Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
177/09.0TBOBR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE PATERNIDADE
PRAZO DE CADUCIDADE
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RP20190411177/09.0TBOBR.P1
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 693, FLS.266-282)
Área Temática: .
Sumário: I - Na ação de impugnação da paternidade pelos descendentes do presumível progenitor releva de modo particular como fator de ponderação, a proteção da família constituída, enquanto valor de organização social e posição jurídica subjetiva do filho em manter vínculo familiar e social existente e por isso, o prazo de caducidade previsto no art. 1844º/1 a) /2 a) CC, analisado à luz dos art. 18º, 25º e 26º da Constituição não se revela inconstitucional.
II - O prazo de caducidade da ação prevista no art. 1844º/1 a) CC inicia-se com a “morte do marido”, pois a lei determina esse evento como início do prazo e não faz depender o início da contagem do prazo do conhecimento por parte do descendente, ascendente ou cônjuge do conhecimento das circunstâncias que permitem impugnar a paternidade, pois tal exigência apenas se verifica em relação ao “titular do direito”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 177/09.0TBOBR.P1

SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto
( 5ª secção judicial – 3ª Secção Cível )
I. Relatório
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1. B… nasceu a 10 de Fevereiro de 1968.
2. Em consequência do nascimento referido em 1., foi lavrado o assento de nascimento n.º 61 da Conservatória do Registo Civil da Mealhada, no dia 9 de Março de 1968, por declaração direta prestada pela mãe, sendo que, em tal assento, encontra-se mencionado como pai, C…, casado e como mãe D…, casada.
3. C… e D… casaram um com o outro no dia 23 de Junho de 1951.
4. Por sentença proferida a 14 de Dezembro de 1967, transitada em julgado em 4 de Janeiro de 1968, foi decretada a separação judicial de pessoas e bens de C… e de D….
5. Tal ação foi instaurada por C…, no dia 28 de Março de 1967, invocando como fundamento o adultério da mulher e esta não apresentou contestação.
6. Na sentença referida em 4., foram dados como provados os seguintes factos:
“A. e Ré contraíram casamento segundo o regime da comunhão geral de bens, em 23 de Junho de 1951, na igreja paroquial da freguesia …, concelho de Oliveira do Bairro, sendo esse casamento canónico transcrito na Conservatória do Registo Civil do mesmo concelho sob o n.º 67, a fls. 68, do Livro de assentos de casamento referente ao ano de 1951. (al. A) da especif.);
Desse casamento nasceram os três filhos existentes E…, F… e G…, nascidos em, respetivamente, 4-4-1952, 20-1-1956 e 12-6-1953 (al. B) da especif. e certidões de fls. 5 a 7 do apenso);
A Ré, sabendo que o A. estava no estrangeiro, passou a ser-lhe infiel, mantendo relações com outro homem (resp. ques. 1.º);
Essas relações sexuais adulterinas passaram a ser do conhecimento geral, dado que a Ré e o amante começaram a viver como se fossem marido e mulher (resp. ques. 2.º);
A Ré várias vezes apresentou o amante como marido (resp. ques.3.º)”.
7. Por sentença proferida a 15 de Janeiro de 1982, transitada em julgado no dia 28 de Janeiro de 1982, foi a separação judicial de pessoas e bens referida em 4., convertida em divórcio.
8. A ação referida em 7., foi instaurada por C… a 5 de Novembro de 1981.
9. C… faleceu no dia 16 de Agosto de 2005 no estado de divorciado de D….
10. C… faleceu sabendo que a ré B… havia sido registada como sua filha.
11. Por sentença proferida a 27 de Março de 2017, transitada em julgado em 17 de Maio de 2017, no âmbito da ação constitutiva sob a forma de processo ordinário instaurada a 23 de Agosto de 2006 por H… e que correu termos sob o n.º 651/06.0TBOBR, foi decidido que I… não é pai daquele e determinado o cancelamento da inscrição da paternidade e da avoenga paterna no seu assento de nascimento e declarado que o mesmo é filho de C… e, consequentemente, determinado o respectivo averbamento no assento de nascimento do primeiro.
12. Em consequência da sentença referida em 11., foi averbada ao assento de nascimento de H…, a 30 de Maio de 2017 a paternidade correta do mesmo, como não sendo filho de I…, mas sim de C… e que alterou o nome para H… por estabelecimento da filiação.
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Ao abrigo no disposto no art.º 607.º n.º 4 do Código de Processo Civil, serão ainda atendidos na fundamentação, os seguintes factos:
13. A presente ação deu entrada no dia 19 de Fevereiro de 2009 – cfr. data aposta na petição inicial.
14. A 5 de Maio de 2006, B… instaurou uma ação sob a forma de processo ordinário contra J… e H… que corre termos sob o n.º 326/06.0TBOBR do Juízo Central Cível de Aveiro – Juiz 1, pedindo, além do mais, a nulidade de um negócio celebrado entre a mencionada K… e C…, por simulação, tendo o aqui autor sido aí citado no dia 11 de Maio de 2006.
15. O aqui autor instaurou, a 23 de Agosto de 2006, ação em tudo idêntica à presente, sendo que a mesma findou com o despacho proferido a 22 de Setembro de 2006, que determinou o desentranhamento da petição inicial por falta de junção de documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça e, consequentemente, determinou a extinção da ação por impossibilidade superveniente da lide nos termos do disposto no art.º 287.º al. e) do Código de Processo Civil.
