perfuradas”, “equipamentos com pedidos de reparação há mais de 2 anos”; “equipamentos parados com importância para os utentes”, sendo seu desígnio “dar o melhor aos utentes”. Em termos de organização, havia muita falta de planeamento, falta de registos de manutenções (últimas intervenções, planeamentos de intervenções futuras). Por isso tentou implementar novos procedimentos, nomeadamente, a obrigatoriedade de registo dos serviços executados ao longo do dia. Porém, a sua postura de impor regras e registos não foi bem recebida, tendo havido muita relutância relativamente às alterações implementadas. O comentário que fizeram é que “parecia que queriam policiar isto”. A testemunha procurou, porém, explicar aos funcionários do departamento que apenas pretendia organizar a informação, de forma a rentabilizar as intervenções.
Tais declarações foram ainda confirmadas pela testemunha II, técnica superior do CH..., que desempenhou funções como responsável do ... previamente à contratação do atual Chefe dos Serviços (Eng. BB), que referiu que o serviço de ... estava a funcionar e tinha bons técnicos, mas se encontrava em autogestão. Não havia protocolos escritos ou normas escritas, tendo sido a testemunha que os implementou. “O serviço estava num ponto em que não iria aguentar muito mais tempo”. O hospital tinha ultrapassado 20 anos de existência, as estruturas físicas começavam a degradar-se e era necessária uma “intervenção mais profunda”, sob pena de a qualquer momento “as coisas correrem mal”. De facto, a estrutura estava desgastada e as equipas cansadas. Porém, quando tentaram mudar o status quo e combater os interesses instalados (em termos de atribuição de horários de trabalho especiais, ou de funções específicas), houve reações adversas de vários funcionários, nomeadamente do Autor, por razões que se prendem com a acumulação de outras funções no setor privado. Exemplo disso, é a tentativa de alteração do horário de trabalho do Autor, que se iniciava às 07:00h, e que sofreu forte oposição da parte deste (a testemunha tentou implementar um HT das 08:00h às 16:00h, porque entre as 07:00h e as 08:30h o serviço não necessitava de muitos trabalhadores afetos, tendo este se recusado a cumprir a ordem).
Deverá realçar-se, porém, que, segundo o que foi referido pelas testemunhas (e confirmado por vários funcionários), a implementação de regras e de novos métodos de trabalho sempre foi aplicada a todo o serviço, sendo a todos exigido o mesmo esforço de rigor e exigência pretendido pelo Responsável do serviço, não tendo havido um tratamento diferenciado aplicável estritamente ao Autor.
O facto descrito em 31.º do elenco de factos provados resultou apurado com base no teor da carta de resolução do contrato de trabalho (fls. 11 vs a 13), da qual se infere que, apesar de invocar o aumento de custos com a transferência para o novo local de trabalho, nenhum pedido foi feito no sentido de serem cobertos os custos adicionais de deslocação que a decisão implicava, tendo o trabalhador optado por resolver o contrato de trabalho.
Os factos descritos em 32.º a 35.º do elenco de factos provados (motivo da transferência do trabalhador para Oliveira de Azeméis) – a que se aditou a parte final do art. 32.º por se tratar de facto instrumental que se apurou no decurso da instrução da causa (cf. art. 5.º, nº 2, do C. de Processo Civil, subsidiariamente aplicável) resultou apurado com base no teor dos esclarecimentos prestados pela testemunha CC, Encarregado Geral de Manutenção no CH... (afeto às unidades hospitalares de São João da Madeira e Oliveira de Azeméis), que referiu que iniciou funções em São João da Madeira em 2011, tendo passado a acumular funções com a unidade hospitalar de Oliveira de Azeméis em novembro de 2013 (altura em que o coordenador técnico se aposentou) e que a dada altura, em 2020, foi abordado pelo Chefe do ... e pelo Presidente do Conselho de Administração do CH... no sentido de o auscultar sobre a melhor pessoa que o podia auxiliar em Oliveira de Azeméis (já que, em São João da Madeira a testemunha era ainda mais necessária porque o Engenheiro coordenador que exercia aí funções iria sair e o Técnico Sr. RR se iria reformar). O Engenheiro BB disse-lhe para escolher uma pessoa qualquer dentro do ..., para o ajudar. E foi assim, nessas circunstâncias, que a testemunha sugeriu o nome do Autor, AA, porque já se conhecem há muitos anos e considerava que seria o melhor elemento para assumir o seu lugar de coordenador naquela unidade, sendo de resto merecido atribuir-lhe esse lugar (já que sabia que não tinha bom ambiente de trabalho no Hospital ...).
Tais declarações foram também confirmadas pela testemunha BB, Engenheiro responsável pelo ..., que referiu que o Autor foi chamado a exercer provisoriamente funções na unidade hospitalar de Oliveira de Azeméis na sequência da saída do Engenheiro HH de São João da Madeira e da previsível saída do técnico Sr. RR (que acabou por sair em 28 de janeiro deste ano), tendo tal decisão sido tomada após ter sido auscultado o coordenador do serviço de São João da Madeira, CC e a fim de permitir a este acumular as duas unidades. Mais referiu que recentemente foi aberto concurso público para recrutamento de um eletricista/eletromecânico para Oliveira de Azeméis, porém, tal vaga ainda não foi preenchida porque o salário oferecido (cerca de € 665,00) não é apelativo para potenciais candidatos. Entretanto, foi contratado um novo funcionário para o ..., alocado ao Centro Hospitalar ... (Sr. DD), que já lá havia trabalhado há alguns anos e que, por contingências relacionadas com a Pandemia, pretendeu regressar. Em Oliveira de Azeméis o serviço continua a ter assistência do Sr. CC e de outros funcionários que pontualmente, e dentro das suas possibilidades de horário, ali se deslocam para efetuar os trabalhos necessários.
Os factos descritos em 36.º e 37.º do elenco de factos provados resultaram apurados com base no teor das declarações da testemunha BB e do próprio Autor, que confirmou os referidos factos (apesar de entender que a demora de cerca de 4 meses na emissão do parecer favorável o prejudicou economicamente).
O facto descrito em 38.º do elenco de factos provados resultou apurado com base no teor do recibo de vencimento relativo a junho de 2020.
O facto descrito em 39.º do elenco de factos provados resultou apurado com base no documento elaborado pelos serviços administrativos do Réu, do qual se infere que este gozou 8 dias de férias em 2020 (reportados ao ano anterior).
O facto descrito em 40.º do elenco de factos provados não foi impugnado especificamente pela parte contrária, pelo que se considera assente por confissão (art. 574.º do C. de Processo Civil).
No que se refere aos factos não provados, concretamente ao art. 1.º, não se provou o incremento de despesas alegado, decorrente da transferência do local de trabalho, nem a impossibilidade de condução da filha à escola, na medida em que nenhuma prova se fez do horário escolar desta, nem do carro e do tipo de combustível utilizado pelo Autor.
Os factos descritos em 2.º a 5.º do elenco de factos não provados não foram comprovados por meio de prova idóneo, maxime, pelos relatórios de serviços de todos os trabalhadores que integravam a equipa do ... (que, por mera comparação, poderiam elucidar quanto à eventual desigualdade na distribuição das tarefas diárias), nem a generalidade das testemunhas confirmou que as equipas deveriam ficar sempre “em isolamento Covid” para responderem apenas a situações urgentes, evitando assim o risco de contágio, sendo o Autor tratado de forma discriminatória, continuando a ser-lhe atribuídas pelo chefe tarefas diárias que era obrigado a registar, assim o expondo a riscos desnecessários. A única testemunha que mencionou tal facto – JJ – apenas o fez de forma vaga, sem concretizar os dias em que tal aconteceu e que tarefas estavam em causa, por forma a permitir concluir pela existência de uma atuação intencional da chefia em prejuízo do Autor. Além disso, pela testemunha FF foi dito que o Engenheiro BB pedia a execução de todo o tipo de serviços a quase todos, e pela testemunha KK foi afirmado que os turnos organizados na fase inicial da Pandemia (de 12 horas) foram muito especiais (tendo inclusivamente o Chefe do ... executado trabalhos de carpintaria), e que no Hospital há a todo o momento necessidade de fazer intervenções urgentes.
