Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5961/20.0T9LSB.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO PIRES SALPICO
Descritores: PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RP202305105961/20.0T9LSB.P1
Data do Acordão: 05/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O centro da liberdade que o legislador consagrou ao julgador no artigo 127.º do Código de Processo Penal, contrariamente ao que costuma ser considerado, tem pouco a ver com a discricionariedade; tão só significa que o juiz não está sujeito a prova tarifada e a outras condicionantes (exceto as proibições e limitações que a lei processual impõe), exprimindo-se a liberdade, essencialmente, como a possibilidade de lançar mão das regras e máximas da experiência e da lógica para construir o raciocínio probatório.
II - Costumam ser confundidas a liberdade e a amplitude de pensamento judicial na tarefa exegética que pode socorrer-se de um ou outro raciocínio dedutivo, desse modo atribuindo-se-lhe discricionariedade, mas sem razão.
III - O juiz está estreitamente vinculado na escolha das máximas da experiência adequadas e pertinentes ao caso e ao cumprimento das regras da lógica, de tal forma que a solução probatória correta é uma só.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.5961/20.0T9LSB.P1
X X X
Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

Em processo comum com intervenção de Tribunal Coletivo que correu termos no Juízo Central Criminal do Porto do Tribunal da Comarca do Porto, procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais. Foi proferido acórdão, julgando do seguinte modo:
A) Pelo exposto, acorda este tribunal coletivo em julgar a acusação parcialmente procedente e, em consequência, decide condenar o arguido AA pela prática de um crime de pornografia de menores p. e p. pelos artigos conjugados – art.º176 n.º1 c) e art. º177 n.º7, na pena de 1 (UM) ano e 9 (NOVE) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período;
B) Vai o mesmo arguido condenado nas PENAS ACESSÓRIAS de:
- proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, prevista no art.º 69-B, n.º 2, do Código Penal, pelo período de 5 (cinco) anos;
- na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, prevista no art.º 69-C, n.º 2, do Código Penal, pelo período de 5 (cinco) anos
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Não se conformando com a sentença o arguido AA veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação:
I - Vem o presente recurso interposto do acórdão pelo qual o, aliás. douto Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a acusação deduzida pelo Ministério Público, assim condenando o arguido AA da prática de um crime de um crime
de pornografia de menores p. e p. pelos artigos conjugados – Art. 176º n.º1 c) e Art. 177º n.º7, na pena de 1 (UM) ano e 9 (NOVE) meses de prisão, cuja execução se decidiu suspender por igual período;
II - Como consequência directa e necessária da decisão de condenação supra, foi o Arguido condenado, ainda, nas penas acessórias de:
- proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, prevista no art.o 69-B, n.º 2, do Código Penal, pelo período de 5 (cinco) anos;
- na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, prevista no art.º 69-C, n.º 2, do Código Penal, pelo período de 5 (cinco) anos.
III - Tendo sido declarada improcedente a restante matéria imputada na, aliás, Douta acusação pública.
IV - Tal condenação constitui o objecto do presente recurso, porquanto assenta em erro na apreciação da matéria de facto.
V - Ora, não pode o arguido concordar com a decisão do Tribunal “a quo”, porquanto entende que os factos foram julgados incorrectamente, face à produção de prova realizada em sede de audiência de julgamento.
VI - Efectivamente, é convicção do Recorrente que os Meritíssimos Juizes "a quo", salvo o devido respeito, não apreciaram de forma correcta a prova produzida em julgamento, e apesar de, bem, terem aplicado o princípio de presunção de inocência que os constitucionalistas associam, também, ao tradicional "in dubio pro réu", aos factos que resultaram não provados, não o fizeram também, como salvo melhor opinião deviam, quanto à imputação que subsistiu e resultou na condenação aqui em crise, sendo a prova insuficiente para a decisão sobre a matéria de facto provada.
VII - Assim, não pode o Arguido, ora Recorrente, conformar-se com os factos dados como provados pelos Meritíssimos Juizes "a quo", e isto em face da prova produzida em sede de julgamento, a qual foi insuficiente para decidir da forma supra indicada.
VIII - Desde já de adianta que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento não permite, com a segurança exigível a toda e qualquer decisão judicial, isto é, para além de toda e qualquer dúvida razoável, concluir que o Arguido tenha praticado os factos (e crime) supra descritos, nas circunstâncias aí identificadas.
Na verdade, e da prova produzida em audiência de discussão e julgamento não resulta, quanto à parte objecto da condenação e salvo o devido respeito por opinião contrária, que:
2. No dia 06.07.2019, pelas 11:47:48 UTC, quando se encontrava na sua residência sita na Rua ..., ..., 2.º Direito, Traseiras, Porto, o arguido acedeu à internet, designadamente à sua conta da rede social Facebook, com o URL http://www.facebook.com/people/BB/..., que tem associado o nome de perfil “BB” e o ID ..., associado ao número de telemóvel ....
3. Aquando desse acesso, o arguido fazendo uso desse perfil e rede social, partilhou com terceiros, um ficheiro com conteúdo pornográfico envolvendo uma criança com idade inferior a catorze anos.
4. Para tanto, o arguido efectuou o upload do ficheiro de vídeo designado “...”, esse modo gerando o IP ....
9. Imediatamente antes do upload/envio do referido ficheiro, pelas 11:45:55 UTC do mesmo dia 06.07.2019, o arguido recebeu do destinatário do ficheiro a seguinte mensagem: “colombia”, ao que de imediato, pelas 11:46:08 UTC, respondeu: “Tenho”, tendo recebido pelas 11:46:20 UTC, a seguinte resposta: “a”.
IX - É verdade que, como se afere na motivação dos factos provados, “O arguido admitiu quebo perfil do Facebook “BB” existente em conta de facebook a si associada era seu e quebterá associado ao número de telemóvel que consta da acusação; alega que apenas o criou para conversar com outras pessoas; nega porém ter visualizado o vídeo partilhado com terceiro, partilha essa que também nega ter realizado; quanto à sua conta na A... (contrato de prestação de serviço de internet) refere que sempre teve o mesmo contrato, apesar de ter alterado a sua residência. Quanto aos demais ficheiros arquivados esclareceu que a respectiva recepção resulta da circunstância de ser membro de grupos de watsapp que partilhavam vídeos de pornografia entre adultos; contudo, nega que se tenha apercebido da descarga de tais ficheiros assim como nega que tenha visualizado vídeos ou imagens de pornografia infantil.”
X - Ora, entendeu-se, segundo as regras da experiência e a livre convicção, que se o Arguido era o titular da conta de Facebook, de onde resultou a partilha em causa, e era também seu o IP que lhe esteve associado (tudo conforme o Arguido confessou categóricamente), então foi o Arguido quem efectuou a partilha, apesar de este o ter negado a partilha ou sequer a visualização do ficheiro em causa e não ter sido produzida qualquer outra prova quanto à autoria dos factos.
XI - Admite-se como uma das conclusões possíveis que, se o Arguido era titular da conta e do IP de onde foi efectuada a partilha, terá sido o Arguido a efectuá-la.
XII - Porém, sendo uma das conclusões possíveis, não é a única, nem nos parece que seja de alguma forma mais provável que qualquer outra, nem tal resulta, salvo melhor opinião do, aliás, Douto acórdão recorrido.
XIII - De facto, pode, como o Arguido afirmou, ter a partilha resultado da sua conta de facebook e do seu IP, sem que o Arguido tenha praticado o facto ou tenha dele tomado conhecimento.
XIV - Tome-se, a título de exemplo a hipótese de o telemóvel do Arguido ter sido alvo de acesso ilegítimo por terceiro, seja a nível físico (utilização do equipamento) seja a nível de acesso remoto (hipótese cada vez mais frequente e provável) através de ataque realizado com recurso, por exemplo, a malware.
XV - Uma outra hipótese que também reveste um elevado grau de probabilidade será a de o Arguido ter recebido no seu equipamento, sem o seu conhecimento e consentimento, o ficheiro em causa, por ventura no meio de muitos outros de conteúdo adulto, mas não contendo qualquer elemento relacionado com menores, como aliás resultou provado quanto aos demais factos dos autos, e que por mero acidente tenha sido realizado o envio do ficheiro em causa e até enviadas as palavras desconexas que resultam da imputação.
XVI - Efectivamente, julgamos ser seguro afirmar que todos temos a experiência de um telemóvel desbloqueado ou que se desbloqueia por acidente, e que acaba por efeito da pressão táctil e aleatória no seu écran, por realizar uma qualquer acção que não foi desejada e, muitas vezes, conhecida.
XVII - Não custa, assim, admitir a hipótese de o Arguido ter recebido uma qualquer mensagem no seu perfil de facebook, o que poderia “despertar” o seu smartphone e o colocaria, possivelmente em condições de realizar acidental e inadvertidamente o envio de um ficheiro que estaria também acessível, apesar de o Arguido o não ter visto ou solicitado mas que é recebido de forma automática pelo sistema.
XVIII - Aliás, esta hipótese permite explicar a sequência desconexa de conversação constante dos Autos: “colombia”, “Tenho”, “a”; sendo perfeitamente compreensível que, num smartphone, ao inserir uma ou duas letras seja assumida pelo equipamento uma determinada palavra, quando (como muitas vezes acontece, mesmo quando se introduz intencionalmente um texto) nunca que pretendeu escrever aquela (ou outra) palavra.
XIX - Ora, note-se que, quanto aos factos que não resultaram em condenação o Tribunal “a
quo” entendeu e bem que “foi essencial a conjugação do depoimento do arguido (o arguido
admitiu pertencer a grupos de watsapp que partilham vídeos e imagens pornográficas de adultos, e de onde poderão ter vindo a descarga automática dos demais vídeos ora em causa, dos quais não se apercebeu), com o depoimento da Inspetora da PJ, que esclareceu que essas descargas podem efectivamente acontecer de modo automático, caso o sujeito não tenha activado determinadas definições do watsapp as quais bloqueiam tais descargas automáticas, circunstância que reclamou o acionamento do Príncipio de direito perocessual
penal constitucionalmente consagrado, a saber, o princípio «in dúbio pro reo»”
XX - Tais ficheiros, porque resultantes da importação automática do sistema, apresentavam todos a mesma configuração denominativa que, como é usual nestes casos, inclui a data e algum tipo de identificação sequencial.
XXI - Efectivamente os nomes destes arquivos eram: ...; ...; ...; ...; ... e ....
XXII - Já o ficheiro objecto dos factos que fundamentaram a condenação tem o nome:
...
XXIII - A configuração do nome é diferente, o que não se estranha pois, aparentemente estamos a falar de ficheiros processados por duas plataformas diferentes (Whatsup e Facebook), mas tem a mesma aparência de ficheiro temporário assumida automaticamente pelo sistema.
XXIV - Acrescente-se, ainda, que este ficheiro não veio a ser encontrado na análise realizado ao equipamento do Arguido, o que reforça esta natureza temporária e não intencional do arquivo em causa.
XXV - Assim, tendo decidido bem o Mui Douto Tribunal “a quo” ao decidir, quanto aos factos que não resultaram em condenação, (“a contrário”) que o arguido não agiu com o propósito conseguido de obter as imagens e ficheiros encontrados no seu telemóvel e que o arguido não sabia que os protagonistas de todas aquelas imagens eram adultos envolvidos com crianças, com idades inferiores a 18 (dezoito) anos, e que por essa razão não podia obter, difundir, mostrar, partilhar, adquirir, deter, importar, exportar, divulgar, exibir, ceder ou disponibilizar, a qualquer título ou por qualquer meio, aqueles conteúdos.
XXVI - Não o decidiu igualmente bem quanto àquele facto que sustentou a condenação e que é fundamentalmente equivalente aos demais, sobre os quais incidiu o princípio da presunção de inocência.
XXVII - A Douta decisão sustenta a condenação, essencialmente, com o facto de o Arguido ter confessado ser o titular da conta de facebook e do IP, que ficou registado com a partilha,
XXVIII - Mas fez tábua rasa das declarações do Arguido quanto à parte em que negou a prática dos factos, o seu conhecimento ou qualquer intenção, desconhecendo, inclusive, a existência do ficheiro em causa.
XXIX - Ora, não se logrou fazer qualquer prova quanto à efectiva autoria do facto e
XXX - Partindo da confissão da detenção dos meios, presumiu-se a autoria, ignorando em
absoluto a possibilidade de alguma outra explicação racional e materialmente possível como aquelas a que supra nos referimos e que, no contexto actual de exponencial introdução das novas tecnologias nas nossas vidas (com todos os inevitáveis e conhecidos riscos que lhes são inerentes) se revelam, salvo melhor opinião, relevantes e altamente prováveis.
XXXI - Sem prejuízo de qualquer outra que, à falta de melhor prova, poderia inutilizar ou confirmar o presente raciocínio, manifestam-se amplamente possíveis e, até, prováveis as hipóteses de acesso ilegítimo (físico ou remoto) ao equipamento do Arguido ou até à sua identidade (associada à conta em questão); mas também a de ocorrência de uma partilha inadvertida de um ficheiro ocasionada por um desbloqueio não intencional do equipamento, o que também poderia ajudar a compreender as palavras desconexas e ininteligíveis que foram, alegadamente trocadas. Atente-se na resposta “a” ao “tenho”, que poderá até significar “não faço a mínima ideia do que é que estás a falar”.
XXXII - Estas são hipóteses cada vez mais próximas de todos, sendo cada vez mais frequentes os casos “conhecidos” de actividade de piratas informáticos e de acesso ilegítimo a dados, contas, acesso remoto a equipamentos e usurpação de identidade, mas também não é menos perceptível por qualquer pessoa que use diáriamente um equipamento de comunicação, da categoria dos smartphones, que inclui não só a componente de comunicação áudio, mais tradicional, mas também toda uma componente de comunicação electrónica e processamento digital de dados e ficheiros, com toda a complexidade que todo esse sistema encerra e que ultrapassa o comum utilizador de tais equipamentos e tecnologias, muitas vezes ingenuamente desprotegido dos reais perigos de intenções alheias, mas também da própria incapacidade de entender e usar a tecnologia com segurança, sendo comum e frequente a qualquer utilizador a introdução acidental de qualquer dado ou texto ou envio acidental de qualquer conteúdo (não pretendido) a um qualquer contacto ou destinatário.