16. O despacho mencionado em 15., transitou em julgado a 19 de Janeiro de 2009.
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b) Factos não provados
Não se provou que:
a) Em 28 de Março de 1967, C… encontrava-se a residir no estrangeiro e aí permaneceu até 1985, data em que regressou a Portugal.
b) C… não vivia com a ré D… aquando dos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento da ré B….
c) No período referido em c), a ré D… vivia com outro homem como se de marido e mulher se tratassem.
d) C… nunca falou com a ré B….
e) A ré B… nunca foi, nem é reputada como sendo filha de C….
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3. O direito
- Da tempestividade do recurso -
Nas conclusões de recurso sob os pontos 29 a 41 insurge-se o apelante contra despachos que recaíram sobre requerimentos de prova formulados nos autos (requerimento de 02 de dezembro de 2015 e requerimento de 23 de maio de 2018), nos quais pretendia o apelante a realização de perícia através de testes de ADN.
Sobre os requerimentos em causa recaíram o despacho de 17 de março de 2016 (referência 90696941) e o despacho de 11 de junho de 2018 ( referência 102480341), respetivamente com o seguinte teor:
- “Indefiro o requerido uma vez que a presente ação se encontra suspensa e não foram sequer antes disso, efetuadas as citações dos réus.
Notifique”.
- “No que concerne, mais uma vez, ao pedido de realização da perícia, naturalmente, que o requerimento datado de 2 de Dezembro de 2015, não tem a virtualidade de ser um requerimento probatório e o facto de o tribunal poder determinar a realização oficiosa de uma perícia, não lhe pode ser imposto pelas partes, pelo que, nada mais há a determinar, por ora.
Notifique”.
De igual forma insurge-se o apelante contra o despacho proferido em 05 de junho de 2018, no segmento que se pronunciou sobre a não notificação de documentos e não admissão de notificação da testemunha, o qual tem o teor que se transcreve:
“ Ao abrigo do disposto no art.º 423.º n.º 2 do Código de Processo Civil, admito a junção aos autos dos documentos juntos pelas rés a 28 de Maio de 2018.
Uma vez que os mesmos poderiam e deveriam ter sido juntos com a contestação, condeno-as em 2 UC de multa.
Notifique.
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Na sequência do aditamento ao rol de testemunhas apresentado pelas rés, veio o autor requerer a inquirição das testemunhas por si indicadas anteriormente e adicionando uma. O disposto no n.º 2 do art.º 598.º do Código de Processo Civil, permite a parte contrária usar de igual faculdade, no prazo de 5 dias, isto é, aditar ou alterar o rol de testemunhas anterior e tempestivamente apresentado.
Ora, no caso concreto, o autor não apresentou rol de testemunhas, pelo que, naturalmente, não pode alterá-lo, nem aditá-lo e, consequentemente, não pode utilizar a faculdade concedida no mencionado preceito legal.
Assim sendo, indefiro o requerido.
Notifique.
Na sequência da impugnação da letra e da assinatura dos três documentos juntos pelo autor a 23 de Maio de 2018 efetuada pelas rés, veio requerer a produção de prova nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 445.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
Por tempestivamente apresentado admito a prova requerida – depoimento de parte das rés, inquirição das testemunhas e documento junto - apenas e tão só para prova da genuinidade de tais documentos.
Tendo em consideração o disposto no n.º 3 do art.º 445.º do Código de Processo Civil e uma vez que não há tempo para notificar as testemunhas oferecidas, as mesmas são a apresentar pelo autor”.
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Em matéria de recursos a lei prevê um conjunto de pressupostos processuais, que constituem as circunstâncias de cuja verificação depende a possibilidade do tribunal superior se debruçar sobre o concreto objeto do recurso.
A doutrina[2] tem enunciado como pressupostos processuais: a recorribilidade da decisão, a tempestividade e a legitimidade.
No caso concreto está em causa a tempestividade do recurso.
O recurso está sujeito a um prazo de natureza perentória cujo decurso determina a definitividade da decisão decorrente da formação do caso julgado.
Nos termos do art. 644º/2 d) CPC conjugado com o art. 638º/1 CPC o prazo para interpor recurso do despacho de rejeição de requerimento de provas é de 15 dias.
Nos termos do art. 638º/1 CPC, o prazo para a interposição do recurso conta-se a partir da notificação da decisão.
O apelante veio interpor recurso dos despachos acima indicados com o recurso da sentença, depois de esgotado o prazo de 15 dias, sendo pois intempestivo os recursos de tais decisões e nessa medida, não serão reapreciadas as decisões.
Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso sob os pontos 29 a 41.
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- Da prova pericial -
Nos pontos 29 a 37 das conclusões de recurso suscita o apelante a necessidade de se proceder à realização de exame de ADN, perante o depoimento prestado pela testemunha L…, o que devia ser determinado oficiosamente pelo juiz do tribunal “a quo”.
A questão colocada prende-se com o facto do juiz do tribunal “a quo” não ter promovido oficiosamente uma diligência de prova, sendo certo que as partes não formularam qualquer requerimento no sentido de se realizar tal diligência.
