Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2344/16.0T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: CARTÕES ELECTRÓNICOS DE MOVIMENTAÇÃO DE FUNDOS
CONTRATO BANCÁRIO AUTÓNOMO
CARTÕES DE DÉBITO
PAGAMENTO NÃO AUTORIZADO
Nº do Documento: RP201805102344/16.0T8PNF.P1
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 134, FLS 2-22)
Área Temática: .
Sumário: I - Verificada uma situação de perda de uma carteira na qual estavam dois cartões bancários, se no dia seguinte, para evitar utilizações abusivas desse cartão o utilizador sentiu necessidade de ordenar o cancelamento de um dos cartões que era de crédito, a diligência devida por esse utilizador, impunha que relativamente ao outro cartão, que era de débito e que estava associado a uma conta com saldo disponível significante, superior a € 50.000,00, que este, à cautela, e porque era previsível a utilização deste último cartão, comunicasse também em simultâneo a perda deste e solicitasse o respectivo cancelamento.
II - Nesses casos a aferição do comportamento diligente ou negligente do titular e do utilizador do cartão no cumprimento do dever de comunicação atempada do desaparecimento do cartão, tem de ser analisado a montante e não a jusante da realização dos movimentos efetuados posteriormente por terceiro com o cartão de débito, porquanto, era também obrigação do Titular e do Utilizador do cartão comunicar à instituição bancária no dia em que cancelaram o outro cartão o desaparecimento do cartão de débito e proceder ao seu imediato cancelamento através da linha telefónica disponibilizada para o efeito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2344/16.0T8PNF.P1

Acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto:
I-RELATÓRIO
B..., S.A, veio intentar a presente acção declarativa de condenação contra: C..., e C1..., e a final pedindo sejam as Rés condenadas:
a)a reembolsar à Autora o valor de 57.685,01€;
b)bem como a indemnizar a Autora a título de juros computados à taxa comercial legal desde o dia 23/01/2016 até efectivo e integral pagamento, acrescidos de 10%.
Para fundamentar as respectivas pretensões alegou, em resumo, a outorga com as Rés de um contrato de emissão de cartão de débito, que por força do extravio do cartão de débito em causa, ocorrido na noite de 19/01/2016, foram realizadas, no dia 20/01/2016, operações de pagamento não autorizadas pela Autora, no valor global de 58.767,98 €, o qual, foi debitado na conta de depósitos à ordem a que estava associado o mesmo cartão.
A Autora alega que avisou, sem qualquer atraso (porque imediatamente após ter tido conhecimento do facto), as Rés da ocorrência de tal extravio. Do aludido montante de operações não autorizadas, apenas lograram as Rés “recuperar” de 1.072,82€, pelo que, a Autora regista uma perda de 57.685,01 €. A utilização do cartão não foi efectuada com quebra de qualquer protocolo de segurança, nomeadamente do PIN, que não estava anotado em qualquer lado, antes e exclusivamente memorizado. Alega que o cartão de débito estava assinado, pelo que, as operações só foram possíveis por negligência dos operadores comerciais que aceitaram as operações de pagamento sem se certificarem da identidade do portador do cartão. Tal como resulta do edifício legislativo e contratual aplicável e invocado, a realização deste tipo de operações, salvo actuação fraudulenta ou um incumprimento deliberado do cliente, constitui um risco inerente ao serviço (de pagamento e de depósito bancário) prestado. No caso não se configura qualquer sua actuação fraudulenta ou um incumprimento deliberado de qualquer das obrigações, nem tão pouco se pode imputar à Autora uma “negligência grave”, nomeadamente para efeitos do disposto no n.º1 do artigo 72.º do DL N.º 317/2009, de 30 de Outubro.
Contestou a 1ª Ré, concluindo ter havido negligência grave no comportamento do titular do cartão subtraído, ao não comunicar atempadamente o desapossamento daquele e, bem assim, pelo facto de não se achar assinado o cartão respectivo, o que determinou a impossibilidade de conferência de assinaturas e, assim, os levantamentos em apreço.
Contestou a 2ª Ré em sentido semelhante à primeira, mais aduzindo que, enquanto C1..., somente procede à emissão dos instrumentos de pagamento, actuando junto da marca (in casu, a VISA) em representação das Caixas. Donde o cartão de débito em apreço somente pôde ser atribuído à A. enquanto associada/cliente da C..., pelo que não lhe cabe responsabilidade alguma, tanto mais que não é parte no convocado contrato.
Concluem ambas as Rés pela respectiva absolvição.
Dispensada a audiência prévia, elaborou-se despacho saneador, no qual se aferiram positivamente a totalidade dos pressupostos processuais e se seleccionou a matéria assente e controvertida com interesse para a decisão da causa.
Teve lugar a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, nos termos que dos autos resultam, na qual as partes acordaram em que se houvesse desde logo dado por assente parte da matéria levada aos temas da prova, tendo sido ampliada a base instrutória, como resulta da acta respectiva, mantendo-se a regularidade da instância.
Oportunamente, o tribunal recorrido proferiu decisão, pela qual, julgou a acção procedente, por provada, e, em consequência, condenou as RR C... e C1...:
a)a reembolsar/satisfazer à Autora o valor de 57.685,01€ (cinquenta e sete mil, seiscentos e oitenta e cinco euros e um cêntimo);
b)acrescida aquela quantia de juros computados à taxa legal relativa às obrigações da titularidade de empresas comerciais, vencidos desde o dia 23/01/2016 até efectivo e integral pagamento, sendo-o a 2ª Ré ainda acrescida aquela taxa legal de 10%.
Inconformada, a 2ª Ré, C1..., interpôs recurso de apelação.
Inconformada, a Ré C..., interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes Conclusões:
1- No dia 8 de Abril de 2015 a sociedade Autora outorgou a “Proposta de adesão ao cartão de débito Clube A Empresa” constante dos autos, determinando a emissão de cartão de débito;
2- A essa data, a Autora era Cliente (nº .......) e Associada (.....) da ora Ré;
3- Autora detinha na ora Ré uma conta de depósito à ordem com o nº ...........
4- Como forma de obter um cartão para efetuar pagamentos a débito sobre a conta referida em 3, a Autora celebrou o contrato a que se reporta a proposta sob 1, sendo que detinha igualmente um cartão de crédito emitido pela Segunda Ré;
5- Nos termos do ponto 1.1 das “Condições Gerais” compreendidas no documento referido em 1, o “Cartão de Débito ..., adiante também designado por cartão, é emitido pela C1... (…)”, aqui Segunda Ré.
6- O cartão de débito aqui em causa tem o número ................, constituindo um meio de execução da prestação de serviços de pagamento, disponibilizado por essa Ré, através de saque na referida conta de depósito a ordem ........... aberta pela Autora junto da primeira Ré;
7- No dia 20 de Janeiro de 2016 funcionária da Autora, por instruções do legal representante daquela e pessoa autorizada a movimentar os cartões, primeiramente via telefone e depois por escrito, solicitou à Ré C... o cancelamento do cartão de crédito nº ....... (cf. Doc. nº 2 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); sendo que a comunicação escrita foi lida às 12.28m, conforme doc nº junto à petição.
8- A Autora não participou, nem verbalmente nem por escrito, no dia 20/01/2016, o desaparecimento do cartão de débito aqui em causa;
9- Na manhã de dia 22/01/2016, a funcionária da Autora D... telefonou para a Ré C..., tendo falado com o Sr. E... (Coordenador de Agência ...) solicitando de imediato o cancelamento do cartão de débito ........ e remetendo, de seguida, e-mail confirmativo da situação (cf. doc. nº 4 junto com a petição inicial, que aqui se tem como reproduzido), do qual consta, para além do mais, a solicitação de “imediata anulação” dos “movimentos anómalos verificados na nossa conta ........... do C1...”;
10- No mesmo dia 22.01, o sócio gerente da Autora participou junto da Guarda Nacional Republicana o sucedido (cf. doc. nº 5 com a petição inicial);
11- Na noite do dia 19 de Janeiro de 2016, em Londres, o administrador da Autora, F..., verificou não ter na respetiva pose/detenção uma mala (achou-se dela desapossado), dentro da qual, para além de outros itens, se contava a carteira (porta-moedas e cartões, nos quais estava incluído o cartão de débito em causa nos autos);
12- Esse cartão de débito tinha um uso muito residual no giro da empresa, sendo que o referido administrador da Autora, quando no estrangeiro, efetuava todos os pagamentos através dos cartões de crédito (e não de débito) e/ou em dinheiro
13- No dia 22 de Janeiro de 2016, a funcionária da A. D..., por volta das 09h00 detetou, através do “C2...”, no decurso da rotineira análise dos movimentos das contas bancárias, que tinham sido debitados na conta à ordem movimentos que se lhe afiguraram anómalos, porque o sócio gerente não tinha por hábito utilizar o cartão de débito no estrangeiro e porque os montantes evidenciados nos “movimentos de conta” eram de elevado montante e nada condizente com o uso – residual e esporádico- que o dito cartão de débito tinha.
14- As compras efetuadas com esse cartão ocorreram no dia 20/01/2016 (data valor), mas apenas no dia 22/01/2016 é que os respetivos débitos são movimentados na conta de depósito à ordem da Autora (cf. extrato junto como doc. nº 3 à petição, cujo teor se dá por reproduzido);
15- Alertada pelos movimentos em causa, a funcionária D... de imediato informou o administrador da Autora, F..., que só então concluiu que, ao contrário do que era sua representação mental, o cartão de débito também estaria nos objetos extraviados em Londres;
16- Foram realizadas, após a ocasião referida em 11, compras por débito na conta bancária da Autora aberta na primeira Ré e efetuadas através do cartão emitido pela segunda Ré, sem autorização, conhecimento ou aquiescência da Autora:
- Às 12h33 do dia 20/01/2016 foram debitados € 1.493,80 em resultado de uma compra efetuada na loja “G...”, em Londres (cf. doc. nº 6 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
- Às 12h45 do dia 20/01/2016 foram debitados € 3.035,13 em resultado de uma compra efetuada na loja “G...”, em Londres (cf. doc. nº 7 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
- Às 14h44 do dia 20/01/2016 foram debitados € 3.907,54 em resultado de uma compra efetuada na loja “H...”, em Londres (cf. doc. nº 8 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
- Às 14h55 do dia 20/01/2016 foram debitados € 2.589,42 em resultado de uma compra efetuada na loja “H...”, em Londres (cf. doc. nº 9 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
- Às 15h04 do dia 20/01/2016 foram debitados € 2.288,32 em resultado de uma compra efetuada na loja “H...”, em Londres (cf. doc. nº 10 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
- Às 15h11 do dia 20/01/2016 foram debitados € 2.047,45 em resultado de uma compra efetuada na loja “H...”, em Londres (cf. doc. nº 11 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
- Às 15h18 do dia 20/01/2016 foram debitados € 3.277,25 em resultado de uma compra efetuada na loja “H...”, em Londres (cf. doc. nº 12 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
- Às 15h25 do dia 20/01/2016 foram debitados € 14.184,92 em resultado de uma compra efetuada na loja “H...”, em Londres (cf. doc. nº 13 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
- Às 15h35 do dia 20/01/2016 foram debitados € 5.152,07 em resultado de uma compra efetuada na loja “H...”, em Londres (cf. doc. nº 14 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
- Às 18h29 do dia 20/01/2016 foram debitados € 3.503,64 em resultado de uma compra efetuada na loja “G...”, em Londres (cf. doc. nº 15 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
- Às 18h39 do dia 20/01/2016 foram debitados € 7.333,20 em resultado de uma compra efetuada na loja “G...”, em Londres (cf. doc. nº 16 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
- Às 19h34 do dia 20/01/2016 foram debitados € 4.683,70 em resultado de uma compra efetuada na loja “H...”, em Londres (cf. doc. nº 17 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
- Às 20h01 do dia 20/01/2016 foram debitados € 4.188,57 em resultado de uma compra efetuada na loja “H...”, em Londres (cf. doc. nº 18 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
17- Aquando da comunicação telefónica referida em 7, pelo funcionário do 1º Réu, E..., foi questionada a funcionária da A. sobre o cancelamento à cautela do cartão de débito em apreço nos autos, sendo que por esta foi referida a desnecessidade do mesmo;
18- Aquando da outorga da proposta referida em 1 foi explicado pelos funcionários da Ré a ambos os administradores da Autora, F... e G..., o modo de funcionamento, responsabilidade e utilização do cartão de débito em causa, quer para a A., quer para os utilizadores, nomeadamente que a autenticação das transações de pagamento efetuadas com o uso do cartão bancário é efetuada por um dos seguintes meios: a) o titular ou utilizador do cartão digita o código secreto (PIN) antes do TPA imprimir o talão comprovativo da transação ou b) assina o referido talão sem digitar qualquer PIN, uma vez que este impresso e no espaço destinado à assinatura c) ou digita o código secreto e assina o talão comprovativo, e que em alguns tipos de terminais de pagamento a leitura do cartão é suficiente para concretizar a operação, não sendo necessário digitar o código PIN, sendo necessária apenas a assinatura do talão, que deve corresponder com a assinatura constante do verso do cartão.