XXXIII - O que, por si só, determina a existência de diversas dúvidas inultrapassáveis e insanáveis, que, desde já se reputam como obstáculo à determinação da identidade do(s) autor(es) do facto objecto da condenação no, aliás, douto acórdão aqui em crise, sendo a sua fundamentação insuficiente para sustentar a convicção daquele Douto Tribunal “a quo” e, por essa via, determinar a condenação do Arguido, ora Recorrente, nos termos que melhor resultam daquele douto acórdão.
XXXIV - Assim, será sempre imperioso concluir que, na falta de outras certezas sustentadas na prova produzida, nomeadamente quanto à identidade do(s) Autor(es) do facto, deverá o Arguido, aqui Recorrente, ser absolvido do crime por que vinha acusado, pois,
XXXV - Sendo certo que, se a valoração da prova cabe única e exclusivamente ao julgador, que goza da prerrogativa da livre apreciação da prova, consagrada no Art. 127 do C.P.P., também é certo que, como refere o Prof. Cavaleiro Ferreira “não se confunde de modo algum com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova”.
XXXVI - O que equivale a dizer que, independentemente da livre convicção dos Meritíssimos juizes a quo, ou da impressão que estes retirem dos elementos presentes nos Autos, devem resistir à tentação de uma valoração subjectiva ou emotiva, motivada por uma apreciação arbitrária da prova.
XXXVII - Conforme se lê no douto acórdão proferido pelo tribunal a quo, a sua convicção
fundou-se no conjunto da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, formando a sua convicção com base em juízo que procura a sua fonte no mérito objectivo e concreto do caso, tal como ele foi exposto e representado no processo.
XXXVIII - De onde, como dissemos já, não é possível atribuir a autoria dos factos ao arguido, desde logo porque, a sua relação com os factos prende-se com a circunstância de ser titular dos meios utilizados para a prática do facto,
XXXIX - O que, em teoria poderia permitir que lhe fosse imputada a sua autoria, mas nunca, repita-se com o grau de certeza jurídica exigível, daqueles por que veio a ser condenado.
XL - De facto, como se afirma no acórdão do STJ de 07-01-2004 (Proc. 3.213/03 Relator Cons. Henriques Gaspar): “na passagem de um facto conhecido para a aquisição (ou para a
prova) de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido”.
XLI - O que significa que a presunção não pode assentar apenas no provável, no plausível, tem que assentar num nexo causal entre o facto conhecido e o facto desconhecido que assegure toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável.
XLII - É precisamente essa dúvida razoável que ressalta e grita à saciedade de toda a prova que foi possível produzir nos Autos, não permitindo dela extrair a fixação, que se operou no douto acórdão recorrido, quanto à matéria de facto provada.
XLIII - E é essa dúvida razoável que impõe o recurso ao princípio do in dubio pro reo, porquanto este, “parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador” – Cristina Líbano Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra, 1997
XLIV - Assim, por tudo o Exposto, quanto mais não fosse, atendendo ao princípio da presunção da inocência, deveria o ora Recorrente ter sido absolvido da prática do crime pelo qual ora se Recorre.
XLV - A ideia central que preside a este princípio é a de que mais vale absolver um culpado do que condenar um inocente, ou seja, quando há um conflito entre ius puniendi e ius libertatis, o Estado deve inclinar-se a favor deste, pois que tal significância assenta na efetivação e consagração do triunfo da liberdade.
XLVI - Como bem ilustra o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de novembro de
1990, Proc. Nº 41294/3ª: “I – Não pode condenar-se um arguido com base em simples presunções, que não são meios de prova, mas simples meios lógicos ou mentais. II – As presunções de culpa têm de haver-se como banidas em processo penal, face ao art. 32º, nº. 2 da CRP”
XLVII - Em suma, o princípio in dubio pro reo significa que num non liquet (questão que não está clara) este seja valorado pro reo, ou seja, o princípio demanda que o tribunal, caso não logre a prova dos factos que constituem o objeto do processo, dê a acusação como não provada e, consequentemente, decida a favor do arguido.
XLVIII - O princípio in dubio pro reo significa que sobre o arguido não recai qualquer ónus da prova e que a dúvida sobre os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança implica decisão absolutória.
XLIX - Em suma, cabendo ao juiz o dever de instruir e esclarecer o facto a julgamento, não se pode dizer que exista um onus probandi que recaia sobre o arguido em sede de processo penal.
L - Bem esteve o, aliás, Douto Tribunal “a quo” quanto à absolvição que sentenciou relativamente a parte substancial dos factos, mas não esteve igualmente bem quando se absteve de empregar o mesmo princípio, em benefício do Arguido, quanto ao facto que fundamentou a acusação e sobre o qual não foi possível apurar, atenta a prova produzida, a respectiva autoria, pelo que a imputação desta ao Arguido nunca poedrá ir além que qualquer dúvida razoável.
LI - Tanto mais que o facto em questão resume-se a um único vídeo, o que será muito, atento o crime em causa, sem qualquer dúvida, mas não deixa de ser um único vídeo de apenas pouco mais de um minuto.
LII - Note-se, também, que a condenação pelos factos que têm por objecto a partilha deste vídeo de apenas pouco mais de um minuto, determinaram a condenação do Arguido, por imperativo legal, na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou
atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 5 (cinco) anos.
LIII - Ora, o Arguido trabalha como assistente operacional na Escola Básica e Secundária ..., conforme melhor resulta já dos Autos, designadamente do Relatório Social, que se encontra transposto para a decisão.
LIV - Tal actividade profissional implica inevitavelmente algum nível de contacto com a população escolar, pelo que em última instância, estaremos a falar da impossibilidade de subsistência da actividade profissional do Arguido e com esta, a sua própria subsistência, dado que poderá ficar sujeito a uma situação de desemprego e sem direito a qualquer tipo de rendimento.
LV - E isto apesar de, conforme resulta da matéria dada como provada, além de outras actividades profissionais, que sempre desenvolveu, o Arguido exercer as suas actuais funções à 11/12 anos.
LVI - Além da idade actual do Arguido, acresce o facto de sofrer das patologias que melhor resultam do Douto Acórdão recorrido, factos que no seu conjunto constituem um enorme entrave à perspectiva de o Arguido encontrar novo trabalho, no contexto de se ver desempregado, na sequência do cumprimento da pena acessória.
LVII - Caso em que, se até agora necessitava de efetuar uma gestão contida dos recursos para fazer face às suas despesas, tal como resulta da matéria provada, veria as suas condições de vida já muito debilitadas, acentuadamente degradadas pela perda do seu trabalho e fonte de rendimento.
LVIII - Acresce, ainda que, segundo a matéria dada como provada, pelas fontes familiares foi transmitida uma imagem positiva do arguido, enquanto pessoa e enquanto figura parental, tendo sido referido que este processo foi encarado com surpresa e rejeição, distanciando o arguido da adoção de condutas desajustadas, apoiando-se no conhecimento que têm daquele, fruto do convívio regular e do seu percurso profissional sem registo de problemas, manifestando-lhe apoio e solidariedade independentemente do desfecho do processo.
LIX - Também, a fonte profissional, referiu conhecer o arguido há cerca de 18 anos, desde a Escola ... e na atual escola, onde é professora de ..., há cerca de 8 anos, transmitindo uma imagem positiva do arguido, tendo este sido descrito como prestável e mantendo um relacionamento irrepreensível com os alunos, corpo docente e não docente da escola, afirmando que esta imagem é similar junto de outros elementos da escola.
LX - Concluiu-se, ainda que, o Arguido afigura-se familiar, laboral e socialmente integrado, o que constituem indicadores positivos a ter em conta no seu processo de (re)inserção social. Padece de problemáticas de saúde, tendo reportado agravamento das mesmas.
LXI - Ora, é inevitável que o, aliás, Douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, a manter-se, destrua esta harmonia, muitas vezes ausente da vida de quem se vê envolvido em processos de natureza penal, tanto a nível familiar como laboral e social.
LXII - Como será inevitável, também, que a destruição dessa harmonia nos diversos aspectos da vida do Arguido, sempre visto como alguém socialmente integrado, respeitador, disponível, cumpridor das suas obrigações, que não constitui actualmente qualquer fardo para a sociedade, antes tendo perfeita noção do seu lugar e correspondendo àquilo que são as expectativas quanto às suas obrigações, atire o Arguido para uma condição que conduzirá à ruína das suas estruturas sociais e humanas, sendo admissível a probabilidade de a justiça deste caso conduzir à criação de um ser asocial, desprovido de condição, mas também, capacidade laboral e sempre sujeito à reprovação social alienante e marginalizante que, muitas vezes, arrastam o mais honrado dos homens para caminhos e soluções que, de outra forma, nunca sequer ponderaria.
LXIII - A questão aqui presente é: será ajustado e justificado sujeitar-se tal ser humano, ao destino que, a manter-se a decisão recorrida, parece ser inevitável, atento até o presente e futuro contexto de crise económica, tendo por base um juízo de probabilidade sujeito a uma margem de dúvida que, entendemos, ser bastante elevada e nenhuma certeza quanto à autoria do facto?
LXIV - E isto quando a própria decisão parece tratar diferentemente dois conjuntos de situações que, sendo formalmente diversas, têm por base uma mesma realidade que conduz à conclusão que motivou a absolvição do Arguida quanto a parte substancial dos factos que eram contidos na acusação, e que reside na falta de conhecimento e de vontade quanto à prática dos factos que lhe foram imputados, pois, tal como declarou, desconhecia o ficheiro que foi partilhado, não sabia da partilha e não a fez (pelo menos voluntária e conscientemente).
LXV - Não se fez, repita-se, prova contrária a estas declarações, sendo possível a conclusão que deu fundamento à condenação como qualquer outra das que aqui já se elencaram, como ainda qualquer outra.
LXVI - A justiça humana deste caso, assente num juízo de probabilidade, e como tal sujeita a erro, corre o sério risco de degenerar em injustiça, sendo que, em traços muitos simples (e simplistas), o envio de um ficheiro de vídeo, com apenas pouco mais de 1 (um) minuto, que não pode ser atribuído ao Arguido isento de dúvida e além de uma dúvida que, entendemos, razoável, destrói um percurso de vida pautada pela integração social, laboral e familiar, tida por todos como, se não exemplar, muito próxima desse patamar, sendo irrepreensível toda a sua conduta, por quantos com ele privam, seja em contexto familiar, seja profissional.
LXVII - Só a absolvição do Arguido da prática do crime por que veio condenado, com recurso ao princípio do “in dubio pro reu” e por via deste a absolvição quanto à sanção acessória de carácter imperativo poderá assegurar que a justiça aqui realizada alcançará o ideal de Justiça que todos desejamos.
Sem prescindir,
LXVIII - Na eventualidade de assim não se entender, o que não se concede e apenas como mera hipótese de raciocínio se admite, sempre se dirá que a condenação do Arguido se manifesta exceciva.
LXIX - De facto, veio o Arguido condenado pela prática de um crime de pornografia de menores p. e p. pelos artigos conjugados – Art. 176º n.º1 c) e Art. 177º n.º7, na pena de 1 (UM) ano e 9 (NOVE) meses de prisão, cuja execução se decidiu suspender por igual período.
LXX - Tal doseamento da medida penal aplicada, não se mostrando manifestamente exorbitante, em termos abstractos,
LXXI - Demonstra-se, de facto, excessiva, quando vista à luz do único facto que foi imputado ao Arguido na condenação, à sua relevância (não nos referimos ao facto em si que é-o indubitavelmente pela simples razão de existir e pelas vítimas que gera), mas no caso concreto, alegadamente, à única partilha de um vídeo com apenas pouco mais de 1 (um) minuto.
LXXII - Demonstra-se também excessiva se, a isto, acrescentarmos todas as circunstâncias e condições socio-económicas do Arguido, presentes no Relatório social e às quais nos referimos já, supra.
LXXIII - Pois que, para a determinação da medida da pena é necessário ter em atenção o
disposto nos artigos 40.º, 70.º 71.º e 72.º do C.P.
LXXIV - O artigo 40.° do C.P. refere que a aplicação das penas visa a protecção de bens
jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
LXXV - Pelo que, as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade.
LXXVI - Na determinação da medida da pena devemos ainda ter em atenção as necessidades de prevenção especial de socialização, visando a reintegração do agente na sociedade e evitar a quebra da sua inserção social.
LXXVII - Por sua vez o artigo 71.º do mesmo diploma legal refere que: a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo ainda, conforme o n.° 2 do mesmo artigo, ter-se em conta as circunstâncias que deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente as condições pessoais do agente.
LXXVIII - Por outro lado a medida da pena, além da sua necessidade terá que ter em conta as exigências individuais e concretas de socialização do agentes, sendo certo que na sua determinação ter-se-á que entrar em linha de conta que se deve evitar a dessocialização do agente. (Assim, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, pág. 231).
LXXIX - Posto isto podemos dizer que nesta acção a pena serve primacialmente, por um lado, para a retribuição justa do ilícito e da culpa (função retributiva), contribuindo ainda, por outro lado e ao mesmo nível, para a reinserção social dos arguidos, procurando não prejudicar a sua situação social mais do que estritamente necessário (função preventiva especial positiva) - como aludia Kohlrausch. "Na determinação da pena o tribunal deve considerar principalmente que meios são necessários para que o réu leve de novo uma vida ordenada e conforme a lei" (vide " Mitt IKV Neue Folge", t. 3, p. 7, citado por H. - H. Jescheck, in " Tratado de Derecho Penal", Vol. II, p. 1195).
LXXX - O que se pretende é que o excesso da justiça não degenere em injustiça.
LXXXI - Somos pois, no nosso modesto entendimento, que deverá ser observado um ajuste na dosimetria penal devida pelo crime de pornografia de menores, por melhor proteger os desígnios da justiça, entendendo-se que deverá ser aplicada uma pena igual ao mínimo legal previsto, mantendo-se a suspensão da sua execução.
