Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
116/14.6TPPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO DO PRODECIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL
QUESTÃO PREJUDICIAL
Nº do Documento: RP20190522116/14.6TPPRT.P1
Data do Acordão: 05/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 800, FLS 185-194)
Área Temática: .
Sumário: I – No procedimento contra-ordenacional só vigoram as causas de suspensão da prescrição desse procedimento que são próprias do seu regime específico.
II – Não é aplicável ao procedimento contra-ordenacional a causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal referida no artigo 120.º, n.º 1, a), do Código Penal («quando o procedimento criminal não poder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal, ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito de devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal»).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal n.º 116/14.6TPPRT.P1
Comarca do Porto
Instância Local Criminal

Acordam, em Conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I.Relatório.

No recurso de impugnação judicial de decisão administrativa n.º 116/14.6TPPRT, da instância local criminal da Comarca do Porto, juiz 1, em que é recorrente B…, SA., e recorrida a Câmara Municipal …, foi proferida a seguinte decisão:
«Veio a requerente “B…, SA”, a fls. 1264 e ss., invocar a prescrição do procedimento contra-ordenacional, alegando, em síntese, que está em causa uma decisão da Câmara Municipal …, que imputa à requerente a violação do art. H/35.º n.º 1 e al. c) e 4, do Código Regulamentar do Município …, punível com coima a fixar entre 1.000,00 a 8.000,00 unidades de conta municipais (equivalentes a coima entre €5.000,00 e €40.000,00).
Tal ilícito consubstanciar-se-ia na suposta falta de resposta ao ofício da CM… cujo prazo de resposta, de acordo com a posição sustentada pela própria CM…, terminaria em 11/06/10.
Assim, tendo em conta que o prazo de prescrição é de 3 anos, nos termos do art. 28.º, n.º3, do RGCO, o prazo máximo de prescrição (4 anos e 6 meses) ocorreu em 12/12/14.
E, tendo em conta o prazo máximo de suspensão, que teve lugar com o envio do processo ao Ministério Público e a notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão administrativa que aplica a coima, nos termos do art. 27.ºA, n.º1, als b) e c), do mesmo diploma, mesmo que se contasse duas vezes o prazo de 6 meses de suspensão, a prescrição ocorreria em 12/12/15.
Refere ainda que o processo foi suspenso em virtude da existência de uma causa prejudicial –o processo 218/06.2BEPRT- ao abrigo do disposto no art. 7.º, n.º do CPP, aplicável ex vi do art. 41.º, n.º1, do RGCO.
Devido a essa causa prejudicial o processo esteve suspenso por 12 meses (despacho de 23/05/14) e depois por mais 6 meses (despacho de 18/03/16).
E, segundo alega, ainda que se fizesse coincidir a suspensão do processo em virtude da existência de uma causa prejudicial com a suspensão do prazo de prescrição do procedimento –entendimento que contesta por não resultar do art. 27.ºA do RGCO-, tal faria acrescentar um ano e 6 meses ao já referido prazo de prescrição, o que equivaleria a um prazo de prescrição de 7 anos –que não aceita- e que terminaria em 12/06/17.
Assim sendo, requer que se declare extinto o procedimento contra-ordenacional nos termos do art. 27.º do RGCO e seja determinado o arquivamento dos autos.
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O Ministério Público teve vista nos autos, pugnando pelo indeferimento do requerido e alegando, em síntese, que nos termos do art. 27.-Aº, n.º1, al. a), do RGCO, a prescrição esteve suspensa, para além dos prazos de prescrição alegados pela requerente.
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Decidindo:
Compulsados os autos verifica-se que por decisão proferida em 26/11/13, foi a ora requerente –então denominada “B1…, SA”-, condenada na coima de 10.000,00, pela violação do art. H/35.º n.º 1 e al. c) e 4, do Código Regulamentar do Município …, punível com coima a fixar entre 1.000,00 a 8.000,00 unidades de conta municipais (equivalentes a coima entre €5.000,00 e €40.000,00).
Tal ilícito, conforme resulta do referido pela requerente, consumar-se-ia com a alegada falta de resposta ao ofício da CM… cujo prazo de resposta, de acordo com a posição sustentada pela própria CM…, terminaria em 11/06/10.
Na sequência da referida decisão, veio a ora requerente em 3 de Janeiro de 2014, apresentar requerimento de impugnação com efeito suspensivo, alegando, além do mais, que se encontra pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a acção nº 218/06.2BEPRT, instaurada pelo Município … contra a ANACOM e várias empresas de telecomunicações obrigadas à cobrança da TMDP, nas quais se integram várias empresas do grupo B2…, ao qual pertence a ora recorrente.
E, na sua impugnação, a ora requerente, requer, além do mais, a suspensão do processo contra-ordenacional até à decisão sobre a existência da obrigação pela qual a B1… veio a ser condenada no processo contra-ordenacional, que se encontra pendente em juízo no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sob o nº 218/06.2BEPRT.
Nesta sequência, por despacho de fls. 1132-1133, proferido em 23/05/14, foi determinada a suspensão da instância no presente processo, pelo prazo de um ano, até decisão no referido processo nº 218/06.2BEPRT e nos termos do art. 7.º, nº1 e 2, do CPP, aplicável ex vi do art. 41.º, n.º1, do RGCO.
Por despacho de fls. 1153, proferido em 18/03/16 e com os mesmos fundamentos, foram os autos suspensos por mais 6 meses.
Por despacho de fls. 1157-1162, proferido em 20/09/16, foi suscitada a questão da incompetência deste Tribunal para julgar os presentes autos e decidido que competente seria a Pequena Instância Criminal do Porto (actual Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto), a qual também, se declarou incompetente.