O facto descrito em 6.º do elenco de factos não provados não foi comprovado por qualquer meio de prova.
Os restantes factos não provados (tratamento arrogante e persecutório da chefia direta do Autor e nexo causal com a doença psiquiátrica) não resultaram demonstrados pela prova produzida nos autos.
Com efeito, em primeiro lugar deverá referir-se que, conforme resultou do depoimento das testemunhas BB e II, o Serviço de ... foi objeto de uma profunda intervenção reformadora aquando da nomeação desta última como chefe do departamento/serviço – a qual teve continuidade com a testemunha BB – que desencadeou uma reação adversa de alguns funcionários, que pretendiam manter o status quo e o modo de funcionamento (nas palavras daquela, “em autogestão”) que se vinha verificando há alguns anos e que se refletiam diretamente na forma como se encontravam organizados os horários de trabalho e na ausência de qualquer controlo sobre os serviços diariamente realizados pela equipa do .... A tentativa de implementação de regras e de uma nova organização terá sido fonte de alguma «fricção» entre a chefia e os trabalhadores que integravam o ..., a qual pode estar na base de uma diferente perceção quanto ao tratamento dispensado pela chefia aos seus trabalhadores.
Por outro lado, se podemos admitir, em face do depoimento dos trabalhadores JJ, FF, KK e TT, uma eventual severidade na forma como a atual chefia gere o Serviço (a qual parece também transparecer do conteúdo dos emails trocados com o Autor entre 24.04.2020 e 27.04.2020 e em 07.05.2020), esta não se confunde com arrogância e falta de urbanidade. Refira-se que os episódios invocados pelo Autor ocorrem nos primeiros meses da Pandemia, altura em que os serviços hospitalares estiveram sob enorme pressão, quer em termos de procura, quer de necessidade de planeamento rápido e eficaz dos níveis de resposta, não sendo obviamente os trabalhadores e as chefias alheios ao stress psicológico inerente a um cenário tão raro e exigente. Além disso, não podemos deixar de referir que o próprio Autor adotou uma atitude de confronto e desafio perante a chefia e as novas regras impostas (cf. depoimento das testemunhas II – nomeadamente na parte em que refere a recusa de cumprimento pelo Autor do novo horário de trabalho imposto – e BB), que afastam a existência de uma forma de atuação indiscriminadamente arrogante, persecutória e sem urbanidade por parte da chefia.
A isto acresce que não ficou demonstrado o intuito persecutório da transferência do Autor para a unidade hospitalar de Oliveira de Azeméis. Não só ficou demonstrado o fundamento da transferência (isto é, as razões de serviço que justificaram a decisão), como o carácter provisório da mesma (que resulta do teor da ordem emanada do Conselho de Administração, que é quem tem poder decisório) e bem assim a forma como foi feita a indicação do Autor para assumir o novo posto de trabalho noutro local (sob proposta da testemunha CC). Em face da prova produzida – e sobretudo dos esclarecimentos a este propósito prestados pela testemunha CC –, fica, pois, afastada a versão sustentada por diversas testemunhas de que a transferência do Autor foi um castigo aplicado a este (como, de resto, em geral, é percecionada a transferência de qualquer trabalhador da unidade de Santa Maria da Feira para Oliveira de Azeméis) e não uma decisão racionalmente fundada. Aliás, importa referir que o Autor sabia que a sua transferência tinha sido sugerida pela testemunha CC, porque falaram telefonicamente sobre esse assunto antes mesmo da resolução do contrato, pelo que não se compreende a invocação de um intuito persecutório na ordem de transferência, quer na carta de resolução do contrato, quer na presente ação.
Por último, deverá referir-se que os factos isoladamente considerados como (alegadamente) indiciadores do intuito persecutório (incluindo o teor da conversa ocorrida em 14.05.2020) não são suficientes para permitir concluir pela existência daquele, não resultando demonstrada a adoção de um tratamento persecutório na relação entre a chefia e o trabalhador, pela inexistência de dados objetivos e factuais que o demonstrem (sobretudo por comparação com o tratamento dispensado aos restantes trabalhadores).
Em face do exposto, não resultou, pois, provado quer o tratamento arrogante, quer o nexo causal com a doença psiquiátrica apresentada pelo Autor (aliás, a este propósito, deverá acrescentar-se que a testemunha TT afirmou que o Autor, já antes da assunção do cargo pelo atual Chefe de Serviços, havia estado de baixa por depressão), quer o intuito persecutório da decisão de transferência, quer a pressão psicológica e humilhação alegadas. O atestado médico, de per se, não infirma as conclusões referidas, em face dos meios de prova indicados, já que se baseia, essencialmente, no relato do Autor nas consultas.”, (realce, sublinhado e alteração do tamanho da letra nossos).

2.1.1. Impugnação da decisão de facto:
De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º, nº 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto foram reforçados na atual redação do Código de Processo Civil.
Abrantes Geraldes, (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 230) refere que, “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Apesar de (obra citada, pág. 245), “... a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não poder confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”.
Na reapreciação da força probatória das declarações de parte, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos, importa ter presente o princípio da livre apreciação, como resulta do disposto nos artigos 607º, nº5 e 466º, nº3, ambos do Código de Processo Civil e 396º e 366º.
Dito de outro modo, cabe à Relação, enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar, de acordo com o princípio da livre convicção, toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Preceitua ainda o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil:
1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
a) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
b) A decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas;
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando nos meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de proceder à respetiva transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes
(…)”.
Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, in www.dgsi.pt, “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão. (…)”, (sublinhado nosso).
Servindo-nos também do texto do acórdão desta secção de 22.10.2018, proferido no processo 246/16.OT8VLG.P1, (Relatora Desembargadora Rita Romeira, no qual foi 1ª adjunta a aqui relatora):
«Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exatidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.
Além disso, nas palavras, (…) de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac. STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “…Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.”…(…).».
Ainda a este propósito, lê-se no Acórdão desta secção de 15.04.2013 (Relatora Paula Leal de Carvalho, in www.dgsi.pt, também citado no acórdão de 22.10.2018), “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”».
Consignamos aqui também aquele que vem sendo o nosso entendimento quanto a matéria de facto conclusiva, dispensando-nos de o fazer nas referências que infra se fazem a respeito de matéria dessa natureza.
Conforme vem sendo entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada.
Daí que só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova.
Lê-se no acórdão do STJ de 12.03.2014 (Processo nº 590/12.5TTLRA.C1.S1) que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes”.
Ainda a propósito desta questão da delimitação entre factos, juízos de valor sobre factos, e valorações jurídicas de factos, lê-se no acórdão do STJ de 28.01.2016 (Proc. Nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1), “Conforme se considerou no acórdão desta Secção de 24 de novembro de 2011, proferido na revista n.º 740/07.3TTALM.L1.S2, «o n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, dispõe que “têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”» e «atento a que só os factos podem ser objeto de prova, tem-se considerado que o n.º 4 do artigo 646.º citado estende o seu campo de aplicação às asserções de natureza conclusiva, “não porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em retas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum» — acórdão desde Supremo Tribunal, de 23 de setembro de 2009, Processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, da 4.ª Secção, disponível in www.dgsi.pt.”»”.
Mais se lendo: “Por thema decidendum deve entender-se o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão.”
Concluindo: “Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de facto que se insira de forma relevante na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta ou componente relevante da resposta àquelas questões, ou cuja determinação de sentido exija o recurso a critérios jurídicos, deve o mesmo ser eliminado.”.
Resulta do que se deixa referido que quando o tribunal a quo se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, que essa pronúncia deve ter-se por não escrita.
Em concreto, atento o teor das conclusões do Apelante, desde já se adianta que a matéria que o mesmo pretende ver aditada aos factos provados é em parte de natureza conclusiva.
Acresce referir que o Apelante não colocou em causa as respostas dadas pelo Tribunal, considerando a matéria como não provada, ainda que tal se tenha como implícito.