Nestes termos e nos mais de Direito, que Vs. Ex.as doutamente suprirão, deve o presente recurso ter provimento e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido, sendo substituído por outro que confirme a absolvição do crime pelo qual o recorrente foi condenado pelo Tribunal a quo. Na eventualidade de assim não se entender, o que não se concede e apenas como mera hipótese de raciocínio se admite, deverá a pena aplicada ser considerada excessiva e em consequência ser ajustada a dosimetria penal devida pelo crime de pornografia de menores, por melhor proteger os desígnios da justiça, entendendo-se que deverá ser aplicada uma pena igual ao mínimo legal previsto, mantendo-se a suspensão da sua execução
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O MP em primeira instância respondeu ao recurso, referindo em síntese:
O arguido/recorrente insurge-se contra os enunciados vertidos nos §2, §3, §4 dos factos positivamente ajuizados, considerando que a prova produzida em julgamento não os sustentam. No sentido de contextualizar, de forma muito telegráfica, mas bastante, importa referir que a instância julgou demonstrado que AA partilhou um vídeo, que conservava na sua esfera de poder, em ficheiro MP4 - no qual figurava uma menina entre os quatro e cinco anos em atividade sexual com um adulto masculino - encontrando-se inteirado do conteúdo do mesmo, atuando no desiderato, logrado, de o difundir e partilhar com terceiros, aproveitando os caminhos da internet.
O Tribunal acreditou na intervenção e consequente responsabilidade do arguido/recorrente em virtude das seguintes evidencias: a) criou a conta da rede social “Facebook”, com o perfil “BB”, o qual, apesar de ostentar a fotografia de uma mulher – para incutir ideia que a titular seria alguém do sexo feminino - era por ele utilizada através de telemóvel; b) através, precisamente, dessa conta ocorreu o “upload” do ficheiro acima referido, a partir de um “IP” titulado pelo próprio arguido/recorrente; c) imediatamente antes do envio do ficheiro, houve troca de mensagens, aparentemente codificadas, entre o emissor e recetor do mesmo. Este agregado resultava já do acervo probatório pré-constituído nos autos – nomeadamente, relatórios de fls. 5-32, informação operadora telecomunicações de fls. 45, 73, 74, CD de fls. 51; auto de pesquisa de fls. 98-69; Apenso I de pesquisa, informação de fls. 84 e 187; exame de fls. 126; auto de visionamento de fls. 129-151 – e a força objetiva de tais elementos levou o arguido a admitir exatamente a referida factualidade quando interrogado, embora refutando a sua intervenção quer no “download”, quer no ulterior “upload” do predito ficheiro informático.
A prova indiciária, devidamente valorada, permite fundamentar uma condenação - por todos, vide Cavaleiro de Ferreira in «Curso de Processo Penal», vol. II, reimp. Lisboa, 1981, pp. 288-295; Sérgio Gonçalves Poças, «Da Sentença Penal-Fundamentação de Facto», in Julgar, n.º3, Set-Dez. 2007, pp 27-29 e 42-43; Euclides Dâmaso Simões, «Prova Indiciária - contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo urgente», in Julgar, n.º2, 2007, pp. 203- 215. Em muitos casos, esse género de prova, também chamada de circunstancial ou indireta, constituí mesmo o único meio de chegar ao esclarecimento de um facto criminoso e à descoberta dos seus autores. A doutrina e jurisprudência pátrias abraçaram o labor dos congéneres espanhóis no que concerne aos requisitos para a eficácia probatória da prova indiciária; assim, os indícios devem estar plenamente provados por meio de prova direta e não serem meras conjeturas ou suspeitas; concorrência de uma pluralidade de indícios: embora a validade da regra “indicium unus indicium nullus” seja cada vez mais questionada - cfr., criticamente, Miranda Estrampes, La minima actividad probatoria en el proceso penal Barcelona, 1997, pp 233-240; para além dessa pluralidade exige-se ainda que os indícios sejam periféricos relativamente ao facto a provar, assim como estejam interligados com o facto nuclear carecido de prova e que não percam força pela presença de contraindícios que neutralizem a sua eficácia probatória; entre os indícios provados e os factos que deles se inferem deve existir um nexo preciso, direto, coerente, lógico e racional. Ao contrário do caso português, o legislador italiano, no art. 192º do respectivo CPP, versa sobre a valia da prova indiciária “a existência de um facto não pode ser deduzida de indícios a menos que estes sejam graves, precisos e concordantes”. Segundo Paolo Tonini são graves os indícios que resistentes às objeções e que, portanto, possuem uma elevada capacidade de persuasão; precisos quando não são suscetíveis de diversas interpretações, desde que a circunstância indiciante esteja amplamente provada; concordantes quando convergem todos para a mesma direção – cfr. « La prova penale», 4ª ed., Pádua, 2000, apud Eduardo Araújo da Silva, Crime Organizadoprocedimento probatório, editora Atlas, São Paulo, 2003, pp. 157. Também o Brasil perfilha-se depositário de uma riquíssima doutrina sobre a temática em apreço, plenamente favorável ao recurso à prova indiciária de tal forma que “indícios múltiplos, concatenados e impregnados de elementos positivos de credibilidade são suficientes para dar base a uma decisão condenatória, maxime quando excluem qualquer hipótese favorável ao acusado” - Júlio Mirabete, «Processo Penal», São Paulo, Ed. Atlas 1991, pp 302.
Tornando à situação concreta, apurou-se que o arguido, no intuito de ocultar a sua identidade, criou um perfil do “Facebook” adulterado no seu conteúdo – já que a suposta titular não correspondia, de todo, à sua pessoa – acedendo ao mesmo através de telemóvel. Foi a partir dessa conta que transitou o ficheiro MP4 com o conteúdo delituoso, sendo de salientar que o “IP” gerado com a referida partilha estava associado ao arguido. Os perfis do “facebook”, assim amestram as regras da experiência, são apenas acedidos pelos respetivos titulares e, revelam um caráter “pessoal e intransmissível”. Note-se que o “upload” pressupôs, necessariamente, por um lado, a posse do terminal móvel, a localização do ficheiro e depois a adoção de um comportamento ativo, “de facere,” no envio do mesmo para o outro indivíduo não identificado. Significa isto a inequívoca voluntariedade na ação escrutinada, aliás, sobejamente atestada pela troca de mensagens que antecedeu a partilha, não se devendo a lapso de processamento ou a ato de pirataria como hipotisa o arguido/recorrente. Concatenando os identificados elementos factuais ter-se-ia forçosamente de concluir, como acertadamente se concluiu, num raciocínio logicamente construído em consentaneidade com regras empíricas e do normal suceder, que o arguido/recorrente foi o autor dos factos adquiridos como provados. Esta conclusão funda-se, na verdade, em evidências certas, precisas, concordantes e irrefutáveis de tal sorte que o entendimento oposto – no sentido da exclusão da intervenção dolosa do arguido – se conjugado com os mencionados factos conhecidos, seria absolutamente desconforme aos ditâmes da lógica e das regras empíricas e redundaria em “erro notório na apreciação da prova”, previsto no art. 410º/2-c) do CPP.
O recurso entreteve-se, como atrás desvendáramos, a formular hipóteses no sentido de explicar a não intervenção do arguido/recorrente nos factos em apreço, mas tal não passou de um exercício meramente especulativo e de pura retórica, sem qualquer base factual concreta e, como assim, desprovido de valia para gerar uma situação de non liquet relativamente à materialidade provada, confortavelmente alicerçada em indícios fortes, precisos e concordantes. Sobre o Tribunal, produzida a prova, não penderam quaisquer reservas quantos aos factos afinal tidos por assentes, jamais se podendo sustentar que houve condenação, mau grado a existência de dúvida razoável ou sequer que a conclusão da culpabilidade seja ilógica, arbitrária e adversa ao normal curso da realidade e correspondentes ditâmes da experiência. Ante o exposto, a materialidade impugnada deverá manter-se incólume.

Viremos o foco para a medida da pena principal, cuja moldura, relembremos, oscila entre o mínimo de um ano e seis meses de prisão e o máximo de sete anos e seis meses – cfr. art. 176º/1-c) e 177º do CP. No plano da definição dosimétrica constrói-se, dentro da moldura legal, uma submoldura da prevenção; o seu máximo será dado pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, medida que não pode ser excedida em nome de considerações de qualquer tipo. O outro extremo coincidirá com o limiar mínimo abaixo do qual já nãos será comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar - cfr. Figueiredo Dias in As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 300 ss A culpa revelada pelo agente no facto fornecerá o limite inultrapassável da medida da pena, mesmo atendendo a considerações de carácter preventivo. Finalmente, considerando o ponto mínimo das necessidades de tutela dos bens jurídicos e o limite intransponível fixado pela culpa, concretizar-se-á dentro dessa circunscrição o grau da pena que responde às necessidades da prevenção especial de socialização.
Os fatores que permitirão decidir, face às considerações acima expostas, qual a medida da pena adequada ao caso concreto do arguido constam do art. 71º do CP. No fundo, atender-se-á a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo legal de crime - por força da proibição da dupla valoração - deponham a favor do arguido ou contra si. Nesse seguimento, o n.º 2 do art. 71º do CP estipula um elenco de situações a considerar pelo aplicador. Assim, no que respeita à ilicitude, situações como, o grau de violação ou de perigo de violação do interesse ofendido e as suas consequências, a eficácia dos meios de agressão utilizados. Quanto à culpa, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, o grau de intensidade da vontade criminosa, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, os fins ou motivos determinantes, a conduta anterior e posterior, a personalidade do arguido. Escusámo-nos analisar os níveis de desvalor objeto de ação, culpa, bem assim as necessidades de prevenção positivas, gerais e especiais que serviram de fundamento a graduação da pena, porquanto tal exercício encontra-se plasmado no acórdão e, por isso, com a devia vénia, damos por aqui integralmente reproduzido o teor do segmento da referida decisão que versou sobre esta temática. Oferece-nos apenas recordar que o vídeo partilhado exibia a atuação de uma criança com apenas quatro ou cinco anos de idade, subjugada a um adulto, com quem praticou sexo oral – cfr. §6 da materialidade provada – o que, obviamente, empola a ilicitude dos factos Donde, sublinhando as abundantes necessidades de prevenção geral, a pena irrogada, projetando-se apenas três meses acima do patamar mínimo, por excesso não peca, apresentando-se justa, adequada e proporcional, sendo confortavelmente suportadas pela culpa – cfr. art. 40º/1 e 2, 71º, 77º do CP e 18º/2 da CRP Em suma, o acórdão sobrevive incólume aos argumentos apontados no recurso e não padecendo dos vícios de conhecimento oficioso especificados no art. 410º/2-a)-b)-c) do CPP, apresenta-se merecedor de venerando juízo confirmatório. em todas suas vertentes.
PELO EXPOSTO, deverá negar-se provimento ao recurso, confirmando o acórdão, nos seus precisos termos, como é de lei
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Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder, mantendo-se o acórdão recorrido proferido pelo Tribunal a quo.
- Questiona a apreciação da prova efetuada no acórdão recorrido, alegando que inexiste prova que permita dar como provados os pontos 2, 3, 4 e 9 da factualidade assente, partindo a decisão recorrida da confissão pelo arguido da detenção dos meios para presumir a autoria dos factos, ignorando em absoluto a possibilidade de outras explicações racionais e materialmente possíveis, desrespeitando, assim, o principio da livre apreciação da prova e o principio in dubio pro reo; - Alega que a pena de prisão aplicada é excessiva, devendo ser-lhe aplicada, em caso de condenação, uma pena igual ao mínimo legal previsto, mantendo-se a suspensão da sua execução. O Ministério Público na primeira instância respondeu proficientemente ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Referimos desde já que se adere na íntegra às doutas considerações expostas na resposta ao recurso apresentado pelo Exmo. Senhor Procurador da República, que refuta de forma criteriosa e convincente os argumentos do recurso do arguido. Vejamos:
I) – Sindicabilidade da matéria de facto.