O referido conflito de competência foi decidido por douto acórdão da Relação do Porto, proferido em 18/01/17, tendo os autos sido remetidos novamente a este tribunal em 17/02/17 (cfr. fls. 1182-1183).
Conforme resulta de fls. 1206 e ss., em 05/01/18, foi enviada a estes autos a decisão proferida no supra citado processo 218/06.2BEPRT, proferida em 27/12/17 mas ainda não transitada em julgado, que decidiu pela incompetência, em razão da matéria, do TAFP para conhecer dos pedidos formulados e absolveu os Réus da instância.
Conforme resulta da informação de fls. 1237, fornecida a estes autos em 12/11/18, a decisão transitou em julgado, tendo nessa data os autos sido remetidos à primeira instância.
Conforme resulta do art. 27.º do RGCO, “o procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos:
b) três anos quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a €2493,99 e inferior a €49.879,79”.
Por outro lado, estabelece o art. 27.º-A, do RGCO, no seu n.º1, que “a prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) estiver pendente a partir do envio ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do art. 40.º;
c) estiver pendente a partir do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
O n.º2 estabelece que “nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar 6 meses”.
Ora, assim sendo, caberá desde logo referir que à alínea a) da citada norma legal não é aplicável o referido limite de 6 meses.
Por outro lado, haverá que referir que a suspensão impede que o prazo de prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que o determinou.
E, conforme decorre do citado art. 27.ºA, do RGCO, a prescrição suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento não possa “legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal”.
Conforme referem Manuel Simas Santos e Jorge Sousa (Contra-Ordenações, anotações o Regime geral, p. 262), trata-se de uma norma especial sobre o regime da prescrição do processo contra-ordenacional, introduzida pela Lei 109/2001, que reproduz uma das situações de suspensão previstas no art. 120.º, n.º1, do Código Penal, que poderia levar a concluir pela não aplicação em processo contra-ordenacional das restantes causas admitidas no processo penal.
No entanto, o STJ em 17/01/02, no acórdão para fixação de jurisprudência n.º 2/02, publicado no DR, I Série, de 05/03/02, decidiu que “o regime da suspensão da prescrição do procedimento criminal é extensivo, com as devidas adaptações, ao regime de suspensão prescricional das contra-ordenações, previsto no art. 27.ºA, do Decreto-Lei 433/82, de 17/10, na redacção dada pelo Dec.-Lei 244/95, de 14/09”.
Assim, ao contrário do que refere a requerente, dúvidas não existem para este tribunal que é aplicável ao processo contra-ordenacional a causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, referida no art. 120.º, n.º1, al. a) do Código Penal, ou seja, “o procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal”.
Ora, no caso dos autos, caberá salientar que foi a própria recorrente que requereu a suspensão dos autos de contra-ordenação até decisão da questão prejudicial a correr termos no processo do TAFP, vindo agora, num venire contra factum proprium, invocar a prescrição alegando que tal suspensão não impede a prescrição.
No entanto, nos termos supra referidos e salvo melhor entendimento, dúvidas não existem que a suspensão para decisão dessa causa prejudicial constitui uma causa de suspensão da prescrição do processo contra-ordenacional.
Por outro lado, à referida causa de suspensão não é aplicável qualquer limite temporal, designadamente o de 6 meses, invocado pela ora requerente.
Acresce que a referida suspensão, salvo melhor entendimento, terminou com o trânsito em julgado da referida decisão prejudicial.
Assim, tendo em conta as causas de interrupção e suspensão verificadas nos autos –cfr. ainda art. 28.º do RGCO-, bem como, a verificação da causa de suspensão da prescrição supra citada, nos termos do art. 27.º-A, n.º1, al. a) do RGCO e 120.º, n.º1, al. a), do Código Penal, entende-se que o prazo de prescrição do procedimento criminal, não correu.
Assim sendo, entende-se que nos termos das normas acabadas de citar, o processo contra-ordenacional ficou suspenso por força da referida questão prejudicial, desde 23/05/14 até 05/01/18.
Assim sendo e independentemente das demais causas de interrupção da prescrição do procedimento contra-ordenacional ocorridas nos autos, haverá que ter em conta o referido prazo de suspensão por força da decisão de questão prejudicial, relativamente ao qual não estabeleceu a lei qualquer limite máximo.
E, assim sendo, dúvidas não existem que o referido prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional não ocorreu.
Atento o exposto, indefere-se a prescrição invocada pela recorrente.
Notifique.»
*
Inconformada, a recorrente interpôs recurso apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões:
«1.-O presente recurso vem interposto quanto à decisão proferida pelo Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 1, em 14.02.2019, nos termos da qual foi julgada improcedente a questão da prescrição do procedimento invocada pela B… em requerimento apresentado em 13.12.2019 ("Decisão Recorrida").
2. A Decisão Recorrida deve ser revogada porquanto parte de um pressuposto fáctico-processual incorreto: o de que o processo esteve suspenso em virtude da existência de causa prejudicial desde 23 de maio de 2014 a 5 de Janeiro de 2018.
3.- Com efeito, a suspensão do processo em virtude de causa prejudicial, nos termos e para os efeitos do artigo 7.º do CPP, não ocorre ope legis nem se mantém vigente durante todo o período em que essa causa prejudicial se mantiver pendente, tendo de ser determinada pelo Tribunal e fixado o período durante a qual a mesma se verifica.
4. In casu, foi determinada a suspensão do processo em virtude da existência de causa prejudicial por despacho de 23 de maio de 2014, que determinou a suspensão do processo por 1 ano, e por despacho de 16 de março de 2016, que determinou a suspensão do processo por 6 meses.