Por outro lado, e como resulta das conclusões do Apelante, o mesmo não impugnou a matéria de facto dada como provada que como a seguir se explanará, é em parte contraditória com a matéria que o mesmo pretende ver aditada.
É esta a matéria, em causa:
- A transferência implicaria redução de rendimento, pelo aumento dos custos no transporte e o Autor passaria a ficar impedido de levar e ir buscar a sua filha à escola.
Trata-se de matéria manifestamente conclusiva pelo que nesta parte improcede a apelação.
Apenas se refere que no item 10 dos factos provados ficou assente a matéria (essa sim de natureza não conclusiva) ‘Da sua residência ao local de trabalho até então percorria 16 Km para cada lado, e com esta decisão teria de percorrer 30 Km para cada lado’ e no item 31 ‘Na sequência da ordem de transferência referida em 7.º, o Autor não reclamou/solicitou do R. o custeio dos custos da deslocação ou a colocação de uma viatura para o transporte.’

- A decisão de transferência foi o culminar de um processo de perseguição de que o Autor vinha a ser alvo desde que o atual chefe do ... tomou posse.
- Não havia necessidade de colocação de um trabalhador na Unidade de Oliveira de Azeméis.
Trata-se outrossim de matéria vaga e conclusiva pelo que nesta parte improcede a apelação.
Apenas se refere o que nos itens 32 e 33 ficou provado (considerando o teor das conclusões do Apelante, matéria não impugnada, e em alguma contrária à que se pretende seja aditada):
- A transferência temporária do Autor para um dos polos hospitalares do CH... esteve relacionada com o facto de o Sr. RR técnico do ..., a prestar serviço na unidade de S. João da Madeira, estar em fase final de carreira e já perto da reforma, e o Engenheiro HH ter saído para outra unidade hospitalar.
- Dada a complexidade das funções e a necessidade de existir uma passagem suave e gradual de funções, rotinas, procedimentos e trabalhos e como não era possível contratar novo colaborador sem o RR já estar aposentado foi deslocado de forma provisória o Sr. CC para a unidade de SJM e era necessário mobilizar um elemento do ... da unidade HSS, com características técnicas e o maior número de valências possíveis para ocupar o lugar provisoriamente em Oliveira de Azeméis, daí ter sido chamado o Autor.

- O ato de transferência foi tomado pelo Réu de forma deliberada para prejudicar o Autor.
A matéria em causa reporta-se à intenção da Ré no ato de transferência.
Ora desde também nesta parte importa salientar aquela que é matéria provada que não foi impugnada considerando o teor das conclusões do Apelante, contrária à que este pretende seja aditada:
- Na sequência da ordem de transferência referida em 7.º, o Autor não reclamou/solicitou do R. o custeio dos custos da deslocação ou a colocação de uma viatura para o transporte (item 31 dos factos provados).
- A transferência temporária do Autor para um dos polos hospitalares do CH... esteva relacionada com o facto de o Sr. RR técnico do ..., a prestar serviço na unidade de S. João da Madeira, estar em fase final de carreira e já perto da reforma, e o Engenheiro HH ter saído para outra unidade hospitalar (item 32 dos factos provados).
- Dada a complexidade das funções e a necessidade de existir uma passagem suave e gradual de funções, rotinas, procedimentos e trabalhos e como não era possível contratar novo colaborador sem o RR já estar aposentado foi deslocado de forma provisória o Sr. CC para a unidade de SJM e era necessário mobilizar um elemento do ... da unidade HSS, com características técnicas e o maior número de valências possíveis para ocupar o lugar provisoriamente em Oliveira de Azeméis, daí ter sido chamado o Autor (item 33 dos factos provados).
- O Autor foi chamado depois de o Eng. BB ter conferenciado com o Sr. CC e este ter entendido, também, que o A. era a pessoa que mais se adequava à situação e necessidades do momento (item 34 dos factos provados).
Com efeito, de tal matéria resulta que o propósito da transferência provisória do Apelante não foi o de prejudicar este último.
Ou seja, fica desde logo comprometida nesta parte a pretensão do Apelante uma vez que a mesma implica que se considerem provados factos contraditórios com factos já assentes.
Temos como pertinente, voltar a transcrever o excerto da fundamentação da decisão de facto da sentença recorrida a este respeito:
«Não só ficou demonstrado o fundamento da transferência (isto é, as razões de serviço que justificaram a decisão), como o carácter provisório da mesma (que resulta do teor da ordem emanada do Conselho de Administração, que é quem tem poder decisório) e bem assim a forma como foi feita a indicação do Autor para assumir o novo posto de trabalho noutro local (sob proposta da testemunha CC). Em face da prova produzida – e sobretudo dos esclarecimentos a este propósito prestados pela testemunha CC –, fica, pois, afastada a versão sustentada por diversas testemunhas de que a transferência do Autor foi um castigo aplicado a este (como, de resto, em geral, é percecionada a transferência de qualquer trabalhador da unidade de Santa Maria da Feira para Oliveira de Azeméis) e não uma decisão racionalmente fundada.».
Ainda assim sempre se dirá que o teor da impugnação não permite chegar a uma convicção diversa da que chegou o tribunal a quo:
Indicou o Apelante que a testemunha CC, atendida pelo tribunal a quo, a qual convenientemente assumiu no tribunal que afinal a ideia tinha sido sua, mentindo, não foi ouvida sequer na fase de inquérito.
Mais apontou o relatório final do processo de inquérito que a Ré decidiu instaurar, procedendo à transcrição parcial do mesmo.
Ainda a contradição do depoimento da testemunha BB prestado em sede desse inquérito e o que a mesma declarou no tribunal.
Em sede de alegações, procedeu à transcrição de excertos de tais depoimentos tidos como relevantes, (indicando os minutos da faixa 13 do registo dos depoimentos).
Finalmente indica os depoimentos das testemunhas FF e KK, procedendo à transcrição de excertos dos respetivos depoimentos tidos por relevantes, (indicando os minutos da faixa 13 e da faixa 18 do registo dos depoimentos).
Começando por estas últimas testemunhas, FF e KK, lidos os mesmos excertos, importa referir que as mesmas transmitiram a forma como era encarada a transferência ‘lá quando se transfere alguém para Oliveira de Azeméis é o que se diz, vai para o castigo’, ‘nem era preciso ninguém em Oliveira de Azeméis’ e ‘tenho uma opinião pessoal, faz parte de castigo’, ‘quando alguém tem um processo, fez alguma coisa mal é transferido para outro hospital’. Porém, trata-se tão-só de opiniões/leituras das mesmas testemunhas que não bastam para formular uma convicção diferente da alcançada pelo tribunal a quo sobre a intenção da Ré no ato de transferência que como ficou já salientado, foi matéria que resultou provada e não foi impugnada.
Por outro lado, o referido pelo Apelante sobre a testemunha CC não abala a credibilidade da mesma.
Finalmente não encontramos a contradição apontada à testemunha BB, tendo o mesmo se reportado sempre à solicitação efetuada à testemunha CC para indicação de uma pessoa de Santa Maria da Feira para Oliveira de Azeméis.
O mesmo se pondera relativamente ao processo de inquérito. Saber por quem foi tomada a decisão de transferência é uma questão diferente da indicação colhida previamente.
Improcede nesta parte a pretensão do Apelante.

- As situações começaram a intensificar-se e o Autor, que sempre desempenhou as suas funções com gosto e dedicação, começou a viver em constante estado de ansiedade quando ia trabalhar por não saber com o que contar.
A este propósito lê-se na fundamentação da decisão recorrida: «não resultou, pois, provado quer o tratamento arrogante, quer o nexo causal com a doença psiquiátrica apresentada pelo Autor (aliás, a este propósito, deverá acrescentar-se que a testemunha TT afirmou que o Autor, já antes da assunção do cargo pelo atual Chefe de Serviços, havia estado de baixa por depressão), quer o intuito persecutório da decisão de transferência, quer a pressão psicológica e humilhação alegadas. O atestado médico, de per se, não infirma as conclusões referidas, em face dos meios de prova indicados, já que se baseia, essencialmente, no relato do Autor nas consultas.»