19- A assinatura aposta nos respetivos talões de compra subjacentes às operações assentes em 16 não corresponde à assinatura do titular do cartão de débito;
20- O cartão de débito utilizado não se encontrava assinado no seu verso pelo utilizador autorizado pela A.;
21- A Autora, na pessoa do Utilizador do cartão de débito em causa nos autos, nas circunstâncias de tempo, lugar e modo descritas em 11, apesar da convicção errada do administrador da Autora, tinha que agir com maior zelo, diligência e cuidado no cumprimento dos seus deveres previstos na lei e no contrato de Utilização do cartão, nomeadamente o disposto nas cláusulas 5.1, 5.2, 5.7 e 5.8 das Condições Gerais de Utilização do Cartão de Débito e artº 67º do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de outubro;
22- A Autora não cumpriu o dever de guardar e conservar diligentemente o cartão de débito em causa nos autos, baseando-se a prova de tal facto nas declarações de parte do administrador da Autora, F..., violando o disposto nas cláusulas 5.1 e 5.2 das Condições Gerais de Utilização do Cartão de Débito em causa nos autos e também o previsto na alínea a) do nº 1 do artº 67º do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de outubro, atuando com negligência;
23- Não houve qualquer zelo, diligência ou cuidado por parte da Autora e do Utilizador do cartão no apuramento do local onde se encontrava guardado o referido cartão nos três dias subsequentes ao sucedido, pois só mandou verificar se a “carteira” estava dentro do cofre e não mandou verificar se dentro da carteira se encontrava o cartão de débito em causa nos autos, atento o desapossamento de que havia sido vítima no dia 19 de Janeiro de 2016;
24- Só no dia 22 de Janeiro de 2016, após a funcionária da Autora, D. D..., ter consultado a conta de depósitos à ordem associada ao cartão em apreço e ter verificado movimentos na mesma, o administrador da Autora, F..., diligenciou no sentido de confirmar se o cartão estava no cofre;
25– Ambos os Administradores da Autora sabiam o modo de funcionamento, responsabilidade e utilização do referido cartão, quer para a Autora, quer para os utilizadores.
26– O Utilizador do cartão de débito em causa nos autos, F..., na situação descrita nos autos em que foi desapossado da mala, em Londres, encontrava-se acompanhado do outro administrador da Autora, Dr. I...
27- A conta de depósitos à ordem a que estava associado o cartão de débito em causa nos autos, aquando do ocorrido estava provida com uma quantia em dinheiro que rondava o meio milhão de euros;
28- A atuação descrita configura a mais elementar falta de cuidado, de zelo, de diligência por parte da Autora e dos seus administradores na guarda e conservação do cartão de débito propriamente dito, fisicamente dito, integrando esse comportamento negligência grave grosseira, pois não só não sabia onde guardava o cartão como não diligenciou atempadamente de saber se o mesmo estava guardado no local onde suponha estar, nem no dia do desapossamento, nem nos três dias seguintes.
29- A Autora e o Utilizador do cartão de débito não cumpriram o dever de guardar e preservar a eficácia dos dispositivos de segurança personalizados do cartão, (assinatura), previsto nas cláusulas 5.1e 5.2 das Condições Gerais de Utilização do mesmo e pela alínea a) do nº 1 e nº 2 do artº 67º do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de outubro;
30- Os movimentos em causa nos autos foram realizados com recurso a assinatura e não com introdução de PIN, como se verifica pelos documentos constantes do processo como talões de compra dados como provados na douta sentença.
31- É obrigação do Titular e do Utilizador dos cartões de débito proceder à assinatura dos mesmos assim que os cartões lhes são entregues, conforme consta das cláusulas 5.1 e 5.2 das Condições Gerais do contrato.
32- As compras em causa nos autos foram realizadas com o cartão de débito em causa nos autos, sem autorização, conhecimento ou aquiescência da Autora.
33– A assinatura dos talões de compra não coincide com a assinatura constante da ficha de cliente na ora Ré do Utilizador do cartão, conforme depoimento da testemunha E...;
34– O cartão de débito foi utilizado treze vezes, em diferentes TPAs, sempre com recurso à mesma assinatura.
35- A assinatura aposta nos respetivos talões de compra subjacentes às operações realizadas, não corresponde à assinatura do Utilizador do cartão de débito que não se encontrava aposta no seu verso;
36- O cartão de débito em causa nos autos não estava assinado no seu verso
37- Não cumpriram, quer a Autora quer o Utilizador do cartão de débito, o dever de proceder à assinatura do mesmo assim que lhe foi entregue, tal como determinado na cláusula 5.2 das Condições Gerais de Utilização do cartão e alínea a) do nº 1 e nº 2 do artº 67º do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro, pondo em causa a salvaguarda da eficácia dos dispositivos de segurança personalizados, o que aconteceu.
38- O Utilizador do cartão de débito em causa nos autos fez-se acompanhar do mesmo para o estrangeiro, sem que o tenha assinado no seu verso, como lhe é imposto pelo contrato e pela lei, sabendo perfeitamente o modo de funcionamento, responsabilidade e utilização do cartão em causa quer para a Autora quer para o Utilizador, sabendo que a conta associada ao cartão estava provida de cerca de meio milhão de euros;
39- O Utilizador do cartão em causa nos autos ao ser desapossado da mala, previu a possibilidade de a mesma ser encontrada por alguém que fizesse um uso indevido dos documentos e cartões bancários que se encontravam no seu interior, mandando cancelar o cartão de crédito da C..., e comunicando às entidades competentes para o efeito, nomeadamente no consulado português, o desapossamento da mala.
40- Só por uma grave incúria, desleixo, negligência, por parte do Utilizador do cartão este não diligenciou atempadamente no sentido de apurar se o cartão efetivamente estava guardado na carteira que se encontrava no cofre da empresa em Portugal, nem solicitou o cancelamento do cartão de débito em causa nos autos no momento em que se deu conta do desapossamento da mala.
41- Na situação em causa nos autos era previsível o facto de a mala ser encontrada e ser feito um uso abusivo por terceiros dos documentos que ai se encontravam, mormente dos cartões bancários;
42- Atento o conhecimento por parte do Utilizador do modo de funcionamento do cartão, a diligência mínima exigida no presente caso e que se impunha a qualquer bom pai de família em idênticas circunstâncias era, até simplesmente por mera cautela, diligenciar e averiguar atempadamente se o cartão de débito efetivamente estava guardado na carteira dentro do cofre da empresa em Portugal como era sua convicção e caso tal não fosse possível, cancelar, de imediato, todos os cartões bancários de que fosse titular ou Utilizador, atento o conhecimento nessa data do desapossamento da mala onde tinha guardados os cartões, independentemente da representação mental que tivesse em relação a qualquer um deles;
43- A previsibilidade da ocorrência da violação era tão evidente, que ao não diligenciar no sentido de apurar se o cartão de débito efetivamente estava guardado na carteira dentro do cofre da empresa em Portugal e ao não proceder ao cancelamento do cartão de débito em causa nos autos, agiu a Autora e o Utilizador do cartão de débito em causa nos autos com culpa grave na sua conduta, constituindo o seu comportamento negligência grave no cumprimento dos deveres a que estava obrigado.
44- Qualquer bom pai de família, em idêntica circunstância à descrita nos autos, diligenciaria, de imediato, em confirmar se o cartão de débito em causa nos autos estava efetivamente guardado na carteira que estava no cofre da empresa em Portugal, atenta a convicção do Utilizador do cartão nesse sentido e caso não conseguisse obter tal confirmação em tempo útil, de imediato, diligenciaria no sentido de cancelar o cartão de débito em causa nos autos através da linha telefónica direta disponibilizada para o efeito, cujo número de telefone consta das condições gerais de utilização do cartão de débito em causa nos autos na cláusula 5.8;
45- A Autora e o Utilizador do cartão, no que ao dever de conservação e guarda do cartão de débito em causa nos autos diz respeito, bem como no dever de salvaguarda dos dispositivos de segurança do mesmo não procedendo à sua assinatura, atuou, na sua conduta, com culpa grave, com negligência grave, pois a sua atuação é gravemente censurável, quer nos termos do contrato, quer nos termos da lei, quer à luz da conduta que é exigível a um bom pai de família em idênticas circunstâncias.
46- Com a reapreciação acima efetuada da prova gravada ficou demonstrado e provado o não cumprimento do dever de conservar e guardar o cartão em causa nos autos e do dever de preservação da eficácia e confidencialidade dos elementos de segurança do cartão em causa, (assinatura), com a não assinatura do cartão de débito em causa nos autos, impostos à Autora e ao Utilizador do cartão de débito pelo contrato de utilização do cartão de débito nas cláusulas 5.1 e 5.2 das Condições Gerais de Utilização do mesmo e pela alínea a) do nº 1 e nº 2 do artº 67º do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de outubro, e que o mesmo se deveu à atuação com culpa, à conduta negligente grave da Autora e do Utilizador do cartão na sua atuação na violação de tais deveres, cabendo a esta suportar a totalidade das perdas e prejuízos que sofreu, uma vez que foi ela a única responsável e que deu causa aos mesmos.
47– É obrigação/dever da Autora e do Utilizador do cartão de débito comunicar, sem atrasos injustificados, ao prestador de serviços de pagamento ou à entidade designada por este último, logo que deles tenha conhecimento, a perda, o roubo, a apropriação abusiva ou qualquer utilização não autorizada do instrumento de pagamento, tal como previsto na alínea b) do nº 1 do artº 67º do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro, corroborada pelo disposto na cláusula 5.7 das Condições Gerais de Utilização do cartão de débito;
48- É obrigação do Titular e Utilizador do cartão comunicar, sem atrasos injustificados, à entidade bancária a perda, roubo ou apropriação abusiva do cartão, logo que deles tenha conhecimento, independentemente de qualquer utilização não autorizada do cartão.
49– Se não cumprir essa obrigação suportará a totalidade das perdas que venha a sofrer com esse seu comportamento, sancionado nos termos legais e contratuais, de acordo com o disposto na cláusula 5.9 ii) das condições gerais de utilização do cartão em causa nos autos e artº 72º nº 3, do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro;
50- Atentas as particulares circunstâncias de tempo, lugar e modo do sucedido no caso em concreto, era obrigação da Autora e do utilizador do cartão comunicar a perda, roubo ou apropriação abusiva do mesmo logo no dia que tomou conhecimento do desapossamento da mala de que foi vitima no metro de Londres;
51- Era sua obrigação independentemente da convicção, errada como se viu, que tinha quanto ao local onde se encontrava guardado o cartão de débito em causa nos autos, atenta a previsibilidade do sucedido.
52- Não tendo diligenciado o Utilizador do cartão de saber se o cartão se encontrava no cofre da empresa, como era sua convicção e não sua certeza, sabendo do modo de funcionamento e das responsabilidades inerentes ao uso do cartão, sabendo que o mesmo não se encontrava assinado e da elevada quantia em dinheiro de que a conta à ordem associada ao cartão se achava provida, impunha-se uma maior cautela, um maior zelo, uma maior diligência por parte da Autora e do Utilizador do cartão de débito em causa, em comunicar o desaparecimento do cartão à ora Ré e proceder de imediato, ao seu cancelamento, através da linha telefónica disponibilizada para o efeito constante da cláusula 5.8 das condições gerais do contrato em apreço.
53- Tal situação não acarretaria qualquer transtorno ou prejuízo para o Utilizador do cartão de débito em causa nos autos, não ficaria privado de poder realizar compras ou pagamentos, em virtude de se fazer acompanhar do outro administrador da Autora, que segundo as declarações de ambos, é quem se faz acompanhar dos cartões bancários com os quais realizam os pagamentos necessários nas viagens de negócios que realizam, quase sempre em conjunto.
54- O funcionário da ora, Ré Sr. E..., no dia 20 de Janeiro de 2016, avisou a funcionária da Autora da previsibilidade de o cartão de débito poder vir a seu utilizado sem autorização do seu utilizador e questiono-a sobre o cancelamento “à cautela” do mesmo;
55- A funcionária da Autora foi perentória na indicação de a ora Ré não proceder ao cancelamento do cartão;
56- A negligência foi tão grave e tão grosseira no comportamento do Utilizador do cartão, face à previsibilidade de utilização abusiva do mesmo atento o ocorrido, que mesmo perante o alerta do funcionário da ora Ré, não houve a mínima diligência de, como ele próprio diz “à cautela”, cancelar o cartão de débito.
57- Atentas as particulares circunstâncias de facto ocorridas no presente caso, atento que o Utilizador do cartão apenas não se apercebeu que tivesse levado com ele tal cartão como consta de M), da douta sentença não havendo por isso uma certeza absoluta de tal facto, a aferição do comportamento diligente ou negligente da Autora no cumprimento do dever de comunicação atempada do desaparecimento do cartão, tem de ser analisado a montante e não a jusante da realização dos movimentos efetuados com o cartão dados como provados em R) da douta sentença;
58– Era obrigação da Autora e do Utilizador do cartão comunicar no dia 19 de Janeiro de 2016 à ora Ré o desaparecimento do cartão e proceder ao seu imediato cancelamento através da linha telefónica disponibilizada para o efeito.
