Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
413/14.0TBOAZ.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: REDUÇÃO DO VALOR DO RECURSO
CUSTAS
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
Nº do Documento: RP20180924413/14.0TBOAZ.P2
Data do Acordão: 09/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO ATENDIDA
Indicações Eventuais: 5ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º680-A, FLS.87-96).
Área Temática: .
Legislação Nacional: ART.º 6, N.º 7 E O ART.º 25, N.º1 AMBOS DO R.C.P.
Sumário: I - Na economia do nº 2 do artigo 12º do Regulamento das Custas Processuais, a menção do valor da sucumbência (quando determinável ou quantificável) no requerimento de interposição do recurso é condição essencial da redução do valor do recurso para efeito de custas, incluindo a taxa de justiça.
II - Consequentemente, se o recorrente não quantificar a referida sucumbência na ação, embora do âmbito das alegações se veja que ela constitui o objeto do recurso, não pode beneficiar desta atenuação da obrigação de pagamento da taxa de justiça.
III - O artigo 25º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais contém a regra de que a nota discriminativa e justificativa de custas de parte deve ser apresentada no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado da decisão.
IV - Essa regra, todavia, não obstaculiza que a parte vencedora possa apresentar uma nova nota discriminativa e justificativa contendo os montantes de taxa de justiça remanescente que pagou ao abrigo do disposto no nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais e num momento posterior ao estabelecido no nº 1 do art. 25º desse diploma legal.
V - Contudo, essa possibilidade está dependente da prévia apresentação de nota justificativa dentro do prazo fixado no citado artigo 25º, nº 1, surgindo então a “nova” nota justificativa como complemento da inicialmente apresentada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 413/14.0TBOAZ.P2
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Santa Maria da Feira – Juízo Central Cível, Juiz 1
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
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Sumário
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I- RELATÓRIO
Na presente ação declarativa com processo comum que B… e C… moveram contra D1…, S.A. e D…, após o trânsito da decisão final foi elaborada a conta de custas, tendo as rés apresentado nota discriminativa e justificativa de custas de parte, requerendo a sua liquidação.
Notificados da conta e da nota justificativa, vieram os autores reclamar das mesmas, advogando que: i) na conta foi indevidamente considerado para efeito dos valores dos recursos o valor da ação, quando deveria apenas atender-se aos valores de sucumbência; ii) a nota justificativa foi apresentada já para além do prazo que as rés dispunham para o efeito.
Sobre as aludidas reclamações recaiu decisão com o seguinte teor:
Reclamação à conta de fls. 809 e seguintes:
Assiste inteira razão ao Sr escrivão contador: de facto, ao contrário do que se defende na reclamação em apreço, a sucumbência no recurso só deve ser tida em consideração em alternativa ao valor da acção quando for determinável e o recorrente indique o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso – cfr artigo 12º, número 2 do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro).
Os Autores apresentaram recurso subordinado sem que tenham indicado o valor da sucumbência.
Logo, bem andou a secção ao fazer prevalecer o valor da acção para efeitos de contagem dos autos.
Indefere-se, pois, a reclamação em apreço.
Custas do incidente pelos reclamantes fixando-se a taxa de justiça em 0, 5 UCs – cfr artigo 539º do Código de Processo Civil e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro).
Notifique.
Reclamação à nota de custas de parte de fls. 813 verso e seguintes:
Vêm os Autores reclamar do aditamento à nota de custas de parte apresentada pela Ré alegando que o mesmo é intempestivo.
Não lhes assiste razão.
De facto, sendo aplicável aos autos o Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro) e estando-se perante uma causa de valor superior a 275000 € a final poderia o tribunal ter dispensado o pagamento da taxa de justiça remanescente, o que não sucedeu.
Nestes casos, portanto, e como prescreve o artigo 14º, número 9 do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro), apenas a final pode o responsável pelas custas ser notificado para proceder ao pagamento da taxa de justiça remanescente, com fixação de prazo de 10 dias para o efeito.