5. Nesse sentido, por força desses despachos, o processo esteve suspenso, em virtude de causa prejudicial, durante 1 ano e 6 meses (e não entre 23 de maio de 2014 a 5 de janeiro de 2018).
6.- A Decisão Recorrida deve ainda ser revogada porquanto interpreta e aplica incorretamente os artigos 27.º-A n.º 1 alínea a) do RGCO e 120.º n.º 1 alínea a) do Código Penal, ao aplica-los conjugadamente, fazendo aplicar ao processo contraordenacional a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal prevista na parte final do artigo 120.º n.º 1 alínea a) do Código Penal (a existência de causa prejudicial) que não tem paralelo no regime previsto no RGCO.
7.- Com efeito, o artigo 27.º-A n.º 1 do RGCO, desde a alteração legislativa operada pela Lei n.º 109/2001, regula de forma exaustiva as situações que determinam a suspensão do prazo de prescrição do procedimento, inexistindo qualquer lacuna nesta matéria que tenha de ser integrada por aplicação do artigo 120.º n.º 1 do Código Penal, ex vi artigo 32.º n.º 2 do RGCO.
8.- Não poderá aplicar-se o entendimento preconizado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência mencionado na Decisão Recorrida, porquanto o mesmo se pronuncia sobre a norma contida no artigo 27.º-A do RGCO à luz da sua redacção anterior à Lei n.º 109/2001.
9.- Nessa medida, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional apenas se suspende nas situações previstas no artigo 27.º-A n.º 1 do RGCO, não devendo aplicar-se as causas de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal.
10.- A norma decorrente da interpretação conjugada dos artigos 27.º-A n.º 1 alínea a) do RGCO e 120.º n.º 1 alínea a) do Código Penal, por força do disposto no artigo 32.º n.º 2 do RGCO, no sentido de que o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional se suspende em virtude de o procedimento não poder continuar por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal é materialmente inconstitucional, porquanto viola o princípio da legalidade e da tipicidade, ínsitos no artigo 29.º n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, implicando uma aplicação da lei, sem apoio na sua letra, e mediante analogia proibida em desfavor do arguido.
11.- O artigo 27.º-A n.º 1 alínea a) do RGCO não prevê a suspensão do prazo de prescrição do procedimento em virtude da suspensão do processo decorrente da existência de causa prejudicial, ao abrigo do artigo 7.º do CPP.
12.- A correta interpretação do artigo 27.º-A n.º 1 alínea a) do RGCO exclui as situações em que o processo não continua por decisão judicial, apenas abarcando as situações em que não pode iniciar-se ou continuar por obstáculos legais.
13.- Pelo exposto, não poderá considerar-se que o prazo de prescrição do presente procedimento se suspendeu durante o período em que o processo esteve suspenso em virtude da existência de causa prejudicial (independentemente do período de tempo que se considere que o processo esteve suspenso).
14.- A Decisão Recorrida deve, por último, ser revogada porquanto, interpretando e aplicando corretamente o disposto nos artigos 27.º alínea b), 27.º-A e 28.º do RGCO sempre deverá concluir-se que o prazo máximo de prescrição do presente procedimento já decorreu, devendo o processo ser arquivado em virtude da extinção da eventual responsabilidade contraordenacional da Recorrente, evitando-se, assim, a prática de atos processuais inúteis.
Tendo em conta que:
15. (i.)- o prazo de prescrição do presente procedimento iniciou-se em 12 de junho de 2010 (no dia imediatamente subsequente à alegada consumação do ilícito, ocorrida, de acordo com a Decisão Condenatória da CM…, em 11 de junho de 2010);
(ii) o prazo de prescrição do procedimento é de 3 anos (cfr. artigo 27.º alínea b) do RGCO, atendendo à coima máxima de € 40.000,00 aplicável ao ilícito em causa e à inexistência de norma especial no Código Regulamentar do Município …);
(iii) nos termos do artigo 28.º n.º 3 do RGCO, a prescrição terá sempre lugar sempre que, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tenham decorrido o prazo de prescrição (3 anos) acrescido de metade (1 ano e 6 meses), ou seja, tenham decorrido 4 anos e 6 meses;
(iv) não se verificou a causa de suspensão do prazo de prescrição prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º-A do RGCO;
(v) o presente processo suspendeu-se a partir do envio do processo ao Ministério Público e também a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima (cfr. alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 27.º-A do RGCO), mas nos termos do n.º 2 do artigo 27.º-A do RGCO tais suspensões não podem ultrapassar 6 meses (mesmo assumindo, no que não se crê, que sejam 6 meses para cada causa de suspensão); o prazo máximo de prescrição do presente procedimento (5 anos e 6 meses) sempre teria ocorrido em 12 de dezembro de 2015.
16.- Sem prejuízo de tudo o que acima ficou dito, ainda que se fizesse coincidir a suspensão do processo em virtude da existência de causa prejudicial com a suspensão do prazo de prescrição do procedimento em virtude do artigo 27.º-A n.º 1 alínea a) do RGCO, como sustentado pelo Tribunal a quo erroneamente, como se viu, tal faria acrescentar mais 1 ano e 6 meses ao prazo de 5 anos e 6 meses, a que acima se aludiu, pelo que o prazo máximo de prescrição do presente procedimento (7 anos) sempre teria ocorrido em 12 de junho de 2017.