59- A Autora não procedeu a essa comunicação nem no dia 19, nem no dia 20, nem no dia 21 de Janeiro de 2016;
60- O mero facto de o administrador da Autora não se aperceber que tivesse levado com ele tal cartão de débito, não o desresponsabiliza de no seu comportamento atuar com a diligência que lhe é exigível, para o cumprimento das suas obrigações e deveres contratuais e legais de Utilização do cartão de débito, previstos nas cláusulas 5.1, 5.2 e 5.7 das Condições Gerais de Utilização do Cartão de débito e no artº 67º do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro.
61- Só no dia 22 de Janeiro de 2016 e só após a funcionária da Autora D. D..., ter verificado os movimentos na conta bancária e deles dar conhecimento ao administrador da Autora, Sr. F..., é que a Autora comunicou à ora Ré os movimentos bancários realizados e solicitou o cancelamento do cartão de débito, bem como só nessa data foi efetuar a participação do ocorrido no dia 19 de Janeiro de 2016 em Londres, junto da GNR.
62- Até essa data, e já tinham passado três dias do desapossamento da mala, não houve a mínima diligência por parte do Utilizador do cartão de débito em causa em saber se o mesmo efetivamente estava dentro do cofre da Autora como ele pensava.
63-O desleixo, o descuido a incúria do comportamento da Autora e do Utilizador do cartão foram tão graves no presente caso que a sua conduta só pode ser classificada como uma conduta gravemente censurável, tendo atuado com negligência grave, com culpa grave em toda a situação acima descrita.
64- A previsibilidade da utilização abusiva do cartão de débito em causa nos autos era tão forte, atentas as circunstâncias do ocorrido, que se impunha à autora um comportamento diferente do realizado, atendendo ao comportamento diligente que qualquer bom pai de família na mesma situação teria.
65- A Autora agiu com negligência grave no caso dos presentes autos, correspondendo esta à chamada culpa grave que consiste na omissão dos deveres de cuidado que só uma pessoa especialmente negligente, descuidada e incauta deixaria de observar, ou seja, pressupõe um comportamento temerário, reprovado pelo mais elementar sentido de prudência, uma imprudência e temeridade inútil e indesculpável.
66- Quando a Autora, através da sua funcionária, D. D..., comunica no dia 22 de Janeiro de 2016 à ora Ré, o conhecimento dos movimentos realizados com o cartão de débito e em simultâneo solicita o cancelamento do mesmo, não há demora na comunicação do conhecimento de tais movimentos.
67- Atentas as circunstâncias particulares de tempo, lugar e modo do ocorrido no presente caso, a aferição do comportamento diligente ou negligente grave da Autora e do Utilizador do cartão de débito, da culpa e do grau de censura da sua atuação no cumprimento dos deveres de guarda, conservação e preservação da eficácia dos dispositivos de segurança personalizados (assinatura do cartão) do cartão e do dever de comunicar, sem atrasos injustificados, ao prestador de serviços de pagamento ou à entidade designada por este último, logo que deles tenha conhecimento, a perda, o roubo, a apropriação abusiva ou qualquer utilização não autorizada do instrumento de pagamento, tem de ser analisado a montante e não a jusante do conhecimento da realização dos movimentos efetuados com o cartão.
68- A ora Ré provou cabalmente, através de toda a prova documental existente no processo e pelos depoimentos das partes e das testemunhas que acima se transcreveram, que a Autora e o Utilizador do cartão não cumpriram o dever de guarda, conservação e preservação da eficácia dos dispositivos de segurança personalizados (assinatura) do cartão e o dever de comunicar, sem atrasos injustificados, ao prestador de serviços de pagamento ou à entidade designada por este último, logo que deles tenha conhecimento, a perda, o roubo, a apropriação abusiva do instrumento de pagamento, tal como previsto no artº 67º do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro, e nas cláusulas 5.1, 5.2 e 5.7 das Condições Gerais de Utilização do cartão de débito.
69- A realização dos movimentos com o cartão de débito em apreço nos presentes autos só foram possíveis devido ao incumprimento dos deveres acima mencionados o qual se ficou a dever unicamente à atuação culposa, gravemente censurável, da conduta negligente grave, grosseira da Autora e do Utilizador do cartão no presente caso, sendo-lhe exigível, à luz do que é exigível a um bom pai de família em idênticas circunstâncias, conduta diferente da realizada;
70- O comportamento assente em H: “ A autora não participou, nem verbalmente nem por escrito, no dia 20/01/2016, o desaparecimento do cartão de débito aqui em causa”, foi-o, não porque o administrador da Autora não se apercebeu que tivesse levado com ele tal cartão, mas sim porque agiu com culpa grave, com negligência grave na sua conduta ao não cumprir o dever de conservar e guardar o cartão em causa nos autos, o dever de preservação da eficácia e confidencialidade dos elementos de segurança do cartão em causa, (assinatura), com a não assinatura do cartão de débito em causa nos autos, bem como o dever de comunicar, sem atrasos injustificados, ao prestador de serviços de pagamento ou à entidade designada por este último, logo que deles tenha conhecimento, a perda, o roubo, a apropriação abusiva do instrumento de pagamento;
71- O facto constante em M) da douta sentença de ser dado como não provado, atendendo às declarações de parte dos administradores da autora e ao depoimento das testemunhas D. D... e Sr. E..., e à prova documental existente no processo, nomeadamente os talões de compra e a participação efetuada junto da GNR no dia 22/01/2016;
72- Não houve qualquer falha do sistema informático da ora Ré relativo à utilização do cartão em causa nos autos, nem qualquer falha técnica por parte da Ré durante as operações realizadas com o referido cartão, tendo a ora Ré prestado um serviço eficaz e seguro relativo ao cartão em causa nos autos, como aliás é seu dever, de acordo com o disposto no artº 68º do RSP, não lhe podendo ser imputada qualquer culpa ou responsabilidade no sucedido.
73- No presente caso não era de aplicar o disposto na cláusula 5.4 das Condições Gerais de Utilização do cartão, pela ora Ré, atento o transmitido, perentoriamente, pela D. D... ao Sr. E... quanto ao não proceder ao cancelamento do cartão de débito.
74- A instituição bancária não pode cancelar os cartões bancários sem receber instruções dos clientes nesse sentido, sob pena de ser responsabilizada por tal facto se daí advierem prejuízos ou perdas para os clientes, a não ser que tenha motivos objetivamente fundamentados para tal, como consta da cláusula acima mencionada.
75-O que não era o caso dos presentes autos, pois face à questão de cancelamento do cartão que o funcionário da ora Ré colocou à funcionária da Autora, esta perentoriamente lhe disse que aquele cartão não era para cancelar.
76- Não existia qualquer motivo objetivamente fundamentado para a ora Ré, por si, cancelar o cartão.
77- A fraude informática a verificar-se no presente caso só foi possível atento o comportamento culposo grave da Autora, pelo que só ela é responsável pelas perdas que sofreu, tal como disposto na cláusula 5.9 ii) das Condições Gerais de Utilização do Cartão de Débito e no nº 3 do artº 72 do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro.
78- Estando cabalmente demonstrada a culpa grave e exclusiva da Autora com a sua conduta negligente grave na ocorrência do sucedido, cabe a esta suportar a totalidade das perdas e prejuízos que sofreu, uma vez que foi ela a única responsável e que deu causa aos mesmos, tal como disposto na cláusula 5.9 ii) das Condições Gerais de Utilização do Cartão de Débito e no nº 3 do artº 72 do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro.
79- Não há aqui qualquer repartição de culpas entre a Autora e as Rés, mormente a ora Ré, no ocorrido nos presentes autos, pois só à culpa grave da Autora na sua conduta se deveu o ocorrido, pelo que não há também qualquer repartição da responsabilidade pelos prejuízos ou perdas sofridas pela Autora, cabendo a esta suportá-las na sua totalidade, como previsto nas disposições contratuais e legais acima mencionadas.
80- Não cabe à ora Ré suportar o risco do sistema informático que sustenta o serviço não ser seguro e permitir a intromissão de terceiros, arcando com os prejuízos ou perdas da Autora decorrentes das operações de pagamento não autorizadas, as realizadas com o cartão em causa nos autos, uma vez que conseguiu agora a ora Ré provar que as mesmas só aconteceram por culpa grave, negligência grave da Autora na sua conduta em toda a sua atuação no presente caso, como supra exposto.
81- O que afasta por completo qualquer responsabilidade da ora Ré assumir o risco pelos prejuízos decorrentes das operações não autorizadas dos presentes autos antes da sua notificação à ora Ré.
82- Tendo agora a ora Ré conseguido provar, como acima explanou, que as operações de pagamento não autorizadas em causa nos autos resultaram exclusivamente da culpa grave, da negligência grave da Autora e do Utilizador do cartão de débito em causa nos autos, no incumprimento dos seus deveres de guarda, conservação e preservação da eficácia e confidencialidade dos elementos de segurança do cartão em causa (assinatura) ao não assinar o cartão, e no incumprimento do dever de comunicação de perda, roubo ou apropriação abusiva do cartão, logo que dele teve conhecimento, atenta a previsibilidade das mesmas pautada pelo que é exigível a um bom pai de família, cabe à Autora suportar a totalidade das perdas que sofreu, tal como disposto na cláusula 5.9 ii) das Condições Gerais de Utilização do Cartão de Débito e no nº 3 do artº 72 do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro.
83- No caso em apreço estão em causa um contrato de abertura de conta e um contrato de utilização de cartão de débito a ela associado.
84- Daqui resulta que a par da lei, a fonte de direitos e obrigações emergentes da relação banco/cliente reside nas cláusulas contratuais gerais que regem a prática bancária e às quais os clientes aderem no contrato de abertura de conta.
85- Delas resultando direitos e obrigações quer para o cliente quer para o banco, estando na situação dos autos em causa uma relação entre uma instituição bancária (as Rés) e o seu cliente (a Autora), regulável pelo Dec. Lei nº 298/92, de 31/12 e sucessivas alterações legais, e que o contrato de depósito subjacente a esta relação constitui um mútuo, sendo-lhe por isso aplicável o disposto nos artsº 1205º e 1206º do CCivil e artº 407º do CComercial.
86- O contrato de utilização de cartão de débito em causa nos autos tem um conjunto de condições gerais de utilização que regulam o seu funcionamento e regem as relações entre o cliente e a instituição bancária quanto a tal utilização, no caso do dos autos e com interesse para os mesmos, as Clausulas 5.1, 5.2, 5.7, 5.8 e 5.9.
87- É aplicável também no presente caso o disposto no Dec. Lei 317/2009, de 30 de Outubro, (RSP), nomeadamente o disposto nos artº 2 alínea z), artº 67º, artº 68º e artº 72º quanto aos instrumentos de pagamento, deveres e obrigações que devem ser observados pelo cliente e pela instituição bancária quanto à sua utilização e responsabilidades inerentes ao seu uso.
88- A responsabilidade contratual é apreciada nos termos do disposto no nº 2 do artº 799º do CCivil e do nº 2 do artº 487º do mesmo diploma legal.
89- Estas as normas contratuais e legais aplicáveis ao caso em concreto.
90– Remete-se para tudo quanto acima se explanou, relativamente ao cumprimento dos direitos, deveres e obrigações quer do cliente, a Autora, quer da instituição bancária, a ora Ré e responsabilidades inerentes, no que aos presentes autos diz respeito
91– A Autora, com o seu comportamento, não cumpriu, com culpa grave, por ter atuado com negligência grave na sua conduta, com os seus deveres de guarda, conservação e preservação da eficácia e confidencialidade dos elementos de segurança do cartão em causa (assinatura) ao não assinar o cartão e com o dever de comunicação de perda, roubo ou apropriação abusiva do cartão, logo que dele teve conhecimento, violando com o seu comportamento o previsto nas cláusulas 5.1,5.2, 5.7 e 5.8 das Condições Gerais de Utilização do Cartão de débito em causa nos autos e no artº 67º do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro, sendo responsável pela totalidade das perdas e prejuízos que sofreu que só foram possíveis em face sua conduta, atenta a previsibilidade das mesmas pautada pelo que é exigível a um bom pai de família, devendo suportar a totalidade das mesmas, tal como disposto na cláusula 5.9 ii) das Condições Gerais de Utilização do Cartão de débito em causa nos autos e no nº 3 do artº 72º do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro.
92- Atentos os factos ocorridos nos autos, é esta a interpretação e aplicação que deve ser feita das referidas normas contratuais e legais aos factos em concreto, ou seja, devem as mesmas ser interpretadas e aplicadas no sentido de terem sido violadas pela Autora atenta a sua conduta culposa grave, tendo atuado com negligência grave no cumprimento dos seus deveres contratuais e legais, o que leva a que a mesma seja responsável pela totalidade das perdas e prejuízos que sofreu, atenta a previsibilidade dos mesmos pautada pelo que é exigível a um bom pai de família, devendo suportar a totalidade dos mesmos, devendo, por conseguinte, ser a ora Ré absolvida de todo o pedido.
93- Não foi esta a interpretação e aplicação que o Tribunal a quo fez das normas contratuais e legais referidas aos factos ocorridos no presente caso.