Donde, não só não podia a Ré apresentar no prazo legal a que alude o artigo 25º, número 1 do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro) já que a taxa de justiça ora reclamada não estava ainda paga nem se sabia se tal viria a ser exigido (cfr artigo 25º, número 2 b)), como apenas o podia fazer depois de notificada para o efeito pela secção e do seu efectivo pagamento.
Apenas em despacho de 18-01-2017 foi proferido despacho que expressamente, perante requerimento em sentido contrário decidiu de não dispensar o pagamento da taxa de justiça remanescente.
Apenas em 31-08-2017 foi a Autora notificada para pagamento da taxa de justiça remanescente tendo o aditamento à nota de custas de parte sido apresentada no dia imediato, dia 01-09-2017.
É pois inteiramente tempestiva a nota de custas alvo de reclamação. É também correcta a indicação de dois montantes iguais a título de honorários devidos já que se está perante duas Rés, representadas em juízo por dois diferentes mandatários não havendo qualquer arrimo legal para a não aplicação do previsto no arº 26º, número 3 c) do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro).
Improcede, pois, totalmente a reclamação em apreço.
Custas do incidente pelos reclamantes fixando-se a taxa de justiça em 0, 5 UCs – cfr artigo 539º do Código de Processo Civil e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro.
Notifique”.
Não se conformando com o assim decidido, vieram os autores interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
A) Na conta de custas foi considerado para efeito dos valores dos recursos o valor da acção;
B) A douta decisão da primeira instância condenou os Réus apenas no montante de €208.400,00 (€110.000,00 + €98.400,00);
C) O Recurso de apelação dos Réus teve como objeto apenas os referidos valores de sucumbência, pelo que o respetivo valor tributável deve ser fixado em €208.400,00;
D) Os Autores apenas recorreram de parte da sentença, considerando que a indemnização deveria ser fixada em €505.000,00 (conclusão AN do recurso subordinado: €60.000,00 + €200.000,00 + €75.000,00 + €50.000,00 + €60.000,00 + €60.000,00);
E) O Recurso subordinado de apelação dos Réus teve como objeto apenas os referidos valores de sucumbência, pelo que o respetivo valor tributável deve ser fixado em €505.000,00;
F) O Tribunal da Relação do Porto absolveu os Réus do pagamento do valor de €98.400,00 a título de honorários e subiu o valor da remanescente indemnização de €110.00,00 para €135.000,00 (€35.000,00 + €100.000,00), pelo que esse recurso apenas teve como objeto apenas os referidos valores de sucumbência, pelo que o respetivo valor tributável deve ser fixado em €135.000,00;
G) De acordo com o actual artigo 12.° nº 2 do RCJ (e anterior 11.° do CCJ) o valor de recurso é o da sucumbência quando a mesma é determinável;
H) O art. 11.° do Código das Custas Judiciais (na redacção do Dec.-Lei n." 224-A/96, de 26 de Novembro com as alterações introduzidas pelo Decreto ­Lei n." 320-B/2000, de 15 de Dezembro) estipula: "Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável"; Pretende assim o legislador criar uma situação mais vantajosa e mais justa para quem recorre, pois que assim a conta de custas será elaborada com base na concreta sucumbência da parte e não já no valor mais elevado que é o da acção no seu todo." Acórdão de 15-10-2009, processo 843-V83-2, www.dgsi.pt.
I) “I- Considerando a diferença de redacção do anterior art." 11.° nº 2 do CCJ, em confronto com o actual art. 12º nº 2 do Regulamento das Custas Judiciais, essa alteração só pode querer significar que o legislador entendeu retirar à falta de indicação do valor da sucumbência, a consequência que tinha na legislação anterior. II - Assim, da redacção actual do preceito, impõe-se concluir que se mantém a obrigação de indicar o valor da sucumbência, por razões de boa técnica processual, de simplicidade e clareza, mas caso falte essa indicação, uma vez que o valor da sucumbência esteja determinado ou determinável, não há razão para que não seja esse o valor do recurso a ter em conta para efeitos de cálculo da taxa de justiça. III - Com a disposição em análise pretendeu o legislador evitar que a parte recorrente tenha de pagar custas determinadas pelo valor inicial do processo, quando apenas discorda parcialmente da decisão, ou quando está em causa apenas uma parte do valor total. - Tribunal da Relação de Lisboa, Acórdão de 17-01-2013, processo 3824/10.7TBVFX.LI-6, www.dgsi.pt.