17.- Nestes termos, requer-se a revogação da Decisão Recorrida e a sua substituição por outra que, considerando corretamente a tramitação processual ocorrida, e interpretando e aplicando corretamente os artigos 27.º, 27.º-A e 28.º do RGCO, declare a prescrição do presente procedimento contraordenacional, com a consequente extinção da eventual responsabilidade contraordenacional da Arguida e o respetivo arquivamento dos presentes autos.
Nestes termos, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a Decisão Recorrida, por violar o disposto nos termos conjugados dos artigos 27.°-A n.° 1 alínea a) e 28 do RGCO e 120.° n.° 2 alínea a) do CPP, substituindo-a por outra que que declare a prescrição do presente procedimento contraordenacional, com a consequente extinção da eventual responsabilidade contraordenacional da Arguida e respetivo arquivamento do processo.
Termina pedindo o provimento do recurso e, em consequência, a revogação da decisão recorrida, por violar o disposto nos termos conjugados dos arts. 27º-A n.º1 al. a) e 28º do RGCO e 120º, n.º2 al. a) do CPP, substituindo-a por outra que declare a prescrição do presente procedimento contraordenacional, com a consequente extinção da eventual responsabilidade contraordenacional da arguida e respectivo arquivamento do processo.
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Liminarmente admitido o recurso para este TRP respondeu o MP, pugnando pela confirmação da decisão, e de cuja motivação se extrai o seguinte por relevante:
«Assim, como também já defendemos na nossa promoção de 25.01.2019, pese embora já terem decorridos os prazos normais da prescrição previstos no Código de Processo Penal (legislação essa que a recorrente defende ser aplicável) a “existência da norma especial sobre o regime da suspensão do procedimento contra-ordenacional (do artº 27º A do RGCO) leva a concluir que não são aplicáveis neste procedimento as restantes causas admitidas no processo penal que, à partida, caso não existisse a norma especial, tinham potencialidade para serem aplicadas em processo contra-ordenacional” (v. anotação nº 3 ao artº 27º, A, nº 1, alª a) do Regime Geral das Contra-Ordenações, in “Contra-Ordenações Anotações ao Regime Geral”, de Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, 2011, 6ª edição, pág. 261-262).
Decorre do exposto que, a suspensão obsta que o prazo normal da suspensão decorra enquanto se mantiver a causa que o determinou, sendo certo que tal causa só cessou em 12.11.2018, data em que transitou em julgado a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (cfr. informação de fls. 1237) e que determinou a remessa dos autos à 1ª instância.
Acresce ainda referir, e como muito bem diz a Senhora Juiz na decisão recorrida, “foi a própria recorrente que requereu a suspensão dos autos de contra-ordenação até que fosse decidida a questão prejudicial a correr termos no processo do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (proc. nº 218/06.2BEPRT), vindo agora, num venire contra factum proprium, invocar a prescrição alegando que tal suspensão não impede o decurso da prescrição.”»
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Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, acompanhando, no essencial a posição da resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª Instância.
Cumprido o artigo 417º, n.º 2, do CPP a recorrente veio responder invocando no essencial que, “a causa de suspensão do decurso do prazo de prescrição prevista no artigo 27º, n.º1 al. a) do RGCO não opera em situações em que o processo esteja suspenso em virtude de despacho que declare a existência de causa prejudicial. E não opera porquanto o evento relevante – suspensão do processo em virtude de causa prejudicial – não se encontra previsto no art. 27º, n.º1 al. a) do RGCO como determinado a suspensão do processo.” (…) Mesmo Segundo a tese do MP, aplicada aos factos correctamente considerados – dado que não corresponde à verdade que o processo tenha estado suspenso desde 23 de maio de 2004 até 12 de Novembro de 2018 – teria de concluir-se que o prazo de prescrição [no máximo de 07 anos (3 ano de prazo de prescrição + mais metade = 1ano e 6 meses = perfaz 4 anos e 6 meses + 1 ano (6 meses de suspensão, por cautela contados duas vezes, por duas serem as causa de prescrição) + 1 ano e 6 meses de suspensão do processo] terminaria [atenta a data de início da contagem - dia seguinte ao da prática da infracção que ocorreu a 11 de Junho de 2010 -] no dia 12 de Junho de 2017, pelo que deverá a prescrição do procedimento ser declarada nestes autos.
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Corridos os vistos cumpre decidir.
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II- Fundamentação.
1.- Questões a decidir.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
São as seguintes as questões a decidir:
- Averiguar se é aplicável ao regime da prescrição instituído no RGCOC, a causa de suspensão prevista na 2ª parte da alínea a), do n.º1, do art. 120º do CP.
- Averiguar se a “interpretação conjugada dos artigos 27.º-A n.º 1 alínea a) do RGCOC e 120.º n.º 1 alínea a) do Código Penal, por força do disposto no artigo 32.º n.º 2 do RGCOC, no sentido de que o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional se suspende em virtude de o procedimento não poder continuar por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal” é materialmente inconstitucional, por violadora dos princípios da legalidade e da tipicidade, ínsitos no artigo 29.º n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, implicando uma aplicação da lei, sem apoio na sua letra, e mediante analogia proibida em desfavor do arguido.
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2 Apreciação.
§ 1º.
A primeira questão posta consiste em saber se é aplicável ao regime da prescrição instituído no RGCOC, a causa de suspensão prevista na 2ª parte, da alínea a), do n.º1, do art. 120º do CP.
Por decisão proferida em 26/11/13, foi a ora recorrente – então denominada “B1…, SA” -, condenada na coima de 10.000,00€ por violação do art. H/35.º n.º 1 e al. c) e 4, do Código Regulamentar do Município …, punível com coima a fixar entre 1.000,00 a 8.000,00 unidades de conta municipais (equivalentes a coima entre €5.000,00 e €40.000,00).