94- Mal andou o Tribunal a quo ao analisar os factos dos presentes autos e ao aplicar as normas contratuais e legais acima referidas aos mesmos, interpretando-as e aplicando-as erradamente aos factos, considerando que as mesmas, atento o comportamento da Autora, não foram violadas por esta, facto pelo qual condenou as Rés, mormente a ora Ré, na presente ação.
95- É de aplicar ao presente caso o disposto nas cláusulas 5.1, 5.2, 5.7, 5.8 e 5.9 ii) das Condições Gerais de Utilização do Cartão de débito em causa nos autos e nos artº 67º, 68º e nº 3 do artº 72º do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro, com a interpretação que lhes foi dada conforme supra explanado, e desse modo ser a ora Ré absolvida de todo o pedido.
Termina pedindo a revogação da sentença e absolvição da Ré de todo o pedido formulado na PI.
Foram apresentadas contra-alegações, e, no essencial, a autora recorrida pugna pela rejeição do recurso sobre a matéria de facto, por omissão de indicação nas conclusões dos concretos dos meios de prova, ou, pela inutilidade de apreciação desse recurso e pugna pela manutenção da decisão recorrida.
Os autos foram distribuídos neste Tribunal da Relação a 29-06-2017, posteriormente foram redistribuídos a novo Relator que ordenou a remessa dos autos à 1ª instância para aí ser suprida a falta de apreciação de um dos recursos que tinha sido interposto, concretamente, o recurso interposto pela C1..., o qual, foi rejeitado por intempestividade.
Os autos foram de novo remetidos a este Tribunal da Relação.
Foram colhidos os vistos legais e o processo foi inscrito em tabela tendo o julgamento sido adiado.
Entretanto, foi apresentado pela C1... requerimento de adesão ao recurso interposto pela C....
Esse requerimento de adesão ao recurso não foi admitido.
Cumpre decidir.
II- DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações recursórias apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões decidendas:
1. Da admissibilidade do recurso sobre a Matéria De Facto
2. Do alegado erro de julgamento na matéria de facto.
3. Do Mérito do Recurso, concretamente, apurar se as Rés devem ser responsabilidades pelo reembolso das quantias debitadas na conta da autora/ titular de cartão de débito em consequência de operações não autorizadas (quer pela titular, quer pelo utilizador autorizado a movimentar a conta da pessoa colectiva).
III- FUNDAMENTAÇÃO.
3.1-
Na primeira instância foram julgados provados e não provados os seguintes factos e foi motivada a decisão sobre a questão –de-facto, pela forma que aqui reproduzimos, sendo que, relativamente à motivação, a reprodução que adiante será feita exclui as considerações teóricas e genéricas aí feitas relativamente aos meios de prova que foram apreciados em concreto, atenta a extensão das mesmas:
A)No dia 8 de Abril de 2015 a sociedade Autora outorgou a “Proposta de adesão ao cartão de Débito ...” consubstanciada no documento por ela junto como n.º 1 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, ainda e decisivamente no que interessam às condições gerais ali estabelecidas/constantes, proposta esta que foi aceite, determinando a emissão de cartão de débito.
B)A essa data, a Autora era Cliente (n.º .......) e Associada (......) da Ré C... – doravante C....
C)A Autora detinha na C... uma conta de depósito à ordem com o n.º ............
D)Como forma de obter um cartão para efectuar pagamentos a débito sobre a conta referida em C), a Autora celebrou o contrato a que se reporta a proposta sob A), sendo que detinha igualmente um cartão de crédito emitido pelas Rés.
E)Nos termos do ponto 1.1 das “Condições Gerais” compreendidas no documento referido em A), o “Cartão de Débito ..., adiante também designado por cartão, é emitido pela C1... (…)”, aqui Segunda Ré.
F)O cartão de débito aqui em causa tem o número ................, constituindo um meio de execução da prestação de serviços de pagamento, disponibilizado por essa Ré, através de saque na referida conta de depósito a ordem ........... aberta pela Autora junto da primeira Ré.
G)No dia 20 de Janeiro de 2016 funcionária da Autora, por instruções do legal representante daquela e pessoa autorizada a movimentar os cartões, primeiramente via telefone e depois por escrito, solicitou à Ré C... o cancelamento do cartão de crédito n.º ....... (cf. doc. n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
H)A Autora não participou, nem verbalmente nem por escrito, no dia 20/01/2016, o desaparecimento do cartão de débito aqui em causa.
I)Na manhã de dia 22/01/2016, a funcionária da Autora D... telefonou para a Ré C..., tendo falado com o Sr. E... (Coordenador de Agência ...) solicitando de imediato o cancelamento do cartão de débito ........ e remetendo, de seguida, e-mail confirmativo da situação (cf. doc. nº 4 junto com a petição inicial, que aqui se tem como reproduzido), do qual consta, para além do mais, a solicitação de “imediata anulação” dos “movimentos anómalos verificados na nossa conta ........... do C1...”.
J)No mesmo dia 22.01, o sócio gerente da Autora participou junto da Guarda Nacional Republicana o sucedido (cf. doc. n.º 5 com a petição inicial).
L)Na noite do dia 19 de Janeiro de 2016, em Londres, o administrador da Autora, F..., verificou não ter na respectiva posse/detenção uma mala (achou-se dela desapossado), dentro da qual, para além de outros itens, se contava a carteira (porta-moedas e cartões).
M)O comportamento assente em H) foi-o porquanto o referido administrador da Autora não se apercebeu que tivesse levado com ele tal cartão.
N)Esse cartão de débito tinha um uso muito residual no giro da empresa, sendo que o referido administrador da Autora, quando no estrangeiro, efectuava todos os pagamentos através dos cartões de crédito (e não de débito) e / ou em dinheiro.
O)No dia 22 de Janeiro de 2016, a funcionária da A. D..., por volta das 09h00 detectou, através do “C2...”, no decurso da rotineira análise dos movimentos das contas bancárias, que tinham sido debitados na conta à ordem movimentos que se lhe afiguraram anómalos, porque o sócio gerente não tinha por hábito utilizar o cartão de débito no estrangeiro e porque os montantes evidenciados nos “movimentos de conta” eram de elevado montante e nada condizente com o uso – residual e esporádico – que o dito cartão de débito tinha.
P)As compras efectuadas com esse cartão ocorreram no dia 20/01/2016 (data valor), mas apenas no dia 22/01/2016 é que os respectivos débitos são movimentados na conta de depósito à ordem da Autora (cf. extracto junto como doc. n.º 3 à petição, cujo teor se dá por reproduzido).
Q)Alertada pelos movimentos em causa, a funcionária D... de imediato informou o administrador da Autora, F..., que só então concluiu que, ao contrário do que era a sua representação mental, o cartão de débito também estaria nos objectos extraviados em Londres.
R)Foram realizadas, após a ocasião referida em L), compras por débito na conta bancária da Autora aberta na primeira Ré e efectuadas através do cartão emitido pela segunda Ré, sem autorização, conhecimento ou aquiescência da Autora:
- Às 12h33 do dia 20/01/2016 foram debitados € 1.493,80 em resultado de uma compra efectuada na loja “G...”, em Londres (cf. doc. n.º 6 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
-Às 12h45 do dia 20/01/2016 foram debitados € 3.035,13 em resultado de uma compra efectuada na loja “G...”, em Londres (cf. doc. n.º 7 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
-Às 14h44 do dia 20/01/2016 foram debitados € 3.907,54 em resultado de uma compra efectuada na loja “H...”, em Londres (cf. doc. n.º 8 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
-Às 14h55 do dia 20/01/2016 foram debitados € 2.589,42 em resultado de uma compra efectuada na loja “H...”, em Londres (cf. doc. n.º 9 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
-Às 15h04 do dia 20/01/2016 foram debitados € 2.288,32 em resultado de uma compra efectuada na loja “H...”, em Londres (cf. doc. n.º 10 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
-Às 15h11 do dia 20/01/2016 foram debitados € 2.047,45 em resultado de uma compra efectuada na loja “H...”, em Londres (cf. doc. n.º 11 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
-Às 15h18 do dia 20/01/2016 foram debitados € 3.277,25 em resultado de uma compra efectuada na loja “H...”, em Londres (cf. doc. n.º 12 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
-Às 15h25 do dia 20/01/2016 foram debitados € 14.184,92 em resultado de uma compra efectuada na loja “H...”, em Londres (cf. doc. n.º 13 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
-Às 15h35 do dia 20/01/2016 foram debitados € 5.152,07 em resultado de uma compra efectuada na loja “H...”, em Londres (cf. doc. n.º 14 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
-Às 18h29 do dia 20/01/2016 foram debitados € 3.503,64 em resultado de uma compra efectuada na loja “G...”, em Londres (cf. doc. n.º 15 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
-Às 18h39 do dia 20/01/2016 foram debitados € 7.333,20 em resultado de uma compra efectuada na loja “G...”, em Londres (cf. doc. n.º 16 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
-Às 19h34 do dia 20/01/2016 foram debitados € 4.683,70 em resultado de uma compra efectuada na loja “H...”, em Londres (cf. doc. n.º 17 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
-Às 20h01 do dia 20/01/2016 foram debitados € 4.188,57 em resultado de uma compra efectuada na loja “H...”, em Londres (cf. doc. n.º 18 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
S)Aquando da comunicação telefónica assente em G), pelo funcionário do 1º Réu, E..., foi questionada a funcionária da A. sobre o cancelamento à cautela do cartão de débito em apreço nos autos, sendo que por esta foi referida a desnecessidade do mesmo.
T)Aquando da outorga da proposta referida em A) foi explicado pelos funcionários da Ré a ambos os administradores da Autora, F... e I..., o modo de funcionamento, responsabilidade e utilização do cartão de débito em causa, quer para a A., quer para os utilizadores, nomeadamente que a autenticação das transacções de pagamento efectuadas com o uso do cartão bancário é efectuada por um dos seguintes meios: a) o titular ou utilizador do cartão digita o código secreto (PIN) antes do TPA imprimir o talão comprovativo da transacção ou b) assina o referido talão sem digitar qualquer PIN, uma vez que este impresso e no espaço destinado à assinatura c) ou digita o código secreto e assina o talão comprovativo, e que em alguns tipos de terminais de pagamento a leitura do cartão é suficiente para concretizar a operação, não sendo necessário digitar o código PIN, sendo necessária apenas a assinatura do talão, que deve corresponder com a assinatura constante do verso do cartão.
2.Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa não se provou que:
1)Nas circunstâncias de tempo, lugar e modo assentes em L) o sócio gerente da Autora foi desapossado, mediante furto, da mala ali referida;
2)A assinatura aposta nos respectivos talões de compra subjacentes às operações assentes em R) não corresponde à assinatura do titular do cartão de débito que se encontrava aposta no seu verso.
3)O cartão de débito utilizado não se encontrava assinado no seu verso pelo utilizador autorizado pela A.;
4)Os administradores da A., mormente aquele a quem estava atribuído o cartão em apreço nos autos, estavam convencidos de que a movimentação do cartão/ a autenticação das transacções de pagamento com o uso do cartão em causa apenas podia sê-lo mediante a introdução do PIN.