O Apelante indica os depoimentos das testemunhas KK e FF, colegas que consigo trabalhavam, (indicando os minutos da faixa 18 e da faixa 13 do registo dos depoimentos).
Mais concluiu que o relatório médico datado de 18.06.2021, subscrito por especialista, em psiquiatria, “sob compromisso de honra profissional” cuja autenticidade não foi posta em causa e que, por isso, permite provar que o Recorrente estava a sofrer “Ao ponto de ter precisado de recorrer a ajuda médica de psiquiatria porque já nem conseguia dormir”
A matéria “As situações começaram a intensificar-se”, trata-se mais uma vez de matéria vaga e como tal conclusiva.
Já quanto à matéria “o Autor (…) sempre desempenhou as suas funções com gosto e dedicação, começou a viver em constante estado de ansiedade quando ia trabalhar”:
Foi esta a valorização da prova efetuada na decisão recorrida «não resultou, pois, provado quer o tratamento arrogante, quer o nexo causal com a doença psiquiátrica apresentada pelo Autor (aliás, a este propósito, deverá acrescentar-se que a testemunha TT afirmou que o Autor, já antes da assunção do cargo pelo atual Chefe de Serviços, havia estado de baixa por depressão), quer o intuito persecutório da decisão de transferência, quer a pressão psicológica e humilhação alegadas. O atestado médico, de per se, não infirma as conclusões referidas, em face dos meios de prova indicados, já que se baseia, essencialmente, no relato do Autor nas consultas.»
Lidos os excertos dos depoimentos das referidas testemunhas KK e FF, tidos como relevantes nas alegações onde são transcritos, aí é feita alusão, reportando-se à presença do responsável pelo ..., a ataques de ansiedade, depressão, toma de medicação, transtornos por parte do Apelante.
Ora de tais excertos nada resulta sob a forma como o Autor desempenhou as suas funções.
Acresce referir que a razão de ciência de ambas as testemunhas, ambas colegas de trabalho do Apelante, não se nos afigura bastante para dar como assente o ‘constante estado de ansiedade do Autor quando ia trabalhar’.
Analisamos também o atestado do médico psiquiatra. Diversamente do que ponderou o Tribunal a quo, consideramos que para além das queixas apresentadas pelo doente, são aí identificados sinais – humor triste, nervosismo e ansiedade muito acentuados, irritabilidade fácil, com somatização (palpitações, dor no peito, aperto no peito, sensação de falta de ar, nó na garganta, parestesias, cefaleias, tonturas e vertigens, “arrancos”, sudação palmar), perda de peso, sono perturbado com intensa e perturbadora atividade onírica, despertares noturnos sem insónias intermédias, despertar matinal cansado e com sono, ideação de desvalorização e de inutilidade, ideação de não “andar cá a fazer nada”, ideação de morte e ideação de suicídio aparentemente sem planeamento nem estruturação.
Afigura-se-nos ser bastante, independentemente do nexo causal, para se dar como assente o estado de ansiedade do Apelante ainda que não particularmente só associado ao momento em que ia trabalhar.
Assim decide-se aditar à matéria de facto:
- O Autor vivenciou/sofreu de ansiedade.
- A ponto de ter precisado de ajuda médica de psiquiatria porque já nem conseguia dormir.
O Apelante indicou o depoimento da testemunha KK, (indicando os minutos da faixa 18 do registo dos depoimentos).
Ainda o que consta do relatório médico.
Do excerto do depoimento daquela testemunha, tido como relevante nas alegações e aí transcrito, resulta apenas que o Autor tomava muita medicação para ficar sossegado.
Relativamente ao atestado médico, entendemos que o seu teor permite dar como provado que a ansiedade aí diagnosticada justificou o recurso a ajuda médica de psiquiatria mas não de que tal se ficou a dever por o Autor não conseguir dormir, ainda que se reportem no mesmo as perturbações do sono sofridas pelo Autor.
Assim, determina-se que seja aditada à matéria de facto:
- A ponto de ter precisado de ajuda médica de psiquiatria. - A pressão psicológica, humilhação e discriminação foram aumentando ao ponto de o Autor ter ficado impossibilitado de ir trabalhar, por indicação do seu médico psiquiatra.
A matéria a pressão psicológica, humilhação e discriminação foram aumentando é ainda matéria conclusiva.
Por outro lado, do teor do atestado médico junto, não resulta que o médico psiquiatra deu indicações ao Autor para não trabalhar antes e ao invés que ‘o doente tomou a decisão de se despedir’.
Improcede nesta parte a Apelação.

- Nos dois meses anteriores à decisão de despedimento o Réu agiu com a intenção de prejudicar o Autor, tendo-o humilhado e ofendido, porquanto, o responsável do ..., invariavelmente, punha em causa a qualidade do trabalho realizado pelo Recorrente, referindo-se àquele em tom jocoso e irónico em frente do grupo de trabalho.
Indicou os depoimentos das testemunhas FF, KK, UU, transcrevendo em sede de alegações excertos dos respetivos depoimentos tidos por relevantes (indicando os minutos da faixa 13, da faixa 18, da faixa 6 e da faixa 20 do registo dos depoimentos).
A matéria o responsável do ..., invariavelmente, punha em causa a qualidade do trabalho realizado pelo Recorrente referindo-se àquele em tom jocoso e irónico em frente do grupo de trabalho é também matéria vaga e conclusiva, tratando-se de matéria não contextualizada no local e no tempo.
Aliás, a este propósito, ficou provado no item 22 que em data não concretamente apurada em setembro de 2020 - já depois do autor ter resolvido o contrato de trabalho por carta datada de 23.09.2020, item 3 dos factos provados -, encontrando-se o Autor com Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho, na reunião do serviço, estando presentes vários colegas do Autor, o chefe do ... afirmou que o Autor, como profissional e pessoa “é do pior”.
Relevante será sim saber se o Autor se sentiu humilhado e ofendido.
Porém do excerto dos depoimentos das referidas testemunhas indicadas pelo Apelante, tidos como relevantes nas alegações e aí transcritos a este respeito, não é possível aferir tal, já que reportados tão só ao procedimento do Chefe do ....
De facto, só a testemunha TT refere que “quando o Eng. se dirigia ao Recorrente nas reuniões, o AA mantinha-se calado’, ‘o AA apanhou uma depressão por causa desses maus tratos e não se lembra de ter tido antes apoio psiquiátrico’.
Quanto à matéria ‘nos dois meses anteriores à decisão de despedimento o Réu agiu com a intenção de prejudicar o Autor’, estamos novamente no campo das intenções, valendo aqui as considerações já efetuadas a esse propósito, nomeadamente por estar provada matéria contraditória com a que o Apelante pretende seja dada como assente.
Improcede assim nesta parte a apelação.

- O responsável do ... nas suas costas chegou ao ponto de o descrever como a cabeça de uma cobra que existia no serviço e de referir que como profissional e como pessoa era do pior.
Trata-se de matéria não contextualizada no local e no tempo.
De todo o modo, sempre se dirá que ficou provado (item 22) que em data não concretamente apurada em setembro de 2020, encontrando-se o Autor com Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho, na reunião do serviço, estando presentes vários colegas do Autor, o chefe do ... afirmou que o Autor, como profissional e pessoa “é do pior”.
Quanto à matéria “O responsável pelo ... nas suas costas chegou ao ponto de o descrever como a cabeça de uma cobra” em sede de alegações e conclusões não foi indicada pelo Apelante qualquer meio de prova especificamente para esta matéria que apenas vem indicada autonomamente como matéria impugnada em sede de conclusões.
Ainda assim, a propósito do item anterior, o Apelante transcreve em sede de alegações excertos do depoimento da testemunha UU, (indicando os minutos da faixa 6 do registo dos depoimentos), tidos como relevantes e aí transcritos a este respeito, a qual efetivamente referiu que no início do seu contrato, o Responsável pelo ... a uma cobra de serviço que estava atualmente a trabalhar, apresentou a cabeça da cobra como sendo o aqui Autor/Apelante.