J) Nos recursos dos autos a sucumbência é determinável;
K) Aos recursos apresentados nos autos deverá ser fixado, para efeito de custas, o valor da sucumbência e não o da acção;
L) Se assim não fosse entendido, estaríamos perante uma patente injustiça para as partes que seriam obrigadas a pagar taxas de justiça sobre valores não analisados pelos Tribunais de recurso, tanto mais que vários dos recursos em causa não foram apresentados pelos ora recorrentes, pelo que não eram eles que poderiam indicar a sucumbência na respectiva interposição de recurso.
M) No "aditamento à nota discriminativa e justificativa para pagamento de custas de parte" teve como base a conta de custas remetida pelo Tribunal, cujos valores não se consideram corretos conforme primeira parte do presente recurso;
N) Na soma de 50% das taxas de justiça pagas pelas partes, os Réus referem duas vezes o valor €17.136,00 como tendo sido pagos pelos Autores, o que se encontra manifestamente incorreto;
O) Ao serem ficcionados dois pagamentos por parte dos Autores de €17.136,00, está a parte "vencedora" a duplicar sem fundamento o valor da responsabilidade dos Autores;
P) Estaríamos, em claro prejuízo dos Autores, a aceitar que, para efeito de nota de custas de parte apresentada conjuntamente pelas duas Rés, teria existido um pagamento de €34.272,00, o que não corresponde à realidade;
Q) A referida nota de custas de parte é intempestiva por violar o prazo até cinco dias após o trânsito em julgado da sentença para a parte exigir o pagamento das custas de parte a que tem direito;
R) Existindo valores de taxa de justiça ainda não liquidados, "não constituía tal realidade qualquer obstáculo ao cumprimento da norma do n" 1 do art. 25º do Regulamento das Custas Processuais, desde que nela fizesse referência a tal pagamento futuro e ao envio posterior de uma segunda nota discriminativa com o remanescente desse pagamento. Ora a recorrente não acautelou tal situação nos cinco dias posteriores ao trânsito em julgado da decisão final." (acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n." 1100/11.7TBABT-A.E1, 10-09-2015, www.dgsi.pt;
S) Em 19-12-2016, aquando da apresentação da nota discriminativa e justificativa, os Réus não fizeram qualquer referência ao pagamento futuro de valores de taxa de justiça ainda não liquidadas ou ao envio posterior de uma segunda nota discriminativa com o remanescente desse pagamento;
T) Os Réus bem sabiam que teriam de pagar valores ainda não liquidados referentes à taxa de justiça porquanto apresentaram nos autos um requerimento para dispensa do respetivo pagamento, o qual veio a ser indeferido.
U) O "aditamento à nota discriminativa e justificativa para pagamento de custas de parte" apresentada pelos Réus não tem fundamento legal e é intempestivo.
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Notificadas as rés apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
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Admitido o recurso e remetidos os autos a este Tribunal, foi proferida decisão singular que julgou improcedente a apelação.
Inconformados com essa decisão singular, vieram agora os recorrentes apresentar a presente reclamação para a conferência requerendo que seja proferido acórdão sobre a matéria da decisão.
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Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações, são as seguintes as questões solvendas:
determinar se na conta do processo o valor dos recursos deverá ser apurado em função do valor da ação, ou antes em função dos valores de sucumbência;
determinar se deve considerar-se tempestivamente apresentada pelas rés a nota discriminativa e justificativa de custas de parte no que respeita à taxa de justiça remanescente que liquidaram;
da correção dos valores indicados na nota justificativa e discriminativa a título de compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do seu mandatário judicial.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO
A factualidade a atender é a que dimana do antecedente relatório.
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IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO
Na reclamação que apresentam para a conferência os recorrentes, esgrimindo a mesma argumentação já expendida nas suas alegações recursivas, sustentam que deve ser proferido acórdão que julgue procedente o recurso que interpuseram, com as legais consequências.