Parece entender o recorrente, se bem o percebemos, existir erro notório na apreciação da prova – artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal. Tal vício verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Neste segmento do recurso, o recorrente refere que o douto acórdão recorrido entendeu que se o arguido era o titular da conta de Facebook, de onde resultou a partilha em causa e se era também seu o IP que lhe esteve associado (conforme o arguido confessou), então foi o recorrente quem efetuou a partilha, apesar de este ter negado não só a partilha como sequer a visualização do ficheiro em causa, não tendo sido produzida qualquer outra prova quanto à autoria dos factos, manifestando-se amplamente possíveis e, até, prováveis as hipóteses de acesso ilegítimo (físico ou remoto) ao equipamento do arguido ou até à sua identidade (associada à conta em questão), mas também a de ocorrência de uma partilha inadvertida de um ficheiro ocasionada por um desbloqueio não intencional do equipamento, o que também poderia ajudar a compreender as mensagens desconexas e ininteligíveis que foram trocadas. Acrescenta o recorrente que tudo isto determina a existência de diversas dúvidas inultrapassáveis e insanáveis, quando é certo que a prova indireta não pode assentar apenas no provável, no plausível, tem que assentar num nexo causal entre o facto conhecido e o facto desconhecido que assegure toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, sendo precisamente essa dúvida razoável que ressalta e grita à saciedade de toda a prova que foi possível produzir nos autos. Refere, também, que o julgador goza da prerrogativa da livre apreciação da prova, consagrada no artigo 127.º do Código de Processo Penal, mas a mesma não se pode confundir de modo algum com a apreciação arbitrária da prova ou com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. Como se sabe, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: - no âmbito restrito, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código Processo Penal, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento; - na impugnação ampla a que se reporta o artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do Código Processo Penal, em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise que se pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência. O recorrente não pode questionar o manancial probatório dado por assente na sentença recorrida e a livre apreciação da prova através da impugnação ampla sem cumprir o ónus de especificação previsto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal. Resta, assim, apreciar se assiste razão ao recorrente quanto à existência de “erro notório na apreciação da prova” ou de qualquer outro vício decisório. No acórdão recorrido consta o seguinte, relativamente à fundamentação dos factos provados: “O arguido admitiu que o perfil do Facebook “BB” existente em conta de facebook a si associada era seu e que terá associado ao número de telemóvel que consta da acusação; alega que apenas o criou para conversar com outras pessoas; nega porém ter visualizado o vídeo partilhado com terceiro, partilha essa que também nega ter realizado; quanto à sua conta na A... (contrato de prestação de serviço de internet) refere que sempre teve o mesmo contrato, apesar de ter alterado a sua residência. Quanto aos demais ficheiros arquivados esclareceu que a respetiva receção resulta da circunstância de ser membro de grupos de watsapp que partilhavam vídeos de pornografia entre adultos; contudo, nega que se tenha apercebido da descarga de tais ficheiros assim como nega que tenha visualizado vídeos ou imagens de pornografia infantil. Partindo da declaração confessória parcial do arguido, que admite ser o único utilizador do perfil “BB” na sua conta de facebook, e dos demais esclarecimentos prestados pelo mesmo, no que toca aos factos acima dados por provados, a convicção do tribunal filiou-se ainda na prova documental junta aos autos, nomeadamente: - Relatórios de fls. 5-26 (relatório receção e visualização de DVDs provindos do NCMEC conforme relatório de fls.27 a 32); - Informação operadora telecomunicações de fls. 45, 73, 74; - CD de fls. 51; - Auto de pesquisa de fls. 98-69; - Apenso I de pesquisa; - Informação de fls. 84 e 187; - Exame de fls. 126; - Auto de visionamento de fls. 129-151; - Auto de apreensão de fls. 153; - CRC de fls. 178. A prova apresentada sofreu o crivo da análise da testemunha CC, Inspetora da Polícia Judiciária, id. a fls. 167, a qual esclareceu de que modo os indícios do crime chegaram a conhecimento das autoridades portuguesas1, via National Center for Missing & Exploited Children (fls. 26 e ss.), desencadeando o inquérito e correspondente investigação, que culminou com a identificação do arguido e a apreensão do material apreendido, o qual foi voluntariamente entregue pelo mesmo. Este último material, que acresceu ao revelado pela partilha de vídeo pelo perfil “BB», revelou a existência de alguns ficheiros existentes em pasta do próprio telemóvel, com os vídeos e as imagens acima referenciadas. Segundo esta testemunha as imagens são evidentes no que toca à faixa etária indicada e referenciada na acusação. A este propósito, a testemunha e Inspetora da P.J. esclareceu ainda que método e critérios são utilizados pelas autoridades de modo a identificar as faixas etárias envolvidas, assim afastando qualquer dúvida do coletivo de juízes no que toca às mesmas. Sublinha, contudo, que a grande maioria abordava pornografia entre adultos. Confirmou a existência de uma mensagem entre o arguido e o terceiro com quem partilhou o vídeo, mas sem grande sentido e da qual apenas teve conhecimento a partir do relatório do NMEC; sublinha que quando o processo chega à PJ o perfil «BB» já tinha sido desativado. Da conjugação de toda a prova concluiu este tribunal que o arguido efetivamente, através da sua conta de facebook e assumindo o perfil “BB”, efetuou uma partilha de ficheiros de pornografia com menor de 14 anos, conforme resulta do relatório do NCMEC de fls.11 a 17 assim como retinha em pasta própria do telemóvel os demais vídeos e imagens de cariz pornográfico com sujeitos menores de idade”. Como brilhantemente o demonstra o Exm.º Senhor Procurador da República, na sua resposta ao recurso, o tribunal recorrido apreciou e valorou devidamente toda a prova produzida, não subsistindo quaisquer dúvidas sobre a verificação dos factos imputados ao arguido. Acresce que o tribunal pode e deve efetuar inferências lógicas a partir de factos conhecidos, usando das regras das presunções naturais e da experiência comum, não devendo limitar-se ao diretamente dito/visto ou não dito/não visto pelas testemunhas em audiência de julgamento. É que, além da prova direta, há que ter em consideração a prova indireta, porquanto, na apreciação e valoração da prova, a lei admite que o juiz recorra a regras da experiência ou presunções judiciárias, em ordem a extrair de factos conhecidos um outro ou outros sobre os quais se não fez prova direta – cf. artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Neste sentido, quanto à valoração da prova indireta, refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/05/2010, processo n.º 86/06.0GBPRD.P1.S1, relatado por Soares Ramos (disponível em www.dgsi.pt): «Encontra-se universalmente consagrado o entendimento, desde logo quanto à prova dos factos integradores do crime, de que a realidade das coisas nem sempre tem de ser direta e imediatamente percecionada, sob pena de se promover a frustração da própria administração da justiça. Deve procurar-se aceder, pela via do raciocínio lógico e da adoção de uma adequada coordenação de dados, sob o domínio de cauteloso método indutivo, a tudo quanto decorra, à luz das regras da experiência comum, categoricamente, do conjunto anterior circunstancial. Pois que, sendo admissíveis, em processo penal, “… as provas que não foram proibidas pela lei” (cf. artigo 125.º do Código de Processo Penal), nelas se devem ter por incluídas as presunções judiciais (cf. artigo 349.º do Código Civil). As presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indireta, mediante o qual o julgador adquire a perceção de um facto diverso daquele que é objeto direto imediato de prova, sendo exatamente através deste que, uma vez determinado usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objeto de prova)». De resto, já vai distante o entendimento de que a prova indireta, apenas porque o é, não é suscetível de fundamentar uma condenação, já que, na linha de Claus Roxin - Derecho Procesal Penal, Editores del Puerto, Buenos Aires, 2000, página 106 -''uma prova indiciária, em particular com meio probatórios materiais, pode, em certas circunstâncias, inclusivamente, proporcionar uma prova mais segura que as declarações das testemunhas do facto.'' (cfr. Acórdão do TRG, de 19/01/2009, do Exm.º Relator Cruz Bucho, in www.dgsi.pt).
Parece-nos manifesto que o acórdão recorrido não padece de qualquer vício a que se reporta o artigo 410.º do Código de Processo Penal, tanto mais que do texto da decisão recorrida não resulta que se deu por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum., encontrando-se, ainda, a decisão sobre a matéria de facto devidamente fundamentada. Em suma, não tem razão o recorrente quando questiona a matéria de facto dada como provada, tanto mais que “a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso, quando seja obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou, então, quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher se a opção do julgador, até porque beneficiou da oralidade e da imediação da recolha da prova” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/5/2004).
II) – Violação do princípio in dubio pro reo.
Entende ainda o recorrente ter sido desrespeitado o princípio in dubio pro reo. De harmonia com o disposto no artigo 32.º n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Trata-se de um princípio fundamental num Estado de Direito democrático, cuja função é, sobretudo, a de reger a valoração da prova pela autoridade judiciária, ou seja, o processo de formação da convicção com base nos meios de prova. “O princípio in dubio pro reo representa a outra face do princípio da livre apreciação da prova; configura um limite normativo a este princípio ante uma dúvida positiva e racional que impeça um juízo de certeza condenatória – o qual não exclui a possibilidade de as coisas se passarem num dado sentido, mas não afasta a consistente hipótese do contrário – ou seja, se a prova é insuficiente ou contraditória vale o princípio in dubio pro reo” (Acórdão do STJ de 11/7/2007, in www.dgsi.pt). Tal princípio não é mais que uma regra de decisão: produzida a prova e efetuada a sua valoração, se subsistir no espírito do julgador uma dúvida positiva e insuperável sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
O princípio in dubio pro reo só vale para dúvidas insanáveis sobre a verificação ou não de factos relevantes, quer para a determinação da responsabilidade do arguido, quer para a graduação da sua culpa. Por outro lado, tem de ser uma dúvida razoável, que impeça a convicção do tribunal. Acresce que não se trata aqui de “dúvidas” que o recorrente entende que o tribunal não teve e devia ter tido, ou seja, o princípio não serve para controlar as dúvidas dos recorrentes sobre a matéria de facto. Por último, tal como acontece com os vícios da sentença a que alude o n.º 2 do artigo 410.º, a eventual violação do princípio em causa deve resultar claramente do texto da sentença. Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 11/7/2012 (Processo n.º 1659/10.6JAPRT.P1, in www.dgsi.pt) “a violação de tal princípio apenas existe quando se comprova que o juiz tenha ficado com dúvidas sobre factos relevantes e tenha decidido desfavoravelmente ao arguido, não bastando para o efeito a constatação da existência de versões contraditórias apresentadas por arguido e testemunhas ou mesmo entre testemunhas, ou quando o tribunal utiliza provas instrumentais e as regras de experiência como coadjuvantes da convicção adquirida”. Ora, na hipótese sub judice, não evola a ocorrência de qualquer dúvida no espírito do julgador a propósito da factualidade que deu como provada sendo, pois, irrelevantes as dúvidas que o recorrente, na sua interpretação subjetiva, entende que deveriam subsistir a propósito da matéria fáctica que sustenta a sua responsabilização criminal. Não tem, pois, qualquer fundamento a invocada violação do princípio in dubio pro reo.
III) – Medida da pena. O arguido reputa de excessiva a pena de prisão em que foi condenado, evocando, para o efeito, que tudo se resume a uma única partilha de um vídeo, com pouco mais de 1 (um) minuto, devendo atender-se, também, a todas as circunstâncias que decorrem do relatório social junto aos autos e à sua condição socioeconómica. Como é sabido, a moldura penal aplicável ao crime de crime de pornografia de menores dos artigos 176.º, n.º 1, alínea c) e 177.º n.º 7, ambos do Código Penal, é de pena de prisão de 1(um) ano e 6 (seis) meses a 7 (sete) anos e 6 (seis) meses. Quanto à medida concreta da pena, esta apura-se de acordo com o preceituado no artigo 71.º do Código Penal, ou seja “... em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele”. Como decorre deste artigo, são as exigências de prevenção geral que irão definir a moldura da prevenção, em que o limite máximo da pena deve corresponder à medida ideal de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar e o limite inferior deverá ser aquele que define o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico. Dentro dessa moldura da prevenção geral, cabe à prevenção especial determinar a medida concreta. Essa determinação em função da satisfação das exigências de prevenção obriga à valoração de circunstâncias atinentes ao facto ( nomeadamente modo de execução, grau de ilicitude, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, conduta do agente anterior e posterior ao facto) e alheias ao facto, mas relativas à personalidade do agente (manifestada no facto), designadamente as suas condições económicas e sociais, a sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado. Ora, o Tribunal recorrido teve em conta, em obediência ao determinado no artigo 71.º do Código Penal, o grau da ilicitude, que considerou não apresentar um grau elevado pois que se tratou de uma única partilha de um vídeo, com pouco mais de um minuto de duração; a circunstância da conta de Facebook e perfil associado já se encontrarem desativados à data do início do inquérito dos autos; a culpa, de grau médio para este tipo de crime, o dolo direto. Mas considerou, também, que as exigências de prevenção especial eram reduzidas, atenta a ausência de antecedentes criminais do arguido e a sua efetiva inserção comunitária, laboral e familiar. Há que atender, ainda, às necessidades de prevenção geral, que se mostram bastante intensas, importando, assim, reafirmar a efetiva validade desta norma, repondo a confiança da comunidade na sua vigência. Tudo ponderado, afigura-se-nos ficar minimamente assegurada aquela tutela com a imposição ao arguido de uma pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, que foi o que ocorreu na decisão recorrida, pena esta aliás já muito próxima do limite mínimo. De resto, não podemos esquecer que a pena tem de ter dignidade punitiva e eficácia preventiva, não podendo ter um papel meramente simbólico. Sopesando todos estes elementos, afigura-se-nos que a pena concreta aplicada pelo tribunal recorrido se situa dentro dos patamares de justiça e equidade. Ademais, como é hoje jurisprudência dominante, pequenas divergências na fixação da pena concreta não devem, em princípio, ser fundamento para a sua alteração pelo tribunal de recurso que, ao contrário do tribunal a quo, não beneficiou da imediação e oralidade (neste sentido, lê-se no Acórdão do STJ de 12-07-2018, Processo n.º 116/15.9 JACBR.C1.S1, «o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar»). Desta sorte, afigura-se-nos que falecem os argumentos do recorrente e que o tribunal recorrido decidiu pela aplicação de uma pena de prisão adequada e proporcional à situação dos autos, que de resto suspendeu na sua execução por igual período, respeitando o disposto nos artigos 40.º, 50.º e 71.º, todos do Código Penal.
Pelo exposto, somos de parecer que o recurso do arguido não deverá obter provimento.
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Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal, nada mais foi acrescentado de relevante.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
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II. Objeto do recurso e sua apreciação.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.

É assim composto:
- não foi corretamente cumprido o princípio in dúbio pro reo;
- pretende a redução da pena.
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Do enquadramento dos factos.

Acordam as Juízes que constituem este tribunal colectivo no seguinte:
O Digno Magistrado do Ministério Público deduziu acusação sob a forma de Processo Comum com intervenção de Tribunal Colectivo contra o arguido:
AA, filho de DD e de EE, natural de ..., Porto, nascido em .../.../1964, solteiro, assistente operacional, residente na Rua ..., ..., 2.º Direito, Traseiras, Porto, imputando-lhe, a prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, al. b) e c), n.º 5 e 177.º, n.º 6 e 7, ambos do Código Penal, devendo ainda o arguido ser condenado nas penas acessórias previstas nos artigos 69.º-B, n.º 2 e 69.º-C, n.º 2 do mesmo diploma legal.
* Foi proferido despacho que recebeu a acusação pública nos precisos termos em que foi deduzida e foram designadas datas para a realização da audiência de julgamento.
* O arguido contestou com o merecimento dos autos; alega que é um cidadão bem integrado e aceite na comunidade, não se revendo nos factos acusatórios.
* Mantêm-se todos os pressupostos de validade e regularidade da instância. Não há nulidades insanáveis nem quaisquer outras questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer.
Procedeu-se a julgamento com a observância de todo formalismo legal como da acta se infere.
* 2 - Fundamentação
2.1. Os factos provados
Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1. O arguido exerce funções de assistente operacional na Escola Básica e Secundária ... (sede), no Porto.
2. No dia 06.07.2019, pelas 11:47:48 UTC, quando se encontrava na sua residência sita na Rua ..., ..., 2.º Direito, Traseiras, Porto, o arguido acedeu à internet, designadamente à sua conta da rede social Facebook, com o URL http://www.facebook.com/people/BB/..., que tem associado o nome de perfil “BB” e o ID ..., associado ao número de telemóvel ....
3. Aquando desse acesso, o arguido fazendo uso desse perfil e rede social, partilhou com terceiros, um ficheiro com conteúdo pornográfico envolvendo uma criança com idade inferior a catorze anos.
4. Para tanto, o arguido efectuou o upload do ficheiro de vídeo designado “...”, esse modo gerando o IP ....
5. Nesse ficheiro é possível ver um vídeo, em formato MP4, com a duração total de 1 minuto e 2 segundos, no qual é percetível a parte inferior e anterior de um corpo de uma pessoa do sexo masculino, adulta, pessoa essa que está completamente desprovida de roupa e deitada na posição de decúbito dorsal numa cama, com o pénis erecto.
6. Junto a esta pessoa encontra-se uma outra, do sexo feminino, completamente desprovida de roupa da cintura para cima, a qual terá entre 4 a 5 anos de idade, que pratica sexo oral ao adulto, sendo que a determinado momento retira o pénis da boca sendo perceptível que o adulto ejaculou no interior da boca da menor.