3.Convicção do tribunal
«Fundou-se na posição (acordo) das partes em sede de início da audiência de julgamento, nos termos da acta respectiva, quanto à existência, data, montante, local da compra e ocasião do movimento a débito na conta respectiva, quanto às operações realizadas com o cartão em apreço, sendo certo que sempre o teor da documentação referida em sede de matéria assente permitiria adquirir aqueles factos…
Tiveram-se presentes as declarações de parte dos administradores da Autora quanto às circunstâncias de tempo, lugar e modo em que a mala na posse do administrador F... deixou de o estar [em termos de o uso abusivo do cartão não ser suficiente à conclusão pelo furto da mala, por poder estar em causa, de acordo com juízos de normalidade e regras e experiência, o mero achamento desta, sendo que o relatado pelos intervenientes vem a ser apenas a percepção de ter cessado a posse/detenção da mala, que não também o modo como aconteceu…]. Mais se atendeu àquelas declarações, como ao depoimento da testemunha D..., funcionária da Autora, no que importa já ao convencimento pelo titular do cartão, o administrador da A. F..., de que o mesmo não se encontrava na mala desaparecida e ao uso normal daquele, nos termos assentes sob N) (os alegados pela A., de resto), como ainda às circunstâncias de tempo, lugar e modo em que se deu o conhecimento pela A. dos movimentos realizados em Inglaterra, em termos de resultar também que os movimentos o foram sem a autorização e contra a vontade da A…
(…)
No caso, desde logo, as declarações de parte quanto às circunstâncias do “desaparecimento” da mala portada pelo administrador F..., como bem assim quanto à convicção (e justificação desta) por ele de não estar entre os objectos nela guardados o cartão em causa nos autos e, decisivamente, quanto à ocasião e modo como tomou conhecimento do uso abusivo do cartão, foram coincidentes, pontuadas por elementos espontâneos de credibilização (assim a aflição a ponto de paralisar o administrador F...) e corroboradas perifericamente pelo depoimento da funcionária da empresa/da Autora, D..., pelo que foram atendidas, no que se constituía como o cerne dos autos, sem prejuízo do que se dirá infra quanto á comunicação e conhecimento das condições de uso do cartão…
Atendeu-se já aos depoimentos coincidentes (com discrepâncias irrelevantes ou inócuas) da referida funcionária da A., D..., e do funcionário da Ré, E..., quanto ao provado sob S), posto que confirmando ambos aquela menção pelo funcionário bancário, como ainda a resposta pela funcionária, da desnecessidade de cancelar o cartão em apreço…
O depoimento do funcionário da 1ª Ré, já aludido, directamente interveniente na subscrição do cartão em causa, teve-se por bastante, atenta mesmo a forma como depôs (ao circunstanciar das razões donde emergiu a necessidade de explicitar a possibilidade de movimentação do cartão de débito e o modo como o fez), a provar o facto sob T) e a infirmar aquele sob o ponto 3) dos não provados. Sempre, pese embora o esforço em sentido contrário pelo administrador titular do cartão em causa nos autos ao menos, as declarações de parte mesmas dos administradores da Autora não deixaram de indiciar/confirmar o conhecimento por si das condições de uso do cartão e a possibilidade verificada de movimentação mediante assinatura do talão respectivo…
Finalmente, se é manifesto, pela confrontação simples e empírica das assinaturas respectivas, que a assinatura aposta nos talões respeitantes às aquisições de produtos pagas/satisfeitas mediante o uso do cartão em apreço não corresponde à assinatura do administrador da A. autorizado a movimentá-lo como constante da proposta de adesão ao cartão em causa, mais emergindo não ser dele, pela totalidade da prova a propósito produzida, tal facto não demonstra, com a certeza necessária (que vem a ser a de uma probabilidade muito qualificada), que o cartão não estivesse assinado; por não estar excluído, em termos, novamente, de juízos de normalidade e regras da experiência comum, que, assinado embora o cartão, a conferência de assinaturas não tivesse sido feita pelos funcionários dos estabelecimentos onde foram feitas as aquisições mediante o uso do cartão ou ainda uma adulteração/apagamento e falsificação da assinatura do cartão aposta efectivamente… Imprestável também, nessa sede, a alusão pelo funcionário da 1ª Ré a uma conversa telefónica com o administrador da A. que não era o titular do cartão em causa, na qual aquele admitia genericamente que “não assinavam cartões nenhuns” e a referência bem assim à entrega pela Autora de outros cartões não assinados, decisivamente por não ter resultado que o comportamento de ausência de assinatura o fosse pelo titular respectivo, o administrador F... … Nessa parte, pois, apenas suspeita ou possibilidade, tão razoável como a contrária, de assinatura, a partir das declarações de parte e depoimento da funcionária da Autora, D..., a reportar um comportamento verosímil de entrega e assinatura imediata dos cartões logo que recebidos…
A referida inconcludência ou insuficiência afirmou-se, pois, mediante a impossibilidade de formulação de juízos de inferência ou dedução [sobre a controvérsia ainda existente sobre o tipo de operação mental ou argumentação subjacente à prova indiciária, se dedutivo ou indutivo, cfr., v.g., Nueva Teoria de La Prueba, Bogotá, 1997, págs. 58-59 (o qual conclui que na maioria dos casos a inferência indiciária é uma inferência analógica, isto é, uma dedução, embora apoiada numa inferência indutiva prévia) e Adalberto Camargo Aranha, Da Prova no Processo Penal, 4ª ed., S. Paulo, 1996, págs. 183-184], posto que não se impondo estes com a certeza bastante, por via das regras da experiência comum ou normalidade das situações da vida, a partir dos raros/escassos factos quanto aos quais produzida, efectivamente, prova. Assim apenas: a não autoria da assinatura dos talões pelo titular autorizado do cartão e a dissemelhança manifesta com os termos daquela. É que ressalvada a confissão dos factos, sempre não verificada, a natureza da prova a relevar nos autos (excluída ainda a integrada pelos juízos subjectivos das testemunhas, inúteis ou imprestáveis) é a de prova indiciária, isto é, apenas podia resultar de um juízo de inferência dos demais factos objectivos dados como provados, sendo certo que tal juízo de inferência não se basta com uma possibilidade simples, antes exige uma probabilidade muito qualificada, a qual se entende, no caso, não resultar da totalidade dos factos apurados»
Importa agora apreciar a primeira questão colocada.
3.2 Do Recurso sobre a Matéria de Facto.
Nesta parte, cabe desde já assinalar que nas 95º conclusões recursórias a recorrente apenas impugna o facto provado vertido na al. M), mais concretamente na conclusão nº 71, e aí indica os meios de prova que no seu entender implicam que esse facto seja eliminado, sendo que, nas alegações recursórias a recorrente indica com pormenor as passagens da gravação feitas relativamente ao depoimento de parte do administrador da autora, às declarações de parte de outro administrador da autora e relativamente aos depoimentos das testemunhas que indica nessa conclusão.
Como é sabido, ao ónus que impende sobre a Recorrente na interposição de qualquer recurso de apresentar a sua alegação na qual deve concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, a que se reporta o art. 639º do CPC, acresce o ónus previsto no art. 640º, do CPC estabelecido especificamente para os casos em que seja impugnada a decisão proferida pelas instâncias sobre a matéria de facto.
E não obstante não se ignorar que o Supremo Tribunal de Justiça entende que para o cumprimento do ónus consagrado no art.640º do CPC é suficiente que o Recorrente inclua nas conclusões das alegações, de forma sintética, os pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, desde que remeta para o conteúdo das suas alegações o desenvolvimento de tal matéria, verificamos que no caso a recorrente nas conclusões não indica qualquer outro segmento da decisão de facto como sendo objecto de impugnação.
Destarte, porque as conclusões servem para delimitar o objecto do recurso, devendo nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, entendemos que no presente recurso sobre a decisão de facto o único facto que é impugnado é aquele vertido na al. M) dos Factos Provados.
Acresce ainda que, analisando a decisão de facto recorrida esta não contém factualidade que releva para a decisão da causa e que foi alegada, concretamente, os factos alegados nos artigos 21º e 27 º da petição inicial, (o cartão de débito estava nos objectos extraviados em Londres), o facto alegado no artigo 62º da contestação da 1ª Ré (o valor total levantado (€ 57685,01) sem autorização da conta da conta da autora, mediante pagamentos não autorizados, estava dentro do limite do saldo disponível), e ainda não se pronuncia (isto é, não contém) sobre os concretos factos que determinaram que o juiz a quo tenha afirmado na al R) dos Factos Provados o seguinte: “Foram realizadas, após a ocasião referida em L), compras (que a seguir são indicadas) por débito na conta bancária da Autora aberta na primeira Ré e efectuadas através do cartão emitido pela segunda Ré, sem autorização, conhecimento ou aquiescência da Autora”.
Destarte, ao abrigo do artigo 662º, nº2, al. c) do CPC, a contrario, se e na medida em que os meios de prova constantes dos autos, permitam a este Tribunal da Relação pronunciar-se sobre a factualidade referida no parágrafo que antecede, oficiosamente será alterada por aditamento a factualidade fixada na primeira instância.
Posto isto, avancemos.
Assim este tribunal da Relação procedeu à audição do depoimento de parte do administrador da Autora, F..., à audição das declarações de parte do administrador I... e ainda à audição integral dos depoimentos das testemunhas D. D..., funcionária da autora que relatou que no dia 20, da parte de manhã, o sr F... telefonou a comunicar que tinha “sido desapossado da carteira” e que lhe perguntou se estava na empresa a carteira ou porta documentos que está sempre na empresa tendo a testemunha respondido, após confirmação, que a carteira estava na empresa, afirmando a testemunha que não lhe foi pedido para ver se na carteira “estava isto ou aqueloutro”. Relatou que o sr F... a seguir pediu apenas para cancelar o cartão de crédito, apesar da testemunha ter perguntado se queria cancelar o cartão de débito e o dos outros bancos, confirmou o facto vertido em g), relatou que telefonou para o banco, que falou com o Sr E... e que pediu a este para cancelar o cartão de crédito, que este lhe perguntou se não achava melhor cancelar o cartão de débito e que a testemunha respondeu que não. Mais confirmou o facto relatado na al. I).
Ouvimos também o depoimento do funcionário da Ré, E..., que, no essencial confirmou que atendeu o telefonema feita pela testemunha D..., que perguntou a esta se não queria cancelar o cartão de débito e confirmou o facto vertido na al. I).
Quanto ao depoimento de parte do administrador F... e quanto à audição das declarações de parte do administrador I..., no essencial, resultou para nós que o Administrador da autora, F... levou para Londres o cartão de débito, que este cartão se encontrava no interior da carteira da qual aquele foi desapossado no momento do afirmado desapossamento, que o cartão de débito foi usado em Londres através da aposição de uma assinatura nos talões de compra que não corresponde à assinatura do utilizador que consta do contrato de emissão de cartão de débito e que a conta de depósitos à ordem a que estava associado o cartão de débito em causa nos autos, estava provida com uma quantia em dinheiro elevada, a qual, rondava o meio milhão de euros de euros, facto, que permite a este tribunal reforçar os deveres de guarda, preservação que oneram o utilizador do cartão, isto é, o saldo existente na conta de débito associada ao cartão era pelo menos de cerca de meio milhão de euros.
Reapreciamos estes meios de prova juntamente com a análise da cópia do contrato de utilização de cartão de débito, cópia de consulta de movimentos de conta, cópia do auto de denúncia feita pela autora e com os talões de compra juntos aos autos com a petição inicial.
E da apreciação conjugada desses meios de prova, no que concerne à alegação contida no artigo 19º da petição, a qual foi vertida na al. M) dos factos provados, formamos convicção distinta, porquanto, para nós não resultou a convicção segura sobre a veracidade desse facto.
Efectivamente, não resultou para nós que um administrador de uma sociedade anónima minimamente esclarecido e experiente, como nos pareceu ser o Sr F..., só se tenha apercebido que o cartão de débito estava no interior da carteira “da qual foi desapossado” 3 dias depois desse desapossamento. Este entendimento é reforçado se atentamos que este administrador apenas relatou que no dia 20 telefonou para a empresa e pediu à sua funcionária D... para verificar se estava na empresa apenas a carteira, sendo certo que, porque esta funcionária desconhecia o que estava no interior da carteira, o lógico e o que era exigível era que pedisse à funcionária para esta ver se no interior da carteira estava o cartão de débito. Este facto por si, acompanhado do facto da funcionária ter dito que ignorava o que estava no interior da interior da carteira e que não lhe foi pedido para averiguar se o cartão de débito estava no interior da carteira, não revelam nada sobre o alegado convencimento do administrador Sr F.... Acresce que não é conforme com o comportamento de um administrador medianamente diligente, que em face das circunstancias apuradas, isto é, perda de cartão de débito associado a uma conta cujo saldo ascendia a pelo menos meio milhão de euros, só tenha comunicado ao banco a perda do cartão de débito, após ter regressado a Portugal e após ter tido conhecimento , através da sua funcionária, dos pagamentos lançados a débito na conta da autora, sendo que, as circunstâncias exigiam que a comunicação ao banco tivesse sido feito em simultâneo com a comunicação do extravio do cartão de crédito.
Assim, quanto ao facto vertido na al. M) dos factos provados formamos convicção distinta.
Da reavaliação dos meios de prova convocados e reapreciados este Tribunal da Relação apenas se convenceu que o Administrador da autora, F... levou para Londres o cartão de débito, que este cartão se encontrava no interior da carteira da qual aquele foi desapossado no momento do afirmado desapossamento, que o cartão de débito foi usado em Londres através da aposição de uma assinatura nos talões de compra que não corresponde à assinatura do utilizador que consta do contrato de emissão de cartão de débito.
Efectivamente, este Tribunal não ficou convencido que a omissão da comunicação de cancelamento desse cartão de débito se deveu a um convencimento por parte do administrador de que não tinha levado esse cartão para Londres
E como referimos, a reapreciação dos meios de prova convocados convenceu-nos ainda que efectivamente nos talões das compras feitas com o cartão de débito a que alude a al. R) está aposta assinatura que não corresponde à assinatura do administrador da Autora autorizado a movimentá-lo como constante da proposta de adesão ao cartão em causa, o que, de resto, a sentença recorrida afirma na convicção sem contudo ter feito verter esse facto no elenco dos factos julgados como provados. Mais nos convencemos que o saldo disponível existente na conta de depósitos associada ao cartão de débito era superior ao valor total das compras a que alude a alínea R), no montante total de € 57.685,01.
Em face do exposto, concluímos pela procedência do recurso da decisão de facto, eliminando a redacção da alínea M) dos Factos Provados, a qual, passa a ser a seguinte, por força do aditamento oficioso aos factos provados dos seguintes factos e aditamos aos factos provados dois factos que passam constar das alíneas U) e V):
M) O Administrador da autora, F... levou para Londres o cartão de débito, o qual, se encontrava no interior da carteira da qual aquele foi desapossado.
U) Nos talões das compras feitas com o cartão de débito a que alude a al. R) está aposta assinatura que não corresponde à assinatura do administrador da Autora autorizado a movimentá-lo como constante da proposta de adesão ao cartão em causa.
V)- O saldo disponível existente na conta de depósitos associada ao cartão de débito era superior ao valor total das compras a que alude a alínea R), no montante total de € 57.685,01.
