Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11852/22.3T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
ARGUIÇÃO
NULIDADES DA SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADES PROCESSUAIS
PRAZOS MERAMENTE ORDENADORES OU PROCEDIMENTAIS
FACTOS CONTRADITÓRIOS
PROCEDIMENTO CAUTELAR
SUSPENSÃO DE DESPEDIMENTO
QUALIFICAÇÃO DO CONTRATO
DOCENTE UNIVERSITÁRIO
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
PRESUNÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RP2023022711852/22.3T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 02/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Pretendendo a requerida pôr em causa a violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitam aos tribunais judiciais e não havendo lugar a despacho saneador no procedimento cautelar, nos termos do estabelecido no n.º2, do art.º 97.º do CPC, podia e deveria tê-lo feito até ao início da audiência final, o que vale por dizer, no articulado em que deduziu a oposição.
II - Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.
III - As nulidades da sentença só ocorrerão, como causa invalidante típica, nas diversas hipóteses taxativamente contempladas no n.º 1 do art.º 615º do CPC, e não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”.
IV - As nulidades processuais consistem sempre num desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efectivamente seguido nos autos, traduzindo-se esse vício de carácter formal, num dos três tipos: a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas.
V - No processo civil, para além das modalidades de prazos previstas no n.º 1 do artigo 139.º do CPC (dilatório e peremptório), há que considerar uma outra modalidade: o prazo meramente ordenador ou procedimental, que estabelece um limite temporal para a prática de um acto, ou para a prolação de uma decisão, não determinando o seu incumprimento a invalidade do acto ou da decisão, nem a nulidade do processo, sendo apenas susceptível de implicar responsabilidade disciplinar.
VI - Os prazos do art.º 36.º 2 e 3, do CPT, são meramente ordenadores ou procedimentais. O facto do art.º 36.º não estabelecer um efeito cominatório, como não o estabelecem qualquer prazo processual meramente ordenador ou procedimental, não constitui violação dos art.º 20º, n.º 4 e art.º 202º, n.º 1, 205, n.º 3, todos da CRP.
VII - Os factos são contraditórios quando são opostos, ou seja, quando simultaneamente se afirma um facto e o seu oposto de tal modo que se anulariam um ao outro.
VIII - Sendo o presente procedimento dependente da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, regulada nos artigos 186.º K e segts, do CPT, o juízo de verosimilhança de que depende o decretamento da providência, a formular em termos de probabilidade séria, respeita quer à existência do contrato de trabalho quer à ilicitude do despedimento.
IX - A qualificação de um contrato é questão jurídico-normativa a solucionar, designadamente, quanto está em causa saber se há uma relação de trabalho subordinado, atendendo à realidade factual que resulte apurada e respeite aos termos da sua execução.
X - Ainda que o contrato escrito preveja expressamente a ausência de subordinação, mas se verifique que existe uma manifesta contradição entre o formalmente acordado e o realmente executado, nestas situações deverá prevalecer na qualificação a efetuar o que resultar da interpretação global dos índices de subordinação jurídica.
XI - O que está em causa no âmbito deste procedimento cautelar é saber, num juízo de verosimilhança a formular em termos de probabilidade séria, se ao invés de um contrato de “prestação de serviços”, a sua execução revela a existência de subordinação jurídica e, logo, não era lícito à recorrente fazê-lo cessar nos termos em que o fez.
XII - A recorrente agiu livremente, quer na escolha do tipo de contrato que elegeu para contratar o docente [..] como professor auxiliar, quer para determinar os termos da sua execução e para o renovar, quer ainda para fazer cessar a relação jurídica existente entre as partes.
XIII - Inexiste, pois, qualquer violação do princípio da autonomia científica e pedagógica da recorrente, em razão de se proceder à indagação sobre qualificação do vínculo jurídico que existiu entre a recorrente e o docente, à luz do regime geral do contrato de trabalho e, se disso for caso, da sua cessação.
XIV - O contrato de trabalho subordinado e o contrato de prestação de serviços, diferenciam-se, essencialmente, pelo respectivo objecto, qual seja o da prestação de uma actividade (no caso do contrato de trabalho) ou da obtenção de um resultado (no caso do contrato de prestação de serviço), e pelo relacionamento entre as partes, isto é, a existência de uma relação de subordinação (quanto ao primeiro) ou de autonomia (quanto ao segundo).
XV - A subordinação jurídica é usualmente definida como o dever legal do trabalhador acatar e cumprir as ordens e instruções que, em cada momento, lhe sejam dirigidas pelo empregador, emitidas por este no uso do seu poder de direcção da empresa, directivas essas que são vinculativas para aquele devido à obrigação de obediência consagrada na lei.
XVI - Nos termos estabelecidos no art.º 12.º do CT, presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos indícios ali mencionados nas alíneas a) a e), cuja enunciação é meramente exemplificativa, sendo bastante que se verifiquem apenas dois desses indícios para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho.
XVII - Não estabelecendo a norma qualquer proibição, a presunção legal aí contida é ilidível, como é de regra, significando isso que a qualificação laboral por efeito da presunção pode ser afastada [art.º 350.º n.º2, do CC], passando a recair sobre o empregador o encargo de provar a existência de uma situação de trabalho autónoma ou por conta própria, para afastar a presunção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 11852/22.3T8PRT-A.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto, o Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 186º-S do C. Processo do Trabalho, intentou contra A..., CRL, o presente procedimento cautelar de suspensão de despedimento subsequente a auto de inspecção previsto no art. 15º-A da Lei nº 107/2009, de 14/09.
Alega, no essencial, que na sequência de uma acção inspetiva desenvolvida pela “Autoridade para as Condições do Trabalho – Centro Local do Grande Porto” (ACT), a requerida “A..., CRL”, foi notificada de um auto de inspeção, previsto no n.º 1 do art.º 15.º-A da Lei 107/2009, de 26/05/2022, visando o requerente AA.
Nessa acção inspectiva constatou-se que Requerida tinha ao seu serviço aquele trabalhador, a prestar a atividade de docente, com a categoria de Professor Auxiliar, integrado no Departamento de Psicologia e Educação da Universidade ..., prestando a actividade de docência em regime de tempo integral, lecionando aulas, avaliando alunos e atendendo-os, cabendo-lhe, ainda, a vigilância a exames, integrar a comissão de curso, desenvolver investigação e, desde 01 de abril de 2022, a orientação de estágios, sendo que, anteriormente, já foi responsável por orientações de mestrado.
Essa actividade é prestada obrigatoriamente nas salas de aulas existentes nas instalações da Requerida e de acordo com a planificação por esta definida. No desenvolvimento do seu trabalho utiliza equipamentos e instrumentos disponibilizados pela Requerida, e a esta pertencentes, nomeadamente, canetas, data-show e quadro.
O trabalhador AA cumpre horário de trabalho e observa as horas de início e termo de atividade estabelecidas pela Requerida. Está obrigado ao dever de assiduidade e ao controlo dos tempos de trabalho, devendo justificar a sua falta quando tal ocorrer.
Encontra-se numa situação de dependência e / ou de subordinação, recebendo ordens, regras e orientações para a execução do trabalho.
Como contrapartida do trabalho prestado, o trabalhador AA recebe, por transferência bancária e com periodicidade mensal, no final de cada mês, a quantia de € 1500,00, unilateralmente definida pela Requerida, tendo em conta a carga horária contratada, dividida por 12 meses, ou seja, incluindo o mês de agosto, em que o trabalhador não exerce qualquer atividade.
Encontra-se inserido numa estrutura hierárquica e organizativa, concretamente no Departamento de Psicologia e Educação da Universidade ..., do qual fazem parte os diversos docentes, quer os pertencentes ao quadro, quer os restantes. É membro da Comissão Técnico-científica do Departamento de Psicologia e Educação e da comissão de curso. Faz também investigação no âmbito do programa REMIT (Research on Economics Management and Information Technologies), unidade de investigação criada pela Requerida.
A atividade profissional de docência prestada pelo trabalhador AA para a Requerida proporciona-lhe cerca de 80% dos seus rendimentos, pelo que se encontra em situação de dependência económica para a sua subsistência.
O trabalhador AA iniciou funções de Professor Auxiliar para a Requerida em 01 de setembro de 2020, tendo celebrado um contrato denominado “Contrato de Prestação de Serviços”, pelo período de um ano e com possibilidade de renovação, pelo qual asseguraria, em média, 09h00 semanais de serviço docente. Em julho de 2021, a Ré comunicou-lhe que iria proceder à renovação do aludido contrato, para o ano letivo de .../..., agora com uma carga
horária média de 12 horas semanais, ou seja, o correspondente ao tempo integral de trabalho.
A Requerida nunca propôs ao trabalhador AA a celebração de contrato de trabalho, não obstante todos os docentes a tempo integral estarem vinculados por tal tipo de contrato.
Por carta registada, a ACT procedeu à notificação da Requerida, para, no prazo de dez dias, proceder à regularização da situação do trabalhador AA, ou para se pronunciar. A requerida deu resposta no sentido de não pretender a regularização da situação contratual do trabalhador em causa, não a tendo regularizado.
O Ministério Público intentou, em 30-06-2022, uma AÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO, com base nesta factualidade, que deu origem ao processo 11852/22.3T8PRT-J3 do Tribunal do Trabalho do Porto, o qual encontra-se a ser tramitado.
Sucede que, no dia 18/07/2022, o requerente foi convocado pela Diretora do Departamento de Psicologia e Educação da requerida, para uma reunião, que veio a ter lugar no dia 22/07/2022, na qual transmitiu-lhe verbalmente que, a partir do dia 31/08/2022 – último dia da vigência do contrato de prestação de serviços que celebrou, deixará de prestar serviços, fazendo assim cessar tal contrato, a partir daquela data não o mantendo mais na atividade docente, o que equivale ao seu despedimento.
Nestas circunstâncias, dando cumprimento ao disposto no artigo 186.º-S, n.º 1, do CPT, o Ministério Público intentou o presente procedimento cautelar de suspensão de despedimento.
Citada, a requerida apresentou oposição, pugnando pela improcedência da providência.
Contrapõe, no essencial, que os elementos constantes dos autos não permitem sustentar que a relação contratual que se constituiu e prolongou entre o Prestador e a Cooperativa foi de trabalho subordinado, a tal qualificação opondo-se, desde logo, o clausulado no instrumento jurídico outorgado, ao qual foi atribuída a designação de Contrato de Prestação de Serviços e donde não consta a mínima referência à sujeição do Prestador ao poder de direção e fiscalização da Cooperativa, antes resultando diversamente do conteúdo do seu clausulado. Sendo o Prestador um docente universitário e a Cooperativa uma cooperativa de ensino, nada permite concluir que as partes outorgaram num contrato distinto daquele que realmente pretendiam celebrar.