7. Em seguida, a menor abre a boca e deixa escorrer o sémen para o exterior.
8. Depois, a menor continua a manipular com as suas mãos o pénis do adulto efectuando no mesmo movimentos oscilatórios ascendentes e descendentes, ou seja, a masturbá-lo, conforme melhor resulta do CD junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos.
9. Imediatamente antes do upload/envio do referido ficheiro, pelas 11:45:55 UTC do mesmo dia 06.07.2019, o arguido recebeu do destinatário do ficheiro a seguinte mensagem: “colombia”, ao que de imediato, pelas 11:46:08 UTC, respondeu: “Tenho”, tendo recebido pelas 11:46:20 UTC, a seguinte resposta: “a”.
10. No dia 23.12.2021, o arguido tinha armazenado no seu telemóvel de marca ..., com o IMEI ... os seguintes ficheiros, conforme melhor resulta do CD e do auto de visionamento junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos:
i) no ficheiro PDF com o caminho: file:///....pdf, um ficheiro de imagem no qual são visíveis duas pessoas do sexo feminino, uma com cerca de 8 anos de idade, desprovida de roupa e com o órgão sexual visível, numa manifesta posição sexualizada, sentada no colo de outra pessoa, que atendendo ao desenvolvimento corporal, tratar-se-á também de uma pessoa menor de idade;
ii) no mesmo ficheiro PDF, um ficheiro de imagem, no qual surge uma criança, com idade compreendida entre os 15 e os 18 anos de idade. Esta criança encontra-se completamente nua, expondo a zona nadegueira;
iii) no interior da pasta ... foram encontradas as mesmas imagens mencionas no ponto 1. e 2;
iv) no caminho file:///... foi novamente visualizada a imagem referida em i);
v) no interior da pasta ..., um ficheiro de vídeo, com a denominação "...", com a duração de 59 segundos, no qual é visível uma pessoa do sexo masculino, com idade compreendida entre os 15 e os 18 anos de idade, a praticar sexo oral a uma outra pessoa do sexo masculino, presumindo que esta última atendendo ao seu desenvolvimento corporal será maior de idade;
vi) no interior da pasta ..., um ficheiro de vídeo com a designação "..." com a duração de 58 segundos no qual é visível uma criança do sexo masculino, seguramente com idade inferior a 14 anos, desprovida de roupa da cintura para baixo, a ser penetrada no ânus, por alguém, que atendendo ao desenvolvimento corporal será maior de idade;
vii) no interior da pasta ..., um ficheiro de vídeo com a designação "..." com a duração de 28 segundos, no qual é visível, uma criança do sexo feminino, seguramente com idade inferior a 16 anos, a ser penetrada no ânus, por um adulto;
viii) no interior da pasta ..., um ficheiro de vídeo com a designação "..." com a duração de 11 segundos, no qual é visível uma pessoa do sexo masculino, com idade compreendida entre os 15 e os 18 anos de idade, completamente desnudado, expondo o corpo de forma sexualizada;
ix) no interior da pasta:... foi encontrado o mesmo ficheiro mencionado no ponto ii);
x) No interior da pasta ..., foram encontrados os mesmos ficheiros de vídeo já mencionados no ponto v), vii) e viii);
xi) ainda no interior da pasta – ..., um ficheiro de vídeo com a designação "..." com a duração de 10 segundos, no qual é visível uma pessoa do sexo feminino, seguramente com idade inferior a 18 anos, a ser penetrada no ânus, por um adulto;
xii) no interior da pasta - ..., o mesmo ficheiro de vídeo mencionado no ponto vi);
xiii) no interior da pasta:..., os mesmos ficheiros de vídeo mencionado nos pontos vii) e viii).
11. O ficheiro de vídeo partilhado pelo arguido, apresenta conteúdo pornográfico com utilização de uma criança, do sexo feminino, de tenra idade, envolvida em comportamentos sexuais com um adulto, designadamente, a praticar-lhe sexo oral e a masturbá-lo, actos de natureza e significado sexual. A criança tem idade muito inferior a catorze anos. O ficheiro contém imagens com caracter sexual explícito, envolvendo uma menor de catorze anos de idade.
12. Os ficheiros que o arguido possuía no seu telemóvel apresentam conteúdo pornográfico com utilização de crianças, com idades inferiores a 14 (catorze), 16 (dezasseis) e 18 (dezoito) anos de idade, envolvidas em comportamentos sexuais com adultos, designadamente, a prática de sexo anal, vaginal e oral, actos de natureza e significado sexual e em poses de exposição explícita dos seus órgãos sexuais.
13. O arguido agiu com o propósito conseguido de através da internet, aceder e partilhar o dito ficheiro de vídeo, através do upload que fez, que continha imagens de vídeo onde figurava uma criança do sexo feminino, completamente desprovida de roupa da cintura para cima, a qual terá entre 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade, que pratica sexo oral ao adulto e o masturba.
14. O arguido agiu livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta de partilha/upload acima descrita era punida por lei.
15. O arguido não tem antecedentes criminais.
16. Condição Pessoal do arguido: o processo desenvolvimental de AA decorreu no seio do agregado de origem, composto pelos pais e por 5 irmãos mais velhos, residentes em habitação camarária com condições de habitabilidade, embora exígua face ao número de elementos do agregado. Em termos económicos foi descrita uma situação suficiente para fazer face às necessidades do agregado em virtude das figuras parentais exercerem atividade profissional regular. As dinâmicas intrafamiliares foram descritas como positivas, assentes numa educação pautada por imposição de regras e limites, sendo que as irmãs mais velhas também coadjuvavam na sua supervisão enquanto os pais trabalhavam. Integrou a escolaridade aos 7 anos de idade, tendo abandonado o sistema de ensino aos 14 anos de idade durante a frequência do 6º ano de escolaridade, referindo desinteresse pelas matérias lecionadas. Aos 22 anos de idade referiu que concluiu o 2º ciclo do ensino básico. Como ocupação dos tempos livres praticou natação desde os 5 anos de idade até iniciar atividade laboral. Após abandono escolar permaneceu inativo durante algum tempo, tendo integrado, por volta dos 16 anos de idade, o mercado de trabalho como montador de estruturas metálicas e aos 18/19 anos de idade trabalhou num hipermercado. Aos 24/25 anos de idade começou a trabalhar como guarda noturno numa escola na ..., local onde a mãe também exercia como auxiliar operacional. Em 1990, entrou para os quadros da administração pública como auxiliar de manutenção, em 1991 foi transferido, a seu pedido segundo referiu, para a escola 1... na cidade do Porto. Referiu que durante o período que esteve nessa escola, simultaneamente trabalhou na área da construção civil como montador de estruturas metálicas como forma de obter outra fonte de rendimento. Por desagrado com s novas orientações do novo conselho diretivo da escola supracitada, solicitou transferência, em 1998/1999 para a Escola ..., onde uma das irmãs trabalhava como chefe de pessoal. Quando a escola passou para o Agrupamento de Escola Básica e Secundária ..., relatou que foi transferido para a Escola Básica e Secundária ... como auxiliar operacional há cerca de 11/12 anos. No campo afetivo encetou relacionamento com coabitação quando tinha 30 anos de idade, pelo período de cerca de 20 anos, do qual nasceram dois filhos, atualmente com 22 e 15 anos de idade. O relacionamento cessou há cerca de 9/10 anos, por questões, segundo o arguido, relacionadas com divergências no que diz respeito à gestão familiar, e segundo a ex companheira por questões relacionadas com deterioração das dinâmicas potenciadas por horários laborais divergentes. Após separação e até ao presente, o arguido e a ex-companheira mantêm uma relação de amizade e de bom entendimento relativamente à partilha da guarda dos filhos. No campo da saúde, aos 41 anos de idade foi diagnosticado com diabetes tipo II, insulinodependente, sendo também acompanhado no Centro Hospitalar ... no serviço de nefrologia. AA referiu que aquando do falecimento do pai, quando tinha 24 anos de idade, procurou acompanhamento médico especializado, tendo sido encaminhado para o Hospital 1..., que acabou por abandonar alguns anos depois, em data que não soube especificar. Mencionou ainda que no período da rutura relacional com a excompanheira foi acompanhado pelo médico de família, com prescrição farmacológica. No espaço temporal dos factos pelos quais vem acusado, AA referiu residir num apartamento arrendado sito na rua ..., ..., 1º Esq. – Porto, de tipologia 1 e que em junho/julho de 2020, passou a residir na morada que consta nos autos, num apartamento arrendado, de tipologia 1, descrito com condições de habitabilidade, inserido numa área residencial e periférica da cidade do Porto sem especial incidência de problemáticas de exclusão social. O descendente mais novo alterna entre o agregado materno e paterno, permanecendo por período variável e por decisão do próprio. Quando o filho permanece no agregado paterno, o arguido referiu que aquele dorme no quarto enquanto o arguido ocupa a sala. O descendente encontra-se integrado no 2º ano de um curso de educação e formação de jovens e apresenta deficiência psicológica e intelectual, de natureza não permanente, cujos efeitos no desenvolvimento traduzem-se em défice atencional e dificuldades na articulação da fala. AA mantém-se a trabalhar como assistente operacional na Escola Básica e Secundária ..., na cidade do Porto, no horário das 8h às 16h, auferindo o salário mínimo nacional. Recebe ainda as prestações sociais referentes ao abono familiar e bonificação a jovens deficientes relativo ao descendente no valor total de 206.43 euros. Relativamente ao desempenho de funções em estabelecimento de ensino há cerca de 34 anos, afirma ter sido alvo de um processo disciplinar por faltas, aquando da separação, justificando que estava assoberbado com as responsabilidades parentais. Apresenta como despesas fixas as relacionadas com a manutenção da habitação, designadamente a renda, o fornecimento de eletricidade e de água, o serviço de televisão por cabo, com a medicação, e com o telemóvel, totalizando um gasto médio mensal de cerca de 526 euros. Referiu deter duas dívidas, uma junto da Autoridade Tributária no montante de cerca de 300 euros e da aquisição de um eletrodoméstico no montante de cerca de 1000 euros. O arguido referiu que necessita de efetuar uma gestão contida dos recursos para fazer face às despesas. AA manifestou preocupação com o seu estado de saúde, e por sintomatologia depressiva, referiu ter procurado acompanhamento psiquiátrico, em contexto privado, que tem mantido há cerca de 2 anos, numa periodicidade bimestral, efetuando prescrição terapêutica. Referiu ainda que há cerca de um ano foi diagnosticado com problemática de saúde com implicação ao nível da sexualidade, tendo efetuado tratamento específico. A nível afetivo, segundo o arguido, tem mantido relacionamentos esporádicos, justificando não pretender estabelecer um relacionamento enquanto o filho não atingir a maioridade por pretender focar-se no seu acompanhamento educativo. No contacto estabelecido com as fontes familiares foi transmitida uma imagem positiva do arguido, enquanto pessoa e enquanto figura parental, tendo sido referido que este processo foi encarado com surpresa e rejeição, distanciando o arguido da adoção de condutas desajustadas, apoiando-se no conhecimento que têm daquele fruto do convívio regular e do seu percurso profissional sem registo de problemas, manifestando-lhe apoio e solidariedade independentemente do desfecho do processo. No contacto estabelecido com a fonte profissional, que referiu conhecer o arguido há cerca de 18 anos, desde a Escola ... e na atual escola, onde é professora de ..., há cerca de 8 anos, foi transmitida uma imagem positiva do arguido, tendo sido descrito como prestável e mantendo um relacionamento irrepreensível com os alunos, corpo docente e não docente da escola, afirmando que esta imagem é similar junto de outros elementos da escola. A gestão do quotidiano é organizada em função da atividade profissional e nos tempos livres refere permanecer em casa a ver televisão e aos fins-de-semana, por vezes, passeia, mantendo convívios regulares com os descendentes. No que concerne a projetos de vida pretende manter o atual enquadramento sociofamiliar e profissional, com foco no estado de saúde. Do processo desenvolvimental de AA destaca-se a integração em agregado familiar de origem com dinâmicas descritas como globalmente positivas e funcionais, o desinvestimento escolar e a inserção laboral com cerca de 16 anos de idade, inicialmente na área de montagem de estruturas metálicas e posteriormente, com cerca de 24/25 anos de idade, como guarda noturno, auxiliar de manutenção e auxiliar operacional em estabelecimentos de ensino. Manteve um relacionamento afetivo pelo período de cerca de 20 anos, cuja rutura sucedeu há cerca de 9/10 anos, do qual resultou o nascimento de dois filhos, atualmente com 22 e 15 anos de idade. Presentemente afigura-se familiar, laboral e socialmente integrado, o que constituem indicadores positivos a ter em conta no seu processo de (re)inserção social. Padece de problemáticas de saúde, tendo reportado agravamento das mesmas. Não se provaram outros factos relevantes para a apreciação da causa.
* 2.2. Os factos não provados
1. O arguido agiu ainda com o propósito conseguido de obter as imagens e ficheiros encontrados no telemóvel, que descarregou da internet que apresentam conteúdo pornográfico com utilização de crianças, com idades inferiores a 14 (catorze), 16 (dezasseis) e 18 (dezoito) anos de idade, envolvidas em comportamentos sexuais com adultos, designadamente, a prática de sexo anal, vaginal e oral, actos de natureza e significado sexual e em poses de exposição explícita dos seus órgãos sexuais e de os guardar.
2. O arguido sabia que os protagonistas de todas aquelas imagens eram adultos envolvidos com crianças, com idades inferiores a 18 (dezoito) anos, e que por essa razão não podia obter, difundir, mostrar, partilhar, adquirir, deter, importar, exportar, divulgar, exibir, ceder ou disponibilizar, a qualquer título ou por qualquer meio, aqueles conteúdos, mas não obstante fê-lo.