X) Por outro lado, ao abrigo do nº 4 do artigo 607º do CPC, aplicável, ex vi, art. 663º nº2, CPC, e com fundamento no documento nº1 junto à petição inicial, não impugnado, julgamos provado que o cartão de débito foi emitido pela 2ª Ré a pedido da Autora, sendo que nesse documento constam as Condições Gerais de Utilização do Cartão de Débito ..., ficando a 2ª Ré autorizada a proceder ao débito na conta da autora indicada, conforme proposta de adesão de fls 17 e seguintes.
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3.3- Do Mérito da Decisão recorrida.
Alterada que foi a decisão de facto, urge agora apreciar e decidir sobre o enquadramento jurídico que merece a factualidade apurada e se se impõe o acolhimento ou a alteração da decisão recorrida.
Compulsados os autos, constatamos que o litígio se prende com a temática relativa aos cartões electrónicos de movimentação de fundos, concretamente, operações de pagamento (no caso trata-se de levantamentos) com cartão de débito não autorizadas, sendo que o cartão de débito está naturalmente associado a uma conta bancária e depende dum contrato especifico, destinado à sua emissão.
O regime aplicável às operações de pagamento é um regime especifico previsto no RJSPME, inicialmente aprovado pelo Decreto – lei nº 317/2009, de 30-10 que transpôs para o ordenamento jurídico português a Directiva dos Serviços de Pagamento (Directiva nº 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13-11, ou, abreviadamente “DSP”. Posteriormente, esse regime foi actualizado com a transposição da Directiva nº 2009/110/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16-09, e a versão mais actualizada do RJSPME consta do Anexo ao DL nº 242/2012, de 7-11.
E como é sabido, a Directiva (EU) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25-11 -2015 (“DSPII”) revoga a DSP anterior, com efeitos a partir de 13-01-2018. Todavia, o quadro jurídico da DSP que está em vigor apenas sofre alterações pontuais.
Conforme é assinalado na sentença recorrida, a qual, nesta parte não foi objecto de discordância, entre as partes foi celebrado, primeiro, um contrato de abertura de conta bancária [associado a um contrato de depósito],que, como é afirmado pela doutrina, é o negócio bancário, por excelência, que “marca o início duma relação bancária duradoura e complexa entre o banqueiro e o seu cliente e traça o quadro básico entre essas duas entidades”. (para mais pormenores veja-se Meneses Cordeiro, Manual de Direito Bancário, Coimbra 1998, pags. 457 e seguintes.)
Trata-se, pois, de um "contrato normativo, uma vez que regula toda uma actividade jurídica ulterior, ainda que facultativa" (Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 4ª ed., 510), sendo com esse contrato que se inicia aquela relação jurídica complexa entre banco e cliente, em que assentam os diferentes contratos celebrados posteriormente entre eles. Contratos estes, associados à conta, mas autónomos, com carácter necessário (por ex., a conta-corrente bancária), usual ou normal (por ex., o depósito) ou meramente eventual (por ex., convenção de cheque, cartão bancário).
E no caso, como evidenciam os factos provados, foi celebrado também entre a autora e o banco réu um contrato de depósito (cfr. DL 430/91, de 2/11).
O contrato de depósito tem sido entendido, como refere a sentença recorrida, citando doutrina e jurisprudência, como um depósito irregular, ou como um mútuo (fundamentalmente, com a ideia base de que existe aquisição da propriedade do valor depositado pelo Banco e obrigação de pagamento de juros; cfr., por todos, Paula Camanho, ob. cit., pags. 167-210; RL 24/07/1968, Miguel Caeiro, BMJ 179-205).
Todavia, como decorre da posição assumida por Meneses Cordeiro, in Manual de Direito Bancário, Coimbra 1998, pag. 480), nem essa conclusão é líquida, desde logo porque ele "não constitui uma figura de contornos precisos e fixos, perfeitamente recortável e contrastável com outros negócios correntes do comércio jurídico", não podendo, em todo o caso, por determinante, esquecer-se a sua existência social (havendo pois que chamar à colação "o fenómeno da tipicidade social dos contratos, quer esta constitua, em concreto, a antecâmara duma tipificação legal - como sucedeu com o contrato de agência -, quer exista uma opção legislativa pela não regulamentação de um contrato socialmente típico" - M. Januário Gomes, Apontamentos Sobre o Contrato de Agência, Tribuna da Justiça, nº 3, Abril-Maio, 1990, pags. 12 e 21), que o faz reger-se "pelas cláusulas estipuladas pelas partes, desde que lícitas, e pela disciplina própria do tipo social, isto é, por aquelas normas ou critérios já assentes na prática negocial, na jurisprudência e na doutrina para regular o tipo contratual em causa, umas e outros desde que respeitem os preceitos gerais de carácter injuntivo".
E da factualidade apurada resulta também que entre a Autora e a 1ª Ré, após a celebração do contrato de abertura de conta foi celebrado também um contrato de utilização de um cartão de débito, pelo qual, a instituição bancária e a autora estabeleceram as condições gerais de utilização de um cartão de débito, vulgarmente designado como contrato de utilização, e é um contrato unilateralmente redigido, contendo um conjunto de cláusulas estipuladas de antemão e impressas num formulário que é apresentado ao cliente do banco apenas para sua assinatura, estando- lhe vedada qualquer possibilidade de negociação do conteúdo contratual, rigidez do clausulado esta caracterizadora das cláusulas contratuais gerais.
Trata-se de um contrato bancário autónomo que permite a movimentação de fundos, através do qual uma instituição bancária e o titular de uma conta bancária acordam a movimentação da mesma de “cartões de plástico”. Cfr. Maria Raquel Guimarães, As transferências eletrónicas de fundos, cit., p. 13. Assim, a emissão de um cartão de débito depende da aceitação, pelo banqueiro, duma proposta de adesão constante dum impresso normalizado, subscrito pelo cliente, e é sempre associado a uma conta deste.
Os cartões de débito apresentam-se como cartões de pagamento imediato, que operam uma mobilização das disponibilidades monetárias do titular através do acesso directo à sua conta bancária.
Tratando-se de um meio de utilização pessoal, só o titular ou a pessoa a quem o confia (exceptuada a utilização abusiva) pode movimentar legitimamente a conta a ele associada.
O cartão de débito está associado a uma conta de depósito à ordem e permite levantar dinheiro, fazer pagamentos e realizar transferências bancárias, entre outras operações. Quando o cartão é utilizado, a conta de depósito associada é debitada pelo valor correspondente, o que significa que esse valor é subtraído de imediato ao saldo da conta à ordem. O cartão, enquanto meio/instrumento de pagamento, representa uma ordem de pagamento à vista expedida sobre fundos da conta do cliente.
No caso as compras efectuadas com o cartão de débito da autora ocorreram no dia 20-01-2016.
Assim, porque os factos ocorreram depois da entrada em vigor do DL nº 317/2009, de 30/10 [alterado e republicado pelo DL 242/2012, de 07/11), aplica-se o regime aí vertido.
Este diploma veio a consagrar um regime (transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13/11) que é claro em fazer recair sobre o banco o ónus de provar que as operações de pagamento (como as transferências bancárias) não autorizadas não decorreram de qualquer avaria técnica da operação, o ónus de provar que houve culpa do seu cliente e o grau de contribuição para os prejuízos sofridos, fazendo incidir sobre este o risco e a responsabilidade pelos danos potenciados pela fragilidade do sistema que comercializa.
Esta responsabilização justifica-se na medida em que a disponibilização de serviços de movimentação da conta – o serviço caixa directa – vem de encontro não só às necessidades do cliente, mas também do próprio banco que vê transferida para os seus clientes a execução de actos que antes eram os seus próprios funcionários que executavam, dispensando assim a intervenção destes, diminuindo custos.
Do referido regime (RSP) decorre que o prestador do serviço de pagamento tem a obrigação de assegurar que os dispositivos de segurança personalizados do instrumento de pagamento só sejam acessíveis ao utilizador de serviços de pagamento que tenha direito a utilizar o referido instrumento – art. 68º, nº 1, al. a).
E o artigo 68.º, do RJSPME, relativo às Obrigações do prestador de serviços de pagamento associadas aos instrumentos de pagamento dispõe:
1 - O prestador de serviços de pagamento que emite um instrumento de pagamento tem as seguintes obrigações:
a) Assegurar que os dispositivos de segurança personalizados do instrumento de pagamento só sejam acessíveis ao utilizador de serviços de pagamento que tenha direito a utilizar o referido instrumento, sem prejuízo das obrigações do utilizador do serviço de pagamento estabelecidas no artigo anterior;
b) Abster-se de enviar instrumentos de pagamento não solicitados, salvo quando um instrumento deste tipo já entregue ao utilizador de serviços de pagamento deva ser substituído;
c) Garantir a disponibilidade, a todo o momento, de meios adequados para permitir ao utilizador de serviços de pagamento proceder à notificação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior ou solicitar o desbloqueio nos termos do n.º 4 do artigo 66.º;
d) O prestador do serviço de pagamento deve facultar ao utilizador do serviço de pagamento, a pedido deste, os meios necessários para fazer prova, durante 18 meses após a notificação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior, de que efetuou essa notificação; e
e) Impedir qualquer utilização do instrumento de pagamento logo que a notificação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior tenha sido efetuada.
2 - O risco do envio ao ordenante de um instrumento de pagamento ou dos respetivos dispositivos de segurança personalizados corre por conta do prestador do serviço de pagamento.
Por seu turno, nos termos do art. 67º, nº1, o utilizador de serviços de pagamento com direito a utilizar um instrumento de pagamento tem a obrigação de:
a) Utilizar o instrumento de pagamento de acordo com as condições que regem a sua emissão e utilização; e
b) Comunicar, sem atrasos injustificados, ao prestador de serviços de pagamento, logo que deles tenha conhecimento, a apropriação abusiva ou qualquer utilização não autorizada do instrumento de pagamento.
Para efeitos da alínea a), o utilizador de serviços de pagamento deve tomar todas as medidas razoáveis, em especial ao receber um instrumento de pagamento, para preservar a eficácia dos seus dispositivos de segurança personalizados – nº 2.
Dispõe ainda o art. 70º:
1. Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, ou alegue que a operação não foi correctamente efectuada, incumbe ao respectivo prestador do serviço de pagamento fornecer prova de que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afectada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência.
2. Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, a utilização do instrumento de pagamento registada pelo prestador de serviços de pagamento, por si só, não é necessariamente suficiente para provar que a operação de pagamento foi autorizada pelo ordenante, que este último agiu de forma fraudulenta ou que não cumpriu, deliberadamente ou por negligência grave, uma ou mais das suas obrigações decorrentes do artigo 67.º
Compreende-se este regime: por um lado, só o prestador do serviço de pagamentos, também fornecedor deste serviço, pode assegurar a operacionalidade do complexo sistema informático utilizado e a regularidade do seu funcionamento, garantindo também a confidencialidade dos dispositivos de segurança que permitem aceder ao instrumento de pagamento.
Resulta das boas regras de conduta impostas por lei aos bancos (arts. 73º a 75º do RGICSF) que "os serviços de pagamento presenciais ou electrónicos prestados aos seus clientes, deve ser, não só de qualidade e eficiente, mas também serviço seguro…".
"Ao prestador dos serviços bancários cabe, pois, por lei assegurar a qualidade e segurança do sistema que permita movimentar a conta apenas a quem tem legitimidade, depositando, levantando ou transferindo fundos. O risco de funcionamento deficiente ou inseguro do sistema de prestação de serviços de pagamento ou transferência localiza-se, portanto, na esfera do seu prestador, a quem incumbe a responsabilidade por operações não autorizadas pelo cliente nem devidas a causa imputável ao cliente".V. Calvão da Silva, Direito Bancário, 348
Daí que recaiam sobre o banco prestador do serviço o risco das falhas e do deficiente funcionamento do sistema, impendendo ainda sobre este o ónus da prova de que a operação de pagamento não foi afectada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência.
Por outro lado, o utilizador do serviço de pagamento tem de dispor de um conjunto de dispositivos de segurança (código de acesso, cartão matriz, etc.) que lhe vão permitir aceder a esse serviço.
Esses dispositivos de segurança personalizados têm uma função de autenticação – art. 2º, al. t) do RSP – permitindo identificar o utilizador e verificar se este é efectivamente o cliente que contratou o serviço de pagamento e visam evitar que terceiros consigam aceder, fraudulentamente, através do sistema, à conta do cliente utilizador do serviço de pagamento, logrando apropriar-se de fundos aí existentes.
A «Autenticação» é um procedimento que permite ao prestador de serviços de pagamento verificar a utilização de um instrumento de pagamento específico, designadamente os dispositivos de segurança personalizados- artigo 2º,al. v) do citado decreto – lei.
Exige-se, por isso, ao utilizador que tome todas as medidas razoáveis em ordem a preservar a eficácia desses dispositivos de segurança personalizados.
Assim, para o utilizador, assume especial importância a obrigação de utilizar o instrumento de pagamento de acordo com as condições que regem a sua emissão e utilização e comunicar, atempadamente, a perda, roubo ou apropriação abusiva ou qualquer utilização não autorizada do instrumento de pagamento, impondo-se-lhe que tome todas as medidas razoáveis, para preservar a eficácia dos dispositivos de segurança personalizados do instrumento de pagamento, conforme o citado artigo 68. E ao prestador de serviços impõe-se que assegure que os dispositivos de segurança personalizados do instrumento de pagamento só sejam acessíveis ao utilizador.