Acresce que não resulta do autos que o Prestador estivesse sujeito a um horário de trabalho, pois podia transferir aulas no caso de faltas previsíveis, compensá-las no caso de faltas imprevisíveis. Não foi acordado entre o Prestador e a Cooperativa, nem nunca foi praticado, um período durante o qual aquele devesse manter-se disponível para lhe prestar serviço. A distribuição do serviço docente ao Prestador e a calendarização das avaliações eram feitas com o seu acordo, considerada a sua disponibilidade.
No que à remuneração respeita, foi acordado um valor total de honorários relativos à carga horária do Prestador, pagos em 12 prestações, e não em 14 prestações ano. A Cooperativa submete os honorários pagos ao Prestador ao regime fiscal e contributivo próprio dos trabalhadores independentes.
As instalações e os equipamentos que a Cooperativa colocou à disposição do Prestador, são de uso comum pela comunidade académica, tais como salas de aula, mesas, cadeiras, quadros, retroprojetores; o Prestador nunca teve equipamento ou instrumentos para seu uso exclusivo. Sendo a atividade prestada a da docência universitária, mal se concebe que as aulas fossem ministradas em instalações que não pertencessem à própria instituição de ensino.
A existência de contrato de prestação de serviço não é incompatível com a possibilidade de a parte que recebe a prestação poder emitir algumas diretivas, instruções e orientações sobre o modo pelo qual pretende que a prestação seja executada.
A Cooperativa não exerce qualquer controlo de assiduidade ou de pontualidade do Prestador, nem exerceu quaisquer prerrogativas disciplinares sobre ele. O Prestador não integra a estrutura organizativa da Cooperativa; acontece é que foi contratado para prestar serviço de docência, lecionando uma determina UC, num determinado Departamento.
O Prestador é doutorado em Psicologia Social e Organizacional, especialidade em Psicologia Social, Ambiental e Comunitária, tendo obtido o seu grau em 2007, pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa. Com base na análise do seu CV atualizado, remetido pelo Prestador à Direção do Departamento, em 13/04/2022, é possível constatar que, desde essa data e até ao momento atual, aquele não realizou qualquer publicação científica em revistas da especialidade, indexadas nas bases de referência ou em quaisquer outros meios de disseminação científica
Não existem registos de atividades de conceção, coordenação e participação em projetos de investigação científica, de orientação de estudantes de doutoramento ou de investigadores integrados em projetos de investigação, e de intervenção na comunidade científica, nomeadamente de avaliação de atividade científica. Não é reportada experiência de conceção, ou de coordenação de projetos pedagógicos, ou de elaboração de materiais pedagógicos. O seu trabalho de orientação científica e académica é parco: orientação de 10 dissertações de mestrado entre os anos de 2011 e 2014. Não são, ainda, identificadas atividades de transferência de conhecimento para empresas e instituições nos últimos 8 anos. Não são conhecidas atividades de participação em órgãos de gestão de ensino superior. A atividade como membro de júri de provas académicas é parca: participação em três provas entre os anos de 2009 e 2010.
Razão pela qual foi emitido Parecer pela Diretora do Departamento de Psicologia e Educação, nos seguintes termos: “Pelos motivos apresentados, e por não se verificarem reunidas as condições necessárias (em termos de experiência prévia e competências adquiridas) para uma efetiva contribuição para os objetivos do plano estratégico em vigor da
Universidade ... (cf. https://....pt/content/files/ reitoria/Plano_Estrategico_2030_Dez2021.pdf), recomenda-se a dispensa de funções como Professor Auxiliar do Professor AA a partir de 31 de julho de 2022”.
Razão pela qual, o Reitor da Universidade ... propôs ao Conselho de administração da Cooperativa a não renovação do contrato de prestação de serviços do Prestador.
A necessidade de adotar uma “carreira paralela” à do ensino público, juntamente com as exigências insistentemente expressas pela A3ES – Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior no sentido de estruturar o corpo docente sobre titulares do grau de doutor que sejam cientificamente ativos, sob pena de não - acreditação de cursos, justificará que a Cooperativa privilegie a contratação de doutorados em tempo integral, com produção científica, em detrimento de não- doutorados ou de doutorados que não exibam atividades de investigação.
Razão pela qual, não poderia e não pode ser celebrado um contrato de trabalho com este Prestador por não reunir os requisitos constantes da legislação, bem assim como do Estatuto da Carreira Docente Universitária para fazer parte do corpo docente próprio (docentes de contrato sem termo).
Realizou-se a audiência final.
I.2 Subsequentemente foi proferida decisão final, fixando a matéria de facto considerada indiciariamente provada e aplicando o direito aos factos, concluída com o dispositivo seguinte:
-«Em face do exposto, decido julgar procedente a presente providência cautelar e assim decreto a suspensão do despedimento de AA, tendo esta decisão força executiva relativamente aos salários em dívida, devendo a requerida até ao último dia de cada mês, subsequente a esta decisão, juntar aos autos recibo de pagamento da remuneração devida a este seu trabalhador.
Custas pela requerida.
Fixo o valor da acção em 2.000€.
[..]».
I.3 Inconformado com esta sentença, a requerida interpôs recurso de apelação, apresentando alegações finalizadas com as conclusões seguintes:
A) DA INCOMPETÊNCIA MATERIAL
I) Em 28/07/2020, foi celebrado um contrato de prestação de serviços, reduzido a escrito, através do qual AA se obrigou a prestar serviços profissionais de docência à A..., Crl. (adiante designada abreviadamente por Cooperativa).
II) No ensino superior particular ou cooperativo a contratação de docentes tanto pode fazer-se recorrendo ao contrato de trabalho como ao contrato de prestação de serviços, dado que ainda não foi publicado o diploma contendo o regime próprio da contratação de pessoal docente do ensino superior privado e cooperativo, â semelhança do que aconteceu com o ensino superior público, imperando assim o princípio da liberdade contratual (art. 405º do CC).
III) A vontade revelada pelas partes - quer quando procederam à qualificação do contrato, quer quando definiram as condições em que se exerceria atividade docente, ou seja, quando definiram a estrutura da relação jurídica em causa, demonstra que efetivamente pretenderam celebrar um contrato de prestação de serviços, razão pela qual foi celebrado um contrato de prestação de serviços ao abrigo do disposto nos art. 1154º, do CC.
IV) O juízo do trabalho é um tribunal de competência especializada (art. 81º, da Lei da Organização do Sistema Judiciário), apenas devendo conhecer das matérias que lhe estão especificamente atribuídas (art. 40º da LOSJ), não constando do art. 126º da LOSJ a atribuição da competência sindicar um contrato de prestação de serviços celebrado ao abrigo do artº. 405º e 1154º, e seguintes do CC).
V) Deste modo, atento o disposto no art. 96º, al. a), do CPC, verifica-se a incompetência absoluta do tribunal do trabalho, que aqui expressamente se invoca, por infração das regras de competência em razão da matéria, pelo que deve proferido acórdão que julgue o Tribunal do Trabalho materialmente incompetente para conhecer o presente procedimento cautelar.
B) DA NULIDADE POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 70º, N.º 2, DA CRP, E ART. 30º, N.º 2, DO RJIES.
VI) Sem prescindir, importa ter presente a seguinte fundamentação de direito:
“…
Aliás, a defesa da requerida não atacou tanto os pressupostos que agora se referiram, tendo assentado, essencialmente, no facto de AA não poder ser contratado como professor a tempo inteiro atentas a falta de actividade de investigação e de produção científica.
Ora, com todo o respeito por tal posição, não se me afigura que, ainda que tal possa ter alguma repercussão na avaliação da requerida enquanto universidade e que tal possa (e deva) ser por si ponderado aquando da contratação do corpo docente (qualquer que seja a modalidade de contrato), essas “falhas” no currículo do professor ora em causa possam retirar o carácter de subordinação jurídica ou económica da actividade por si exercida para com a requerida.
Não quer isto dizer que os requisitos de qualificação – seja a necessidade de investigação, seja a de produção científica – não possam ter influência nos contratos celebrados com os professores universitários.
Não podem é, por si só, afastar – se verificados os elementos típicos da subordinação jurídica – a possibilidade de celebrar um contrato de trabalho, determinando automaticamente a celebração de um contrato de prestação de serviços.
Aliás, ambos os Acórdão do STJ citados pela requerida (25/11/2009 e 26/06/15) versam sobre contratos de trabalho, questionando-se ali a possibilidade da contratação por duração limitada em moldes diferentes dos estabelecidos no C.
Trabalho, questão muito diferente da colocada nestes autos.
VII) Os contratos celebrados com os docentes são contratos atípicos, apesar da designação e do tipo que possam ter (contrato de trabalho, contrato de docência, contrato de prestação de serviços…), que contemplam especificidades, necessidades, direitos e deveres, quer do sector, quer do empregador, quer do colaborador, de modo a responder com dignidade, qualidade e legalidade a todos os requisitos que se impõem a uma boa prestação de serviços na área da transmissão dos conhecimentos e que não se compadecem com os princípios gerais impostos pelo contrato de trabalho, nomeadamente, a subordinação jurídica pura (por oposição à autonomia científica de um docente).
VIII) E sobre esta temática (características especificas do contrato de docência) invocou a Recorrente a título de exemplo, o Acórdão do STJ de 25/11/2009 (Vasques Dinis):
“… são conhecidas as dificuldades de monta que se deparam quando se pretende caracterizar o contrato de docência, em particular no que diz respeito ao ensino superior, e encontrar a disciplina jurídica adequada à realização dos fins que tal contrato tem em vista, sem pôr em causa, por um lado, a subsistência das instituições que, em colaboração ou em substituição do Estado, prosseguem a satisfação de um interesse colectivo — subsistência que depende, necessariamente, de altos padrões de qualidade dos serviços oferecidos, e menos da quantidade dos mesmos — e sem, por outro lado, deixar de salvaguardar os interesses dos prestadores da actividade de docência, no âmbito de um convénio em que figuram como trabalhadores por conta de outrem.