Não se nos afigura, contudo, que a decisão sumária do relator mereça a censura que lhe vem apontada, posto que as questões que nela foram decididas obtiveram solução jurídica que reputamos acertada.
Como assim, renovamos e fazemos nossos os argumentos em que se ancorou a aludida decisão singular e que se passam a transcrever:
«IV.1 – Da reclamação da conta
Os autores reclamaram da conta de custas argumentando que foi indevidamente considerado para efeito dos valores dos recursos o valor da ação quando, na verdade, apenas deveriam ter sido atendidos os valores de sucumbência.
Não foi esse, no entanto, o entendimento sufragado pelo decisor de 1ª instância que considerou que a sucumbência nos recursos somente deve ser tida em conta em alternativa ao valor da ação quando for determinável e o recorrente indique o respetivo valor no requerimento de interposição do recurso, o que não foi o caso.
Os ora apelantes rebelam-se contra o aludido segmento decisório, recuperando neste sede recursória a mesma argumentação em que basearam a sua reclamação.
Que dizer?
Neste conspecto, o normativo a trazer à colação é o art. 12º do Regulamento das Custas Processuais (doravante, RCP), que no seu nº 2 dispõe que “[N]os recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respetivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos prevalece o valor da ação”.
Portanto, como emerge da exegese do transcrito inciso normativo, haverá que estabelecer um distinguo consoante o valor da sucumbência seja ou não determinável ou quantificável.
Na hipótese afirmativa, é esse valor que releva para a determinação do valor tributário do recurso, desde que o recorrente o indique no requerimento de interposição; na hipótese negativa, ou afirmativa quando o recorrente não indique o valor da sucumbência no requerimento de interposição do recurso, o valor deste para efeito de custas é o da causa.
Significa isto que, na economia do preceito, a menção do valor da sucumbência (quando determinável ou quantificável) no requerimento de interposição do recurso é condição essencial da redução do valor do recurso para efeito de custas, incluindo a taxa de justiça[1]. Consequentemente, se o recorrente não quantificar a referida sucumbência na ação, embora do âmbito das alegações se veja que ela constitui o objeto do recurso, não pode beneficiar desta atenuação da obrigação de pagamento da taxa de justiça.
E percebe-se que assim seja, já que a ratio essendi da norma prende-se com o facto de a conta ser elaborada por funcionário judicial, não cabendo ao mesmo descortinar qual o valor da sucumbência, que é um conceito de Direito, sendo certo que, apesar da sua determinabilidade, situações existem que são complexas e dadas a dúvidas, cuja solução não pode ficar a cargo do contador, a quem nada mais cabe do que a elaboração da conta do processo, partindo dos pressupostos que claramente terão de resultar do mesmo. São pois razões de certeza e segurança que subjazem à solução plasmada no texto legal.
A condição estabelecida quanto à indicação do valor da sucumbência não constitui, assim, qualquer constrangimento especial ao direito dos utentes da justiça, surgindo antes como modo de exercício do direito, contido na disponibilidade das partes, e respondendo à necessidade de facilitação da tarefa dos tribunais. Trata-se da imposição de um procedimento a quem queira prevalecer-se de certas vantagens processuais ou outras, semelhante a outros previstos na lei.
Daí que, ao invés da posição sufragada pelos apelantes, não basta que o valor da sucumbência seja determinável para ser atendido como base tributável do recurso, competindo ainda aos recorrentes indicá-lo no requerimento de interposição do recurso. Não o tendo feito, sibi imputet, pelo que, nessas circunstâncias, os valores dos recursos terão de ser os da causa.
Improcedem, assim, as conclusões A) a L).
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IV.2 – Da reclamação referente à nota justificativa e discriminativa de custas de parte apresentada pelas rés
IV.2.1 – Da (in)tempestividade na apresentação dessa nota justificativa e discriminativa
Como emerge do nº 1 do art. 529º do Código de Processo Civil (CPC) e do art. 3º, nº 1 do RCP, as custas de parte integram o conceito mais vasto de custas processuais, portanto dele fazendo parte, abrangendo estas últimas a taxa de justiça, os encargos que a parte suporte em emergência da tramitação do processo e as custas de parte.