Nos casos em que ocorrem situações de operações de pagamento não autorizadas, resultantes da apropriação abusiva de instrumento de pagamento, com quebra da confidencialidade dos dispositivos de segurança personalizados, coloca-se a questão de saber quem deve ser responsabilizado pelas perdas daí resultantes.
A este respeito, decorre do disposto no art. 72º do RSP:
- se a situação (quebra da confidencialidade daqueles dispositivos de segurança) é imputável ao utilizador, ordenante, este suporta as perdas relativas a essas operações de pagamento dentro do limite do saldo disponível atá ao máximo de € 150 (nº 1);
- se as perdas forem devidas a actuação fraudulenta ou ao incumprimento deliberado de obrigações previstas no art. 67º, não é considerado o referido limite máximo, suportando o ordenante todas as perdas resultantes dessas operações (nº 2);
- havendo negligência grave do ordenante, este suporta as perdas resultantes das referidas operações até ao limite do saldo disponível da conta, ainda que superiores a € 150 (nº 3).
Após ter procedido à notificação do art. 67º, nº 1, al. b) (comunicação ao banco da apropriação abusiva do instrumento de pagamento) o ordenante não suporta quaisquer perdas, salvo em caso de actuação fraudulenta (nº 4).
No caso, importa salientar estes factos:
“G) No dia 20 de Janeiro de 2016 a funcionária da Autora, por instruções do legal representante daquela e pessoa autorizada a movimentar os cartões, primeiramente via telefone e depois por escrito, solicitou à Ré C... o cancelamento do cartão de crédito n.º ....... (cf. doc. n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
H) A Autora não participou, nem verbalmente nem por escrito, no dia 20/01/2016, o desaparecimento do cartão de débito aqui em causa.
I) Na manhã de dia 22/01/2016, a funcionária da Autora D... telefonou para a Ré C..., tendo falado com o Sr. E... (Coordenador de Agência ...) solicitando de imediato o cancelamento do cartão de débito ........ e remetendo, de seguida, e-mail confirmativo da situação (cf. doc. nº 4 junto com a petição inicial, que aqui se tem como reproduzido), do qual consta, para além do mais, a solicitação de “imediata anulação” dos “movimentos anómalos verificados na nossa conta ........... do C1...”.
J) No mesmo dia 22.01, o sócio gerente da Autora participou junto da Guarda Nacional Republicana o sucedido (cf. doc. n.º 5 com a petição inicial).
L) Na noite do dia 19 de Janeiro de 2016, em Londres, o administrador da Autora, F..., verificou não ter na respectiva posse/detenção uma mala (achou-se dela desapossado), dentro da qual, para além de outros itens, se contava a carteira (porta-moedas e cartões).
M) O Administrador da autora, F... levou para Londres o cartão de débito, o qual, se encontrava no interior da carteira da qual aquele foi desapossado no momento do afirmado desapossamento.
N) Esse cartão de débito tinha um uso muito residual no giro da empresa, sendo que o referido administrador da Autora, quando no estrangeiro, efectuava todos os pagamentos através dos cartões de crédito (e não de débito) e / ou em dinheiro.
O) No dia 22 de Janeiro de 2016, a funcionária da A. D..., por volta das 09h00 detectou, através do “C2...”, no decurso da rotineira análise dos movimentos das contas bancárias, que tinham sido debitados na conta à ordem movimentos que se lhe afiguraram anómalos, porque o sócio gerente não tinha por hábito utilizar o cartão de débito no estrangeiro e porque os montantes evidenciados nos “movimentos de conta” eram de elevado montante e nada condizente com o uso – residual e esporádico – que o dito cartão de débito tinha.
P) As compras efectuadas com esse cartão ocorreram no dia 20/01/2016 (data valor), mas apenas no dia 22/01/2016 é que os respectivos débitos são movimentados na conta de depósito à ordem da Autora (cf. extracto junto como doc. n.º 3 à petição, cujo teor se dá por reproduzido).
Q) Alertada pelos movimentos em causa, a funcionária D... de imediato informou o administrador da Autora, F..., que só então concluiu que, ao contrário do que era a sua representação mental, o cartão de débito também estaria nos objectos extraviados em Londres.
R) Foram realizadas, após a ocasião referida em L), compras por débito na conta bancária da Autora aberta na primeira Ré e efectuadas através do cartão emitido pela segunda Ré, sem autorização, conhecimento ou aquiescência da Autora:
S) Aquando da comunicação telefónica assente em G), pelo funcionário do 1º Réu, E..., foi questionada a funcionária da A. sobre o cancelamento à cautela do cartão de débito em apreço nos autos, sendo que por esta foi referida a desnecessidade do mesmo.
T) Aquando da outorga da proposta referida em A) foi explicado pelos funcionários da Ré a ambos os administradores da Autora, F... e I..., o modo de funcionamento, responsabilidade e utilização do cartão de débito em causa, quer para a A., quer para os utilizadores, nomeadamente que a autenticação das transacções de pagamento efectuadas com o uso do cartão bancário é efectuada por um dos seguintes meios: a) o titular ou utilizador do cartão digita o código secreto (PIN) antes do TPA imprimir o talão comprovativo da transacção ou b) assina o referido talão sem digitar qualquer PIN, uma vez que este impresso e no espaço destinado à assinatura c) ou digita o código secreto e assina o talão comprovativo, e que em alguns tipos de terminais de pagamento a leitura do cartão é suficiente para concretizar a operação, não sendo necessário digitar o código PIN, sendo necessária apenas a assinatura do talão, que deve corresponder com a assinatura constante do verso do cartão.
U) Nos talões das compras feitas com o cartão de débito a que alude a al. R) está aposta assinatura que não corresponde à assinatura do administrador da Autora autorizado a movimentá-lo como constante da proposta de adesão ao cartão em causa”.
V)- O saldo disponível existente na conta de depósitos associada ao cartão de débito era superior ao valor total das compras a que alude a alínea R), no montante total de € 57685,01.
Resulta da factualidade apurada não resulta que a autora violou o dever de confidencialidade dos dispositivos de segurança (pin) nem que o cartão de débito não estava assinado pelo utilizador que está identificado na proposta de adesão ao contrato de utilização do cartão de débito.
No essencial, da factualidade apurada resulta que a verdadeira questão que se coloca é decidir se existiu atraso injustificado na comunicação de extravio do cartão ao banco, mais concretamente a partir de que momento se pode afirmar que houve da parte da Autora atraso injustificado na comunicação de extravio do cartão de débito ao banco, atento o disposto no artigo 67º, 1, al. c) do DL nº 317/2009.
Acresce que no item 2 dos factos não provados o tribunal recorrido julgou não provada a versão da autora constante da petição inicial e no item 3 dos Factos Não Provados julgou não provada a versão da ré dos factos.
Como vimos, sobre essa questão, a qual, a sentença recorrida entendeu também ser o cerne da questão “o tribunal da 1ª instância”, no essencial, acolheu o seguinte entendimento:
«Na situação decidenda, adiante-se, deve a 2ª Ré, enquanto entidade outorgante no contrato e emitente do cartão, ser condenada a suportar a totalidade das perdas (e os juros reclamados), porque não conseguiu provar que houve um comportamento do cliente revelador de menor cuidado relativamente aos seus deveres de preservação da eficácia e confidencialidade dos elementos de segurança do cartão em causa (assim PIN e assinatura), nem também o incumprimento do seu dever de informação, logo que tomado conhecimento do uso fraudulento. E, não conseguindo a entidade bancária provar que o cliente fez uma utilização imprudente do serviço, nem que divulgou as suas credenciais a terceiros, ou, ao não assinar o cartão, facilitou o uso de assinatura falsa, nem também que incumpriu o dever de comunicar o uso por terceiro, logo que dele se apercebeu ou tomou conhecimento, sobre ela impende, nos termos expostos, o risco do uso fraudulento ou indevido em apreço…
É que, por outro lado, nem a lei, nem o clausulado contratual já aludido sancionam a cognoscibilidade da perda, furto ou desaparecimento do cartão, sendo certo que na situação decidenda, como emerge da matéria de facto, razoável a convicção pelo utilizador de que o cartão em apreço não estava entre aqueles de que se achou desapossado. Por isso que não se tem o respectivo comportamento como integrando negligência grave ou grosseira ao não cancelar “à cautela” o cartão em apreço.

Quanto à primeira Ré.
Não sendo parte no contrato de concessão do cartão em apreço, quanto a ela caberá convocar a exposição supra quanto à natureza e obrigações emergentes do contrato de depósito/abertura de conta. Sempre ausentes as condições gerais
Atenta a caracterização supra como mútuo, já se chamou a resolver situações como a ora em apreço o art. 796º do CC (ex vi do referido art. 1144º do mesmo Código). Assim é que o princípio geral no nosso sistema jurídico em matéria de risco é que res suo perit.
Através do acto de depósito o tradens aceita transferir para a esfera de domínio (propriedade) do accipiens o risco sobre a gestão da quantia que transferiu, sendo que a partir desse momento se alheia da responsabilidade quanto ao uso e fruição, por transferência para a esfera de responsabilidade do depositário. Cabe ao depositário, enquanto proprietário da coisa transferida responder pelo risco de extravio ou dissipação da coisa até ao montante exigível no momento da solicitação da restituição.
O depósito caracteriza-se, pois, por dois elementos essenciais: a entrega material ou electrónica pelo depositante de uma quantia em dinheiro ao banco depositário, o qual passa a ser assim titular da propriedade e risco das disponibilidades monetárias depositadas e, reversamente, a restituição de igual quantia nos termos acordados, usualmente acrescida dos juros.
Também Menezes Cordeiro, loc. cit., não deixa de assinalar que “O risco do que possa suceder na conta do cliente, quando não haja culpa deste, cabe ao banqueiro”.
Donde as possíveis abordagens referenciadas remeter-nos-ão para resultados finais idênticos, quando não por via da consideração da transferência do domínio da coisa e, consequentemente, da transferência do risco, por via da obrigação de restituição no mesmo género e qualidade, que, em qualquer das consideradas abordagens impende sobre o banco, por aplicação das regras do mútuo, e quando não ilida aquele a legal presunção de culpa, nos termos dos artigos 540º, 796º, n.º 1, 799º, n.º 1, 1144º, 1185º, 1205º e 1206º, e 1161º, alínea e), todos do Código Civil.
Também Maria Raquel Guimarães, As transferências Electrónicas de Fundos e os Cartões de Crédito, cit, pág. 233, defende que sempre que o banco debite na conta do seu cliente uma determinada quantia sem a autorização deste último, o seu cliente manter-se-á credor do montante debitado. E este princípio vale não só para os montantes debitados em virtude de erro do sistema ou de uma qualquer anomalia técnica, mas também para aquelas situações de actuação fraudulenta de um terceiro, sempre que essa actuação não seja imputável a acto ou a omissão do cliente do banco.
A instituição bancária não pode liberar-se da sua obrigação de restituição dos fundos "depositados" se a ordem de pagamento emana de um terceiro. O cumprimento feito a terceiro não extingue a obrigação do credor nos termos da nossa lei civil. Donde, apesar das ordens de pagamento dadas através de um terminal electrónico por um terceiro terem a aparência do direito de crédito do "depositante", cabe salientar a irrelevância atribuída pelo legislador português ao cumprimento efectuado ao credor aparente, com a consequente possibilidade de o solvens repetir a prestação, estando, assim, obrigado a efectuar nova prestação perante o verdadeiro credor.
De todo o modo, inexiste quanto ao 1º Réu fundamento para a condenação no acréscimo previsto no contrato de cartão em apreço (ao qual é alheio) e na lei que regula os serviços de pagamento.
Apenas e só fundamento para a condenação nos juros legais da titularidade das empresas comerciais desde a data da comunicação da pretensão de restituição dos montantes indevidamente debitados, 22.01.2016 (cfr. alínea I) e documento n.º 4 junto com a petição inicial, para o qual ali se remete…».
Quid iuris?
Da factualidade apurada não resulta que a autora violou o dever de confidencialidade dos dispositivos de segurança (pin) nem que o cartão de débito não estava assinado pelo utilizador que está identificado na proposta de adesão ao contrato de utilização do cartão de débito, conforme resulta dos itens 2 e 3 dos factos não provados, sendo certo que a 1ª Ré aceita no artigo 54º da respectiva contestação que os pagamentos feitos com o cartão de débito da autora não foram feitos com a introdução do pin.
Da factualidade apurada resulta desde logo que as Rés lograram demonstrar a correcta autenticação e registo das operações de pagamento, bem como a integridade dos seus sistemas e procedimentos técnicos, apesar de não se ter logrado provar que o cartão de débito não estava assinado.
Mais. No caso ignora-se se os operadores comerciais foram ou não descuidados no que concerne ao ónus que os onera de averiguar se a assinatura aposta nos talões de compra corresponde ou não à assinatura do utilizador aposta no contrato de utilização de cartão de crédito, o que, no caso não releva para a decisão a proferir, como adiante explicaremos.