Tais dificuldades, presentes nas situações em que haja um vínculo laboral, decorrem, como salienta Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 729/730), da necessidade de compatibilizar o princípio da autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, consignado no artigo 76.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, com normas estruturantes do regime laboral comum, designadamente as que contemplam o horário e o período normal de trabalho diário e semanal e as que se referem à retribuição, compatibilização nem sempre possível, o que, na opinião do citado autor, justifica o estabelecimento de um regime laboral próprio.
Neste plano de consideração, a sujeição do exercício de funções docentes a determinados requisitos de qualificação, nível de desempenho e qualidade de resultados, em cada um dos patamares que constituem a carreira docente, temporalmente circunscritos, confere ao contrato, na sua génese e essência, duração limitada, o que, de algum modo, face ao que se deixou dito, levanta dúvidas sobre a adequação das normas do regime que, visando salvaguardar a garantia de segurança e estabilidade no emprego, regulam a celebração de contratos por tempo determinado, consigna, para tanto, apertados requisitos de ordem substancial e formal.” (Cfr. Processo 301/07.7TTAVR.C1.S1, Acórdão do STJ, de 25-11-2009 (Vasques Dinis) citado no Processo: 868/12.8TTVNF.P1.S1, Acórdão do STJ, de 26-06-2015 (Mário Belo Morgado)).
IX) E foi precisamente, para estas especificidades do contrato de docência que a Recorrente invocou os mencionados acórdãos e que a decisão ora em crise abstraiu pura simplesmente. E isto porque,
X) O Regime jurídico das instituições de ensino superior (RJIES), previsto na Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro, que no seu artigo 30ª refere:
Artigo 30.º (Obrigações das entidades instituidoras de estabelecimentos de ensino superior privados)
1 - Compete às entidades instituidoras de estabelecimentos de ensino superior privados:

i) Contratar os docentes e investigadores, sob proposta do reitor, presidente ou director do estabelecimento de ensino, ouvido o respectivo conselho científico ou técnico-científico;

2 - As competências próprias das entidades instituidoras devem ser exercidas sem prejuízo da autonomia pedagógica, científica e cultural do estabelecimento de ensino, de acordo com o disposto no acto constitutivo da entidade instituidora e nos estatutos do estabelecimento.
XI) Autonomia científica e pedagógica reconhecida no RJIES (art. 30º, n.º 2,), mas também no art. 76, n.º 2, da CRP:
XII) Assim, o Tribunal ao impor o trabalhador à Cooperativa, está, por conseguinte, a impor naturalmente ao seu estabelecimento (Universidade) que mantenha esse mesmo trabalhador, que esta última dispensou, em clara violação do art. 70º, n.º 2, da CRP, e do art. 30º, n.º 2, do RJIES, que também se invoca, com todas as cominações legais.
C) DA NULIDADE POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 36º, N.º 2, 3, DO CPT
XIII) Sem prescindir, conforme resulta dos autos, o requerimento inicial deu entrada em 27/07/2022, ao abrigo do disposto no art. 186º-S, do CPT e a sentença foi proferida em 23/09/2022.
XIV) Nos termos do disposto no art. 186º-S, n.º 5, do CPT, em tudo o que não seja regulado no presente artigo, é aplicável o regime previsto nos artigos 33.º-A a 40.º-A, com as necessárias adaptações, pelo que decorreram mais de 30 dias entre a entrada do requerimento inicial e a data em que foi proferida a decisão, atento do disposto no art. 36, n.º 2, 3, do CPT, o que consubstancia uma nulidade processual que aqui expressamente se invoca com todas as cominações legais.
XV) Violação do disposto no art. 36º, n.º 2, 3, do CPT, cuja norma é inconstitucional, porquanto viola o vertido no art. 20º, n.º 4 e art. 202º, n.º 1, 205, n.º 3, todos da CRP.
XVI) Vejamos, se na sua redação estivesse consagrado um efeito cominatório para o Julgador, como existe, aliás, para os restantes Intervenientes processuais (embora se possa admitir que o prazo pudesse ser, em situações de extrema complexidade, prorrogado, à semelhança do previsto, por exemplo, no art. 57º,n.º 1, do CPT, teríamos uma justiça/decisão mais célere e mais imediata e, consequentemente, mais justa.
XVII) Ora, como a norma do art. 36º, n.º 2, 3, do CPC, com a redação que tem, e por não ter nenhum efeito processual cominatório, possibilita que um juiz profira uma decisão para além do prazo fixado sem qualquer justificação ou consequência.
Tenha-se ainda presente que,
XVIII) Ora, aquando da instauração do presente procedimento, estavam os órgãos académicos do estabelecimento de ensino da recorrente (Departamentos dos vários cursos, Conselho Científico, Reitoria) a ultimar as distribuições de serviço docente para o ano letivo .../..., que já decorre, estando todo o serviço docente atribuído a outras docentes contratadas para o efeito, pelos órgãos académicos competentes da Universidade (cfr. facto dado como provado CCC), no seguimento dos pareceres dos órgãos académicos da Universidade e referidos nos factos dados como provados em ZZ), AAA) e BBB), atento o vertido nos factos dados como provados RR), SS), TT), UU), VV), WW), YY), DDD) a KKK)
– factos que por manifesta economia processual aqui se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
D) NULIDADE POR NÃO ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO QUE JUSTIFICAM DECISÃO.
XIX) Sem prescindir, a única referencia a documentos que encontramos na decisão é feita nos seguintes termos:
“…
Os depoimentos das referidas testemunhas foram conjugados com os documentos juntos com o requerimento inicial e com a oposição.
Quanto aos factos não provados, os mesmos não resultaram do depoimento das testemunhas, nem dos documentos juntos.
…”
XX) Assim, pese embora esta referência genérica aos documentos, não encontramos uma valoração concreta dos documentos juntos pela Recorrente, bem assim como dos testemunhos prestados, nem tão pouco qual, ou quais deles (Testemunhas e/ou documentos), serviram para sustentar concretamente cada um dos factos dados como provados e não provados, o que nos termos do art. 615º, n.º 1, alínea b), 616º, n.º 2, alínea b), do CPC, constitui umas das causas de nulidade da que aqui expressamente se invoca com todas as consequências legais.
E) DA CONTRADIÇÃO ENTRE OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS
Sem prescindir, compulsada a matéria dada como provada resulta que:
XXI) Existe contradição entre o facto dado como provado D), AA) e os factos dados como provados RR), SS), YY), FFF), GGG), HHH), III).
Verificamos que, por um lado a Julgadora considera dado como provado que AA desenvolve e faz investigação (factos dados como provados D), AA), mas nos factos dados como provados RR), SS), YY), FFF), HHH), III), já dá como provado que o mesmo AA não desenvolve qualquer investigação, nem faz parte como membro integrado e membro nuclear de qualquer centro de investigação.
Contradição que aqui se invoca com todas as cominações legais.
XXII) Existe contradição entre o facto dado como provado M) e os facto dado como provado PP).
Por um lado, a Julgadora considera provado que a unidades curriculares lecionadas por AA são definidas pela Diretora de Departamento (facto dado como provado M)), por outro lado, do facto dado como provado em PP), resulta que afinal as unidades curriculares são definidas por acordo com AA e em conformidade com a sua disponibilidade.
Contradição que aqui se invoca com todas as cominações legais.
XXIII) Existe contradição entre o facto dado como provado H), I), J) e os factos dados como provados PP).
Por um lado a Julgadora considera provado que as horas de docência e horário são determinados superiormente (factos dados como provados H), J), por outro lado, do facto dado como provado em PP), resulta que afinal são determinados por acordo com AA e em conformidade com a sua disponibilidade.
XXIV) Por outro lado, no referido facto dado como provado I), podemos ainda ler que:
- Atendimento dos alunos, mediante horário a indicar pelo trabalhador, que corresponda a metade do número de horas lecionadas e que não conflitua com os horários das aulas dos alunos.
XXV) De onde se conclui que efetivamente é o trabalhador que define o seu próprio horário de atendimento e não a “Requerida”.
Contradição que aqui se invoca com todas as cominações legais.
F) DA CONTRADIÇÃO ENTRE OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS E FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS
XXVI) Existe contradição entre o facto dado como provado PP) e o facto dado como não provado 3).
Facto dado simultaneamente provado e não provado, contradição que aqui se invoca com todas as cominações legais.
XXVII) Existe contradição entre o facto dado como provado N) e o facto dado como não provado 9).
Ou seja, por um lado é dado como provado que AA durante o mês da Agosto não exerce qualquer atividade, e por outro lado é dado como não provado que o mesmo AA durante as férias escolares não prestava qualquer serviço à Cooperativa.
Contradição que aqui se invoca com todas as cominações legais.
XXVIII) Existe contradição entre o facto dado como provado PP), I) e o facto dado como não provado 10).
Por um lado, é dado como provado que as unidades curriculares são definidas por acordo com o AA e de acordo com a sua disponibilidade e, por outro lado é dado como não provado que na distribuição de serviço seja considerada a sua disponibilidade.
Contradição que aqui se invoca com todas as cominações legais.
G) DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DA SUBSUNÇÃO JURÍDICA
Sem prescindir, e para hipótese de improceder o supra invocado sempre se dirá que, a manter-se a matéria de facto dada como assente e não assente, certo que no modesto entendimento da Recorrente estamos perante uma decisão que carece de sustentação legal.
Senão vejamos,
XXIX) A Recorrente é uma cooperativa de ensino superior, de natureza jurídico privada, constituída por escritura pública, em 21 de Dezembro de 1985, e que tem como atribuição, fundamentalmente, colaborar na promoção e no desenvolvimento da cultura e da investigação científica e ministrar, através da Universidade ... e de outros estabelecimentos de ensino superior que venha a criar, o ensino superior (cfr. art. 1º e 2º, dos Estatutos da A..., Crl., publicados no Diário da República, 3.ª Série, n.º 100, de 30/04/2003 e art. 5º, dos Estatutos da Universidade ..., publicados no Diário da República, 2.ª série, n.º 179, de 15/09/2009).
XXX) Ora, hoje é praticamente unânime o entendimento de que o exercício de funções de docência universitária em instituições do ensino superior privadas pode ser levado a efeito tanto ao abrigo de um contrato de prestação de serviço como de um contrato de trabalho subordinado – neste sentido, apenas a título exemplificativo, BB, Contrato de Docência, VII Congresso Nacional de Direito do Trabalho - Memórias, Almedina, pp. 215 e ss, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12/03/2003, proferido no processo 03S2652, de 10/9/2008, proferido no processo 2444/07, de 22/9/2010, proferido no processo 4401/04.7TTLSB.S1, de 25/6/2015, proferido no processo 868/12.8TTVNF.P1.S1; pode consultar-se outra jurisprudência indicada por Abílio Neto, Novo Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados, 2.ª Edição, pp. 72 a 83.