A prova é indicada pela parte com os articulados – art. 552º, 572º CPC -, sem prejuízo da faculdade de alterar ou aditar o rol de testemunhas, nos termos do art. 598º CPC.
De acordo com o art. 411º CPC o juiz tem o dever de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências necessárias ao apuramento da verdade.
Este preceito consagra o princípio do inquisitório pelo que no domínio da instrução do processo cabe ao juiz a iniciativa e às partes incumbe o dever de colaborar na descoberta da verdade[3].
A lei prevê as nulidades processuais que “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais“[4].
Atento o disposto nos art. 195º e seg. CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Porém, como refere ALBERTO DOS REIS há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades“, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos[5].
As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e por sua vez as irregularidades estão incluídas na previsão geral do art. 195º CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art. 199º CPC.
A omissão de realização de uma diligência de prova, a título oficioso, não consta como uma das nulidades previstas nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC.
Representa, pois, a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do art. 195º CPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição nos termos previsto no art. 199º CPC.
Tal omissão devia ser arguida logo que conhecida, e no prazo previsto no art. 149º/1 CPC, ou seja, a partir da data em que a parte tomou conhecimento da omissão de tal formalidade, ou seja, em sede de audiência de julgamento e depois de concluído o depoimento da testemunha, ou quando muito até ao encerramento da produção de prova.
O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art. 196º a 199º CPC.
Conclui-se que não tendo sido suscitada a nulidade se considera a mesma sanada, improcedendo as conclusões de recurso sob os pontos 29 a 37.
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- Da caducidade -
O apelante nos pontos 1 a 28 das conclusões de recurso insurge-se contra o segmento da decisão que julgou procedente a exceção de caducidade, por entender que a ação pode ser intentada a qualquer momento, à semelhança do que ocorre em sede de ações de investigação da paternidade e impugnação da paternidade, sendo por isso, imprescritível e ainda, por considerar que o prazo previsto no art. 1844º/1 a) /2 a) CC se inicia com o conhecimento das circunstâncias de onde se possa concluir a não paternidade do presuntivo progenitor ou quando está em condições para exercer o direito.
Conclui que a interpretação defendida na sentença viola o disposto no art. 1844º e 329º do CC e os art. 18º, 25º e 26º da CRP.
Na sentença refutando-se o vício de inconstitucionalidade aplicou-se o prazo de caducidade de 90 dias a contar da data do óbito do progenitor e concluiu-se pela caducidade do direito de ação, já que não ocorria qualquer circunstância suscetível de determinar a interrupção ou suspensão do prazo de caducidade.
Começando por apreciar da conformidade da decisão, quanto ao prazo de caducidade, com os art. 18º, 25º e 26º da CRP.
O apelante não questiona o segmento da sentença onde se considera que a ré B… beneficiou da presunção do art. 1826º CC [“presume-se que o filho nascido ou concebido na constância do matrimónio da mãe tem como pai o marido da mãe”]. Pretende o autor impugnar a paternidade presumida sendo certo que o progenitor já faleceu.
A presente ação insere-se, assim, no âmbito das ações de impugnação de paternidade presumida, instaurada pelo descendente do presumível progenitor, ao abrigo do art. 1844º/1 a) CC.
A ação em causa reveste natureza excecional, pois nas ações de estado vigora um princípio de intransmissibilidade da ação, que se encontra intimamente ligado ao princípio da indisponibilidade do estado”, principio este que se conjuga com a ideia segundo a qual “as ações relativas à filiação têm um caráter pessoal”[6].
Com efeito, nos termos do art. 1838º CC, a “paternidade presumida nos termos do art. 1826º não pode ser impugnada fora dos casos previstos nos artigos seguintes”.
Nos termos do art. 1839º/1 CC a “paternidade do filho pode ser impugnada pelo marido da mãe, por esta, pelo filho ou, nos termos do art. 1841º, pelo Ministério Público”.
Nos termos do art. 1842º CC:
“1. A ação de impugnação de paternidade pode ser intentada:
a) Pelo marido, no prazo de três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade;”
Prevê o art. 1844º/1 CC:
“Se o titular do direito de impugnar a paternidade falecer no decurso da ação, ou sem a haver intentado, mas antes de findar o prazo estabelecido nos art. 1842º e 1843º, têm legitimidade para nela prosseguir ou para a intentar:
a) No caso de morte do presumido pai, o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens que não seja a mãe do filho, os descendestes e ascendentes;
b)[…]
c)[…]
2. O direito de impugnação conferido às pessoas mencionadas no número anterior caduca se a ação não for proposta no prazo de noventa dias a contar:
a) Da morte do marido ou da mãe, ou do nascimento de filho póstumo, no caso das alíneas a) e b);
b)[…]”
O regime previsto no art. 1844º CC pretende regular as situações em que um sujeito legitimado para intentar a ação morre sem a ter intentado, ou morre durante o curso da ação. A lei estabelece quem poderá tomar o lugar dele[7].
No caso de morte do presumido pai, PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA[8] referem “a legitimidade transmite-se” ao cônjuge que não seja a mãe do filho, os ascendentes e os descendentes, ficando pois legitimados a fazer seguir ou instaurar a ação de impugnação da paternidade.