Conforme resulta do referido pela recorrente, o prazo de resposta – cuja falta se alega - ao ofício da CM…, de acordo com a posição sustentada pela própria CM…, terminaria em 11/06/10, data da consumação da contra-ordenação.
Ao que resulta do despacho em apreço, e não foi posto em causa, no Código Regulamentar do Município … não existe qualquer norma relativa à prescrição das contra-ordenações aí previstas.
No silêncio do mencionado Código Regulamentar, valerão as disposições constantes do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro, n.º 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro).
De acordo com o disposto no art. 27º, n.º 1, do RGCOC: “[O] procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos:
(…)
b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a € 2.493,99 e inferior a € 49.879,79;
(…)
Assim, a actividade contra-ordenacional imputada à recorrente cabe na previsão da al. b), do n.º 1, do artigo 27º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, sendo por isso de três anos o prazo de prescrição a considerar.
Estabelece o art. 28º do RGCOC, sob a epígrafe «Interrupção da prescrição»:
1 – A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para o exercício da do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
(…).
3 – A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
E dispõe o art. 27º-A do mesmo regime, sob a epígrafe «Suspensão da prescrição»:
1 – A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
(…)
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima até à decisão final do recurso.
2 – Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.
Como se sabe os efeitos da interrupção da prescrição distinguem-se dos efeitos da suspensão da prescrição, no primeiro caso, iniciando-se o prazo com a prática da infracção, ocorrendo uma causa de interrupção, o prazo até aí decorrido fica inutilizado, começando então a correr um novo prazo; por seu turno, no segundo caso, ocorrendo uma causa de suspensão, o prazo que estava em curso não fica inutilizado, apenas deixa de correr durante o período fixado ou até ao desaparecimento do obstáculo legalmente previsto, voltando a partir daí a correr.
Posto isto, analisemos.
O termo inicial do prazo de prescrição do procedimento é, portanto, a data da prática do facto que constitui a contra-ordenação, no caso o dia 11 de Junho de 2010, visto que o prazo para a resposta ao ofício da CM…, de acordo com a posição sustentada pela própria CM…, terminaria em 11/06/10.
Sendo de três anos o prazo normal de prescrição do procedimento este prazo terminaria a 11 de Junho de 2013, caso não existissem causas de interrupção ou de suspensão do prazo.
Vejamos, porém, as causas de interrupção e de suspensão.
Tendo começado a correr no dia 11 de Junho de 2010, o prazo de prescrição do procedimento interrompeu-se com a notificação da arguida para apresentar, querendo, no prazo de 20 dias defesa escrita [art. 28º, n.º1 al. c) do RGCOC] o que ocorreu em 30 de Abril de 2013, vindo a arguida a apresentar tal defesa em 20.05.2013; e de novo com a prolação da decisão pela CM… em 26.11.2013 [art. 28º, n.º1 al. d) do RGCOC], começando a contar novo prazo que foi, por sua vez, interrompido com a notificação daquela decisão, em 04.12.2013 [artigo 28º, n.º 1 al. a) do RGCOC].
A requerente apresentou recurso de impugnação da decisão administrativa em 2 de Janeiro de 2014.
No 1º despacho proferido - 23.05.2014 - e notificado às partes, nomeadamente à recorrente conforme fls. 1135 a 1138 [a 29.05.2014], foi entendido que «discutindo-se nos presentes autos de recurso de contra-ordenação, essencialmente, se a arguida estava ou não obrigada a prestar informação em causa [existência, ou não, da obrigação de prestação de informação à CM… sobre a facturação da arguida que estava a ser discutida no TAF do Porto proc. n.º 218/06.2BEPRT], não podemos deixar de considerar que a questão a decidir no aludido processo é prejudicial.
Assim, defere-se o requerido pela arguida, declarando-se suspensa a instância do presente processo pelo prazo máximo de um ano (art. 7º, n.ºs 1 a 4 do Código de Processo Penal, aplicável “ex vi” do artigo 41º, n.º1 do Regime Geral das Contra-ordenações), até decisão do processo n.º 218/06.2BEPRT, a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
Caso se esgote este prazo máximo de um ano sem que a questão prejudicial tenha sido resolvida, os presentes autos prosseguirão os seus normais termos e a questão será decidida no âmbito do presente processo contra-ordenacional.
(…)»
Como se sabe, o despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima é: ou o despacho previsto no artigo 63.º que rejeita o recurso, ou o despacho proferido nos termos do n.º 2, do artigo 64.º, que ordena a consulta dos intervenientes processuais para saber se estes se opõem a que o recurso venha a ser decidido por simples despacho, ou o despacho previsto no artigo 65.º que designa dia para julgamento - Neste sentido, António Beça Pereira, O Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 8.ª edição, Almedina, p. 86.
Ora, pode entender-se que no supra referido despacho, que deixamos transcrito na parte que releva, e que embora sui generis para o efeito, nele há uma aceitação do recurso como decorre do último parágrafo transcrito e na parte sublinhada, e pode dizer-se que é proferido também nos termos do art. 65º do RGCOC, embora sem a designação de data para audiência ou sem a consulta dos intervenientes processuais para saber se estes se opõem a que o recurso venha a ser decidido por simples despacho.