XXXI) Os elementos constantes dos autos não permitem sustentar que a relação contratual que se constituiu e prolongou entre AA e a Cooperativa foi de trabalho subordinado, dado que o clausulado no instrumento jurídico outorgado para dar suporte formal a tal, ao qual foi atribuída uma designação distinta da de contrato de trabalho (ou seja, Contrato de Prestação de Serviços), do qual não consta a mínima referência à sujeição do AA ao poder de direção e fiscalização da Cooperativa e nos termos do qual:
a) O AA não ficava dependente da direção da Cooperativa, nem lhe ficava subordinado, aceitando o mesmo, apenas, meras orientações dos órgãos académicos competentes, no quadro da autonomia universitária (cláusula 1ª/2ª/4ª/6ª);
b) Foi instituído um regime de rescisão e de caducidade completamente diferentes do que rege o contrato de trabalho, admitindo-se, por exemplo, a possibilidade de rescisão do contrato por parte da Cooperativa, sem precedência de qualquer processo disciplinar, assim como a caducidade do contrato decorrente pelo mero decurso do prazo acordado pelas partes para a prestação do serviço (cláusula 9ª);
c) Foi instituído um regime que estipulou o valor dos honorários totais devidos pela prestação de serviço, bem como a sua forma de pagamento, não sendo contemplado pelas Partes o pagamento de qualquer outra quantia (nomeadamente, subsídio de refeição, subsídio de férias e de natal) (cláusula 2ª/3ª); A que acresce o facto dado como provado O), nos termos do qual “Quando realiza orientações de estágios, AA recebe uma verba suplementar.“
d) Não foi instituído qualquer horário de trabalho.
XXXII) Ora, os outorgantes são pessoas esclarecidas e apresentam um nível cultural que lhes permita ter uma perceção, ainda que mínima, da natureza desse vínculo contratual e do respetivo regime, permitindo concluir-se que as partes não outorgaram um contrato distinto daquele que realmente pretenderam celebrar, bem conhecendo as implicações jurídicas decorrentes da outorga dum contrato de prestação de serviço e que, por isso, realmente quiseram instituir entre eles uma relação jurídica dessa natureza em que o exercício das funções docentes por parte do AA se operaria sem sujeição do mesmo ao poder de direção da Cooperativa.
XXXIII) Pelo que não se compreende que por um lado se considere “Antes de mais, diga-se que, ponto de partida da caracterização da relação entre AA e a requerida é o acordado entre as partes.” e, por outro lado, se considere que “… no caso concreto, pese embora estarmos perante um profissional licenciado e doutorado, a verdade é que a sua formação nada tem a ver com a área jurídica, não sendo, assim, de dar especial relevo ao nomem iuris.”, e se refira ainda que “É certo que a requerida também logrou provar que submete os honorários pagos a AA ao regime fiscal e contributivo próprio dos trabalhadores independentes, mas tal facto não tem especial relevo na caracterização do contrato pois trata-se de uma decorrência da espécie de contrato cuja celebração foi proposta pela requerida.” (contrato que foi aceite por AA nos exatos termos em que foi assinado)
XXXIV) Quando na verdade foram dados como provados os factos GG), HH), que atestam bem que AA sabia perfeitamente que estava a assinar um contrato de prestação de serviços (como aliás sempre reconheceu, mesmo em sede de audiência de Julgamento). Acresce que,
XXXV) Dando por assente que a atividade de um docente universitário não se limita à lecionação de aulas e que importa não confundir os conceitos de horário de trabalho e de horários de lecionação, não resulta dos autos que o AA estivesse sujeito a um horário de trabalho, como era suposto acontecer numa relação de trabalho subordinado.
XXXVI) E tanto assim é que foi dado como provado em DD) que no ano letivo de 2020/2021, não lecionou aulas no segundo semestre, limitando-se a assegurar vigilâncias e exames de época normal e especial e, que nos meses de agosto não exercia qualquer atividade (cfr. facto dado como o provado N)).
XXXVII) A distribuição do serviço docente ao AA e a calendarização das avaliações em que tinha de participar eram feitas com o seu acordo, sendo que naquela distribuição era considerada a sua disponibilidade (cfr. facto dado como provado PP)).
XXXVIII) Pelo que, certo é que no momento da negociação e da celebração do contrato estavam as partes cientes do tipo de contrato que quiseram celebrar, e do seu clausulado, razão pela qual não encontramos nos autos qualquer alegação de um erro na formação da vontade de AA. Acresce que,
XXXIX) Conforme resulta do contrato de prestação de serviços, foi acordado um valor total de honorários relativos à carga horária do AA, a pagar em 12 prestações (e não em 14 prestações ano), que representavam uma parcela de uma avença anual acordada entre o AA e a Cooperativa, assim se percebendo, por exemplo, o pagamento de prestações retributivas em períodos de inatividade do estabelecimento de ensino da Cooperativa por férias escolares em que o AA nenhuma atividade prestava àquela.
XL) Sendo que, atento o facto dado como provado em O), quando realiza orientações de estágios, AA recebia uma verba suplementar.
XLI) Sem esquecermos que, a Cooperativa submeteu os honorários pagos a AA ao regime fiscal e contributivo próprio dos trabalhadores independentes (Facto dado como provado LL). Acresce que,
XLII) É certo que AA exercia a sua atividade docente em estabelecimento da Cooperativa, utilizando equipamentos e instrumentos de trabalho disponibilizados pela Cooperativa porém, as instalações e os equipamentos que a Cooperativa colocou à disposição do AA, foram, e ainda são, equipamentos e instalações de uso comum pela comunidade académica, tais como salas de aula, mesas, cadeiras, quadros, retroprojetores, sendo que AA nunca teve equipamento ou instrumentos para seu uso exclusivo, do mesmo modo que nunca teve um posto de trabalho próprio ou exclusivo, tendo tido apenas acesso salas partilhadas e de uso comum e a um gabinete partilhado.
XLIII) Sendo a atividade prestada pelo AA a da docência universitária, mal se concebe que as aulas fossem ministradas em instalações que não pertencessem à própria instituição de ensino, do mesmo modo que não se concebe que não seja a própria instituição de ensino a proporcionar os materiais, instrumentos e demais condições materiais para a lecionação e aprendizagem (v.g. salas de aula, biblioteca, apoio de pessoal auxiliar, etc.).
XLIV) Aliás, é das regras da experiência comum que os docentes (com contrato de trabalho ou de prestador de um serviço) normalmente devem lecionar nas salas de aula do respetivo estabelecimento de ensino e utilizam material ou equipamentos que lhe sejam disponibilizados para o efeito pela detentora do dito estabelecimento.
XLV) AA reportava diretamente ao Diretor de Departamento e, indiretamente, aos restantes órgãos académicos, nomeadamente ao Reitor, tendo durante a toda a prestação do trabalho obedecido a diversas ordens de serviço que lhe eram dadas, tais como as convocatórias para comparecer nas reuniões com o Diretor de Departamento, reuniões com a Administração, com a Reitoria, mas AA podia não comparecer a tais reuniões, sem qualquer consequência daí emergente, sinal evidente da ausência de uma subordinação típica da relação de trabalho subordinado.
XLVI) É natural que AA reporte aos órgãos académicos do estabelecimento de ensino em que leciona e que obedeça a algumas ordens de serviço, dado que:
a) Num domínio técnico-científico como o do ensino universitário, é exigível às entidades instituidoras dos estabelecimentos de ensino que garantam padrões mínimos de qualidade e organização no serviço que prestam, o que os obriga necessariamente a instituírem um conjunto de normas de organização e de carácter académico sem a observância das quais aqueles padrões não podem ser alcançados, razão pela qual não pode deixar de reconhecer-se-lhes a faculdade de exigirem aos seus docentes o cumprimento de normas, sejam eles prestadores de serviço ou trabalhadores subordinados;
b) O incumprimento de certas coordenadas organizativas ou determinados deveres académicos, como os parâmetros genéricos dos programas e a estrutura curricular estabelecidos pelos órgãos académicos da Universidade e aprovados pelo Ministério competente, teria por consequência a de o conteúdo das respetivas aulas não ser reconhecido oficialmente, nomeadamente, pela A3ES – Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior.
XLVII) A existência de contrato de prestação de serviço não é incompatível com a possibilidade de a parte que recebe a prestação poder emitir algumas diretivas, instruções e orientações sobre o modo pelo qual pretende que a prestação seja executada, e com o exercício pelo mesmo de algum controlo sobre o modo como o serviço é prestado (v.g. acórdãos do STJ de 21/9/2000, proferido no processo 109/00, de 6/3/2002, proferido no processo 3664/01, de 30/4/2002, proferido no processo 4278/01, de 29/5/2002, proferido no processo 3441/01, e de 6/12/2006, proferido no processo 3318/06).
XLVIII) A avaliação a que AA foi sujeito também não fundamenta a conclusão de que se está perante uma relação de trabalho subordinado, tendo em conta que o prestador de serviços também pode ser avaliado no seu desempenho prestativo pelo credor da prestação, além de que estava aqui em causa autoavaliação e a avaliação feita pelos alunos.
Acresce que,
XLIX) AA celebrou um contrato de prestação de serviços através do qual se comprometeu a prestar serviço de docência, lecionando uma determina UC, num determinado Departamento, mas não foi a Cooperativa que escolheu as UC´s que o lecionava, estas foram definidas sempre por acordo, em conformidade com a formação académica do AA e a sua disponibilidade (como aliás foi dado como provado em PP)).
L) Diga-se também, que a atribuição de um “Cartão Identificação” a um colaborador, não constitui qualquer indício de laboralidade.
LI) O acesso à cantina/bar é facultado a qualquer colaborador, independentemente do vínculo (cfr. Facto dado como provado T)).
LII) Sendo o AA um colaborador compreende-se que se faculte e facilite o seu acesso ao parque de estacionamento (veja-se facto dado como provado V)).