Como observam PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA:”[o]s legitimados para prosseguir ou intentar a ação, embora intervenham subsidiariamente exercem um direito próprio, fundado na proximidade familiar em que se encontram relativamente ao titular, por vínculo de sangue ou por vínculo conjugal. Pede-se-lhes que façam um juízo autónomo sobre a verdade biológica e sobre o interesse familiar de promover a impugnação que não depende – e pode ser diferente – do juízo feito pelo titular falecido; não agem em representação do falecido como se fossem sucessores, herdeiros”[9].
A lei prevê expressamente um prazo - 90 dias - para exercer o direito que coubera ao titular falecido relevando aqui ”[…] as razões que justificaram em geral a imposição de prazos, incluindo a necessidade de se resolver, sem demora, o estado jurídico dos interessados”[10].
Estando em causa, a instauração da ação quando o titular do direito era o presumido progenitor, que faleceu, o prazo de 90 dias conta-se da data do óbito.
O início do prazo e o próprio prazo não podem ser dissociados do prazo concedido ao titular do direito e da natureza do direito que ao mesmo lhe estava atribuído. Tem de existir da parte do titular do direito, quando a ação não foi ainda instaurada, um conhecimento dos factos que justifiquem a impugnação da paternidade de tal forma que só não promoveu a instauração da ação porque veio a falecer.
Daqui decorre que pode o prazo previsto no art. 1842º/1 a) CC estar a terminar, como pode dar-se o caso de estar a começar, quando ocorre o óbito do titular do direito e o novo prazo vai acrescer aquele outro.
PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA referem que “[…]a transmissão do direito de propor a ação é tanto mais justa e oportuna quanto mais clara for a necessidade da impugnação e a vontade manifestada ou presumida do titular falecido: nestas condições, é de supor que os sucessores deste, ao tempo da sua morte, disponham de alguns preparativos para a impugnação e, sobretudo, estejam resolvidos a intentá-la”[11].
A respeito da natureza do prazo observam PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA: “[a] maior brevidade deste prazo, que pode em alguns casos envolver um encurtamento do prazo concedido ao titular originário do direito, tem a sua explicação em várias razões:
1.ª É um prazo que, em princípio, se adiciona ao tempo de exercício da ação já decorrido em vida do titular originário do direito;
2.ª As mais das vezes, quer o cônjuge, quer os parentes do titular originário do direito, entretanto falecido, conhecem a intenção deste, no sentido de impugnar ou não impugnar a paternidade que a lei atribui ao marido da mãe e têm fácil acesso aos meios de que ele dispusesse para impugná-la;
3.ª Há toda a vantagem em estabilizar, com a maior brevidade possível, o estado pessoal de cada indivíduo, designadamente a sua relação de filiação, e a necessidade de tal estabilização acentua-se, logo que faltam os intervenientes na relação”[12].
Verifica-se, assim, que a ação instaurada pelo descendente do titular do direito, presumível progenitor já falecido, está sujeita a um prazo, prazo esse de caducidade.
Desde logo cumpre ter presente que a jurisprudência citada pelo apelante nos pontos 26 e 27 das conclusões de recurso não analisa a concreta aplicação do prazo previsto no art. 1844º/1/a) e 2 a) CC. Todos os arestos versam sobre o juízo de constitucionalidade do concreto prazo de caducidade previsto para as ações de investigação de paternidade (art.1817º/1/3/b) CC) ou de impugnação de paternidade instauradas pelo presumível pai ou pela mãe (art. 1842º/1 a) e b) CC).
Por outro lado, o juízo inconstitucionalidade de tais normas à luz dos artigos 18º, 25º e 26º da Constituição, tem sido sistematicamente abandonado pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sequência da jurisprudência firmada no Tribunal Constitucional no sentido de se considerar que a fixação legal de prazos de caducidade para a propositura de ações de investigação da paternidade não ofende o direito fundamental à identificação biológica ancorado nos artigos 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, 26.º, n.º 1 e 3, e 36.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Da mesma forma que se considera que a fixação legal de prazos de caducidade para a propositura de ações de impugnação da paternidade presumida, diferenciados por categorias de interessados legitimados, como se prescreve nos artigos 1842.º a 1844.º do CC, desde que tais prazos se mostrem proporcionados ou razoáveis, não ofende o núcleo essencial dos direitos fundamentais à identidade e integridade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade e de constituir família, por via da verdade biológica da geração paterna, quer do dito filho quer do suposto progenitor, garantidos nos termos dos artigos 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 1 e 3, e 36.º, n.º 1, da Constituição da República.
Neste sentido, entre outros, podem citar-se os Ac. STJ 03 de maio de 2018, Proc. 158/15.4T8TMR.E1.S (acessível em www.dgsi.pt), Ac. STJ 05 de junho de 2018, Proc. 65/14.8T8FAF.G1.S1(acessível em www.dgsi.pt) e Ac. STJ 08 de fevereiro de 2018, Proc. 5434/12.5TBLRA.C1.S1 (acessível em www.dgsi.pt).