E perante as particulares circunstâncias de facto ocorridas no presente caso, concretamente:
- “desapossamento” no dia 19-01-2016 da carteira onde se encontrava o cartão de débito;
- desconhecimento por parte do utilizador do cartão que tinha o cartão de débito no interior da referida carteira que levava consigo em Londres;
- o facto da conta associada ao cartão de débito estar provida com quantia não concretamente apurada mas que cobria o valor de € 57.685,01;
- desleixo por parte do Utilizador do cartão de débito na parte em que não comunica no dia 20-01-2016 às autoridades competentes, nomeadamente no consulado português, o desapossamento da mala, e na parte em que não pede nesse dia o cancelamento do cartão de débito, limitando-se a perguntar à sua funcionária em Portugal para verificar se no cofre da empresa estava uma carteira;
- desleixo da autora, na parte em que a sua funcionária, apesar de ter sido alertada pelo funcionário da 1ª Ré para cancelar à cautela o cartão de débito, não sentiu qualquer necessidade de cancelar o cartão de débito;
- desleixo da autora na parte em que, além de não ter procurado saber nos dias 19, 20 e 21 se o cartão de débito estava no local onde supunha estar, não diligenciou pelo respectivo cancelamento nesses dias;
- resulta para nós, acolhendo-se aqui a argumentação das alegações de recurso da recorrente, que a aferição do comportamento diligente ou negligente da Autora no cumprimento do dever de comunicação atempada do desaparecimento do cartão, tem de ser analisado a montante e não a jusante da realização dos movimentos efetuados com o cartão dados como provados em R) da sentença recorrida, porquanto, era obrigação da Autora e do Utilizador do cartão comunicar no dia 19 de Janeiro de 2016 à ora Recorrente o desaparecimento do cartão e proceder ao seu imediato cancelamento através da linha telefónica disponibilizada para o efeito.
A Autora não procedeu a essa comunicação nem no dia 19, nem no dia 20, nem no dia 21 de Janeiro de 2016;
O mero facto de o administrador da Autora não se aperceber que tinha levado consigo para Londres o tal cartão de débito, não o desresponsabiliza de no seu comportamento posterior não ter actuado com a diligência que lhe é exigível, para o cumprimento das suas obrigações e deveres contratuais e legais de Utilização do cartão de débito, previstos nas cláusulas 5.1, 5.2 e 5.7 das Condições Gerais de Utilização do Cartão de débito e no artº 67º do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro.
Só no dia 22 de Janeiro de 2016, após a funcionária da Autora D. D... ter verificado os movimentos na conta bancária e deles dar conhecimento ao administrador da Autora, Sr. F..., é que a Autora comunicou à ora recorrente- 1ºRé os movimentos bancários realizados e solicitou o cancelamento do cartão de débito, bem como, só nessa data foi efetuar junto da GNR, a participação do ocorrido em Londres no dia 19 de Janeiro de 2016.
Até essa data, e já tinham passado três dias do desapossamento da mala, não houve a mínima diligência por parte do Utilizador do cartão de débito em causa em saber se o mesmo efetivamente estava dentro do cofre da Autora como ele pensava, o que revela negligência grave deste, entendimento que sai reforçado se atentarmos no facto de que apesar de ter sido alertada pelo funcionário da 1ª Ré para cancelar à cautela o cartão de débito, a autora não o fez nos dias 19, 20 e 21 e para o facto de a conta associada ao cartão estar provida com saldo disponível que cobria a quantia total a que ascenderam os pagamentos não autorizados.
A previsibilidade da utilização abusiva do cartão de débito em causa nos autos era tão forte, atentas as circunstâncias do ocorrido, que se impunha à autora um comportamento diferente do realizado, atendendo ao comportamento diligente que qualquer bom pai de família na mesma situação teria, nomeadamente, a Autora, tinha o ónus de comunicar o “desapossamento” do cartão de débito e pedir o respectivo cancelamento no momento em que solicitou o cancelamento do cartão de crédito, isto é, no dia 20-01-2016, conforme alíneas G) e H) e cópia de email de fls 20-verso, impondo-se aqui, assinalar que o momento para se aferir o afirmado atraso na comunicação do “desapossamento” do cartão de débito deve ser aferido, atentas as circunstâncias concretas do caso, a partir do momento em que se tornou previsível para o homem médio, colocado na posição da autora, prever a utilização abusiva do cartão de débito em causa nos autos.
A Autora agiu com negligência grave no caso dos presentes autos, correspondendo esta à chamada culpa grave que consiste na omissão dos deveres de cuidado que só uma pessoa especialmente negligente, descuidada e incauta deixaria de observar, ou seja, pressupõe um comportamento temerário, reprovado pelo mais elementar sentido de prudência, uma imprudência e temeridade inútil e indesculpável.
Efectivamente, afigura-se-nos que a recorrente – 1ª Ré- recorrente demonstrou que a Autora e o Utilizador do cartão não cumpriram o dever de guarda do cartão nem o dever de comunicar, sem atrasos injustificados, ao prestador de serviços de pagamento ou à entidade designada por este último, logo que deles tenha conhecimento, a perda, o roubo, a apropriação abusiva do instrumento de pagamento, tal como previsto no artº 67º do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro, e nas cláusulas 5.1, 5.2 e 5.7 das Condições Gerais de Utilização do cartão de débito.
A realização dos movimentos com o cartão de débito em apreço nos presentes autos ficaram a dever-se à atuação culposa, gravemente negligente e grosseira da Autora e do Utilizador do cartão no presente caso, incumprindo os deveres acima mencionados.
À luz do que é exigível a um bom pai de família em idênticas circunstâncias, era exigível à Autora e ao Utilizador do cartão de débito, conduta diferente da realizada
A Autora, com o seu comportamento, não cumpriu, por ter atuado com negligência grave, os seus deveres de guarda, conservação e o dever de comunicação de perda, roubo ou apropriação abusiva do cartão, logo que dele teve conhecimento, violando com o seu comportamento o previsto nas cláusulas 5.1, 5.2, 5.7 e 5.8 das Condições Gerais de Utilização do Cartão de débito em causa nos autos e no artº 67º do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro, sendo responsável pela totalidade das perdas e prejuízos que sofreu que só foram possíveis em face sua conduta, atenta a previsibilidade das mesmas pautada pelo que é exigível a um bom pai de família, devendo suportar a totalidade das mesmas, tal como disposto na cláusula 5.9 ii) das Condições Gerais de Utilização do Cartão de débito em causa nos autos e no nº 3 do artº 72º do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro.
Resulta para nós que a autora é responsável pela totalidade das perdas e prejuízos que sofreu, atenta a previsibilidade dos mesmos pautada pelo que é exigível a um bom pai de família, devendo suportar a totalidade dos mesmos, devendo, por conseguinte, serem as Rés absolvidas de todo o pedido.
Por último, sempre se dirá, que a lei - art. 563º do C. Civil - no que tange à problemática da causalidade adequada e para os casos em que a obrigação de indemnização procede de facto ilícito culposo, quer se trate de responsabilidade extracontratual, quer contratual - consagrou a formulação negativa de Enneccerus-Lehman segundo a qual, o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo.
Ademais, "Esta doutrina não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado. Nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite: não só a ocorrência de outros possíveis factos condicionantes, contemporâneos ou não; como admite ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano." (cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 07.04.2005 e 13.03.2008 in dgsi.pt, ps. 05B294 e 08A369).

Em face das considerações expostas, concluímos pela revogação da sentença recorrida e, assim, com base na conduta da autora, que, de forma negligente e grave violou os seus deveres de guarda, conservação e o dever de comunicação de perda do cartão de débito, entendemos que as operações de pagamento não autorizadas não podem ser imputadas às Rés, incluindo aquela cujo recurso foi rejeitado.
Efectivamente, apesar de ter sido rejeitada a adesão pela 2ª Ré ao recurso da 1ª Ré, entendemos, ao abrigo do disposto na alínea c) do nº2 do artigo 634º do CPC, que o recurso interposto e por nós apreciado aproveita à 2ª Ré não recorrente.
Estabelece a alínea c) do nº2 do artigo 634º do CPC:
“ Fora dos casos de litisconsórcio necessário, o recurso interposto aproveita ainda aos outros: c)- Se tiverem sido condenados como devedores solidários, a não ser que o recurso, pelos seus fundamentos, respeite unicamente à pessoa do recorrente”.
Ora, como resulta da sentença recorrida, o tribunal recorrido justificou a condenação solidária da segunda Ré, nos seguintes termos:
“Em causa, nestes autos, a observância pelo utilizador dos deveres de preservar a eficácia dos dispositivos de segurança personalizados, mediante a assinatura do cartão (cfr. condição 5.7, com referência a 5.1 e 5.2) e de comunicar a perda/furto do cartão logo que conhecida (novamente 5.7).
Na situação decidenda, adiante-se, deve a 2ª Ré, enquanto entidade outorgante no contrato e emitente do cartão, ser condenada a suportar a totalidade das perdas (e os juros reclamados), porque não conseguiu provar que houve um comportamento do cliente revelador de menor cuidado relativamente aos seus deveres de preservação da eficácia e confidencialidade dos elementos de segurança do cartão em causa (assim PIN e assinatura), nem também o incumprimento do seu dever de informação, logo que tomado conhecimento do uso fraudulento. E, não conseguindo a entidade bancária provar que o cliente fez uma utilização imprudente do serviço, nem que divulgou as suas credenciais a terceiros, ou, ao não assinar o cartão, facilitou o uso de assinatura falsa, nem também que incumpriu o dever de comunicar o uso por terceiro, logo que dele se apercebeu ou tomou conhecimento, sobre ela impende, nos termos expostos, o risco do uso fraudulento ou indevido em apreço…
É que, por outro lado, nem a lei, nem o clausulado contratual já aludido sancionam a cognoscibilidade da perda, furto ou desaparecimento do cartão, sendo certo que na situação decidenda, como emerge da matéria de facto, razoável a convicção pelo utilizador de que o cartão em apreço não estava entre aqueles de que se achou desapossado. Por isso que não se tem o respectivo comportamento como integrando negligência grave ou grosseira ao não cancelar “à cautela” o cartão em apreço.
(…)
Já se adiantou entender-se que, não obstante a defesa pela 2ª Ré, e como melhor emerge dos termos do contrato mesmo, é com aquela, na qualidade de emitente (e independentemente do relacionamento entre aquela e as demais Caixas, obviamente que com distintas personalidades jurídicas, o que desde logo justifica a demanda de ambas) que foi outorgado o contrato, pelo que é ela o prestador do serviço de pagamento, com a responsabilidade legal que acaba de desenhar-se…Cfr., de resto, 2.6 da condições gerais de utilização do cartão de débito em causa, em que a qualidade de associado de uma das Caixas integradas no C3... é apenas um pressuposto de aceitação do contrato pela C1....
Por seu turno, sob as cláusulas 5.9 a 5.12 das condições contratuais gerais, devidamente identificada a 2ª Ré, outorgante, emitente, prestadora do serviço, como “responsável” nas situações como a decidenda e sempre ausente da totalidade do contrato e respectivas condições gerais qualquer referência a uma actuação enquanto mera representante… É certo que a conta cuja movimentação é feita mediante o cartão em apreço está sediada mediante contrato celebrado com a 1ª Ré, mas essa possibilidade de movimentação depende já do especial relacionamento entre a C... (local) e a C1..., a que é alheio o cliente/consumidor.
Donde cabendo à 2ª Ré, como outorgante no contrato em causa, suportar os valores peticionados, por via da distribuição contratual (e legal) do risco de movimentação do cartão por terceiros, de forma abusiva e sem fraude ou culpa do titular.”

E, como resulta das Conclusões do Recurso da primeira Ré, os fundamentos desse recurso não respeitam apenas à pessoa da recorrente, 1ª Ré.
Pelo contrário. Os fundamentos invocados pela ré-recorrente, C1..., que faz parte do Sistema Integrado Integrado do C1..., na qual, a autora tinha aberta conta de depósito associada ao cartão de débito e que aquando da perda do cartão estava provisionada com o saldo disponível de € 57.685,01, não respeitam exclusivamente à recorrente.
Tais fundamentos, respeitam também e sobretudo à esfera da 2ª Ré, entidade outorgante no contrato e emitente do cartão de débito, o qual, estava associado a uma conta de depósitos aberta pela autora na 1ª Ré, com saldo disponível superior ao valor previsto no artigo 72º do RSP, pelo que, o recurso interposto aproveita à segunda Ré não recorrente.
De resto, resulta dos autos que foi relevante na decisão de facto a apreciação da conduta do funcionário da primeira Ré.
Concluímos, assim, que a rejeição por intempestividade do recurso apresentado pela 2ª Ré, não impede a revogação total da sentença recorrida e a consequente absolvição de ambas as Rés, que foram condenadas solidariamente na 1ª instância.
Pelo exposto, julgamos procedente o recurso de apelação interposto, e, assim, revogamos a decisão recorrida, absolvendo as Rés do pedido formulado pela autora.
Sumário.
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IV-DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso totalmente procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida e absolvem as Rés do pedido formulado contra elas pela autora- recorrida.
Custas da ação e do recurso pela autora.
Notifique.

Porto, 10-05-2018.
Francisca da Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
Teles de Menezes