LIII) Sendo o AA um Docente compreende-se que lhe seja fornecido um “kit de boas-vindas”, que mais não é do que um dossier com alguns regulamentos académicos e orientações para a docência, composto por:
a) Pen (oferta) contento diversa regulamentação interna (nomeadamente, Código de conduta estudantes Universidade ..., Estatuto da Carreira docente, Regulamento de avaliação de desempenho, Manual gestão da qualidade, Plano de Contingência, Plano de retoma da Universidade ..., Política de acesso aberto informação científica, Regulamento Pedagógico, Sistema de Gestão documental Wemake, etc.;
b) Uma pasta reciclada da Universidade ...;
c) Uma caneta da Universidade ...;
d) Um folheto dos cursos da Universidade ....
LIV) Quanto ao cabaz de natal, tratou-se de um gesto da Cooperativa imbuído do natural e compreensível espírito natalício, e foi entregue a todos os colaboradores, sejam docentes, não docentes, prestadores de serviço, etc.
LV) Finalmente e no que concerne ao facto de o nome e fotografia do AA constar do site como docente (porque efetivamente o era, independentemente do vinculo) , não se vislumbra como poderá ser indício de laboralidade. Acresce que,
LVI) Tendo presentes os factos dados como provados QQ) a BBB), foi emitido Parecer pela Diretora do Departamento de Psicologia e Educação (ao abrigo do disposto no art. 26º, alínea f), dos Estatutos da Universidade ... (Diário da República, 2.ª série — N.º 179 — 15 de Setembro de 2009), nos seguintes termos:
Pelos motivos apresentados, e por não se verificarem reunidas as condições necessárias (em termos de experiência prévia e competências adquiridas) para uma efetiva contribuição para os objetivos do plano estratégico em vigor da Universidade ... (cf. https://....pt/content/ files/reitoria/Plano_Estrategico_2030_Dez2021.pdf), recomenda-se a dispensa de funções como Professor Auxiliar do Professor AA a partir de 31 de julho de 2022.” (cfr. Doc. ..., junto com a Oposição cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais)
LVII) O Conselho Científico (nos termos do disposto no art. 22º, alínea n), dos Estatutos da Universidade ...) pronunciou-se favoravelmente à dispensa do AA atento o Parecer Diretora do Departamento de Psicologia e Educação. (cfr. Doc. 5, junto com a Oposição cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais)
LVIII) O Reitor da Universidade ... (nos termos do disposto no art. 18º, dos Estatutos da Universidade ...) propôs ao Conselho de Administração da Cooperativa a não renovação do contrato de prestação de serviços do AA. (cfr. Doc. 6, junto com a Oposição cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais)
LIX) Sendo que, atento o disposto art. 10º, do Estatuto da Carreira Docente da Universidade ..., nos termos do qual:
“1- Cabe à Direção de cada Departamento submeter à apreciação do Conselho Científico as propostas de recrutamento do pessoal docente necessário.

3- Após parecer do Concelho Científico, compete à reitoria avaliar e, em caso disso, submeter as Propostas à Direção da EI.”” (cfr. Doc. 2, Junto com a Oposição)
Acresce que,
LX) A necessidade de adotar uma “carreira paralela” à do ensino público, juntamente com as exigências insistentemente expressas pela A3ES – Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior no sentido de estruturar o corpo docente sobre titulares do grau de doutor que sejam cientificamente ativos, sob pena de não-acreditação de cursos, justifica que a Cooperativa privilegie a contratação de doutorados em tempo integral (no sentido da alínea m), do art. 3º,do Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior), com produção científica, em detrimento de não-doutorados ou de doutorados que não exibam atividades de investigação.
LXI) Pelo que, não poderia e não pode ser celebrado um contrato de trabalho com este AA por não reunir os requisitos constantes da legislação, bem assim como do Estatuto da Carreira Docente Universitária para fazer parte do corpo docente próprio (docentes de contrato sem termo).
LXII) Como referimos, só docentes do corpo docente próprio é que compõem os rácios para uma Universidade, pelo que se AA com este CV porventura tivesse com contrato sem termo ou com termo, o que se coloca por mera hipótese académica, estaria a ocupar uma vaga cuja rácio valeria zero. Acresce que,
LXIII) Conforme se referiu supra, AA não cumpre os requisitos legais resultantes dos normativos legais, estatutos e regulamentos supra referidos, para fazer parte do corpo docente próprio da Universidade (docentes com contrato de trabalho sem termo), dada a ausência de qualquer atividade científica.
LXIV) Razão pela qual, para o ano letivo .../..., foi o serviço de AA distribuído à:
a) Dr.ª CC, Docente da Universidade;
b) Dr.ª DD, agora contratada.
(cfr. Doc. 12, 13, junto com a Oposição cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais)
LXV) Docentes titulares do grau de doutor, cientificamente ativos e com publicações de artigos em revistas científicas de reconhecida qualidade (ao contrário do AA), conforme se alcança dos respetivos CV’s e dos Relatórios Bibliométericos. (cfr. Doc. 14 a 17, junto com a Oposição cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais)
LXVI) Isto em cumprimento das exigências insistentemente expressas pela A3ES – Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior no sentido de estruturar o corpo docente sobre titulares do grau de doutor que sejam cientificamente ativos, sob pena de não-acreditação de cursos, privilegiando a contratação de doutorados em tempo integral (cuja definição nos é dada pelo Decreto-Lei n.º 65/2018, de 16 de agosto, que aprova o Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior, refere no seu art. 3º, m) «Regime de tempo integral» o regime de exercício da docência em que se encontram os que fazem do ensino e investigação a sua atividade profissional exclusiva ou predominante, não podendo ser considerados como tal em mais de uma instituição de ensino superior; (Sublinhado nosso)), com produção científica, em detrimento de doutorados que não exibam atividades de investigação. Acresce que,
LXVII) Os contratos de trabalho a tempo integral (no sentido dado pelo art. 3º, m), do Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior) celebrados pela Universidade ..., contêm uma cláusula onde são enumeradas as funções que os docentes se obrigam a cumprir e consagradas no art. 5º, do Estatuto da Carreira Docente da Universidade ...) e que não encontramos no contrato de prestação de serviços de AA, razão pela qual não as cumpria (nomeadamente, no que se reporta a produção científica e investigação).
LXVIII) Tenhamos também presente que no âmbito do Sistema de Avaliação de Desempenho (SAD), foram definidos os objetivos individuais para os docentes por despachos da Reitoria, onde se refere expressamente que a investigação e a produção científica constituem a atividade com a mais alta ponderação no conjunto das diferentes funções de um docente (cfr. facto dado como provado DDD). (cfr. Doc. 7 a 11, juntos com a Oposição e cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido por manifesta economia processual). Acresce que,
LXIX) Importa ainda ter presente o disposto nos artigos 9º, n.º 5, alínea j), 52º e 53º, todos do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), aprovado pela Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro, que realçam a necessidade de se assegurar uma carreira paralela dos docentes do Ensino Superior Privado e Cooperativo aos do Ensino Superior Público.
LXX) Ao deixar de se aplicar este princípio de equiparação ao sector público, estaremos a violar o RJIES, que, no seu artigo 52°, veio unificar este regime jurídico, reforçando a ideia de um paralelismo entre o ensino superior público e o ensino superior privado.
LXXI) Ora, não existindo até hoje, no Sector Privado, um Estatuto da Carreira Docente próprio, ter-se-á que aplicar o princípio da equiparação ao sector público como forma de responder à lacuna atualmente existente, reforçado pelo disposto no art. 9.º, n.º 4, do RJIES, nos termos do qual as instituições de ensino superior privadas se regem pelo direito privado em tudo o que não for contrariado por este diploma ou por outra legislação aplicável, sem prejuízo da sua sujeição aos princípios da imparcialidade e da justiça nas relações das instituições com os professores e estudantes, especialmente no que respeita aos procedimentos de progressão na carreira dos primeiros e de acesso, ingresso e avaliação dos segundos. Sem prescindir,
LXXII) Noutra ordem de considerações, importa ainda ter presente a seguinte fundamentação de direito:
“…
Aliás, a defesa da requerida não atacou tanto os pressupostos que agora se referiram, tendo assentado, essencialmente, no facto de AA não poder ser contratado como professor a tempo inteiro atentas a falta de actividade de investigação e de produção científica.
Ora, com todo o respeito por tal posição, não se me afigura que, ainda que tal possa ter alguma repercussão na avaliação da requerida enquanto universidade e que tal possa (e deva) ser por si ponderado aquando da contratação do corpo docente (qualquer que seja a modalidade de contrato), essas “falhas” no currículo do professor ora em causa possam retirar o carácter de subordinação jurídica ou económica da actividade por si exercida para com a requerida.
Não quer isto dizer que os requisitos de qualificação – seja a necessidade de investigação, seja a de produção científica – não possam ter influência nos contratos celebrados com os professores universitários.
Não podem é, por si só, afastar – se verificados os elementos típicos da subordinação jurídica – a possibilidade de celebrar um contrato de trabalho, determinando automaticamente a celebração de um contrato de prestação de serviços.
Aliás, ambos os Acórdão do STJ citados pela requerida (25/11/2009 e 26/06/15) versam sobre contratos de trabalho, questionando-se ali a possibilidade da contratação por duração limitada em moldes diferentes dos estabelecidos no C. Trabalho, questão muito diferente da colocada nestes autos.…”
LXXIII) Ora como se referiu, os contratos celebrados com os docentes são contratos atípicos, apesar da designação e do tipo que possam ter (contrato de trabalho, contrato de docência, contrato de prestação de serviços…), que contemplam especificidades, necessidades, direitos e deveres, quer do sector, quer do empregador, quer do colaborador, de modo a responder com dignidade, qualidade e legalidade a todos os requisitos que se impõem a uma boa prestação de serviços na área da transmissão dos conhecimentos e que não se compadecem com os princípios gerais impostos pelo contrato de trabalho, nomeadamente, a subordinação jurídica pura (por oposição à autonomia científica de um docente).
LXXIV) E sobre esta temática (características especificas do contrato de docência) invocou a Recorrente a título de exemplo, o Acórdão do STJ de 25/11/2009 (Vasques Dinis):
“… são conhecidas as dificuldades de monta que se deparam quando se pretende caracterizar o contrato de docência, em particular no que diz respeito ao ensino superior, e encontrar a disciplina jurídica adequada à realização dos fins que tal contrato tem em vista, sem pôr em causa, por um lado, a subsistência das instituições que, em colaboração ou em substituição do Estado, prosseguem a satisfação de um interesse colectivo — subsistência que depende, necessariamente, de altos padrões de qualidade dos serviços oferecidos, e menos da quantidade dos mesmos — e sem, por outro lado, deixar de salvaguardar os interesses dos prestadores da actividade de docência, no âmbito de um convénio em que figuram como trabalhadores por conta de outrem.