3. O arguido sabia que estas suas condutas descritas com o número 1. e 2. eram proibidas por lei.
* 2.3. Motivação dos factos provados:
Como dispõe o art.127º do C.P.P., a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, tendo o julgador liberdade para formar a sua convicção com base em juízo o qual procura a sua fonte no mérito objectivo e concreto do caso, tal como ele foi exposto e representado no processo. O arguido admitiu que o perfil do Facebook “BB” existente em conta de facebook a si associada era seu e que terá associado ao número de telemóvel que consta da acusação; alega que apenas o criou para conversar com outras pessoas; nega porém ter visualizado o vídeo partilhado com terceiro, partilha essa que também nega ter realizado; quanto à sua conta na A... (contrato de prestação de serviço de internet) refere que sempre teve o mesmo contrato, apesar de ter alterado a sua residência. Quanto aos demais ficheiros arquivados esclareceu que a respectiva recepção resulta da circunstância de ser membro de grupos de watsapp que partilhavam vídeos de pornografia entre adultos; contudo, nega que se tenha apercebido da descarga de tais ficheiros assim como nega que tenha visualizado vídeos ou imagens de pornografia infantil. Partindo da declaração confessória parcial do arguido, que admite ser o único utilizador do perfil “BB” na sua conta de facebook, e dos demais esclarecimentos prestados pelo mesmo, no que toca aos factos acima dados por provados, a convicção do tribunal filiou-se ainda na prova documental junta aos autos, nomeadamente: - Relatórios de fls. 5-26 (relatório recepção e visualização de DVDs provindos do NCMEC conforme relatório de fls.27 a 32); - Informação operadora telecomunicações de fls. 45, 73, 74; - CD de fls. 51; - Auto de pesquisa de fls. 98-69; - Apenso I de pesquisa; - Informação de fls. 84 e 187; - Exame de fls. 126; - Auto de visionamento de fls. 129-151; - Auto de apreensão de fls. 153; - CRC de fls. 178.
A prova apresentada sofreu o crivo da análise da testemunha CC, Inspectora da Polícia Judiciária, id. a fls. 167, a qual esclareceu que de que modo os indícios do crime chegaram a conhecimento das autoridades portuguesas1 , via National Center for Missing & Exploited Children (fls.26 e ss.), desencadeando o inquérito e correspondente investigação, a qual culminou com a identificação do arguido e a apreensão do material apreendido, o qual foi voluntariamente entregue pelo mesmo. Este último material, que acresceu ao revelado pela partilha de vídeo pelo perfil “BB», revelou a existência de alguns ficheiros existentes em pasta do próprio telemóvel, com os vídeos e as imagens acima referenciadas. Segundo esta testemunha as imagens são evidentes no que toca à faixa etária indicada e referenciada na acusação. A este propósito, a testemunha e Inspectora da P.J. esclareceu ainda que método e critérios são utilizados pelas autoridades de modo a identificar as faixas etárias envolvidas, assim afastando qualquer dúvida do coletivo de juízes no que toca às mesmas. Sublinha, contudo, que a grande maioria abordava pornografia entre adultos. Confirmou a existência de uma mensagem entre o arguido e o terceiro com quem partilhou o vídeo, mas sem grande sentido e da qual apenas teve conhecimento a partir do relatório do NMEC; sublinha que quando o processo chega à PJ o perfil «BB» já tinha sido desativado. Da conjugação de toda a prova concluiu este tribunal que o arguido efectivamente, através da sua conta de facebook e assumindo o perfil “BB”, efectuou um total de uma partilha de ficheiros de pornografia com menor de 14 anos, conforme resulta do relatório do NCMEC de fls.11 a 17 assim como retinha em pasta própria do telemóvel os demais vídeos e imagens de cariz pornográfico com sujeitos menores de idade. Quanto aos demais factos não provados, foi essencial a conjugação do depoimento do arguido2 , com o depoimento da Inspetora da PJ, que esclareceu que essas descargas podem efectivamente acontecer de modo automático, caso o sujeito não tenha activado determinadas definições do watsapp as quais bloqueiam tais descargas automáticas, circunstância que reclamou o acionamento do Príncipio de direito perocessual penal constitucionalmente consagrado, a saber, o principio «in dúbio pro reo», principio este que implica que o coletivo 1 DVD enviado pelo National Center for Missing & Exploited Children;
2 o arguido admitiu pertencer a grupos de watsapp que partilham vídeos e imagens pornográficas de adultos, e de onde poderão ter vindo a descarga automática dos demais vídeos ora em causa, dos quais não se apercebeu de juízes considere os factos acima descritos com os números 1 a 3 do ponto 2.2 como não provados. Para aferir da condição pessoal do arguido revelou-se essencial o relatório social elaborado pela DGRSP. Atendeu-se ainda ao teor do certificado do registo criminal do arguido.
3. O Direito
Ao arguido vem imputada, a prática, em autoria material de um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, al.b) e c), n.º 5 e 177.º, n.º 6 e 7 ambos do Código Penal, requerendo o Ministério Público a aplicação das penas acessórias previstas nos artigos 69.º-B, n.º 2 e 69.º-C, n.º 2 do mesmo diploma. À data dos factos, vigorava a redacção prevista pela Lei n.º 103/2005 de 24-08 para o crime em análise, a qual, no que se liga à imputação apresentada pela acusação, se mantém: “Artigo 176.º Pornografia de menores
1 - Quem: a) Utilizar menor em espectáculo pornográfico ou o aliciar para esse fim; b) Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim; c) Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir, ceder ou disponibilizar a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior; d) Adquirir, detiver ou alojar materiais previstos na alínea b) com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder; é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2 - Quem praticar os actos descritos no número anterior profissionalmente ou com intenção lucrativa é punido com pena de prisão de um a oito anos.
3 - Quem praticar os atos descritos nas alíneas a) e b) do n.º 1 recorrendo a violência ou ameaça grave é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
4 - Quem praticar os actos descritos nas alíneas c) e d) do n.º 1 utilizando material pornográfico com representação realista de menor é punido com pena de prisão até dois anos.
5 - Quem, intencionalmente, adquirir, detiver, aceder, obtiver ou facilitar o acesso, através de sistema informático ou qualquer outro meio aos materiais referidos na alínea b) do n.º 1 é punido com pena de prisão até 2 anos.
6 - Quem, presencialmente ou através de sistema informático ou por qualquer outro meio, sendo maior, assistir, facilitar ou disponibilizar acesso a espetáculo pornográfico envolvendo a participação de menores é punido com pena de prisão até 3 anos.
7 - Quem praticar os atos descritos nos n.os 5 e 6 com intenção lucrativa é punido com pena de prisão até 5 anos.
8 - Para efeitos do presente artigo, considera-se pornográfico todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo.
9 - A tentativa é punível.
No que toca à agravação importa chamar à colação a redacção do art. º177 do C. Penal: Artigo 177.º Agravação (…) 6 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º, 174.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 16 anos. 7 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º, 174.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos. (…); Importa pois, dada a complexidade do tipo legal em causa e os múltiplos e diversos comportamentos que abarca definir o que se entende por por pornografia de menores ou pedopornografia dado que o nosso CP não nos fornece tal conceito3 / 4.
3 Neste sentido Francisco Reis da Costa, em artigo publicado no Observatório Almedina (disponível na Net).
4 INÊS FERREIRA LEITE, “será desejável o recurso a critérios objetivos, conseguindo-se uma definição desprovida de conceções morais ou moralizantes. Até porque assim se evita a discrepância, na identificação de material pornográfico, resultante da mediação de diferentes julgadores, eliminando-se um fator de insegurança jurídica.’’[5] Ora, diversos têm sido os conceitos trazidos para As Nações Unidas definem pornografia infantil como sendo qualquer representação por qualquer meio de uma criança em actividades sexuais explícitas, reais ou simuladas ou qualquer representação das partes sexuais, de onde resulta que o conceito de pornografia infantil é amplo (cfr. art.º 2 .º, c), do Protocolo Adicional à Convenção dos Direitos da Criança sobre o Tráfico de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia, de 2002), inexistindo pois qualquer distinção entre objecto pornográfico e erótico-sensual. No que toca às faixas etária abrangidas cumpre sublinhar que “O limite etário dos 14 anos é normalmente entendido como a fronteira entre a infância e a adolescência. Citando Weinberg, Willians e Pryor, referindo que "os tipos de experiências sexuais que uma pessoa tem, especialmente durante a adolescência, são importantes na direção ou reforço do fluxo da sua preferência sexual", sendo por sobremaneira um desenvolvimento adequado da sexualidade, no sentido de proteger a liberdade do menor no futuro, para que decida, em liberdade, o seu comportamento sexual". (Ac.RE de 17.03.2015 in www.dgsi.com)6, 7. explicar o que é a pornografia infantil, nomeadamente de vários diplomas, nacionais e internacionais. Aliás, fora do catálogo dos instrumentos comunitários e internacionais existem várias organizações intergovernamentais, nomeadamente a Interpol, que muito têm contribuído para concretizar esta definição. 5 Neste sentido também Teresa Beleza, (in "O conceito legal de violação"), "já não é o pudor do jovem ou da criança (...) que está em causa (...), mas a convicção legal de que abaixo de uma certa idade ou privada de uma certa dose de autodeterminação, a pessoa não é livre de se decidir em termos de relacionamento sexual". Costa Andrade ("Consentimento e acordo em Direito Penal), defende que "até atingir um certo grau de desenvolvimento, indiciado por determinados limites etários, o menor deve ser preservado dos perigos relacionados com o desenvolvimento prematuro em atividades sexuais…“A lei presume que a prática de atos sexuais em menor, com menor ou por menor de certa idade, prejudica o seu desenvolvimento global, e considera este interesse tão importante que coloca as condutas que o lesem ou ponham em perigo sob a tutela da pena criminal. Protege-se, pois, uma vontade individual ainda insuficientemente desenvolvida, e apenas parcialmente autónoma, dos abusos que sobre ela executa um agente, aproveitando-se da imaturidade do jovem para a realização de ações sexuais bilaterais. O que está em causa não é somente a autodeterminação sexual, mas, essencialmente, o direito do menor a um desenvolvimento físico e psíquico harmonioso, presumindo-se que este estará sempre em perigo quando a idade se situe dentro dos limites definidos pela lei. 6 Neste sentido também Teresa Beleza, (in "O conceito legal de violação"), "já não é o pudor do jovem ou da criança (...) que está em causa (...), mas a convicção legal de que abaixo de uma certa idade ou privada de uma certa dose de autodeterminação, a pessoa não é livre de se decidir em termos de relacionamento sexual". Costa Andrade ("Consentimento e acordo em Direito Penal), defende que "até atingir um certo grau de desenvolvimento, indiciado por determinados limites etários, o menor deve ser preservado dos perigos relacionados com o desenvolvimento prematuro em atividades sexuais…“A lei presume que a prática de atos sexuais em menor, com menor ou por menor de certa idade, prejudica o seu desenvolvimento global, e considera este interesse tão importante que coloca as condutas que o lesem ou ponham em perigo sob a tutela da pena criminal. Protege-se, pois, uma vontade individual ainda insuficientemente desenvolvida, e apenas parcialmente autónoma, dos abusos que sobre ela executa um agente, aproveitando-se da imaturidade do jovem para a realização de ações sexuais bilaterais. O que está em causa não é somente a autodeterminação sexual, mas, essencialmente, o direito do menor a um desenvolvimento físico e psíquico harmonioso, presumindo-se que este estará sempre em perigo quando a idade se situe dentro dos limites definidos pela lei. 7 Acórdão do STJ, datado de 5-9-2007, (disponível em www.dgsi.pt)– “…Tal como sublinhado por Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 487, A fonte da disposição (art. 176.º do CP, introduzido pela reforma de 2007) é o Protoloco facultativo de 25.5.2000 à Convenção sobre os direitos da criança, relativo à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 16/2003, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 14/2003 (in D.R. I Série-A de 05.03.2003), conferindo à pornografia infantil o significado, segundo o seu art. 2.º, alínea c), de qualquer representação, por qualquer. Segundo Francisco Reis da Costa,ob.cit,“Numa perspetiva legal, podemos afirmar que a pornografia de menores consiste no material que, independentemente do seu suporte, representa menores, sejam estes reais, aparentes ou até virtualmente criados, em comportamentos sexualmente explícitos (estão aqui incluídos os menores em atividades sexuais, em exibição lasciva dos seus órgãos genitais ou das partes públicas ou em qualquer outro comportamento suscetível de causar estímulo sexual). Porém, o contexto em que certos comportamentos são praticados tem sempre de ser tido em consideração, de modo a não se incitar a perseguição de pais que, por exemplo, tiram fotografias dos primeiros banhos dos seus filhos e as colocam nas redes sociais (o que não é, de todo, aconselhável), mas faz parte da esfera da vida privada da família. Caberá a cada um de nós fazer o melhor para proteger o direito à reserva da intimidade da vida privada, até porque o que cai na Internet, dificilmente volta a sair de lá.(…) Debruçando-nos ora sobre os elementos típicos do crime previsto no artigo 176 do C. Penal, vemos que, em primeiro lugar, o agente pode ser qualquer pessoa, desde que tenha 16 anos (art.19.º, CP), independentemente do seu género ou orientação sexual. Por outro lado, a meio, de uma criança no desempenho de actividades sexuais explícitas reais ou simuladas ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins predominantemente sexuais, relativamente ao que se deveria garantir abrangência pelo direito criminal ou penal de actos de produção, distribuição, difusão, importação, exportação, oferta, venda ou posse (seu art. 3.º, n.º 1, alínea c) . 7Estando em causa nos autos a obtenção, posse e divulgação desses materiais, por via informática, a infracção surge relacionada com os conteúdos respectivos, em sintonia, ainda, com recomendação abrangente expressa na Convenção sobre o Cibercrime, adoptada em Budapeste em 23.11.2001, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 88/2009, ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 91/2009 (in D.R. 1.ª série de 15.09.2009), no seu art. 9.º, designadamente protegendo, como menores, pessoas com menos de 18 anos de idade. O tipo legal de pornografia de menores pode revestir, no que ora releva, qualquer acto que se enquadre nas quatro modalidades caracterizadoras, correspondentes às diferentes alíneas do n.º 1 do art. 176.º, em que transparece uma escala de valoração, embora punível de forma idêntica, desde a utilização de menor à detenção de materiais pornográficos com propósito legalmente definido. Denota o objectivo do legislador de tutela antecipada do bem jurídico protegido, tratando-se de crime de perigo abstracto (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de mera actividade (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção), conforme Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 487, sendo que a utilização de material pornográfico com representação realista de menor e a mera detenção de materiais pornográficos merecem atenção punitiva. De modo tendencialmente rigoroso e compatível com a intervenção do direito penal, o bem jurídico reside mais directamente na protecção da personalidade em desenvolvimento dos menores, entendida tanto numa dimensão interior (psico-física ou moral) como noutra exterior (social ou relacional), embora não deixando de atentar, ainda que remotamente, na sua autodeterminação sexual, opção neocriminalizadora justificada no reforço da tutela das pessoas particularmente indefesas(…)vítima do crime terá que ser menor de 18 anos, sendo irrelevante se esta já iniciou ou não a sua vida sexual8 . Á luz do disposto no art.38.º, do CP, no que diz respeito ao consentimento, o mesmo é irrelevante se em causa estiverem menores de 14 anos. Já em situações em que os menores são maiores de 14 anos, e sobretudo maiores de 16, sendo o sujeito ativo menor de 18 anos e ambos consentindo em fotografar ou filmar atos de natureza sexual, no pressuposto de que tais registos não serão divulgados, temos uma conduta incluída no consentimento. No que se reporta ao elemento subjetivo do crime exige-se que o agente tenha conhecimento de todos os seus elementos típicos e que tenha vontade de os praticar, motivo pelo qual estamos perante um crime doloso, sendo admitida qualquer forma de dolo. Vejamos agora o leque de condutas (modalidades de acção) que a nossa legislação incrimina através do referenciado tipo legal. A alínea a), do n.º 1 do art.176.º, pune quem ‘’utilizar menor em espetáculo pornográfico’’, não bastando aqui que o menor seja um mero espetador, ele deve efetivamente ser participante no espetáculo, de modo a esta alínea ser preenchida. A alínea b), pune-se quem ‘’utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte’’, sendo que nos parece ser irrelevante a que título o menor é utilizado9 . A alínea c) do mesmo artigo estabelece que quem ‘’produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio,’’ materiais 8 Neste âmbito, é de assinalar uma distinção efetuada por JOSÉ MOURAZ LOPES e TIAGO CAIADO MILHEIRO[7], entre utilização direta e utilização indireta de menores. A utilização direta de menores, ou o seu aliciamento, para espetáculo pornográfico, fotografia, filme ou gravações pornográficas é criminalizada nas alíneas a) e b) do n.º 1, do art.176.º do CP, enquanto que a utilização indireta é constituída pelas condutas das alíneas c) e d) do mesmo preceito. De facto, esta é uma diferenciação de relevo, uma vez que na chamada ‘’utilização direta’’ é a atividade do agente que coloca o bem jurídico em perigo, além de que há aqui uma relação direta entre o agente e a vítima do crime. Contudo, o mesmo não acontece na ‘’utilização indireta’’, dado que as condutas criminalizadas têm o propósito primário de parar a disseminação de materiais de cariz pornográfico[8]. Quanto a estas condutas, somos da opinião de que a sua incriminação é orientada por um bem jurídico supra-individual, a infância e a juventude, porque ao desincentivar o crescimento deste mercado (e, a longo prazo, a lutar pelo fim do mesmo), há aqui uma finalidade ulterior de proteger a menoridade.