O Apelante transcreve também em sede de alegações, no mesmo local, excertos do depoimento da testemunha FF, (indicando os minutos da faixa 13 do registo dos depoimentos), tidos como relevantes a este respeito, a qual confirmou que o Engenheiro disse que o Autor era a cabeça da cobra.
Afigura-se-nos que nesta parte deve proceder a pretensão do Apelante, sendo aditada à matéria de facto:
- O chefe do ... descreveu o Autor como a cabeça de uma cobra que existia no serviço.
- Em consequência do conjunto de atitudes supra descritas, o Autor iniciou um processo de desgaste psíquico que culminou com a necessidade de recurso a apoio psiquiátrico e tratamento medicamentoso, para tentar debelar os sintomas de ansiedade e depressão com que passou a viver e que ainda persistem, resultantes das constantes e graves humilhações a que foi sujeito, não só a nível profissional, como também pessoal.
O Apelante em sede de alegações, como meios de prova relativamente a esta matéria, indicou os depoimentos das testemunhas KK, JJ, II e CC (indicando os minutos da faixa 18, da faixa 9, da faixa 27 e da faixa 25 do registo dos depoimentos), transcrevendo os excertos tidos como relevantes, a este respeito.
Mais indicou o teor do atestado médico junto aos autos.
Trata-se de matéria parcialmente vaga e conclusiva.
Circunscrevendo-nos ao nexo causal, importa atender que ficou apenas provado do alegado pelo Apelante, no que toca ao comportamento do Chefe, o sucedido já depois do Autor ter enviado a carta de resolução e (item 22 dos factos provados) e bem assim, atento o decidido em sede da presente impugnação que o chefe do ... descreveu o Autor como a cabeça de uma cobra que existia no serviço, desconhecendo-se se tal também sucedeu já depois daquele momento ou antes, bem como se tal chegou a ser do conhecimento do Autor/Apelante.
A razão de ciência das referidas testemunhas não permite concluir pelo quadro psiquiátrico descrito na matéria em causa.
Apenas, atento o teor do atestado médico, entendemos ser de aditar a matéria doença psiquiátrica apresentada pelo Autor:
- O Autor iniciou um processo de desgaste psíquico que culminou com a necessidade de recurso a apoio psiquiátrico e tratamento medicamentoso, para tentar debelar os sintomas de ansiedade e depressão com que passou a viver.
- Tais sintomas refletem-se, ainda, numa total rejeição daquele que foi o seu local de trabalho por mais de 20 anos, recusando, sequer, falar de qualquer assunto relacionado com o Réu.
O Apelante em sede de alegações, como meios de prova relativamente a esta matéria, indicou também os depoimentos das testemunhas KK, JJ e II (indicando os minutos da faixa 18, da faixa 9, da faixa 27 e da faixa 25 do registo dos depoimentos), transcrevendo os excertos tidos como relevantes, a este respeito.
Porém, só a testemunha JJ referiu que o Autor não queria regressar ao Hospital.
O Apelante indicou ainda o teor do atestado médico junto aos autos.
Como ficou aí referido, o relatório médico refere ter a última consulta ocorrido em 08/10/2020. Porém é bem explícito que nessa data a sintomotalogia foi contada pelo doente, o qual a associou ao conflito que mantém com o seu empregador, numa altura em que tinha já enviado a carta de resolução do contrato de trabalho. Acresce ainda ponderar que a referencia efetuada ‘a resistência aos tratamentos’ por parte daquele.
Não temos como bastante a prova relativa ao nexo causal.
A convicção a que chegamos coincide assim com a valorização da prova efetuada na decisão recorrida «não resultou, pois, provado quer o tratamento arrogante, quer o nexo causal com a doença psiquiátrica apresentada pelo Autor (aliás, a este propósito, deverá acrescentar-se que a testemunha TT afirmou que o Autor, já antes da assunção do cargo pelo atual Chefe de Serviços, havia estado de baixa por depressão), quer o intuito persecutório da decisão de transferência, quer a pressão psicológica e humilhação alegadas. O atestado médico, de per se, não infirma as conclusões referidas, em face dos meios de prova indicados, já que se baseia, essencialmente, no relato do Autor nas consultas.»
O teor do atestado médico permite apenas aditar a matéria:
- O Autor manifesta total rejeição daquele que foi o seu local de trabalho, recusando falar de qualquer assunto relacionado com o Réu.
- Os factos praticados pelo responsável do ... “determinaram a apresentação de uma queixa crime contra o Autor dos factos identificados, que corre termos a coberto do Proc. nº 1046/20.8T9ESP”.
Indicou o depoimento prestado pela testemunha FF.
Trata-se de matéria vaga e conclusiva, não sendo tão pouco explicitado o teor dos factos constantes da participação.
Em conformidade, improcede nesta parte a pretensão do Apelante.

2.2. De direito:
Dispõe o artigo 394º nº 1 do Código do Trabalho que o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato ocorrendo justa causa.
Para a apreciação concreta da justa causa o artigo 394º, nº 4, do Código do Trabalho, remete, com as necessárias adaptações, para os termos do nº 3, do artigo 351º, do mesmo diploma legal, respeitante ao despedimento promovido pelo empregador.
A doutrina e a jurisprudência têm evidenciado a necessidade de preenchimento de três requisitos com vista à configuração de uma situação de justa causa subjetiva para a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador.
- Um primeiro requisito objetivo que consiste num comportamento do empregador violador dos direitos do trabalhador.
- Um segundo requisito de natureza subjetiva que consiste na atribuição a título de culpa desse comportamento ao empregador.
Aqui importa atender a que por estarmos no domínio da responsabilidade contratual presume-se a culpa, nos termos gerais previstos no artigo 799º do Código Civil, pelo que o empregador tem o ónus de provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua ou seja cabe-lhe ilidir a presunção de culpa.
- Um terceiro requisito que relaciona o comportamento do empregador com a relação laboral, de forma a tornar imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência dessa relação.
A justa causa é apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º, com as necessárias adaptações (artigo 394º nº 4 do Código do Trabalho), sendo certo que a resolução do contrato com fundamento nos factos previstos neste nº 2 do artigo 394º confere ao trabalhador o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo esta corresponder a uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade (artigo 396º nº 1 do Código do Trabalho).
O nº 2 do artigo 394º do Código do Trabalho elenca algumas das circunstâncias que constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador.
Porém, para que a resolução do contrato pelo trabalhador possa ser considerada lícita, este último deve adotar o procedimento previsto no artigo 395º nº 1 do Código do Trabalho, ou seja, “...comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.
Com efeito, a observância dos requisitos de natureza procedimental previstos neste normativo constituem condição de licitude da resolução, na medida em que dela depende a atendibilidade dos factos invocados pelo trabalhador para justificar a cessação imediata do contrato (neste sentido, Pedro Romano Martinez e outros, “Código do Trabalho”, 4ª edição, pág. 721).
Acompanhamos aqui o texto do Acórdão do STJ de 16.03.2017, in www.dgsi.pt, “Apesar de as circunstâncias que têm de ser apreciadas para que se considere verificada a justa causa para a resolução do contrato por parte do trabalhador terem de ser reportadas às estabelecidas para as situações de despedimento por facto imputável ao trabalhador (art.º 351.º), a doutrina e jurisprudência têm vindo a considerar que o juízo de inexigibilidade para a manutenção do contrato de trabalho terá de ser menos exigente do que nas situações em que a cessação é desencadeada pelo empregador.
O Professor João Leal Amado [4] sustenta que “a tese segundo a qual a noção legal de justa causa de despedimento deve ser exportada para o domínio da rescisão do contrato pelo trabalhador parece-me, com efeito, de rejeitar: a ideia de configurar a justa causa como uma categoria genérica, aplicável, nos mesmos termos, para o trabalhador e entidade patronal (a chamada conceção bilateral e recíproca de justa causa) era de facto acolhida pela Lei do Contrato de Trabalho, mas foi completamente aniquilada pela Constituição da República Portuguesa; esta, acentuando a estabilidade do emprego no que toca ao despedimento e a liberdade de trabalho no que toca à rescisão, tornou nítido que os valores e interesses em presença diferem profundamente, consoante o contrato cesse por iniciativa de uma ou outra das partes.”