No que tange concretamente às custas de parte traduzem-se estas na prestação pecuniária correspondente às despesas realizadas nas ações, nos incidentes, nos procedimentos cautelares ou outros e nos recursos, devida à parte que, com ganho de causa, os implementou ou lhes deduziu oposição.
Ora, por mor do princípio da tendencial gratuitidade da justiça para o vencedor, estes dispêndios das partes litigantes haverão de, no final do processo, ser restituídos pela parte que tenha decaído à parte que tenha tido ganho de causa e que, para o ter, se tenha visto na necessidade de os suportar. Isso mesmo resulta do nº 4 do art. 529º e do nº 1 do art. 533º, ambos do CPC, ao determinar que a parte vencedora, na exata proporção do seu vencimento, tem direito a ser compensada pela contraparte das despesas que teve de efetuar com vista ao impulso do processo, bem como o restante dispêndio necessário ao desenvolvimento da lide.
Por seu turno, estabelece o nº 1 do art. 26º do RCP que "as custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas...", ou seja, em decorrência dessa condenação fica a parte vencida constituída não só na obrigação de pagar as custas propriamente ditas ao Estado, assim o retribuindo pelo serviço prestado – o de fazer justiça –, como também de pagar todas as importâncias que a parte vencedora, na exata medida do seu vencimento, tenha suportado ao longo do processo, mormente[2] em taxas de justiça, encargos e honorários do seu mandatário.
É pois no exato momento do trânsito em julgado da decisão judicial que efetivamente nasce em concreto o direito ao reembolso das custas de parte, a favor de quem tenha ganho de causa, e a inerente obrigação de pagamento das custas de parte à parte vencedora, obrigação esta a cargo, naturalmente, da parte que tenha decaído.
No entanto, pese embora as custas de parte se integrem, como se referiu, no âmbito da condenação judicial, por força do disposto no art. 30º, nº 1 da Portaria nº 419-A/2009, de 17.04 (na redação que lhe foi dada pela Portaria nº 82/2012, de 29.03), as mesmas não se incluem na conta de custas, sendo pagas direta e extrajudicialmente pela parte vencida à parte vencedora[3].
Esta solução legislativa, tal como tem sido enfatizado pela casuística do Tribunal Constitucional, ancora-se fundamentalmente na ideia de que o “custo efetivo” do processo não opere à custa da comunidade e do Estado [como sucedia no regime pretérito], mas sim de quem deu “causa” (em sentido amplo) à ação.
Daí que, atualmente, as custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora (cfr. artigo 26.º, n.º 2, do RCP), sem mediação do Estado, assumindo a parte vencedora o ónus de reclamar esse pagamento, mediante entrega da nota justificativa e, na falta de pagamento voluntário, propor a correspondente ação executiva para cobrança coerciva dessas custas.
Para dar cumprimento a esse ónus, estabelece o nº 1 do art. 25º do RCP que “até cinco dias após o trânsito em julgado (…), as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida (…), a respetiva nota discriminativa e justificativa”[4].
Decorre assim do normativo transcrito que a parte que tenha direito às custas de parte, para haver o seu efetivo pagamento da parte devedora, terá de a interpelar para esse efeito.
Para tanto, em consonância com o nº 3 do art. 533º do CPC, deverá a parte credora elaborar uma nota discriminativa e justificativa, onde sejam consignadas todas as rubricas a serem alvo de reembolso, expedindo-a ao tribunal da causa, onde ficará a mesma inserta nos autos, e, naturalmente, também à parte vencida: para que esta então assegure o seu pagamento, cumprindo a obrigação que sobre si tenha passado a impender desde o momento do trânsito da sentença que, por imposição do nº 6 do art. 607º do CPC, condenará a parte vencida em custas (categoria na qual se integram, como se notou, as custas de parte).
Esta interpelação é assim necessária, uma vez que, se a mesma não for assegurada no prazo de lei assinalado para o efeito, isso determina a caducidade[5] do direito de haver um tal reembolso.
No caso vertente, tendo a decisão que pôs termo ao processo transitado em julgado no dia 4 de janeiro de 2017[6], segue-se, pois, que a nota discriminativa e justificativa deveria ter sido enviada à parte vencida até ao dia 9 desse mesmo mês[7].