O aliciamento consiste em todo e qualquer comportamento, por meio de conversas e outras condutas, de que o agente se sirva no sentido de induzir o menor a ter comportamentos de cariz sexual e intervir nos espetáculos, fotografias, filmes ou gravações pornográficas. pornográficos, é punido com pena de prisão de um a cinco anos”. Neste contexto, esta alínea pune todas as formas de divulgação e instrumentos de divulgação utilizados. A alínea d), que consubstancia um crime de ato cortado pune com pena de prisão, de um a cinco anos, quem ‘’adquirir ou detiver materiais previstos na alínea b) com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder’’. Impõe-se aqui a ressalva de que basta que o agente tenha a intenção de que um destes resultados se verifique, não tendo o mesmo de ser verificado. A partir das condutas base punidas nos termos acima descritos o legislador considerou qualificadas várias condutas. Vejamos: O n.º 2 do artigo 176 do C. Penal qualifica as condutas elencadas no n.º 1 por quem as praticar ‘’profissionalmente ou com intenção lucrativa” – enquanto que a atividade profissionalizada exige uma certa reiteração, a intenção lucrativa não, podendo um ato esporádico visar o lucro. O n.º 3 punem-se mais gravemente as condutas daqueles que, para a prática das ações das alíneas a) e b) do n.º 1, se servem do uso de ‘’violência ou ameaça grave’’. A necessária transposição para a nossa ordem jurídica do disposto no art.20.º, n.º 1, alíneas d) e f), da Convenção de Lanzarote[12],deu lugar ao n.º 5 do artigo 176 do C. Penal, alargando o âmbito da criminalização do anterior n.º 4, apresentando aquele a seguinte redacção: “quem, intencionalmente, adquirir, detiver, aceder, obtiver ou facilitar o acesso através de sistema informático ou qualquer outro meio aos materiais referidos na alínea b) do n.º 1 é punido com pena de prisão.’’. Ainda no que a este n. º5 importa, sublinha-se que, para que este comportamento seja punido, tem de se exigir do agente uma intenção, sendo por esse motivo que esta incriminação consubstancia um crime intencional, excluindo do seu âmbito todo um leque de situações, como a obtenção de prova para um processo-crime ou o desconhecimento informático, em que a conduta da pessoa não é orientada para aquele fim.
No quadro deste n.º 5 ficarão assim incluídas condutas tais como o ato de aceder a um site com material de pornografia de menores e visualize estes conteúdos, mesmo que não efetue qualquer download, dado que sempre será possível, através do registo do histórico, ver as páginas visualizadas. O n.º 6 do art.176.º, por sua vez, pune ‘’quem presencialmente ou através de sistema informático ou qualquer outro meio, sendo maior, assistir ou facilitar acesso a espetáculo pornográfico envolvendo a participação de menores de 16 anos de idade’’, querendo aqui o legislador apenas punir quem utilize menores em espetáculos pornográficos. “In Casu”, certo é que o arguido: No dia 06.07.2019, pelas 11:47:48 UTC, quando se encontrava na sua residência sita na Rua ..., ..., 2.º Direito, Traseiras, Porto, o arguido acedeu à internet, designadamente à sua conta da rede social Facebook, com o URL http://www.facebook.com/people/BB/..., que tem associado o nome de perfil “BB” e o ID ..., associado ao número de telemóvel .... Aquando desse acesso, o arguido fazendo uso desse perfil e rede social, partilhou com terceiros, um ficheiro com conteúdo pornográfico envolvendo uma criança com idade inferior a catorze anos. Para tanto, o arguido efectuou o upload do ficheiro de vídeo designado “...”, esse modo gerando o IP .... Nesse ficheiro é possível ver um vídeo, em formato MP4, com a duração total de 1 minuto e 2 segundos, no qual é percetível a parte inferior e anterior de um corpo de uma pessoa do sexo masculino, adulta, pessoa essa que está completamente desprovida de roupa e deitada na posição de decúbito dorsal numa cama, com o pénis erecto. Junto a esta pessoa encontra-se uma outra, do sexo feminino, completamente desprovida de roupa da cintura para cima, a qual terá entre 4 a 5 anos de idade, que pratica sexo oral ao adulto, sendo que a determinado momento retira o pénis da boca sendo perceptível que o adulto ejaculou no interior da boca da menor. Em seguida, a menor abre a boca e deixa escorrer o sémen para o exterior. Depois, a menor continua a manipular com as suas mãos o pénis do adulto efectuando no mesmo movimentos oscilatórios ascendentes e descendentes, ou seja, a masturbá-lo, conforme melhor resulta do CD junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos.
O arguido agiu livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei. O arguido agiu com o propósito conseguido de através da internet, aceder e partilhar o dito ficheiro de vídeo, através do upload que fez, que continha imagens de vídeo onde figurava uma criança do sexo feminino, completamente desprovida de roupa da cintura para cima, a qual terá entre 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade, que pratica sexo oral ao adulto e o masturba. Antes de mais, relembremos o que se entende pelos conceitos de Download e Upload, significando o primeiro a acção de baixar um arquivo da Internet para um dispositivo, como imagens, vídeos, músicas e documentos; o upload faz o caminho inverso, transfere arquivos de um dispositivo para Internet, como postar uma foto na rede social ou encaminhar um anexo por e-mail. Temos assim que o arguido, com a conduta descrita e dada por assente, preencheu todos os elementos objectivos e subjectivo do tipo legal tal como ele vem previsto no art.º176 n. º1 c) do C. Penal, em conjugação com a agravação resultante do disposto no art.º177 n.º7 do C. Penal dada a faixa etária em que se insere a menor retratada no vídeo partilhado por aquele (menor de 14 anos). Já a circunstância do tribunal ter considerado como não provados os demais factos afasta a possibilidade do mesmo ser condenado pelo n. º5 do art. º176 do C. Penal, preceito este que abarca, nomeadamente, a mera detenção, esta também abarcada pela acusação pública, mas que, pelas razões já apontadas em sede de motivação, improcede. Atento o exposto e face aos factos acima referenciados julga-se parcialmente procedente a acusação pública.
* 4. Determinação da medida concreta da pena
4.1- A determinação abstracta das penas
4.2- A determinação da medida concreta da pena.
A determinação concreta da pena faz-se de acordo com os critérios fixados no artigo 71º, n.º 1 e 2 do C.P, concretizada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento. A medida concreta da pena há-de encontrar-se no espaço de liberdade fornecido por uma moldura que tem como limite máximo a culpa do agente e como limite mínimo as exigências de prevenção geral positiva (Vide F. Dias, Direito Penal Português, As Consequências do Crime, Editorial Notícias, p. 227 e ss.) A culpa do agente assinala o limite máximo da moldura penal, pois que não pode haver pena sem culpa, nem a pena pode ser superior à culpa, assim como as exigências de prevenção geral (traduzidas na necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, no respeito pelas legitimas expectativas da comunidade) têm uma medida óptima de protecção, que não pode ser excedida, e um limite mínimo, abaixo do qual não se pode descer, sob pena de se pôr em causa a crença da comunidade na validade da norma violada e os sentimentos de confiança e segurança dos cidadãos nos institutos jurídico-penais, pelo que, a pena a aplicar não pode ultrapassar os limites de prevenção geral, uma vez que, como dispõe o artigo 18º, nº2 da C.R.P., só razões de prevenção geral podem justificar a aplicação de reacções criminais.
Por referência a tais limites actuam, na graduação da pena concreta, os critérios de prevenção especial de ressocialização, pois a eficiente protecção dos bens depende da eficácia da pena concreta na reintegração do agente. Concretizando melhor, a realização da finalidade de prevenção geral que deve orientar a determinação da medida concreta da pena abaixo do limite máximo fornecido pelo grau de culpa, conecta-se com a prevenção especial de socialização para que seja esta última a fixar a pena concreta (Anabela Rodrigues, "A determinação da medida concreta da pena..., R.P.C.C., nº2 (1991); "Sistema Punitivo Português, Sub Judice, 1996, nº11), tudo em respeito pelo critério fornecido pelo n.º 2 do artigo 71º do C. P., ou seja, atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.
As exigências de prevenção geral, não apenas negativa, de intimidação, mas sobretudo positiva ou de integração, isto é de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação das normas ocorrida, fazem-se sentir, principalmente no quadro actual da sociedade, com intensíssima intensidade, uma vez que tal tipo de crime tem vindo a causar grande perplexidade quanto à sua difusão, nomeadamente através da utilização dos meios tecnológicos atuais, os quais facilitadores do acesso a vias de comunicação que fogem ao controlo parental. E maior é o grau de alarme quanto menor a faixa etária atingida pois que maior a fragilidade das vítimas e maior o grau do efeito nefasto do crime no desenvolvimento normal da criança, nomeadamente no quadro do desenvolvimento equilibrado da sua auto-determinação sexual. As finalidades das penas - de prevenção geral positiva e de integração e de prevenção especial de socialização, que estão gravados do art. 40.º, n.º 1, do CP, apresentam o objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime, mas sempre tendo presente a real necessidade da aplicação da pena
No que toca à opção legislativa de dar prevalência a penas não detentivas, a mesma só deverá afastada devido, não só perante considerações de prevenção especial e de socialização, como também, face a exigências de prevenção geral, no sentido de que a tanto se não oponham, na medida em que revelam o conteúdo indispensável à defesa do ordenamento jurídico e à finalidade de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias a que a punição tem de corresponder15 . Se é certo que a socialização do agente deve ser uma preocupação sempre presente na aplicação de qualquer que seja a pena, ela não é o objectivo primeiro nessa delicada tarefa de determinação da pena adequada, pois há limites inultrapassáveis que importa observar: a socialização não pode sobrelevar a prevenção, como salienta Anabela Rodrigues, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 12, n.º 2, pág. 182, embora com pressuposto e limite na culpa do agente, sendo entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena, o da tutela de bens jurídicos e, (só) na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade.
À luz destes considerandos, e face ao caso concreto em análise, cumpre considerar que:
- o grau da ilicitude não apresenta um grau elevado pois que estamos perante uma única partilha de um video com pouco mais de um minuto de duração;
a conta de facebbok e perfil associado já se encontravam desativados à data do início do inquérito dos autos;
- a culpa é de grau médio para este tipo de crime e face ao um dolo directo;
- as exigências de prevenção especial são reduzidas atenta a ausência de antecedentes criminais e a efectiva inserção comunitária, laboral e familiar do arguido;
- ao nível da prevenção geral, dada a forte e crescente censura desses comportamentos numa sociedade que se quer protectora da vulnerabilidade própria dos menores e dissuasora da fácil acessibilidade a conteúdos pornográficos a coberto do anonimato e do silêncio; Em súmula, é necessária a reafirmação da norma no caso concreto.
No quadro da prevenção especial (negativa e positiva ou de socialização), mas também com relevância por via da culpa, há a considerar todos os factos que depõem contra e a favor do arguido, designadamente, que:
Do acima exposto decorre que, face às exigências de prevenção geral e e prevenção especial a par das demais circunstâncias supra referenciadas, considera-se justa e adequada à responsabilidade criminal do arguido aplicar a seguinte pena: a) ao abrigo do disposto no art.º176 n.º1 c) e 177 n.º7 do C. penal, na redacção da Lei 103/2005 de 24.08, a pena de um ano e nove meses de prisão. Tendo em conta a adequada inserção do arguido em comunidade conclui-se que que a mera censura dos factos e a ameaça da prisão será suficiente para prevenir a prática de novos crimes, ao abrigo do disposto nos artigos 50º, nºs 1 a 5, do Código Penal, decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada pelo mesmo período (art.º50 do C. Penal).