O Professor Júlio Manuel Vieira Gomes [5] defende que é duvidoso que deva existir uma simetria entre a apreciação da justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador e a justa causa de despedimento por facto imputável ao trabalhador, argumentando, desde logo, que, no primeiro caso, o art.º 441.º, n.º 4, remete para o n.º 2 do art.º 396.º e não para o n.º 1. Termina o seu raciocínio afirmando que “Daí que, para nós, seja defensável que, nesta situação (resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador), o limiar da gravidade do incumprimento do empregador possa situar-se abaixo do limiar do incumprimento do trabalhador que justifica o despedimento”.
O Mestre Albino Mendes Baptista [6] defendeu:
“Como se sabe, a jurisprudência proferida ao abrigo da LCCT vincou sistematicamente a ideia de que a justa causa de rescisão do contrato devia ser analisada nos termos da justa causa de despedimento, invocando para o efeito o disposto no n.º 4, do art.º 35.º, da LCCT.
Deste modo, é necessário que, além da verificação dos elementos objetivo e subjetivo, se conclua que se tornou impossível a manutenção da relação laboral.
Só que nesta apreciação nunca poderá ser esquecido que enquanto o empregador dispõe de sanções intermédias para censurar um determinado comportamento, o trabalhador lesado nos seus direitos não tem modos de reação alternativos à rescisão (ou executa o contrato ou rescinde). Neste contexto, o rigor com que se aprecia a justa causa invocada pelo empregador não pode ser o mesmo com que se aprecia a justa causa quando invocada pelo trabalhador.”
A Professora Maria do Rosário Palma Ramalho [7] também se pronuncia no sentido de “a fundamental dissemelhança entre as figuras do despedimento disciplinar e da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador impor uma apreciação dos requisitos exigidos para a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador em moldes não tão estritos e exigentes como no caso de justa causa disciplinar, designadamente na apreciação da relação entre o comportamento ilícito e culposo do empregador com o vínculo laboral, no sentido de tornar imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência desse vínculo”.
Também a jurisprudência tem trilhado os mesmos caminhos da doutrina, salientando que nos casos de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador o juízo de inexigibilidade da manutenção do vínculo tem de ser valorado de uma forma menos exigente relativamente à que se impõe para a cessação do vínculo pelo empregador.
(…)
Na verdade, a Constituição da República Portuguesa ao elevar o princípio da estabilidade do emprego no que respeita ao despedimento e a liberdade de trabalho no que respeita à rescisão pelo trabalhador, acentuou que os valores e interesses em causa são profundamente diferentes, caso o contrato venha a cessar por iniciativa do trabalhador ou do empregador.
Por outro lado, não deixa de ser impressivo o argumento de que o trabalhador não dispõe de meios alternativos de reação que lhe permitissem conservar a relação laboral, ao contrário do empregador que dispõe de um leque de sanções disciplinares conservatórias.
Poderemos pois concluir que, em matéria de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, apesar de reconduzidos ao núcleo essencial da noção de justa causa, tal como se encontra definida no art.º 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009, para o despedimento promovido pelo empregador, temos de considerar a particularidade, derivada da ponderação dos diferentes valores e interesses em causa, de que a apreciação da justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador não poder ser tão exigente como nos casos de apreciação da justa causa de despedimento promovido pelo empregador.
Por outro lado, na ponderação da inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho há que atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes, tendo sempre presente o quadro de gestão da empresa, como impõe o art.º 394.º, n.º 4 do Código do Trabalho, ao remeter para o n.º 3, do art.º 351.º, do mesmo diploma legal.
Quanto à inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2015, proferido no Proc. n.º 736/12.3TTVFR.P1.S1 (Revista) - 4.ª Secção, relatado pelo Juiz Conselheiro Mário Belo Morgado considerou-se que se impõe que a conduta do empregador, pela sua gravidade e à luz das regras de boa-fé, torne imediata, prática e definitivamente impossível a subsistência do vínculo laboral.
(…)
[4] Contrato de Trabalho - À luz do novo Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2009, págs. 443 e 444 e Salários em atraso - Rescisão e suspensão do contrato, Revista do Ministério Público 1992, nº51, págs. 161 e segs.
- Contrato de Trabalho, Noções Básicas, 2016, Almedina, pág. 383 e segs.
[5] Direito do Trabalho, Vol.I, Coimbra Editora, págs. 1044 e 1045 e Da rescisão do Contrato de Trabalho por Iniciativa do Trabalhador, V Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias, Coimbra, 2003, pág. 148.
[6] Notas sobre a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador no novo Código do Trabalho em a A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, págs. 548 e 549.
[7] - Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 1ª edição, Almedina, 2006, pág. 911.
- Cfr. também Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 943.”, (Consigna-se que a citação referente ao entendimento do Juiz Conselheiro Júlio Gomes alude ao Código de Trabalho de 2003 e não ao Código de Trabalho de 2009, sendo contudo o entendimento o mesmo).
Em concreto, desde já se refere que relativamente a ambos os segmentos que se deixam infra identificados, o Apelante faz depender a conclusão a que chega da alteração da factualidade provada o que logrou conseguir apenas parcialmente, não sendo a matéria aditada suscetível de comprometer a subsunção dos factos ao direito, bem efetuada na decisão recorrida.
Sobre a existência de justa causa, quanto ao segmento relativo à mudança de local de trabalho, foi este o enquadramento legal efetuado na decisão recorrida:
“O princípio da inamovibilidade constitui uma garantia fundamental do trabalhador, estando vedado à entidade empregadora transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos expressamente previstos no Código do Trabalho, ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, ou ainda quando haja acordo entre as partes (cf. art. 129.º, nº 1, f), do Código do Trabalho). O acordo pode ser firmado no próprio contrato de trabalho (cf. art. 194.º, nº 2, do CT) ou em instrumento paralelo ou complementar, em função dos fins pretendidos pelas partes.
A liberdade de modificação contratual do local de trabalho encontra-se, porém, limitada pelo princípio da boa fé (art. 762.º, nº 2, do Código Civil), exigindo-se a subordinação a um interesse empresarial justificado, não podendo ser unilateralmente imposta com fins ilegítimos, designadamente, intuito persecutório (cf. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 5.ª edição, 2010, Almedina, Coimbra, p. 805).
Nos termos do disposto no art. 194.º do Código do Trabalho, na falta de acordo entre as partes, a entidade empregadora pode impor a mudança de local de trabalho, temporária ou definitivamente, em duas situações típicas: a) mudança ou extinção, total ou parcial, do estabelecimento onde presta serviço; b) quando outro motivo do interesse da empresa o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador (art. 194.º, nº 1, als. a) e b) do Código do Trabalho).
O “prejuízo sério” é uma cláusula geral a ser preenchida em função do caso concreto, devendo ser ponderada a dilação do tempo de deslocação em função da transferência imposta, a dificuldade de transporte, a necessidade de mudança de residência, entre outras circunstâncias relevantes. Transtornos pouco relevantes e que não representam um agravamento significativo do ponto de vista da onerosidade da prestação de trabalho devem ser sacrificados em atenção ao interesse empresarial inerente à decisão.
A noção de prejuízo sério tem sido tratada pela jurisprudência no sentido de se considerar prejuízo sério uma mudança na vida do trabalhador que se traduza numa alteração substancial das suas condições de vida, que se não se restringe a prejuízos patrimoniais, podendo refletir-se em aspetos de natureza pessoal, profissional, familiar e económica – cf. Acórdão do STJ de 7.11.2007 (processo 07S2363), www.dgsi.pt. Essa mudança deve, pois, traduzir-se em algo de acentuadamente perturbador para a vida do trabalhador, em qualquer dos aspetos assinalados, não bastando os simples incómodos ou transtornos que uma alteração de local de trabalho, como regra, implica – cf. Ac. do Tribunal da relação do Porto de 26 de março de 2012 (in dgsi.pt).
A alteração do local de trabalho deve ser comunicada ao trabalhador por escrito, com antecedência de 8 ou 30 dias, e com expressa menção do motivo justificativo (cf. art. 196.º, nº 1 e 2, do Código do Trabalho).”