Tais dificuldades, presentes nas situações em que haja um vínculo laboral, decorrem, como salienta Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 729/730), da necessidade de compatibilizar o princípio da autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, consignado no artigo 76.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, com normas estruturantes do regime laboral comum, designadamente as que contemplam o horário e o período normal de trabalho diário e semanal e as que se referem à retribuição, compatibilização nem sempre possível, o que, na opinião do citado autor, justifica o estabelecimento de um regime laboral próprio.
Neste plano de consideração, a sujeição do exercício de funções docentes a determinados requisitos de qualificação, nível de desempenho e qualidade de resultados, em cada um dos patamares que constituem a carreira docente, temporalmente circunscritos, confere ao contrato, na sua génese e essência, duração limitada, o que, de algum modo, face ao que se deixou dito, levanta dúvidas sobre a adequação das normas do regime que, visando salvaguardar a garantia de segurança e estabilidade no emprego, regulam a celebração de contratos por tempo determinado, consigna, para tanto, apertados requisitos de ordem substancial e formal.”(Cfr. Processo 301/07.7TTAVR.C1.S1, Acórdão do STJ, de 25-11-2009 (Vasques Dinis) citado no Processo: 868/12.8TTVNF.P1.S1, Acórdão do STJ, de 26-06-2015 (Mário Belo Morgado).
LXXV) E foi precisamente, para estas especificidades do contrato de docência que a Recorrente invocou os mencionados acórdãos que a decisão ora em crise abstraiu pura simplesmente. E isto porque,
LXXVI) Tendo presente o art. 30º, n.º 1, 1), n.º 2, do RJIES, resulta que esta decisão ao impor à Entidade Instituidora (Cooperativa) do Estabelecimento de ensino (Universidade ...) que mantenha um trabalhador que foi dispensado pela Universidade, no âmbito da sua autonomia pedagógica, científica e cultural, por não preencher os requisitos exigidos (ausência de investigação), viola precisamente a tal o princípio da autonomia pedagógica e científica.
LXXVII) Autonomia científica e pedagógica reconhecida no RJIES (art. 30º, n.º 2,), mas também no art. 76, n.º 2, da CRP: Até porque,
LXXVIII) Importa ter presente o art. 4º, Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU), na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 205/2009, de 31 de Agosto, e o Estatuto da Carreira Docente da Universidade ... (20 de Fevereiro de 2002, atualizado em Outubro de 2014), que estabelece o regime da docência, a definição, as regras de avaliação e de progressão na carreira e também os direitos e deveres do pessoal docente (cfr. art. 5º, 27º).
LXXIX) O Decreto-Lei n.º 65/2018, de 16 de agosto, que aprova o Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior, refere no seu art. 3º:
“m) «Regime de tempo integral» o regime de exercício da docência em que se encontram os que fazem do ensino e investigação a sua atividade profissional exclusiva ou predominante, não podendo ser considerados como tal em mais de uma instituição de ensino superior;
LXXX) Não podendo, por conseguinte, ser (ao contrário do que entende a Julgadora) considerado a tempo integral, porque AA como ficou provado não faz do ensino e investigação a sua atividade profissional exclusiva ou predominante.
LXXXI) Pelo que, sem qualquer produção científica, não cumpre AA as obrigações e requisitos legais para ser considerado a tempo integral, razão celebrou e pretendeu um contrato de prestação de serviços.
LXXXII) Atento o atrás exposto, e tendo presente a decisão ora em crise resulta que não foi tida em consideração a especificidade do regime jurídico inerente ao exercício da docência no ensino superior.
LXXXIII) Bem assim como, não foram tidos em consideração os normativos legais supra expostos, nomeadamente, no que concerne:
a) à autonomia pedagógica e científica da Universidade (estabelecimento de ensino);
b) à obrigação da Cooperativa respeitar a autonomia pedagógica e científica do seu estabelecimento de ensino;
c) aos deveres que impendem sobre os docentes;
d) Requisitos para um docente ingressar no corpo docente próprio da Universidade;
e) Competência para avaliar o percurso académico de um docente;
f) Legitimidade para propor a contratação de docentes ou a sua dispensa (neste caso dos órgãos da universidade, e não a Cooperativa);
g) Procedimento tendente à contratação ou dispensa de um docente (competência da Universidade e não da Cooperativa).
LXXXIV) Destas especificidades abstraiu a Julgadora, balizando exclusivamente a sua ponderação e decisão no âmbito do Código do Trabalho, o que não se concebe.
LXXXV) Termos em que pelo exposto se entende que deve ser revogada a decisão ora em crie e, por conseguinte, ser julgado improcedente o procedimento cautelar de suspensão de despedimento.
TERMOS EM QUE,
Devem as invocadas nulidades ser julgadas procedentes, com as consequências legais;
Sem prescindir, deve o presente recurso ter provimento nos moldes em que vêm as conclusões formuladas e, por conseguinte, ser revogada a decisão recorrida.
I.4 O Recorrido Ministério Público apresentou contra-alegações, que encerrou com as conclusões seguintes:
1- O recorrente não impugna a decisão sobre a matéria de facto e tampouco suscita o seu reexame ou requer sua alteração (cfr. artigo 640º do Código de Processo Civil).
2- O artigo 53º da Constituição da república Portuguesa estabelece, o direito à segurança no emprego como o primeiro dos “Direitos, liberdades e garantias do trabalhadores”, expressão direta do direito ao trabalho.
3- Na sua vertente positiva, o direito ao trabalho consiste no direito a procurar e obter emprego; na sua vertente negativa o direito ao trabalho garante a manutenção do emprego o direito de não ser privado dele.
4- A Constituição da República Portuguesa estabelece ainda no artigo 219º, n.º 1 que ao “Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática.” Tais atribuições são concretizadas nos artigos 2º e 4º do Estatuto do Ministério Publico,
5- Nos termos do disposto no artigo 186ºK-n.º 1, do Código de Processo do Trabalho o Ministério Público, instaura a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, no prazo de 20 dias após a receção da participação prevista no n.º 3 do artigo 15-A, tratando-se assim de uma situação pro actione oficiosa.
6- E, nos termos do disposto nos artigos186º-S, e 5.º-A, al. c), do Código de Processo do Trabalho, o Ministério Público, tomando conhecimento que o trabalhador foi despedido no período que medeia entre a notificação ao empregador do auto de inspeção que “presume a existência de contrato de trabalho e o trânsito em julgado da decisão judicial da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho”, intenta procedimento cautelar de suspensão de despedimento”.
7- Estamos, também neste caso, numa situação pro actione oficiosa do Ministério Público, no exercício das atribuições que lhe estão legalmente cometidas em defesa do interesse do Estado-Comunidade e em defesa do interesse do trabalhador.
8- O procedimento cautelar de suspensão de despedimento em causa visa, antes de mais, acautelar os direitos do trabalhador entre a data em que entidade empregadora foi notificada do auto de inspeção, lavrado pela Autoridade Para as Condições do Trabalho, que presume a existência dum contrato de trabalho, até ao momento em que esteja definido e consolidado o vínculo jurídico que une a entidade empregadora e o trabalhador.
9- A providência cautelar sub judice foi instaurada oficiosamente pelo Ministério Público nos termos do disposto nos artigos 186º-S, 5.º-A, al. c), do Código de Processo do Trabalho, e 369º do Código de Processo Civil.
10- Nos termos do disposto nos artigos 40º e 81º da Lei de Organização do Sistema Judiciário e 186º K, 186º S do Código do Processo do Trabalho a competência material para conhecer da providência cautelar de suspensão de despedimento, bem como, da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho de que aquela depende incumbe unicamente aos Juízos do Trabalho.
11- Estabelece o artigo 76º, n.º 2 da Lei Fundamental que “As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, cientifica, pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo da adequada avaliação da qualidade do ensino”
12- Esta norma, constitucionaliza a autonomia das Universidades: isto é – autonomia estatutária, ao nível da sua auto-organização; - autonomia cientifica, ao livre desenvolvimento da investigação cientifica individual e institucional, envolvendo não só a liberdade de investigadores, docentes e alunos mas também a capacidade de organização de projetos e centros destinados a esse fim; - autonomia pedagógica, ou seja a liberdade de aprender e ensinar institucionalizada; abrangendo, portanto, a livre definição de planos de estudos , dos programas, dos conteúdos e dos métodos de ensino” (Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa- Anotada, Tomo I, pág. 738-740).
13- E, o artigo 30º do RJIES sob a epígrafe “Obrigações das entidades instituidoras de estabelecimentos de ensino superior privados” indica entre elas, no seu n.º 1, al. i) a “obrigação de contratar docentes e investigadores…” acrescentando no seu n.º 2 que as “competências próprias das entidades instituidoras devem ser exercidas sem prejuízo da autonomia pedagógica, científica e cultural do estabelecimento de ensino…”
14- Ora, autonomia surge muitas vezes como sinónimo de autodeterminação, independência ou liberdade. E, no exercício da sua autonomia a ré Universidade decide livremente contratar ou não contratar determinado docente ou investigador.
E é também no âmbito dessa autonomia e independência que a Ré opta pela celebração de contratos de trabalho ou de prestação de serviços.
15- De facto, o artigo 405º do Código Civil erige a liberdade de contratar associada à vinculação jurídica gerada pelos contratos numa demostração da autonomia privada. E, por isso mesmo apenas residualmente valora juridicamente a ausência genuína de vontade, por falta ou grave vício volitivo, v. g. a coerção ou o erro (artigos 240.º a 256.ºCC), a notória incapacidade acidental (artigo 257.ºCC), a usura, que só releva quando os benefícios forem excessivos ou injustificados (artigo 282.ºCC).
16- Ora, foi precisamente no exercício da autonomia científica e da sua auto governação que a ré celebrou um contrato com o trabalhador em causa nos autos.
17- E, verificando-se os pressupostos da subordinação jurídica, como sucede in casu e está amplamente demonstrado na sentença recorrida, a relação contratual de docência estabelecida entre a ré e o trabalhador AA só pode ser qualificada juridicamente como um contrato de trabalho.
18- Não vislumbramos, na sentença recorrida, porque inexiste, qualquer violação do principio da autonomia cientifica da ré, ou qualquer vicio de nulidade.
19- O artigo 186º, S do CPT veio estabelecer o “Procedimento cautelar de suspensão de despedimento subsequente a auto de inspecção previsto no artigo 15.º-A da Lei 107/2009” estabelecendo a aplicação supletiva do regime previsto nos artigos 33ºA a 40º-A, com as necessárias adaptações.