* 5. Das penas acessórias:
Reza o Artigo 69.º-B o seguinte - Proibição do exercício de funções por crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual
1 - Pode ser condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre dois a 20 anos, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima não seja menor.
2 - É condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor.
3 - É condenado na proibição de exercer funções ou atividades públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, nos estabelecimentos previstos no n.º 1 do artigo 166.º, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto no artigo 166.º;
Artigo 69.º-C – Proibição de confiança de menores e inibição de responsabilidades parentais 1 - Pode ser condenado na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado entre dois e 20 anos, atenta a concreta gravidade do fato e a sua conexão com a função exercida pelo agente, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima não seja menor. 2 - É condenado na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor. 3 - É condenado na inibição do exercício de responsabilidades parentais, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, praticado contra descendente do agente, do seu cônjuge ou de pessoa com quem o agente mantenha relação análoga à dos cônjuges. 4 - Aplica-se o disposto nos n.os 1 e 2 relativamente às relações já constituídas. No caso, está em causa a condenação pela prática de um crime previsto no art.º 176 n.º1 c) do Código Penal, sendo a vítima menor, razão pela qual, nos termos do n.º 2 de cada um dos preceitos acima transcritos, há que ponderar a aplicação das penas acessórias identificadas, sendo que o elemento literal das normas assim o impõe. Assim, reputa-se adequado fixar em 5 anos a pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores e em 5 anos a pena acessória proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores. O limite mínimo de cada uma das penas acessórias, contém já em si uma dimensão temporal que se considera suficiente e proporcional face à considerada gravidade dos factos. *** VI. Decisão: …
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Cumpre apreciar.
Verificando-se que o recurso interposto pelo recorrente se centra na impugnação da decisão da matéria de facto, embora apenas situada na mensuração da violação do in dúbio pro reo, já que sobre a impugnação da matéria de facto nos termos do art.412º nº3 do CPP, como não são cumpridos os respetivos ónus de impugnação, não será a mesma aferida.
O recorrente sustentando a violação do in dúbio pro reo, defende o mau uso da livre convicção pelo Tribunal “A Quo”. A este respeito, cabe precisar que o fundamento e o centro da liberdade que o legislador consagrou ao julgador, contrariamente ao que costuma ser refletido em vária jurisprudência, tem pouco que ver com a discricionariedade, mas sim com um outro aspeto. Costuma ser confundida a liberdade, como a amplitude de pensamento judicial na tarefa exegética que pode socorrer-se de um ou outro raciocínio dedutivo, desse modo atribuindo-se-lhe discricionariedade, mas sem razão.
Diversamente, o conceito de liberdade expresso no art.127º do CPP tão só significa, que o juiz não está sujeito a prova tarifada e a outras condicionantes (exceto as proibições e limitações que a lei processual impõe), exprimindo-se a liberdade, essencialmente, como a possibilidade de lançar mão das regras e máximas da experiência e da lógica para construir o raciocínio probatório. Assim a possibilidade/liberdade do juiz em valorar os concretos meios de prova à luz da lógica e das máximas da experiência, dependendo da forma como se manifestaram em audiência de julgamento, podendo hierarquizar a sua importância e o seu peso na decisão probatória, conferindo a uns, maior força probatória do que outros meios de prova, concretamente pelas qualidades probatórias que evidenciaram. E são esses os parâmetros da liberdade da convicção.
Mas atenção, neste caminho, o juiz está estreitamente vinculado pelo acerto que tem de fazer na escolha das máximas da experiência adequadas e pertinentes ao caso, não lhe sendo lícito extrair ilações que não condizem com os contornos do caso, ou seja, não pode usar máximas incorretas. Por outro lado, o uso das regras da lógica também vinculam estreitamente o julgador, de tal forma que, se exceder no seu uso, está sujeito à plena sindicabilidade das partes. O juiz não tem liberdade exegética, antes tem de interpretar com correção as máximas da experiência, assim como as regras da lógica.
Para melhor se perceber o alcance do sistema de formação probatória, basta referir que as possibilidades do MP ou das partes para sindicar a decisão de prova do Tribunal, implica idêntica liberdade de aferição (embora, por regra, não possa contrapor conclusivamente uma convicção com outra), daí que, para impugnar o acerto das máximas da experiência, os recorrentes contraponham outras máximas de maior valor, ou que invalidem as escolhidas pelo juiz; ou ainda reponham a validade lógica com um outro percurso probatório.
In casu, o recorrente, para além de não cumprir com o ónus que o disposto no art.412º impõe, não impugnando validamente a prova nesse âmbito, argui a violação do in dúbio pro reo, porém, logo à partida se verifica que o Tribunal “A Quo” não expressou dúvidas sobre a sua convicção.
O recorrente centra a sua discordância quanto ao julgamento da matéria de facto, considerando que o Tribunal “A Quo” ultrapassou indevidamente o plano de dúvida existente, julgando incorretamente os pontos 2, 3, 4, 9, e 11 dos factos provados.
Pretende o recorrente se atue o princípio in dúbio pro reo, sustentando existirem parâmetros de dúvida subsistentes que haveria o Tribunal “A Quo” de ter ponderado, e fazendo-o, teria de ser confrontado com a dúvida que não permitiria formar a convicção probatória, nos aludidos pontos da matéria de facto.
Assim, sustenta as hipóteses alternativas que vão desde o acesso ilegítimo por terceiro, seja a nível físico (com utilização do equipamento) seja acesso remoto através de malware; também suscita a hipótese de ter enviado o ficheiro por mero acidente, até enviando palavras desconexas; e também a pressão tátil e aleatória do ecran por realizar uma ação que não é desejada. Mais sustenta que o teor das mensagens recebidas e a sua resposta não são congruentes, representando uma sequência desconexa (conclusões XIV a XVIII).
Mas se é certo que o arguido não tem de provar as hipóteses que suscita, bastando que as hipóteses suscitadas convertam as possibilidades em probabilidades como já sustentamos no acórdão da Rel.P proferido no processo 285/18.6GAARC.P1 de 12/01/2022 publicado no site do ITIJ por nós relatado, aí constando “De notar que a ponderação sobre a plausibilidade das hipóteses alternativas e a verificação do seu quantum de probabilidade não supõe necessariamente a prova sobre a matéria fáctica das mesmas, dado que a relevância sobre a probabilidade de uma hipótese pode manter-se desde que, suscitada oficiosamente ou pela defesa, e desde que os seus pressupostos teóricos se apliquem e moldem à situação em discussão nos autos, criando a dúvida que será aferida pela lógica, em confronto com os restantes factos que se apurem. Ou seja, se a defesa suscitar uma hipótese alternativa, o julgador na ponderação da situação histórica em discussão, considerará os contornos daquela hipótese, podendo-lhe atribuir plausibilidade/probabilidade, apenas com apelo às regras da lógica, mesmo que não ocorra a prova concreta sobre os pressupostos de facto dessa hipótese alternativa, assim se instalando no seu espírito uma dúvida juridicamente relevante (podendo até bastar mera a argumentação lógica, como também, verificar-se a indiciação [que não prova] de alguns desses pressupostos, para que ocorra a dúvida).
De notar que, se a hipótese alternativa suscitada, apenas opera com a lógica (e não com a prova ou indiciação dos seus pressupostos de facto) aplicada aos factos em discussão, então, diferentemente de uma hipótese de factos, será antes uma suposição ou conjetura que opera mais com possibilidades do que com probabilidades. Seja como for, se as possibilidades assumirem uma expressão plausível imposta pelas regras da lógica, que impressionem o julgador, então essas possibilidades ganharão foros de probabilidade, instalando a dúvida. Será a lógica que opera a conversão das possibilidades em probabilidades, o que ocorrerá nos casos em que, um mesmo facto circunstancial do acontecer histórico em discussão, possa simultaneamente ter uma leitura e exegese favorável à hipótese da acusação, mas também à suposição/hipótese alternativa suscitada pela defesa. Sendo nessa ambiguidade que se fixa a dúvida”.
Contudo, no plano das probabilidades não pode olvidar-se que, o equipamento informático sendo um objeto pessoal, muito pessoal aliás, cujo uso encontra-se protegido, essa circunstância torna o uso de terceiro muito improvável. Depois, a vitimização do software do equipamento informático por atos de pirataria, neste ponto não basta a mera alegação, seria necessário o apuramento de alguma circunstância que demonstrasse que o aparelho teria sido alvo de uma ação externa. Caso assim não fosse, descoberta estava a solução para todas as imputações de uso abusivo de conteúdos on line, bastando para tanto a arguição abstrata de atos de pirataria, que é o caminho prosseguido pelo recorrente. Mas sobretudo, o conteúdo das mensagens enviadas e a resposta poucos segundos volvidos (ponto 9 dos factos provados), antes do upload do ficheiro em causa, nada têm de incongruente, como sustenta o recorrente. Antes contrariamente, essa sequência de mensagens afasta qualquer ação externa ou acidental, inscrevendo-se num contexto doloso do arguido, claramente voluntário. A mensagem enviada com a expressão “colombia” seguida da resposta “tenho”, inscreve-se com elevada probabilidade na indagação do título de um ficheiro ou de conteúdos, em jeito de pergunta, e a resposta é congruente, afirmando que tem esse conteúdo “tenho”.
Depois, diversamente do que se alega, os elementos dos autos demonstram que o arguido estava ligado a diversos conteúdos pronográficos, aliás o perfil do Facebook “BB” existente em conta de Facebook a si associada, como seu, e conforme confessou está diretamente relacionado com conteúdos de pornografia, de quem admitiu ser o único utilizador. Ora estas circunstâncias incrementam as probabilidades a um nível muito elevado, no manejo e uso doloso destes conteúdos. As hipóteses que suscita de ato acidental é muito pouco provável.
Mais sustenta o recorrente que, o in dúbio pro reo que o Tribunal “A Quo” aplicou no elemento subjetivo respeitante à detenção de conteúdos de pornografia infantil no seu telemóvel (alínea d) do nº1 do art.176º do CP) respeitantes ao ponto 10 dos factos provados (e que implicou nesta parte a sua absolvição), deveria ser transposta para o restante objeto dos factos provados e porque veio a ser condenado. No entanto, para além da ontologia da detenção ser completamente diferente da ação de upload, esse ponto 10 dos factos provados, por si só, mesmo admitindo a descarga automática no telemóvel, crê este Tribunal de recurso que a dúvida que aí se pôde colocar, apenas no limite tem parâmetros de razoabilidade, dado que, para a mera detenção por dias ou mesmo por várias horas (sem cogitar nas ações dolosas de download), nesse cenário, é problemático erguer a dúvida sobre a detenção desses ficheiros descarregados, ainda que automaticamente, pois a interpretação dessa dúvida seria suscetível, porventura, de outra ponderação, tornando por isso, muito menos admissível a sua transposição para o ilícito pelo qual foi condenado.
São escassos os parâmetros válidos de impugnação, dado que, teria o recorrente de apontar regras da lógica que houvessem sido ofendidas, assim como regras da experiência comum que não houvessem sido respeitadas na formulação dos juízos probatórios, de forma a tornar a convicção do Tribunal “A Quo” sindicável.
E não se detectando falha alguma no exame crítico realizado pelo Tribunal a quo, a convicção formada por este, como se viu, torna-se insindicável.
Portanto, o Tribunal “A Quo” analisou correctamente esses depoimentos, realçando e inferindo os aspetos em que fundou a sua convicção, de forma apropriada de acordo com a lógica e as regras da experiência. Concorda-se com o juízo de prova que foi realizado pelo Tribunal a quo, não existindo erro manifesto, ditado em qualquer desconformidade na formulação lógica ou pelas regras da experiência comum, que imponham alteração de convicção, devendo deste modo, improceder a impugnação movida à decisão da matéria de facto, por violação do in dúbio pro reo.
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O recorrente ainda afirma discordância quanto à medida da pena e dimensão das sanções acessórias, sustentando que o Tribunal A Quo deveria ter situado a medida ótima da pena próxima do limite mínimo. Ora se a pena concreta apresenta algum desacerto situa-se na sua excessiva benevolência, atentas a intensidade das exigências de prevenção, cujo peso dessa ilicitude, imporia uma medida concreta mais substancial. A argumentação do recorrente para redução da pena ao mínimo legal ou “junto ao mínimo legal”, não faz sentido e é incompreensível, desde logo, porque a medida concreta da pena situa-se no liminar do limite mínimo, ou seja a pena de 1 ano e 9 meses de prisão (cuja moldura abstrata tem a amplitude de 6 anos a partir do limite mínimo de 1 ano e 6 meses), correspondendo a amplitude da moldura abstrata a 24 períodos de 3 meses cada um, o Tribunal “A Quo”, apenas usou 1/24 da amplitude da pena, medida que fica claramente aquém das exigências de prevenção elevadas (sendo as exigências especiais inerentemente elevadas dada a imanente compulsão de quem se habitua a estas visualizações; não se podendo argumentar que um ficheiro com um duração pouco mais de um minuto, dado o conteúdo apurado, representa uma menor ilicitude), depois, pese embora, a inserção social e familiar devidamente ponderada pelo Tribunal “A Quo”, não se verificam outras atenuantes, como seriam a confissão ou o arrependimento, pelo que, face à ponderação dos parâmetros do limite da culpa e das exigências de prevenção geral e especial (cfr.art.71º do Cód.Penal), sem perder de vista o peso da ilicitude, que não é de todo diminuto, como refere o Tribunal “A Quo”. A ponderação do Tribunal “A Quo” ao fixar a pena, não merece censura por excesso, devendo permanecendo o regime de execução suspensa, dotado com o perfil das penas acessórias fixadas, dado que, como bem ordenou o Tribunal “A Quo”, não se deve descurar, de todo, os riscos de recidivas desta delinquência, muito permeável a compulsões que se mantém e repetem. Riscos que se potenciam pela negativa, devendo evitar-se o contacto do arguido com comunidades juvenis e infantis, pelo tempo de 5 anos, nos termos em que foram definidos.
Também aqui improcedendo as conclusões do arguido, deve a pena cominada ao recorrente ser mantida.
Como resulta dos fundamentos expostos, o recurso não poderá merecer provimento
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DISPOSITIVO.
Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso do arguido, mantendo-se o Acórdão nos seus termos.
Mais se condena o arguido recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 5 (cinco) UCs.
Notifique.

Sumário:
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Porto, 10 de Maio 2023.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha
Pedro Afonso Lucas