Anota-se, ainda, a tendência manifestada na jurisprudência do Tribunal Constitucional em separar no teste da constitucionalidade, os prazos de caducidade previstos para a ação de investigação de paternidade (art. 1817/1/3b) CC) e os prazos previstos para as ações de impugnação da paternidade (art. 1842/1a) e b) CC), sendo significativa a seguinte passagem do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 309/2016:
“Quando se tratou de apreciar a constitucionalidade dos concretos prazos de caducidade das ações de investigação, após um primeiro momento em que se considerou que os prazos então fixados propiciavam um equilíbrio adequado entre o direito à identidade pessoal do filho – na dimensão de direito ao reconhecimento da paternidade – e os interesses conflituantes, designadamente o interesse do pretenso pai a não ver protelada uma situação de incerteza, o seu direito à reserva da vida privada, bem como a paz da família conjugal, agravados pelo envelhecimento e aleatoriedade das provas, o Tribunal acabou por se afastar dessa posição ao reconhecer que os valores e bens tutelados por aquele direito tinham maior peso valorativo que as tradicionais razões invocadas a favor da limitação daqueles prazos.
O que influenciou tal mudança foi sobretudo o fortalecimento da verdade científica introduzida pelo aparecimento de novos processos laboratoriais – os exames de ADN –, que vieram proporcionar a resolução segura de quaisquer dúvidas sobre a ligação biológica entre duas pessoas. A valorização do critério biológico, do direito à identidade pessoal e ao livre desenvolvimento da personalidade, associada à desvalorização das razões que justificam os concretos limites temporais ao exercício do direito de investigar a paternidade, tornaram constitucionalmente inadmissível a existência de prazos “cegos” e desproporcionadamente exíguos.
Mas este juízo de ponderação já não tem a mesma relevância quando se pretende destruir a paternidade presumida do marido da mãe através de uma ação de impugnação de paternidade intentada pela mãe ou pelo marido. De facto, como se refere no Acórdão n.º 446/2010, quando invocado para excluir a paternidade, o direito à identidade pessoal «não se apresenta, por um lado, dotado de exatamente a mesma carga valorativa do que quando acionado pelo filho com vista à investigação de paternidade e confronta-se, por outro, com valores e interesses contrários, para além dos invocados para legitimar a consagração de prazos de caducidade do direito de investigar. No que diz respeito ao primeiro aspeto, não sofre dúvida de que o conhecimento, por cada um, da sua ascendência é uma componente essencial do direito à identidade pessoal, na sua dimensão de direito à historicidade pessoal. A ação de reconhecimento judicial da paternidade visa a constituição de um vínculo sem o qual resulta nuclearmente afetado o conteúdo identitário da individualidade do investigante, por falta de um elemento basilar da sua conformação. Já com a ação de impugnação de paternidade pretende-se a destruição de um vínculo estabelecido, formado por presunção legal, assente num juízo de probabilidade. A preclusão, pelo decurso do prazo, do direito de intentar a ação não tem, neste caso, o mesmo significado para a esfera pessoal do interessado, a mesma projeção radicalmente empobrecedora da personalidade».
Nessa situação, a relevância, como fator de ponderação, da proteção da família constituída, enquanto valor de organização social e posição jurídica subjetiva do filho em manter vínculo familiar e social existente, justifica a consolidação definitiva, na ordem jurídica, a partir de determinado limite temporal, de uma paternidade não correspondente à realidade biológica. Daí que a jurisprudência constitucional nunca tenha efetuado qualquer juízo de inconstitucionalidade dos prazos de caducidade previstos nas alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 1842.º do Código Civil” (Diário da República, 2.ª série — N.º 173 — 8 de setembro de 2016).
Tal como se observou no enquadramento da natureza da presente ação, estando em causa a impugnação da paternidade pelos descendentes do presumível progenitor releva de modo particular como fator de ponderação, a proteção da família constituída, enquanto valor de organização social e posição jurídica subjetiva do filho em manter vínculo familiar e social existente e por isso, o prazo de caducidade previsto no art. 1844º/1 a)/2 a) CC, analisado à luz dos art. 18º, 25º e 26º da Constituição não se revela inconstitucional.
Seguindo de perto os argumentos expostos no Ac. STJ 08 de fevereiro de 2018, Proc. 5434/12.5 TBLRA.C1.S1( acessível em www.dgsi.pt e que se debruçou sobre a interpretação e juízo de constitucionalidade do prazo de caducidade previsto no art. 1844º/2 a) CC), impõe-se reconhecer que o direito atribuído aos ascendentes e descendentes, não tem por finalidade propriamente a tutela do interesse deste progenitor na verdade biológica em relação à sua não paternidade, mas antes os interesses da respetiva família, muito embora derivados dessa verdade biológica.
À luz destas considerações, não se afigura que o direito de impugnar a paternidade conferido pelo artigo 1844.º do CC aos descendentes e ascendentes do presumido progenitor falecido tenha por escopo efetivar os direitos fundamentais à identidade e integridade pessoal, desenvolvimento da personalidade e de constituir família do presumido filho, com base na verdade biológica da sua procriação paterna, garantidos pelos artigos 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 1 e 3, e 36.º, n.º 1, da Constituição.
De resto, a efetivação desses direitos a começar, necessariamente, pela prévia impugnação da paternidade presumida está assegurada ao filho dentro dos prazos de caducidade mais alargados previstos no artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do CC – 10 anos depois de haver atingido a maioridade ou de ter sido emancipado, ou posteriormente, dentro de três anos a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe.