Como emerge dos autos, as rés apresentaram uma primeira nota justificativa em 19 de dezembro de 2016 (cfr. fls. 790) e, portanto, dentro do prazo que dispunham para esse efeito. Já após o indeferimento do pedido que, ao abrigo do disposto no nº 7 do art. 6º do RCP, aduziram de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, veio a ser elaborada, em 31 de agosto de 2017, a conta do processo, na sequência do que as rés apresentaram (em 1 de setembro desse mesmo ano – cfr. fls. 806) aditamento à nota discriminativa e justificativa de custas de parte.
Os autores e ora apelantes reclamaram dessa nota justificativa, advogando, desde logo, que a mesma é intempestiva.
Não foi esse, no entanto, o entendimento sufragado pelo tribunal recorrido, que considerou que essa nota foi apresentada em tempo.
Os apelantes insurgem-se contra esse posicionamento, argumentando que essa nota foi apresentada fora do prazo que as rés dispunham para o efeito, as quais deveriam ter acautelado, nos cinco dias posteriores ao trânsito em julgado da decisão final, o pagamento futuro de valores de taxa de justiça ainda não liquidados.
Quid juris ?
O problema que se coloca é o de saber como compatibilizar o art. 25º, nº 1 do RCP - que determina que a parte vencedora tem o prazo de cinco dias[8] após o trânsito em julgado da decisão final para enviar à contraparte (e ao tribunal) a nota discriminativa e justificativa de custas de parte (sendo que, por força do disposto nas als. b) e c) do nº 2 do art. 25º do RCP, nessa nota apenas podem ser incluídas quantias efetivamente pagas a título de taxa de justiça e encargos) - com a possibilidade de a parte vencedora reclamar, a título de custas de parte, o pagamento pela parte vencida de qualquer quantia devida a título de custas que aquela venha a pagar num momento temporal subsequente ao aludido quinquídio, mormente, como é o caso, de taxa de justiça remanescente liquidada nos termos do nº 7 do art. 6º do RCP.
Pode efetivamente suceder (como, aliás, ocorreu in casu) que nos cinco dias subsequentes ao trânsito da decisão final ainda não se mostre elaborada a conta do processo (o que, nos termos do nº 1 do art. 29º do RCP, deve ter lugar nos dez dias seguintes após o trânsito desse ato decisório), sendo que é nesse ato de contagem que se apura a taxa de justiça remanescente a que alude o nº 7 do art. 6º do RCP.
É certo que uma interpretação literal do preceito poderia, primo conspectu, levar a concluir que à parte vencedora estaria vedada a possibilidade de apresentar nota discriminativa e justificativa reclamando o pagamento de taxa de justiça que veio a liquidar já num momento processual posterior ao referido quinquídio.
Todavia, atentas as implicações neste domínio do aludido princípio da tendencial justiça gratuita para a parte vencedora e porque, de outro modo, estar-se-ia a negar o direito ao reembolso na sua plenitude de custas de parte que foi reconhecido no ato decisório que pôs termo ao processo (no qual se definiu outrossim a responsabilidade pelas custas), afigura-se-nos claro que inexiste fundamento válido que obstaculize que a parte vencedora tenha direito a reclamar da parte vencida tudo o que tenha despendido no processo e que se integre na categoria de custas de parte, não sendo, pois, razoável estabelecer como termo absoluto para reclamação de custas de parte o prazo de cinco dias estabelecido no nº 1 do art. 25º. É precisamente neste sentido que tem enfileirado a jurisprudência majoritária, que vem considerando que o disposto no art. 25º do RCP para a apresentação da nota discriminativa das custas de parte, não impede apresentação de nota referente ao remanescente da taxa de justiça em momento posterior, se a secretaria não efetuou a notificação a que alude o art. 14º, nº 9, no prazo aí previsto e só o fez aquando da elaboração da conta final[9].