20- Da conjugação do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 36º do CPT, a decisão deve ser proferida imediatamente após a produção de prova em sede de audiência de julgamento ou, se complexidade da causa o justificar, no prazo de 8 dias, conquanto não tenham decorrido mais de 30 dias a contar da entrada do requerimento inicial.
21- Tal prazo, é meramente indicativo, no caso, existe para proteção do demandante, e não estabelece a lei qualquer cominação para o seu incumprimento.
22- O direito a uma decisão judicial em prazo razoável, assegurado pelo artigo 6º, 1º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e acolhido no artigo 20º, n.º 4 da CRP, através da consagração de que “todos têm direito a que uma causa seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo” assegura “o direito à justiça em prazo razoável” garantindo-se às partes envolvidas numa ação judicial o direito de obter do órgão jurisdicional competente uma decisão dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à natureza e complexidade do processo judicial.
23- A audiência de julgamento decorreu nos dias 08 e 16 de setembro de 2022 e a sentença foi proferida em 23 de setembro de 2022, ou seja, a sentença foi proferida no prazo de 8 dias que a lei para tal confere, e consequentemente em “prazo razoável”, proporcional e adequado à complexidade da causa e como tal, em respeito absoluto pelo disposto no artigo 20.º n.º 4 da CRP e n.ºs 2 e 3 do artigo 36º do CPT.
24- De qualquer forma não se vislumbra que a redação do referido artigo 36º, n.ºs 2 e 3 do CPT viole o disposto no artigo 20º, n.º 4, 202º, n.º 1 ou 205º, n.º 3 da CRP.
25- O dever de fundamentação das decisões judiciais decorre do imperativo constitucional ínsito no artigo 205.º da CRP e densifica-se legalmente através do estabelecido no artigo 154.º do Código de Processo Civil, tal dever visa a explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido em detrimento de outro sentido.
26- A jurisprudência é pacífica no sentido de afirmar que a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito, não se verificando tal nulidade quando a fundamentação é reduzida ou até insuficiente.
27- No caso em apreço, estão devidamente especificados os fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão recorrida. Não existe, assim, qualquer falta absoluta ou sequer relativa de fundamentação.
28- Da decisão recorrida consta a motivação da decisão de facto tal como consta a respectiva matéria de facto que foi dada como provada, bem como os respectivos fundamentos de direito que no entender do Tribunal a quo ficaram preenchidos.
29- Da leitura dos factos constantes da matéria assente, não se nos afigura verosímil extrair deles o sentido pretendido pela ré, de facto não vislumbramos a existência de qualquer contradição entre os factos constantes da matéria assente “D) AA) e os factos RR) SS) YY) GGG) HHH) III) ou entre os factos M), “PP) “H) I) J) e o facto assente PP).
30- Ao invés, daqueles factos resulta perfeitamente claro que o trabalhador AA exerce as suas funções de docência sob ordens e direção da ré e no âmbito daquelas funções “desenvolve e faz investigação”, “vigia exames”, “faz atendimento dos alunos…”
31- Atenta a irrelevância para a decisão, deverá ser considerado como não escrito o facto dado simultaneamente como provado (item PP) e não provado (ponto 3).
32- Da concatenação dos factos N) da matéria assente e 9) dado como não provado, não resulta qualquer contradição.
33- Da leitura dos factos I) e PP) da matéria assente e do facto10) dado como não provado, não resulta qualquer contradição
34- A relação jurídica em causa, constituiu-se em 01.09.2020 [CC) dos factos assentes], e mantém-se inalterada na vigência do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12 de fevereiro.
35- Apurada a existência de (a) Prestação de atividade, por parte de AA; (b) Em local pertencente ao beneficiário da atividade, a ré, ou por ela determinado; (c) com utilização, pelo prestador da atividade de equipamentos e instrumentos pertencentes ao beneficiário da atividade; (d) Com cumprimento, por parte de AA, de um horário de início e termo de atividade estabelecido pela ré; (e) Com pagamento, por parte da ré, com periodicidade mensal, de uma quantia certa ao trabalhador, como contrapartida da mesma; (f) Com respeito, por parte de AA, de ordens e instruções da ré, estamos perante um contrato de trabalho e não de um contrato de prestação de serviços, independentemente da denominação que as partes outorgantes lhe tenham atribuído.
36- A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços tem por base o objeto do contrato (prestação de uma atividade) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
37- Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas (artigos 10º, do Código do Trabalho e 1152º Código Civil). Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição (artigo 1154º do Código Civil).
38- Cotejando estes dois institutos, e não obstante a dificuldade de distinção entre ambos face às características de cada um que se entrecruzam, é entendimento uniforme que as subordinações jurídicas e económicas constituem o núcleo diferenciador do contrato de trabalho.
39- Assim, o contrato de trabalho caracteriza-se pelo estado de dependência jurídica do trabalhador em consequência da submissão à autoridade e direção da entidade para quem presta trabalho, enquanto que no contrato de prestação de serviços o seu cerne está no resultado da atividade.
40- Todavia, face à variedade de situações fácticas que a realidade proporciona e à dificuldade de integração num ou noutro daqueles contratos, o legislador optou por elencar determinadas circunstâncias (factos-base) cuja verificação faz presumir a existência de contrato de trabalho, as denominadas presunções de laboralidade, constantes do artigo 12º, n.º 1 do Código de Trabalho.
41- A comprovação da verificação, em concreto, daquelas circunstâncias (enunciadas no mencionado artigo 12º), que permitem presumir a laboralidade, fica a cargo da parte que visa o reconhecimento do contrato de trabalho.
42- Assim, comprovadas essas circunstâncias, factos-base da presunção, pelo menos duas delas, conforme é jurisprudência pacífica, presume-se a existência de contrato de trabalho, cabendo à outra parte a prova do contrário, isto é, cabendo ao empregador a prova da ocorrência de outros factos que pela sua quantidade e características conduzam a conclusão diversa (neste sentido, Acórdãos do TRL de 11.02.2015, de 03.12.2014; do TRG, de 14.05.2015; do TRP de 10.10.2016, de 30.01.2017, de 14.12.2017, in www.dgsi.pt).
43- In casu ficou demonstrado que o trabalhador, AA, Professor Universitário: - Desempenha as suas funções nas instalações da Ré ou em local por ela indicado [artigo 12º, n.º 1 a) Código do Trabalho] – cfr. E) dos factos assentes; - Na sua atividade utiliza equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré [artigo 12º, n.º 1 al. b) Código do Trabalho] – cfr. F), G) dos factos assentes; - Observa as horas de inicio e termo da atividade estabelecido pela Ré - [art.12º, n.º 1 c), Código do Trabalho] - cfr. H), I) j) dos factos assentes;- Como contrapartida do trabalho prestado aufere uma quantia que é processada mensalmente [artigo 12º, n.º 1 al. d), Código do Trabalho] – cfr N) dos factos assentes.
44- Da factualidade provada, tal como decidido na douta sentença a quo, resulta inteiramente demonstrado que a relação contratual estabelecida entre AA e a ré é uma relação laboral, por se encontrarem preenchidas as circunstâncias enunciadas nas alíneas a) b) c) e d) do n.º 1 do artigo 12º do código do Trabalho.
45- Mas, para além disso, importa ainda salientar que, in casu a par da verificação de quatro, das cinco, características base da presunção de laboralidade previstas no citado normativo, todo o demais enquadramento da relação jurídica estabelecida entre o trabalhador AA e a ré revela, a nosso ver, de forma clara e inequívoca, a existência de subordinação jurídica, típica do contrato de trabalho, deste trabalhador à ré.
46- E com vista a ilustrar essa subordinação jurídica, saliente-se que, de acordo com a factualidade assente o trabalhador AA encontra-se inserido no contexto organizativo da Ré e executa as suas funções de acordo com as ordens, instruções, fiscalização e sob a autoridade direção daquela.
47- Não se vislumbra, face ao quadro descrito, qualquer vestígio de autonomia por parte de AA no exercício concreto das suas funções.
48- A relação estabelecida entre AA e a requerida configura uma típica relação laboral, que apenas pode cessar por uma das vias previstas no artigo 340º do Código do Trabalho.
49- Considerando que e em Junho ou Julho de 2022, AA foi convocado pela Diretora da ré para uma reunião, que teve lugar, no dia 22.07.2022 e na qual aquela “Srª Diretora lhe transmitiu verbalmente que, a partir do dia 31.08.2022 deixaria de prestar serviços naquela Universidade.”
50- Tal a comunicação, não precedida de qualquer um dos procedimentos previstos nos artigos 351º e seguintes do Código do Trabalho, traduz-se num verdadeiro despedimento ilícito.
51- A sentença recorrida ao julgar procedente a providência cautelar e ao decretar a suspensão do despedimento de AA, atribuindo força executiva relativamente aos salários em dívida, fez uma correta ponderação e apreciação da matéria de facto fixada e de interpretação da lei.
52- A sentença recorrida não viola a Constituição nem qualquer normativo legal.
53- Não enumera a apelante quaisquer argumentos nem elenca quaisquer factos que invalidem o decidido pela Mma. Juiz, devendo manter-se a sentença proferida nos seus termos.
Em face do exposto, deve o recurso improceder confirmando-se a sentença proferida nos seus precisos termos.
I.5 Sendo o presente procedimento instaurado pelo Ministério Público, não houve lugar ao parecer a que alude o art.º 87.º3, do CPT.
I.6 Ao proferir despacho sobre a admissibilidade do recurso, o Tribunal a quo pronunciou-se quanto às arguidas nulidades da sentença, conforme segue:
«[..]
Das nulidades: Afigura-se-me não se verificarem as nulidades invocadas pelo recorrente no que respeita à incompetência material, ao disposto no artigo 70º, no 2 da CPR e 30º, no 2 do RJIS e à não especificação dos fundamentos da decisão, contudo V.as Ex.a melhor decidirão.
Quanto à violação do disposto no artigo 36º, no 2 do CPT é facto que não se mostra cumprido o prazo ali previsto, não podendo deixar de se salientar que a audiência de julgamento agendada para 8/08 não se realizou na sequência do pretendido pela própria requerida e Ministério Publico. Ademais, tal não configura uma nulidade, sendo que nem a requerida retira consequência alguma do facto de ter sido ultrapassado o prazo previsto na dita norma.