Revemo-nos integralmente em tal fundamentação, incluindo as pertinentes referências doutrinárias e jurisprudenciais.
Quanto ao segmento relativo à mudança de local de trabalho, foram estas as conclusões mais relevantes do Apelante:
- a mudança de local de trabalho, foi imposta com fins ilegítimos, designadamente, intuito persecutório;
- não ficou provado o interesse organizativo subjacente a tal transferência. Pelo contrário, ficou provado que a transferência nunca foi necessária.
Sem razão.
Ao invés, ficou provado nomeadamente que a transferência temporária do Autor para um dos polos hospitalares do CH... esteve relacionada com o facto de o Sr. RR técnico do ..., a prestar serviço na unidade de S. João da Madeira, estar em fase final de carreira e já perto da reforma, e o Engenheiro HH ter saído para outra unidade hospitalar (item 32º dos factos provados).
Ainda que dada a complexidade das funções e a necessidade de existir uma passagem suave e gradual de funções, rotinas, procedimentos e trabalhos e como não era possível contratar novo colaborador sem o RR já estar aposentado foi deslocado de forma provisória o Sr. CC para a unidade de SJM e era necessário mobilizar um elemento do ... da unidade HSS, com características técnicas e o maior número de valências possíveis para ocupar o lugar provisoriamente em Oliveira de Azeméis (item 33º dos factos provados).
Ou seja, ficou demonstrado o fundamento da transferência e o carácter provisório da mesma.
Aliás, é matéria não provada que após a decisão de transferência, o ... iniciou processo de recrutamento de trabalhadores para o local de trabalho do Autor.
Por outro lado, o Apelante não conseguiu demonstrar que a mudança de local lhe acarretou um prejuízo sério.
Aliás ficou provado no item 31º que ‘Na sequência da ordem de transferência referida em 7.º, o Autor não reclamou/solicitou do R. o custeio dos custos da deslocação ou a colocação de uma viatura para o transporte.’
Acresce referir que da matéria aditada resulta apenas que o Autor vivenciou/sofreu de ansiedade, a ponto de ter precisado de ajuda médica de psiquiatria que culminou com a necessidade de recurso a apoio psiquiátrico e tratamento medicamentoso, para tentar debelar os sintomas de ansiedade e depressão com que passou a viver.
Ainda que o chefe do ... descreveu o Autor como a cabeça de uma cobra que existia no serviço e que o Autor manifesta total rejeição daquele que foi o seu local de trabalho, recusando falar de qualquer assunto relacionado com o Réu.
A matéria assim aditada no que se reporta ao quadro clínico do Autor não é bastante para se concluir pela verificação de justa causa, desde logo pela falta de prova do invocado nexo causal.
Acompanhamos, assim, o desiderato da sentença:
“No caso sub iudice, não se pode julgar verificado o requisito do prejuízo sério para o efeito de reputar a resolução do contrato fundada em justa causa e com direito a indemnização.
De facto, a mudança do local de trabalho implicou apenas uma deslocação para um concelho limítrofe (de Santa Maria da Feira para Oliveira de Azeméis) – e um acréscimo de cerca de 15 km de viagem em cada sentido – o que não se afigura significativo, nem de molde a causar um transtorno acentuado na vida do trabalhador, face às vias de comunicação de que a zona se encontra dotada, como é notório e do conhecimento público. De resto, não se provou que essa transferência inviabilizasse o transporte da filha do Autor à escola, já que não se apurou os horários escolares desta, a idade, entre outros elementos relevantes para se apreciar a impossibilidade de condução da menor e a existência de outros meios alternativos para o efeito.
Inexiste, pois, motivo justificado para a cessação do contrato de trabalho, com justa causa, com o fundamento alegado.»
Improcede como tal também nesta parte o recurso da Apelante.

Quanto ao segmento do alegado assédio laboral, foi este o enquadramento legal efetuado na decisão recorrida:
“(…) importa analisar se esta, analisada à luz dos restantes factos descritos, no seu conjunto, indicia a existência de um quadro de assédio do trabalhador.
O art. 29.º do Código do Trabalho estatui que “1 - É proibida a prática de assédio. 2 - Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. (…) 4 - A prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização, aplicando-se o disposto no artigo anterior. 5 - A prática de assédio constitui contraordenação muito grave, sem prejuízo da eventual responsabilidade penal prevista nos termos da lei. 6 - O denunciante e as testemunhas por si indicadas não podem ser sancionados disciplinarmente, a menos que atuem com dolo, com base em declarações ou factos constantes dos autos de processo, judicial ou contraordenacional, desencadeado por assédio até decisão final, transitada em julgado, sem prejuízo do exercício do direito ao contraditório”.
O assédio moral caracteriza-se essencialmente por três aspetos – a prática de determinados comportamentos, a sua duração e as consequências destes. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de maio de 2018 (in dgsi.pt), é “usual associar-se à figura a intencionalidade da conduta persecutória, o seu carácter repetitivo e a verificação de consequências na saúde física e psíquica do trabalhador e no próprio emprego, que se pode manifestar numa baixa de produtividade ou, quiçá, no abandono”. O assédio pode produzir efeitos psicológicos negativos sobre a vítima, em consequência de lesão da sua dignidade e personalidade, bem como desencadear um processo de exclusão profissional, direcionado à extinção do contrato de trabalho. Trata-se de um conceito que não sendo de natureza jurídica, mas sociológica, permite “apreender como comportamentos que isoladamente seriam lícitos e poderiam até parecer insignificantes, podem ganhar relevo muito distinto quando inseridos num determinado procedimento e reiterados ao longo do tempo. (…) O principal mérito da figura consiste em que ela permite ampliar a tutela da vítima, ligando entre si factos e circunstâncias que, isoladamente considerados pareceriam de pouca monta, mas que devem ser reconduzidos a uma unidade, a um projeto ou procedimento (cfr. Ac. STJ supra citado).
Neste sentido, refere Maria Regina Redinha (Assédio Moral ou Mobbing no Trabalho", in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Raúl Ventura, VoI. II, Almedina, Coimbra, p. 837) que “o fenómeno não é apreensível pela desagregação das diversas ações agressivas, que, por si sós, perdem intensidade e significado, mas apenas através da sua leitura global. Segundo esta Autora, poder-se-á, numa tentativa de aproximação, apontar as seguintes características à figura em análise: a) uma perseguição ou submissão da vítima a pequenos ataques repetidos; b) constituída por qualquer tipo de atitude por parte do assediador, não necessariamente ilícita em termos singulares, e concretizada de várias maneiras (...) à exceção de condutas, agressões ou violações físicas; c) que pressupõe motivações variadas por parte do assediador; d) que, pela sua repetição ou sistematização no tempo; e) e pelo recurso a meios insidiosos, subtis ou subversivos, não claros nem manifestos, que visam a diminuição da capacidade de defesa do assediado; f) criam uma relação assimétrica de dominante e dominado psicologicamente; g) no âmbito da qual a vítima é destruída na sua identidade; h) o que representa uma violação da dignidade pessoal e profissional, e, sobretudo, da integridade psico-física do assediado; i) com fortes danos para a saúde mental deste; j) colocando em perigo a manutenção do seu emprego; k) e/ou degradando o ambiente profissional” in Acórdão do Tribunal da relação do Porto de 7 de maio de 2018 (in dgsi.pt).
São considerados procedimentos hostis, designadamente: retirar autonomia ao trabalhador-vítima; não lhe facultar informações úteis para a realização de uma tarefa; contestar todas as suas decisões de forma sistemática; entregar-lhe constantemente novas tarefas; retirar o acesso a instrumentos de trabalho; proceder de modo a que não seja promovido.
São considerados como atentados à dignidade os seguintes comportamentos: utilizar propósitos de desprezo para qualificar o trabalhador; menosprezá-lo junto dos colegas; fazer circular boatos a seu respeito; criticar a sua vida privada; atribuir-lhe tarefas humilhantes; injuriá-lo com termos obscenos ou degradantes.