Na espécie, as rés haviam apresentado nota discriminativa e justificativa dentro do prazo fixado no nº 1 do art. 25º do RCP, apresentando subsequentemente a nova nota justificativa depois de terem sido confrontadas com a necessidade de pagamento de custas apuradas na conta final (em resultado da não atendibilidade da pretensão que, ao abrigo do disposto no art. 6º, nº 7 do RCP, haviam formulado no sentido da dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente), surgindo assim esta nova nota como complemento da inicialmente apresentada.
Daí que, na sequência das considerações expendidas, entendemos que a forma de harmonizar e compatibilizar os aludidos conteúdos normativos passará por se considerar que a parte vencedora que pretenda reclamar o pagamento de custas de parte deve necessariamente apresentar nota discriminativa e justificativa dentro do prazo assinalado no nº 1 do art. 25º do RCP; caso venha a ser-lhe posteriormente exigido o pagamento de taxa de justiça remanescente (o que, note-se, pode até não suceder se, porventura, o juiz considerar ser de dispensar esse pagamento[10]), deverá então a parte vencedora, realizado que seja o pagamento dessa taxa, apresentar, em cinco dias, nova nota justificativa contendo o montante assim liquidado, nota essa que, deste modo, constituirá um complemento da nota justificativa inicialmente apresentada.
Tal foi, precisamente, o procedimento adotado pelas rés estando, assim, legitimadas a apresentar nota justificativa para além do prazo estabelecido no nº 1 do art. 25º.
Improcedem, pois, as conclusões Q) a U).
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IV.2.2 – Da (in)correção dos valores indicados na nota justificativa e discriminativa
Os apelantes advogam ainda que na nota justificativa e discriminativa que lhes foi remetida pelas rés existe duplicação, sem fundamento, do valor de €17.136,00.
Também neste ponto não lhes assiste razão, posto que, como bem se sublinha no ato decisório sob censura, “se está perante duas rés, representadas em juízo por dois diferentes mandatários não havendo qualquer arrimo legal para a não aplicação do previsto no art. 26º, nº 3, al. c) do RCP”, sendo certo que, em consonância com tal preceito, a condenação da parte vencida no pagamento da quantia correspondente a metade do valor das taxas de justiça pagas por ela e pela parte vencedora, se destina a compensar esta última pelas despesas realizadas com os honorários do respetivo mandatário judicial.
Nestes termos, tendo as demandadas (enquanto partes vencedoras) constituído mandatários forenses diferentes, não merece censura a decisão recorrida, improcedendo, consequentemente, todas as demais conclusões formuladas pelos apelantes e, com elas, o respetivo recurso».
Atentas as razões alinhadas na decisão singular e ora transcritas, não se vislumbra razão válida para divergir do sentido decisório nela acolhido relativamente às concretas questões que nela acolhido relativamente às concretas questões que nela foram objecto de apreciação.
Destarte será, pois, de confirmar e manter tal decisão.
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V – DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em não atender a reclamação, mantendo, pois, a decisão singular que julgou improcedente o recurso interposto pelos apelantes.
Custas da reclamação a cargo dos apelantes.
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Porto, 24.09.2018
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
Fátima Andrade
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[1] Cfr., neste sentido, SALVADOR DA COSTA, in Regulamento das Custas Processuais Anotado, 5ª ed., pág. 246 e acórdão da Relação de Lisboa de 6.07.2017 (processo nº 1582/07.1TTLSB-4), acessível em www.dgsi.pt.
[2] Nos termos do nº 2 do art. 533º do CPC, “compreendem-se nas custas de parte, designadamente, as seguintes despesas: a) As taxas de justiça pagas; b) Os encargos efetivamente suportados pela parte; c) As remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efetuadas; d) Os honorários do mandatário e as despesas por este efetuadas”.