No caso presente, a eventual procedência da pretendida impugnação apenas afastaria a paternidade presumida da ré B… com total alheamento do interesse no estabelecimento da respetiva filiação biológica, o que bastará para não incluir o referido meio impugnativo na garantia dos referidos direitos fundamentais da filha.
Como ficou dito, o que se visa, fundamentalmente, com o meio de tutela atribuído pelo artigo 1844.º do CC aos ascendentes e descendentes do progenitor presumido é satisfazer, de algum modo, o interesse gregário da respetiva família natural, dotando-o de correspondente cobertura jurídica.
Observa-se no citado aresto - Ac. STJ 08 de fevereiro de 2018, Proc. 5434/12.5 TBLRA.C1.S1-:”[é] certo que o direito de impugnar a paternidade conferido, a título subsidiário, aos ascendentes e descendentes do presumido progenitor falecido, embora constituindo um direito próprio destes estabelecido, fundamentalmente, em defesa da instituição familiar e não como mera representação do titular originário, deriva, em última análise, do direito do titular originário à verdade biológica quanto à sua não paternidade com relevo na definição do seu estatuto jurídico “em relação a um vínculo de filiação que lhe é atribuído por presunção legal”; por isso mesmo, compreendido na esfera dos direitos pessoais garantidos pelo artigo 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, da Constituição.
Mas será que a esse direito de impugnação da paternidade atribuído, a título subsidiário, aos ascendentes e descendentes do presumido progenitor falecido deve ser reconhecido um grau de tutela igual ao do titular originário, mormente em sede de prazo de caducidade?
Estamos em crer que não.
Com efeito, como já foi referido, a finalidade da atribuição, a título subsidiário, do direito de impugnação aos ascendentes e descendentes do presumido progenitor falecido tem em vista a salvaguarda do interesse da instituição familiar e não propriamente assegurar a definição do estatuto jurídico pessoal daquele progenitor falecido, não se revelando, nessa medida, merecedora do mesmo grau de tutela. Nem se vê que uma tal equiparação seja, na mesma medida, postulada pelo direito de constituir família consagrado no artigo 36.º, n.º 1, da Constituição.
Daí a diferenciação, mantida nos sucessivos diplomas legais, entre o prazo de caducidade para a propositura da ação pelo titular originário e o prazo de caducidade para a propositura da ação pelos titulares subsidiários. E terá sido também por essa mesma razão que o legislador se manteve indiferente à alteração do prazo de caducidade de 90 dias introduzido pelo artigo 1819.º e depois transposto para o artigo 1844.º do CC de 1966, no quadro das alterações operadas pelo Dec.-Lei n.º 496/77, de 25-11, e da Lei n.º 14/2009, de 01-04, em que distendeu o prazo de caducidade para a ação de impugnação pelo progenitor presumido.
Nesta linha de entendimento, não se afigura que os interesses confinados à iniciativa dos descendentes e ascendentes do falecido progenitor presumido, nos termos do artigo 1844.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a), do CC, devam ser equiparados aos já mencionados direitos fundamentais desse progenitor nem, muito menos, aos do presumido filho, nos termos das disposições constitucionais acima indicadas”.
Conclui-se, que o prazo de caducidade estabelecido para o exercício do direito pelos descendentes do presumível progenitor não contende com os princípios constitucionais consagrados nos art. 18º, 25º e 26º da Constituição.
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Passando à análise da segunda ordem de argumentos.
Defende o apelante que o prazo de caducidade não se iniciou com o óbito do presumido pai, mas apenas na data em que o apelante estava em condições de exercer o direito, o que apenas ocorreu com o reconhecimento da sua qualidade de filho do presumido progenitor, ou caso assim não se entenda, apenas a partir da data em que tomou conhecimento que a ré era filha do presumido progenitor (art. 329º CC), suspendendo-se o prazo a partir da data em que foi instaurada a primeira ação de impugnação de paternidade.
As apeladas rés suscitaram a caducidade do direito de ação porque na data em que foi intentada tinham decorrido mais de 90 dias sobre a data do óbito do presumido progenitor.
Na sentença refutaram-se os argumentos que o apelante agora renova e concluiu-se por se considerar verificada a exceção, na medida em que a ação foi instaurada decorridos que estavam mais de 90 dias sobre a data do óbito do presumido progenitor.
A questão que se coloca consiste em apurar se determinando a lei a data do inicio do prazo, pode o autor invocar o regime previsto no art. 329º CC e se ocorreu alguma circunstância que determine a interrupção ou suspensão do prazo de caducidade.
O art. 329ºCC, sob a epígrafe “ Começo do prazo” determina:
O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido”.
Na interpretação do art. 329º CC, PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA observam:“[é] corrente a fixação da data em que o prazo de caducidade começa a correr. Vejam-se, como exemplos, os artigos (…) 1841.º n.º 2, 1842.º (…).
Nos casos restantes de caducidade, em que a lei se limite a fixar o prazo dessa caducidade, sem indicar a data a partir da qual o prazo se conta, é que interessa distinguir entre a constituição ou a existência do direito e a possibilidade legal do seu exercício”[13].