Assim, começou a contar um novo prazo a partir da notificação da decisão administrativa que foi interrompido em 29 de maio de 2014, com a notificação à recorrente do despacho de aceitação do recurso de impugnação judicial (art. 28º, nº 1, a) do RGCOC) sendo que o novo prazo que a partir daí deveria ter começado a correr, ficou suspenso, pelo período máximo de seis meses [art. 27º-A, nºs 1, c) e 2 do RGCOC, sendo que a al. c) do n.º1 do artigo 27º A, é analisado com o sentido e alcance que lhe foi dado pelo acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2011, de 13/01/2011, Que fixou a seguinte doutrina: A suspensão do procedimento por contra -ordenação cuja causa está prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º -A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, inicia -se com a notificação do despacho que procede ao exame preliminar da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa e cessa, sem prejuízo da duração máxima imposta pelo n.º 2 do mesmo artigo, com a última decisão judicial que vier a ser proferida na fase prevista no capítulo IV da parte II do Regime Geral das Contra-Ordenações.], o que significa que ficou suspenso até 29 de Novembro de 2014, passando a correr a partir de então.
De tudo isto resulta que, entre as várias causas de interrupção do prazo de prescrição não decorreu o prazo normal de três anos.
Sucede que o nº 3, do art. 28º do RGCOC estabelece um limite às sucessivas e ilimitadas situações de interrupção do prazo de prescrição do procedimento, a fim de evitar que este se eternize. Assim, nos termos desta disposição legal, a prescrição do procedimento ocorrerá sempre quando, desde o seu início e com ressalva do tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.
Deste modo, na presente contra-ordenação, a prescrição do procedimento terá lugar decorridos que sejam [3 anos (prazo normal) + 1 ano e 6 meses (metade do prazo normal) + 6 meses (prazo de suspensão)] 5 anos sobre a prática dos factos, caso se verifique apenas a referida causa de suspensão.
Assim, tendo a contra-ordenação imputada nos autos à recorrente sido praticada em 11 de Junho de 2010, o respectivo procedimento contra-ordenacional, a verificar-se apenas a causa de suspensão do artigo 27º-A, n.º1 al. c) do RGCOC, teria prescrito no dia 11 de Junho de 2015.
Mas ter-se-á verificado apenas aquela causa de suspensão do prazo de prescrição.
Esta é a controvérsia do presente recurso.
O Tribunal a quo [e, bem assim, o MP] tem o entendimento que passamos a citar: “é aplicável ao processo contra-ordenacional a causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, referida no art. 120.º, n.º1, al. a) do Código Penal, ou seja, “o procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal”.
…que a suspensão para decisão dessa causa prejudicial constitui uma causa de suspensão da prescrição do processo contra-ordenacional.
Por outro lado, à referida causa de suspensão não é aplicável qualquer limite temporal, designadamente o de 6 meses, invocado pela ora requerente.
Acresce que a referida suspensão, salvo melhor entendimento, terminou com o trânsito em julgado da referida decisão prejudicial.
Assim, tendo em conta as causas de interrupção e suspensão verificadas nos autos – cfr. ainda art. 28.º do RGCO-, bem como, a verificação da causa de suspensão da prescrição supra citada, nos termos do art. 27.º-A, n.º1, al. a) do RGCO e 120.º, n.º1, al. a), do Código Penal, entende-se que o prazo de prescrição do procedimento criminal, não correu.
Assim sendo, entende-se que nos termos das normas acabadas de citar, o processo contra-ordenacional ficou suspenso por força da referida questão prejudicial, desde 23/05/14 até 05/01/18
Impõe-se decidir.
Não se compreende plenamente a construção efectuada pelo tribunal a quo, porquanto não é bem explícita e parece conjugar a al. a) do art. 27º-A do RGCOC com a al. a), do n.º1, do art. 120º do CP e entender que a causa de suspensão da prescrição e mesmo da instância é a mera pendência do processo - acção nº 218/06.2BEPRT - no TAF do Porto.
Tentaremos ser breves na análise.
Vem sendo entendido que a al. a), do n.º1, do artigo 27º do RGCOC [tal como em relação à mesma causa de suspensão da prescrição da 1ª parte da al. a) do artigo 120º do CP] tem o seu campo de aplicação nos obstáculos legais ao início do procedimento contra-ordenacional do género dos previstos para o Presidente da República e para os Deputados à Assembleia da República e Membros do Governo, em matéria de procedimento criminal, nos artigos 130º, n.º4 da CRP, 157, n.ºs 2 a 4, 196º, n.º2 e 11º, vide também os n.ºs 3 a 7, da lei 7/93, de 01.03, suspendendo-se os respectivos prazos durante o período em que não for concedida autorização pedida; não estando aqui em causa os casos de obstáculos práticos a esse início. – Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal pág. 379 e Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa Contra-ordenações Anotações ao Regime Geral, pág. 262.
Por outro lado, a presente al. a), do n.º1, do artigo 27º-A do RGCOC, já fazia parte do corpo do artigo 27º-A desde 14 de Setembro de 1995 (DL 244/95) e, não obstante as alterações efectuadas no RGCOC através da Lei 109/2001, nomeadamente introdução de mais duas causas de suspensão da prescrição, não foi aditada à referida al. a) qualquer expressão idêntica, ou com o mesmo sentido, à contida no artigo 120º, n.º1 al a), 2ª parte, do C.P.: “ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal.”; expressão que já constava, também, integralmente e praticamente ipsis verbis, do artigo 119º do CP, que na versão original do Código Penal de 1982 definia o regime da suspensão da prescrição.