[3] Trata-se, como é sabido, de um regime que foi introduzido no nosso ordenamento pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro, que aprovou o Código das Custas Processuais – o antecessor do atual Regulamento das Custas Processuais –, antes do qual valia um regime de restituição antecipada (independentemente de o vencedor proceder ao pagamento das custas de sua responsabilidade) pelo Cofre Geral do Estado, da taxa de justiça paga pelo vencedor no decurso da ação. A partir da referida alteração passou, pois, a transferir-se para o vencedor o ónus de reaver do vencido o que adiantou através do mecanismo das custas de parte, suportando o risco da impossibilidade de pagamento pela parte vencida – solução legislativa cuja conformidade constitucional foi afirmada em diversos arestos prolatados pelo Tribunal Constitucional - cfr., v.g. acórdãos n.ºs 643/06, 521/07, 375/08 e 513/08, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
[4] Identicamente preceitua o art. 31º, nº 1 da Portaria nº 419-A/2009, de 17.04 (na redação que lhe foi dada pela Portaria nº 284/2013, de 30.08) que “as partes que tenham direito a custas de parte devem enviar para o tribunal e para a parte vencida a respetiva nota discriminativa e justificativa, nos termos e prazos previstos no artigo 25º do RCP”, sendo de ressaltar que foi suprimida do seu texto a expressão “após notificadas da totalidade dos montantes pagos a título de taxas de justiça e de encargos” que constava quer na redação primitiva do nº 1 do art. 31º da Portaria nº 419-A/2009, de 17.04, quer na redação que a este preceito foi dada pela Portaria nº 82/2012, de 29.03.
[5] Com efeito, neste caso, estamos face a um prazo de caducidade legal: o direito em causa, de exigir o reembolso das custas de parte, tem de ser exercido em um determinado prazo de lei – de onde decorre ser curial falar-se em caducidade legal –, sendo certo que, se o não for dentro desse prazo, isso potencia a pura e simples extinção do inerente direito. Esta noção colhe-se diretamente do que se estabelece no artº. 298º, nº 2 do Código Civil. A este propósito, SALVADOR DA COSTA, ob. citada, pág. 313, afirma antes que a consequência é a preclusão do direito da parte vencedora de obter, pela via do mecanismo estabelecido no art. 25º do RCP, o reembolso do seu crédito de custas de parte, preconizando ainda que, em caso de omissão de envio da nota justificativa, a parte vencedora poderá “realizar o seu direito de crédito de custas de parte em ação executiva baseada no título executivo sentença”.
[6] Já que é de dez dias o prazo para o trânsito em julgado de acórdão do STJ – cfr., neste sentido, acórdão do STJ de 27.05.2014 (processo nº 129/13.5TBBRG.G1.S1), acessível em www.dgsi.pt.
[7] Sendo que ao prazo consignado no nº 1 do art. 25º não se aplica o prazo de tolerância contemplado no art. 139º, nº 5 do CPC, por mor do disposto no art. 40º do RCP, normativo que veio consagrar em letra de forma o entendimento que, de forma praticamente uniforme, vinha sendo defendido no domínio da lei pretérita, por se considerar que o mesmo se reporta a atos processuais e não a atos tributários praticados no âmbito processual.
[8] Esse prazo tem sido, justificadamente, considerado insuficiente, tanto mais que, como decorre do nº 1 do art. 29º do RCP, o apuramento de custas na conta final pode apenas ter lugar já após o decurso desse prazo, não sendo despiciendo salientar que antes da entrada em vigor do RCP, o Código das Custas Judiciais, no nº 1 do seu art. 33º-A, consagrava, para o aludido efeito – de interpelação para pagamento das custas de parte –, o prazo de sessenta dias.
[9] Cfr., inter alia, acórdão do STJ de 3.10.2017 (processo nº 473/12.9TVLSB-C.L1.S1), acórdão do STA de 8.11.2017 (processo nº 0344/17), acórdão da Relação de Lisboa de 7.10.2015 (processo nº 4470/11.3TDLSB.L1-3) e acórdão da Relação de Guimarães de 13.03.2014 (processo 52/12.0TBAVV-B.G1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[10] Sendo que, de acordo com o entendimento que se nos afigura mais ajustado a respeito do momento em que deverá ocorrer a apreciação jurisdicional a que aí se alude, a mesma deverá ter lugar não na sentença mas antes quando o processo é remetido à conta, por ser esse o melhor momento para aferir, em concreto, da simplicidade ou complexidade da causa e da conduta processual das partes – cfr., neste sentido, acórdão da Relação de Coimbra de 3.12.2013 (processo nº 1394/09.8TBCBR.C1), disponível em www.dgsi.pt.