ANA FILIPA MORAIS ANTUNES[14] refere que “a determinação do início do prazo de caducidade é tarefa reservada, em muitos casos, ao legislador.[…] Nos demais casos, sempre que a lei não se pronunciar acerca do início do prazo, o prazo começará a correr a partir do momento em que o direito puder legalmente ser exercido. Estabelece-se, pois, uma regra análoga à consagrada em matéria de prescrição (cf. artigo 306.º n.º 1 do C.C)”.
RICARDO BERNARDES[15] referindo-se ao critério da lei, anota o caráter “residual”, por entender que a solução da lei só é relevante”[…]nos casos em que a lei crie o prazo de caducidade, mas não fixe o momento a partir do qual ele deva ser contado.[…] de outro modo, a contagem começa evidentemente no momento em que a lei o determinar”.
A lei prevê no art. 1844º/2 a) CC:
2. O direito de impugnação conferido às pessoas mencionadas no número anterior caduca se a ação não for proposta no prazo de noventa dias a contar:
a) Da morte do marido ou da mãe, ou do nascimento de filho póstumo, no caso das alíneas a) e b);
O legislador fixou o momento a partir do qual se inicia a contagem do prazo, quando está em causa o exercício do direito pelo descendente do presumível progenitor: “ a morte do marido da mãe”.
Desta forma, não se justifica fazer apelo ao regime do art. 329º CC, como critério a atender para o início da contagem do prazo, porque a lei indica o facto que determina o início da contagem.
Acresce que a lei não faz depender o início da contagem do prazo do conhecimento por parte do descendente das circunstâncias que permitem impugnar a paternidade, pois tal exigência apenas se verifica em relação ao “titular do direito”.
Verifica-se, assim, que tendo ocorrido o óbito do presumido pai em 16 de agosto de 2005, quando foi instaurada a presente ação, em 19 de fevereiro de 2009, estava ultrapassado o prazo de 90 dias.
Por outro lado, não se pode ignorar na interpretação do preceito o disposto no nº1, onde se prevê:
“Se o titular do direito de impugnar a paternidade falecer no decurso da ação, ou sem a haver intentado, mas antes de findar o prazo estabelecido nos art. 1842º e 1843º, têm legitimidade para nela prosseguir ou para a intentar[…]”
O art. 1842º CC prevê:
“1. A ação de impugnação de paternidade pode ser intentada:
a) Pelo marido, no prazo de três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade”.
O conhecimento das circunstâncias que permitem impugnar a paternidade presumida apenas relevam para interpretar a vontade do presumido progenitor falecido, por referência à data do óbito, por estarmos na presença de um direito que é concedido aos descendentes a título subsidiário e substitutivo. Neste aspeto cumpre ter presente que o direito exercido pelo descendente, ainda que um direito próprio, pois não se impõe que prossiga a ação já instaurada pelo presumido progenitor ou que instaure a ação que o presumido progenitor pretendia acionar, não dispensa, contudo, que se atente ao prazo que estando em curso o presumido progenitor dispunha para o exercício do seu direito e às concretas circunstâncias que lhe permitiam impugnar a paternidade presumida.
Com efeito, se os factos relevantes chegaram ao conhecimento do presumido progenitor mais de três antes da data do óbito, o descendente está impedido de exercer o direito, por caducidade.
Neste sentido, no Ac. Rel. Coimbra 07 de março de 2017, Proc.5434/12.5TBLRA.C1( acessível em www.dgsi.pt )[16], observa-se:”[q]uando o art.º 1844º admite que essas pessoas intentem ou prossigam a ação já instaurada trata-se aí, na prática, de uma legitimidade substitutiva ou subsidiária que nunca se deverá sobrepor à vontade dos primeiros titulares do direito de impugnação elencados no art.º 1842.
Daí que, como condição de tempestividade da instauração da ação por estas pessoas, o citado nº 1 do art.º 1844º imponha que ainda não hajam findado os prazos estabelecidos nos artigos 1843º e 1842º do C. Civil.
Seria até absolutamente intolerável que os aludidos familiares pudessem intentar a ação de impugnação contra a vontade expressa por aqueles titulares. É que lhes não é lícito o uso da impugnação em vida destes.
A legitimidade daqueles é apenas consequencial da morte dos ditos titulares. É esta especial natureza ou configuração do “direito” dessas pessoas – devida, sem dúvida, à especial ligação que as caracteriza ao presumido pai, à mãe ou ao filho – que torna razoável e proporcionado o curto prazo de noventa dias do nº 2 do art.º 1844.
Elas podem propor a ação porque o legislador aceita que também estes titulares o fariam se não tivessem falecido.
Nesta perspetiva, são o presumido pai, a mãe ou o filho quem primacialmente pode questionar a verdade tabular para a sua correção pela verdade biológica, sendo o direito das pessoas do artigo 1844 mero reflexo da impossibilidade daquelas.
A admissibilidade do exercício do direito de impugnação por estas pessoas só nasce com essa impossibilidade (decorrente da respetiva morte)”.
No caso concreto provou-se que o presumido pai, C…, faleceu sabendo que a ré B…, havia sido registada como sua filha (ponto 10 factos provados).