Como exemplos de atitudes que se identificam com a violência verbal são referidas: as ameaças físicas ao trabalhador; a agressão física seja qual a intensidade dessa agressão; a invasão da vida privada do trabalhador, nomeadamente com cartas e telefonemas; a ignorância dos problemas de saúde daquele.” - idem.
São ainda conotados com o assédio comportamentos como a mudança de funções do trabalhador, por exemplo, para funções muito superiores à sua experiência e competência para levá-lo à prática de erros graves, a atribuição de tarefas excessivas, mas também, e frequentemente, o seu inverso, como seja a atribuição de tarefas inúteis ou o esvaziamento completo de funções. (…) os meios empregues podem ser os mais diversos: frequentemente adotam-se medidas para impor o isolamento social do trabalhador, que podem consistir em proibir aos outros trabalhadores que lhe dirijam a palavra, em reduzir-lhe os contactos com os clientes ou mesmo em impor-lhe um isolamento físico (…) – Júlio Gomes, apud Acórdão do TRP de 07.05.2018.
Quanto à necessidade de verificação de uma “dimensão volitiva/final” no conceito de assédio, a doutrina sempre se mostrou dividida, pois, “enquanto para alguns o mobbing pressupõe uma intenção persecutória ou de chicana (ainda que não necessariamente a intenção de expulsar a vítima da empresa), para outros, o essencial não são tanto as intenções, mas antes o significado objetivo das práticas reiteradas” (in Ac. do TRP de 20.11.2017, in dgsi.pt; Ac. TRP de 26.09.2011, in dgsi.pt).
Em termos de classificação de comportamentos, é possível distinguir, segundo Júlio Gomes, em função da motivação da conduta, duas modalidades de assédio moral: “o assédio emocional ou psicológico (decorrente, por exemplo, de animosidade, antipatia, inveja, desconfiança ou insegurança), em regra dirigido à obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (animus nocendi) e o assédio estratégico, (…) que se reconduz a uma técnica perversa de gestão, dirigida a objetivos estratégicos definidos, com frequência utilizada como meio para contornar as proibições de despedimento sem justa causa e, por outro lado, como instrumento de alteração das relações de poder no local de trabalho (por exemplo, com o fito de levar o trabalhador a aceitar condições laborais menos favoráveis) ou para implementar determinados padrões de cultura empresarial e/ou de disciplina” - idem.
Ainda de acordo com a previsão do art. 24.º do Código do Trabalho, é possível distinguir entre o assédio moral discriminatório, que tem por base algum dos fatores expressamente plasmados no artigo 24.º do CT e o assédio moral não discriminatório (também designado por mobbing), que não tem por base qualquer fator discriminatório concreto, mas antes um comportamento indesejado pelo trabalhador, e cujo carácter continuado e insidioso tem os mesmos efeitos hostis que o anterior – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7 de maio de 2018 supra citado.
A distinção apontada tem consequências em matéria de ónus de prova: nas situações em que o assédio tenha um fundamento discriminatório, a regra do art. 25.º, nº 5, do CT deve ser aplicada (“Cabe a quem alega a discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação”); nas restantes situações, impende sobre o autor o ónus de prova dos factos necessários à conclusão da ocorrência do assédio que invoca (cfr. Ac. TRP de 04.02.2013 e de 26.09.2011, in dgsi.pt).”
Revemo-nos integralmente em tal fundamentação, incluindo as pertinentes referências doutrinárias e jurisprudenciais.
Quanto ao segmento relativo ao assédio laboral, o Apelante, reportando-se à factualidade que globalmente pretendeu ver aditada aos factos provados – o que não logrou conseguir – concluiu que os factos praticados vindos de enumerar, atentaram contra a dignidade do ora Recorrente, porque foram utilizados com o propósito de o humilhar, ofender e menosprezar junto dos colegas, comportamentos esses que, foram praticados de forma intencional e consciente, com intuito persecutório e, por conseguinte têm de ser considerados dolosos.
Sem razão também nesta parte, desde logo e como se salientou já, resultou não provada a matéria de que o ato de transferência foi tomado pelo Réu de forma deliberada para prejudicar o Autor.
Foi este o desiderato da sentença:
“No caso em apreço, apurou-se que o Autor viu alteradas as condições em que prestava o seu trabalho a partir de setembro de 2020, do ponto de vista do local de trabalho que lhe estava destinado.
De facto, o Autor foi transferido para a unidade hospitalar de Oliveira de Azeméis, por decisão do Conselho de Administração, sob parecer prévio do Chefe de Serviço do ....
Provou-se, porém, o interesse organizativo subjacente a tal transferência, tendo sido ademais esclarecidas as circunstâncias em que o Autor foi escolhido para preencher o referido lugar (conforme explicou a testemunha CC, Encarregado Geral manutenção no CH..., a exercer funções nas unidades hospitalares de São João da Madeira e Oliveira de Azeméis, previamente à decisão da transferência do Autor, foi auscultado pelo Chefe do ..., Engenheiro BB no sentido de indicar a melhor pessoa que o podia auxiliar e o próprio Presidente do Conselho de Administração VV, falou consigo no sentido de acumular os dois hospitais; na altura, o Engenheiro BB disse-lhe para escolher uma pessoa qualquer; a testemunha sugeriu o nome do Sr. AA, porque já se conheciam há muitos anos; para si, seria o melhor elemento para assumir as suas funções).
Inexiste, pois, qualquer indício do alegado intuito persecutório da Chefia do ..., tendo ficado demonstrado que foi um colega de trabalho do Autor que o indicou como sendo a pessoa mais competente para preencher o lugar (o que, de resto, o Autor sabia, porque falaram telefonicamente sobre esse assunto, conforme se referiu em sede de motivação da decisão de facto).
Quanto aos demais factos invocados, não denotam de per se uma atuação dolosamente dirigida à criação de condições adversas ao trabalhador ou ao tratamento discriminatório e humilhante invocado.
De facto, tais circunstâncias não enquadram a figura do assédio moral (discriminatório) invocado pelo trabalhador que legitime a resolução do contrato fundada no nº 2, do art. 394.º do Código de Trabalho.
Quanto à execução de uma intervenção na canalização da copa da louça fina e da louça grossa e reparação de tetos (ordem de 24.04.2020), à troca de emails relacionados com a alegada falta de envio dos relatórios diários de atividade, à atribuição de turno sem direito a remuneração complementar (por se tratar de horário diurno) e à troca de palavras a propósito da falta de limpeza integral das condutas das consultas externas, ou tiveram por base equívocos quanto ao âmbito da ordem (neste último caso), ou não estão suficientemente enquadradas por forma a que se possa delas extrair um tratamento discriminatório (ex. atribuição de turno diurno, que apenas ocorreu numa circunstância isolada, intervenção na canalização da copa da louça fina e da louça grossa). Deverá, aliás, referir-se que o Código do Trabalho não exclui que, em certas circunstâncias, possa ser ordenada a execução de serviços não estritamente contidos no âmbito funcional do trabalhador. E, para além disso, também deverá ser realçado que a execução de serviços diversificados, fora da área da especialidade do trabalhador, era prática usual no hospital, segundo referiram a generalidade das testemunhas (muito antes do início de funções do atual chefe de serviço), pelo que não se encontra aqui fundamento para invocar a existência de um tratamento discriminatório em relação ao Autor. Além disso, como já referimos, todos os factos alegados ocorreram em circunstâncias excecionais – em plena Pandemia Covid 19 – o que pode explicar o tratamento menos complacente da chefia relativamente à execução das tarefas ordenadas.
Por tudo o exposto, inexiste motivo justificado para a resolução do contrato, nos termos do disposto no art. 394.º do Código do Trabalho.”
Nada temos de relevante a acrescentar à fundamentação transcrita da decisão recorrida, cuja lógica e coerência de raciocínio se nos afigura evidente e de louvar, a qual responde cabalmente às conclusões da Apelante, nada de relevante sendo de acrescentar à mesma.
Improcede como tal também nesta parte o recurso da Apelante.

4. Decisão:
Por tudo o exposto, julga-se improcede a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas da Apelação do Autor por este último.

Porto, 13.07.2022
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
Paula Leal de Carvalho