E, se é certo que o STJ em 17.01.2002 fixou jurisprudência através do seu Ac. Fix. Jurisp. n.º2 /2002, no sentido de que “[O] regime da suspensão da prescrição do procedimento criminal é extensivo, com as devidas adaptações, ao regime de suspensão prescricional das contra-ordenações, previsto no artigo 27º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 17 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro.”; também é certo que no próprio Acórdão 2/2002 tirado no seguimento do Ac fix., Jurisprudência n.º 6/2001 se fala em repor o equilíbrio que aquele acórdão 6/2001 teria feito perder ao estender a limitação temporal do n.º3, do art. 121º, do CP à prescrição do procedimento contra-ordenacional, no âmbito do RGCOC anterior á lei 109/2001. E, assim, escreve-se textualmente no referido AUJ n.º 2/2002: “Neste contexto, a aplicação subsidiária do artigo 120.º, n.º 1, do Código Penal ou do seu antecessor constitui, numa óptica plausível de equilíbrio estatutário, a contribuição mínima a exigir do arguido, a quem a interpretação fixada no citado Acórdão n.º 6/2001, inegavelmente, outorgou um substancial benefício processual, porventura alheio à original intenção do legislador contra-ordenacional, mas, como se viu, não desdenhado pelo reformador. É certo que a nova redacção do artigo 27.º -A do regime geral (…), conferida pela citada Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro, ao aditar à anterior duas novas causas de suspensão da prescrição do procedimento dá corpo à ideia de que o legislador assumiu, explicitamente, a reposição daquele equilíbrio. Mas a solução do problema, à luz das implicações do novo quadro legislativo, ultrapassa o objecto do presente recurso extraordinário, pelo que, neste momento, àquele se terá de cingir o veredicto deste Supremo Tribunal. O que impõe a conclusão, em suma, de que a interpretação acolhida no acórdão recorrido, ao menos enquanto apartada das assumidas preocupações de eficácia do sistema, permite ter como incompleta a «disciplina normativa específica [do artigo 27.º -A, citado, na redacção coeva da prolação dos dois arestos em oposição]», o mesmo é dizer que torna mais aceitável, no contexto exposto, a professada no acórdão fundamento.” [sublinhados e negritos nossos]
Assim, concluímos, como igualmente parece concluir o Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 2/2002, que a redacção introduzida pela Lei n.º 109/2001, aditando duas novas causas de suspensão, reforça a ideia de que só vigoram no processo contra-ordenacional as causas de suspensão próprias do regime de mera ordenação social, a tal reposição do equilíbrio assumida pelo reformador [o legislador de 2001 que reforma o regime de mera ordenação social], que vai além do aditamento das duas causas de suspensão, acrescendo-lhe o aditamento de novas causas de interrupção da prescrição e ainda o aditamento do n.º3, do artigo 28º, correspondente ao n.º3, do art. 121º, do CP [vide também o Ac. de Fix. Jurisp. N.º 4/2011, quer em relação a esta questão quer no desenvolvimento da exposição de motivos da proposta de lei n.º 82/VIII que está na génese da lei n.º 109/2001, de 24.12.]
Concluímos assim, que o reformador de 2001, só de caso pensado é que não incluiu na al. a) do n.º1, do art. 27º-A todo o conteúdo da al. a) do n.º1 do artigo 120º do CP, pelo que nestas circunstâncias entendemos que a 2ª parte da al. a), do n.º1, do artigo 120º, [parte não contemplada na al. a) do art. 27º-A do RGCOC] não é aplicável às contra-ordenações - [confronte muito a propósito e com grande interesse os esclarecedores votos de vencido do Sr. Conselheiro Carmona da Mota, nos Ac.Fix.Jurisp. n.ºs 10/2000 e 2/2002, nomeadamente, neste último sobre os fundamentos materiais e razões da autonomia do regime gral de mera ordenação social em relação às normas do Código Penal.]
Em consequência, concluiríamos pela não aplicação ao caso do artigo 120º, n.º1, al. a) do CP e sequentemente, que o processo prescreveu na data supra referida em 11.06.2015.
Mas mesmo que entendêssemos que se aplicava a 2ª parte da al. a), do n.º1, do artigo 120º, do CP ao regime da prescrição das contra-ordenações, mesmo assim não era aceitável que por força dos despachos de 23.05.2014 e 18.05.16 a prescrição se suspendeu desde 23/05/14 até 05/01/18.
Em primeiro lugar cumpre referir que «as expressões “suspensão do processo” e “suspensão da prescrição” do procedimento não são sinónimas, nem sequer existe entre si qualquer relação de implicação: não existe norma, ou qualquer princípio geral, no sentido de que qualquer suspensão da instância (suspensão do processo) conduz a uma suspensão da prescrição (e, por definição, esta começa mesmo a correr antes do início do procedimento criminal, “desde o dia em que o facto se consumou” – art. 118.º, n.º l, do Código Penal, na redacção de 1982), e há também casos de suspensão da prescrição, que se não ligam a qualquer suspensão do processo. Como se salientou no acórdão que constitui o fundamento para o recurso de fixação de jurisprudência que deu origem ao dito “Assento” n.º 10/2000, “se é certo que o instituto da suspensão da prescrição, para além do mais, ‘radica na ideia segundo a qual a produção de determinados eventos, que excluem a possibilidade de o procedimento se iniciar ou continuar, deve impedir o decurso do prazo da prescrição’ (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, p. 711), já parece não poder afirmar-se, peremptoriamente, que qualquer suspensão da instância deve originar a suspensão da prescrição pelo correspondente tempo: é, do ponto de vista teórico, perfeitamente admissível que algumas causas de suspensão do processo não tenham eficácia suspensiva da prescrição. E, assim, cabe ao legislador optar por erigir em causa de suspensão da prescrição toda e qualquer suspensão do processo ou escolher casuisticamente quais os casos de suspensão do processo que devem relevar para esse efeito. E a verdade é que não encontramos no Código Penal de 1982 qualquer indício de que o legislador fez a primeira opção”.» - vide Ac. Fix. Jurisprudência n.º 5/2008 de 09.04.2008.