O facto do apelante obter o reconhecimento da paternidade apenas por sentença de 27 de março de 2017, com trânsito em julgado em 17 de maio de 2017, no âmbito do Proc. 651/06.0TBOBR (ponto 11 dos factos provados), não releva, porque a lei dispõe de instrumentos processuais para acautelar a caducidade do direito, caso fosse seu propósito exercê-lo. Aliás, tal circunstância não impediu a instauração da presente ação.
Provou-se que a 5 de Maio de 2006, B… instaurou uma ação sob a forma de processo ordinário contra J… e H… que corre termos sob o n.º 326/06.0TBOBR do Juízo Central Cível de Aveiro – Juiz 1, pedindo, além do mais, a nulidade de um negócio celebrado entre a mencionada J… e C…, por simulação, tendo o aqui autor sido aí citado no dia 11 de Maio de 2006 ( ponto 14 dos factos provados ).
Contudo, não se provou que apenas com a citação para a ação o apelante tomou conhecimento que a ré B… estava registada como filha do alegado pretenso progenitor.
De todo o modo, tal circunstância, ainda que se admita ter ocorrido, não releva, na medida em que a lei não faz depender o início do prazo de caducidade do conhecimento pelo descendente das circunstâncias que permitam impugnar a paternidade presumida.
Acresce que a instauração de tal ação não permite reconstituir a vontade do presumido pai a respeito da intenção de impugnar, ou não, a presumida paternidade e só as circunstâncias em que o presumível progenitor tomou conhecimento dos fundamentos da impugnação importam, sendo certo que as apeladas não deduziram a exceção com fundamento no decurso do prazo previsto no art. 1842º/1 a) CC.
O apelante cita em abono da sua tese o Ac. Rel. Évora de 11 de setembro de 2014, Proc. 474/04.0TBENT.E1 (acessível em www.dgsi.pt) onde em sumário se refere:” O prazo de caducidade de 90 dias estabelecido no artigo 1844.º, n.º 2, al. a), do CC, para intentar a ação de impugnação de paternidade presumida, pelos seus ascendentes, em caso de morte do marido, não corre a partir desse decesso, se o respetivo titular não tiver conhecimento do seu direito, mas desse efetivo conhecimento (artigo 329.º CC)“.
Com o devido respeito, entendemos que do citado aresto não se podem extrair os argumentos defendidos pelo apelante. De todo o modo não acompanhamos a posição ali defendida, pelos motivos que se deixaram expostos quanto à aplicação do regime do art. 329º CC.
Também não se pode atender, para os efeitos do art. 279º /2 CC, ao facto da presente ação ter sido instaurada no prazo de 30 dias a contar da data do trânsito em julgado da decisão proferida no Proc. 650/06.1TBOBR, porque esta ação foi instaurada muito depois de ter terminado o prazo de 90 dias a contar da data do óbito do presumido pai.
Entendemos, pois, perante o caráter excecional do direito que é atribuído aos descendentes do presumido progenitor, a natureza pessoal das ações em causa e os prazos de caducidade previstos para o titular do direito exercer esse direito ( que não são prazos “cegos”), a tutela da família e a estabilidade das relações familiares e o critério fixado na lei para o inicio do prazo de caducidade previsto no art. 1844/2 a) CC, em confronto com os factos provados, não consentem outra interpretação e dessa forma, se considera que a sentença não merece censura quando conclui pela procedência da exceção de caducidade.
Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos 1 a 28.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelo apelante.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença.
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Custas a cargo do apelante.
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Porto, 11 de abril de 2019
(processei e revi – art. 131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico.
[2] ARMINDO RIBEIRO MENDES Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pag. 73
[3] Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS Introdução ao Processo Civil-Conceitos e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pag. 176
[4] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pag. 156
[5] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 357
[6] Cfr. JOSÉ DA COSTA PIMENTA, Filiação, Coimbra Editora, Coimbra, 1986, pag. 112
[7] Cfr. FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA Curso de Direito da Família-Direito da Filiação, Vol. II, Tomo I-Estabelecimento da Filiação-Adoção, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pag. 128
[8] Cfr. FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA Curso de Direito da Família-Direito da Filiação, Vol. II, Tomo I-Estabelecimento da Filiação-Adoção, ob. cit., pag. 128
[9] Cfr. FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA Curso de Direito da Família-Direito da Filiação, Vol. II, Tomo I-Estabelecimento da Filiação-Adoção, ob. cit., pag.129
[10] Cfr. FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA Curso de Direito da Família-Direito da Filiação, Vol. II, Tomo I-Estabelecimento da Filiação-Adoção, ob. cit., pag. 130
[11] Cfr. FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA Curso de Direito da Família-Direito da Filiação, Vol. II, Tomo I-Estabelecimento da Filiação - Adoção , ob. cit., pag. 130
[12] PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA Código Civil Anotado, Vol.V, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, pag. 216
[13] PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA Código Civil Anotado, Vol.V, ob. cit., pag. 294
[14] ANA FILIPA MORAIS ANTUNES Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pag. 170.
[15] ANA PRATA (Coord) Código Civil Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2017, pag. 400
[16] O acórdão citado foi objeto de recurso de revista excecional, apreciada no Ac. STJ 08 de fevereiro de 2018, Proc. 5434/12.5TBLRA.C1.S1 acessível em www.dgsi.pt.