Por outro lado, o Prof. P. P de Albuquerque no seu Comentário do Código Penal entende que “no caso da al. a), do n.º1, [di-lo na anotação ao artigo 120º do CP], o prazo máximo para a suspensão da prescrição resulta do disposto no artigo 7º, do CPP, ou seja, um ano”. - vide Comentário do Código Penal, 2ª edição, UCE, pág. 380.
E volta a dizê-lo na anotação ao artigo 7º do CPP frisando a excepcionalidade da faculdade de suspender o processo, por contrariar o princípio constitucional do julgamento do processo penal no mais curto prazo possível (artigo 32º, n.º2 da CRP); a necessidade de o tribunal penal estabelecer um prazo para essa suspensão; a devolução da questão prejudicial ao tribunal penal se o tribunal competente não tiver decidido no prazo fixado pelo tribunal penal…; antes de cessado o prazo da suspensão o tribunal penal deve ponderar a necessidade da sua prorrogação; o período máximo da suspensão do processo penal é de um ano, não se admitindo prorrogações da suspensão para além desse prazo. – vide Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição, UCE, págs. 68 e 69.
E a verdade é que no mesmo sentido se moveu o despacho proferido a 23.05.2014 que deixamos reproduzido, pois nele consta: «…declarando-se suspensa a instância do presente processo pelo prazo máximo de um ano (art. 7º, n.ºs 1 a 4 do Código de Processo Penal, aplicável “ex vi” do artigo 41º, n.º1 do Regime Geral das Contra-ordenações), até decisão do processo n.º 218/06.2BEPRT, a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
Caso se esgote este prazo máximo de um ano sem que a questão prejudicial tenha sido resolvida, os presentes autos prosseguirão os seus normais termos e a questão será decidida no âmbito do presente processo contra-ordenacional
O que resulta e se observa dos autos é que o referido prazo máximo de um ano fixado pelo despacho de 23.05.2014 terminou a 23.05.2015 e entre 23.05.2015 e 18.03.2016, fazendo-se tábua rasa do referido despacho que fixara a suspensão da instância pelo prazo máximo de um ano, o processo não teve qualquer despacho a ordenar o prosseguimento do ou a sua suspensão, o que perdurou por cerca de 9 meses; e quando pelo TAF do Porto, Proc. n.º 218/06.2BEPRT, conforme fls. 1151 dos autos, se informou “não sendo previsível que a decisão final seja proferida brevemente.”, foi de novo promovido que “se suspendam os autos por 6 meses, nos termos do disposto no artigo 7º do C.P.P.”; vindo a ser proferido, em 18.03.2016, o seguinte despacho: “Tendo em conta o teor da informação de fls. 1151 e ao abrigo do art. 7º do CPP, suspendo a instância dos presentes autos por 6 meses.(…).”.
Posto isto, não vemos sequer onde se foi alicerçar o entendimento de “que nos termos das normas acabadas de citar, o processo contra-ordenacional ficou suspenso por força da referida questão prejudicial, desde 23/05/14 até 05/01/18”, como proclama o tribunal a quo, no final do despacho recorrido, pois este segundo despacho de 18.03.2016, ainda que ao arrepio do despacho transitado em julgado e proferido a 23.05.2014, só fixou a suspensão da instância em 6 meses.
Posta a exposição que já vai, involuntariamente, longa, vamos concluir.
Entendemos, pelas razões supra explicitadas que a causa de suspensão prevista na 2ª parte da al. a), do n.º1, do artigo 120º do CP, na parte não contemplada no artigo 27º-A do RGCOC não se aplica ao regime da suspensão da prescrição das contra-ordenações e, em conclusão, o processo prescreveu em 11.06.2015.
Mesmo que se entendesse que lhe era aplicável a referida causa de suspensão, por força da suspensão da instância improrrogável, o prazo de suspensão da prescrição teria conforme o despacho de 23.05.2014 o prazo de um ano, que terminou improrrogavelmente em 23.05.2015. Como entre 23.03.2015 e 11.06.2015 não houve qualquer despacho a prorrogar o referido prazo (o que, aliás, diga-se sempre se afiguraria ilegal em face do artigo 7º do CPP) o processo prescreveu em 11.06.2015.
Mas ainda que considerássemos todo o prazo em que o processo esteve suspenso como causa autónoma de suspensão [1 ano, mais 6 meses] a acrescer à causa de suspensão prevista na al. c) do artigo 27º-A do CPP, teríamos uma suspensão de 1 ano e 6 meses + mais 6 meses = 2 anos, a acrescer aos 4 anos e 6 meses (3 anos, mais metade do prazo normal) de prazo máximo de prescrição, o que faria um total de 6 anos e 6 meses e, então, o processo sempre teria prescrito em 11 de Dezembro 2016.
Em conclusão, tendo a contra-ordenação em causa sido praticada em 11 de Junho de 2010, em 11 de Junho de 2015 esgotou-se o prazo máximo legalmente admissível de prescrição de 4 anos e seis meses acrescido de seis meses de suspensão da prescrição.
Haverá, consequentemente, que declarar prescrito o procedimento contra-ordenacional instaurado no âmbito dos presentes autos e, em consequência, extinto o respectivo procedimento.
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III Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostos, declara-se extinto, por efeito da prescrição, o procedimento contra-ordenacional instaurado contra a recorrente B…, SA. e, consequentemente, extinto o respectivo procedimento.
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Sem custas por não serem devidas.
*
Notifique
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Processado em computador e revisto pela relatora – artigo 94º, n.º 2, do CP.P.

Porto, 22 de maio de 2019
Maria Dolores Silva e Sousa
Manuel Soares