Quanto à contradição entre os factos dados como provados, afigura-se-me que assiste parcialmente razão à recorrente.
De facto, no ponto AA) consta que “AA faz investigação no âmbito do programa REMIT ...”, sendo que nos pontos SS) e YY) consta que não realizou actividades de investigação científica, daqui resultando uma contradição patente.
Por outro lado, o facto constante no ponto PP) dos factos provados consta simultaneamente nos factos não provados (ponto 3) e está em clara contradição com o que consta em M).
Importa, assim, suprir as apontadas nulidades.
No que respeita à primeira contradição, determino que os pontos SS) e YY) a) passem a ter a seguinte redacção, por forma a harmonizar a decisão, indo a mesma no sentido da convicção do tribunal:
“SS) Não existem registos de atividades de conceção, coordenação e participação em projetos de investigação científica, para além do referido em AA), de orientação de estudantes de doutoramento ou de investigadores integrados em projetos de investigação, e de intervenção na comunidade científica, nomeadamente de avaliação de atividade científica.
YY) AA não realizou (ou tem realizado desde a sua integração mais recente na Universidade ...) de forma continuada e extensiva as seguintes funções:
a) realizar atividades de investigação científica para além do referido em AA), de criação cultural ou de desenvolvimento tecnológico”.
Como resulta da leitura decisão no seu todo, a inclusão do ponto PP) dos factos provados resulta de um mero lapso de processamento de texto, pois que já consta do ponto 3) dos factos não provados, pelo que determino a eliminação daquele ponto PP) dos factos provados.
Quanto às demais apontadas contradições, entendo que as mesmas se não verificam, contudo V.as Ex.a melhor decidirão. Consigna-se que este despacho se considera como complemento e parte integrante da sentença proferida.
Mais se consigna que o recurso fica a ter por objecto esta nova decisão, podendo a recorrente usa da faculdade prevista no artigo 617º, n.º 3 do CPC, podendo o recorrido responder a tal alteração».
I.6.1 Pela recorrente não foi apresentado qualquer requerimento nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 617.º 3, do CPC.
I.7 Foram cumpridos os vistos legais e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência.
I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas pela recorrente para apreciação – que elencamos por ordem de precedência e não pela indicada por aquela - são as seguintes:
i) Excepção da incompetência material do tribunal;
ii) Nulidade da decisão final por falta de especificação dos fundamentos de facto que a justificam [art.º 615.º n.º 1, al. b)];
iii) Nulidade por violação do disposto no art.º 70.º n. º2, da CRP e art.º 30.º n.º 2, do RJIES;
iv) Nulidade por violação do disposto no art.º 36.º n.º 2 e 3 do CPT; v) Contradição entre factos provados e entre estes e não provados;
vi) Erro de julgamento na aplicação do direito aos factos.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O elenco factual considerado indiciariamente provado pelo Tribunal a quo - sem as alterações que introduziu com os fundamentos constantes do despacho transcrito no ponto 1.6 - é o que segue:
A) A requerida, tem como actividade, além do mais, “… ministrar, quando autorizada e nos termos da lei, o ensino superior”.
B) Na sequência de uma ação inspetiva desenvolvida pela “Autoridade para as Condições do Trabalho – Centro Local do Grande Porto” (ACT), a requerida “A..., CRL”, foi notificada de um auto de inspeção, previsto no n.º 1 do art.º 15.º-A da Lei 107/2009, de 26/05/2022, visando o requerente AA.
C) Em 26 de Maio de 2022, AA prestava a atividade de docente, com a categoria de Professor Auxiliar, integrado no Departamento de Psicologia e Educação da Universidade ....
D)Tal atividade de docência, em regime de tempo integral, consiste na lecionação das aulas, na avaliação dos alunos e no atendimento destes, cabendo-lhe, ainda, a vigilância a exames, integrar a comissão de curso, desenvolver investigação e, desde 01 de abril de 2022, a orientação de estágios, sendo que, anteriormente, já foi responsável por orientações de mestrado.
E) A referida atividade não pode ocorrer onde o trabalhador entender, tendo, obrigatoriamente de ser realizada nas salas de aulas existentes nas instalações da Requerida, na Rua…, …, no Porto.
F) No desenvolvimento da sua actividade, AA utiliza equipamentos e instrumentos disponibilizados pela requerida, e a esta pertencentes, nomeadamente, canetas, data-show e quadro.
G) Com exceção do computador portátil, todos os materiais, equipamentos e instrumentos de trabalho são pertença da Requerida, à qual incumbe a manutenção e reposição dos mesmos.
H) AA cumpre horário de trabalho determinado superiormente e observa as horas de início e termo de atividade estabelecidas pela Requerida.
I) Tal é concretizado mediante a elaboração de horários, com indicação das respetivas datas, para as seguintes atividades conforme definido e determinado pela Requerida:
- Lecionação das aulas referentes às diversas unidades curriculares de que está incumbido;
- Vigilância de exames nos dias e horas determinados pela Requerida e constante de mapa próprio dirigido a todos os docentes, sendo obrigatório que cada um assegure um número mínimo de tais vigilâncias, sem que tal serviço seja remunerado;
- Realização de exames escritos e orais;
- Reuniões com outros docentes; e
- Atendimento dos alunos, mediante horário a indicar pelo trabalhador, que corresponda a metade do número de horas lecionadas e que não conflitua com os horários das aulas dos alunos.
J) O número de horas de docência asseguradas por AA resultou sempre de determinação da Ré, limitando-se aquele a prestar a sua anuência.
K) AA está obrigado ao dever de assiduidade e ao controlo dos tempos de trabalho, o qual é efetuado através da validação da folha de presenças dos alunos (esta é recolhida junto do contínuo e depois de efetuada a chamada é rubricada e devolvida ao contínuo, a quem incumbe, em caso de falta do docente, registar tal ausência no sistema informático da Requerida).
L) Caso AA esteja impossibilitado de lecionar determinada aula, não pode, por sua iniciativa, proceder à alteração do horário desse tempo letivo, estando obrigado, como qualquer docente, a proceder à reposição da aula e a justificar a sua falta.
M) AA recebe ordens, regras e orientações para a execução do trabalho, nomeadamente da professora EE, a quem reporta os relatórios do final do ano letivo, e das professoras FF e GG com as quais esclarece as dúvidas ou questões que surjam na sua atividade, e em particular:
- Quanto à escolha das unidades curriculares: Coube à Diretora do Departamento de Psicologia e Educação, professora HH, definir as unidades curriculares lecionadas pelo trabalhador em cada um dos anos letivos;
- Quanto à determinação para participar em reuniões de docentes;
- Quanto à sujeição ao “Regulamento de avaliação de desempenho”;
- Quanto à obrigatoriedade para se voluntariar para fazer vigilâncias;
- Quanto aos horários em que deve lecionar as aulas;
- Quanto à circunstância de poder ser objeto de intervenção hierárquica mesmo na sua atividade de docente: foi chamado a uma reunião com as professoras GG e FF, diretoras de departamentos, para apurar questões colocadas pelos alunos relativamente à avaliação de trabalhos destes, e quando foi advertido de que deveria pontuar os sumários das aulas de acordo com que constava das fichas das respetivas unidades curriculares;
- Quanto à integração nas listas de docentes orientadores de estágios;
- Quanto aos procedimentos a adotar em casa de falta, mediante a imposição de justificação da falta e de reposição da aula;
- Quanto ao preenchimento das fichas das unidades curriculares, de acordo com as orientações provindas da Reitoria da Universidade ..., as quais, depois de inseridas no sistema informático, são alvo de avaliação; e
- Quanto ao cumprimento do Regulamento Pedagógico da Requerida.
N) Como contrapartida do trabalho prestado, AA recebe, por transferência bancária e com periodicidade mensal, no final de cada mês, a quantia de € 1500,00, unilateralmente definida pela Requerida, tendo em conta a carga horária contratada, dividida por 12 meses, ou seja, incluindo o mês de agosto, em que o trabalhador não exerce qualquer atividade, emitindo AA, mensalmente, recibo verde eletrónico, com a indicação “Docência”.
O) Quando realiza orientações de estágios, AA recebe uma verba suplementar.
P) AA encontra-se inserido no Departamento de Psicologia e Educação da Universidade ..., do qual fazem parte os diversos docentes, quer os pertencentes ao quadro, quer os restantes.
Q) A Ré atribuiu a AA um endereço de correio eletrónico, com o domínio da Universidade ...: ....
R) AA dispõe de gabinete (com o número 303), partilhado com outros docentes, sendo que cada um tem secretária própria e armário com chave, sendo aqui efetuado o atendimento dos alunos.
S) AA tem acesso à cantina / bar, como todos os docentes e alunos, bem como a uma área reservada a funcionários e docentes.
T) O acesso à cantina/bar é facultado a qualquer colaborador, independentemente do vínculo.
U) A Requerida atribuiu-lhe um cartão com o seu logótipo, que lhe permite tirar fotocópias e aceder ao parque de estacionamento, a título gratuito, tal como todos os docentes.
V) O acesso gratuito ao parque de estacionamento é dado a todos os colaboradores da Cooperativa, sejam prestadores de serviços, sejam trabalhadores docentes e não docentes.
W) Aos fornecedores da Cooperativa é disponibilizado um cartão de acesso ao parque.
X) No início do ano letivo de 2020/21, AA foi convidado pela Requerida a participar de uma cerimónia de receção aos novos docentes, na qual lhe foi entregue um kit de boas-vindas, idêntico ao recebidos pelos restantes docentes.
Y) Aquando do Natal, AA recebeu da Requerida, tal como os demais docentes, um cabaz de Natal.
Z) O nome e a fotografia de AA constam no sítio da Ré, como docente a tempo integral, embora no Departamento de Economia e Gestão.
AA) AA faz investigação no âmbito do programa REMIT (Research on Economics Management and Information Technologies), unidade de investigação criada pela Requerida com vista ao desenvolvimento de uma nova política de investigação.
BB) A atividade profissional de docência prestada por AA para a Requerida garante àquele cerca de 80% dos seus rendimentos.
CC) AA iniciou funções de Professor Auxiliar para a Requerida em 01 de setembro de 2020, tendo celebrado um contrato denominado “Contrato de Prestação de Serviços”, pelo período de um ano e com possibilidade de renovação, pelo qual asseguraria, em média, 09h00 semanais de serviço docente, junto aos autos principais e cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
DD) No ano lectivo de 2020/2021, a carga horária de AA foi concentrada no primeiro semestre (22 horas semanais), não tendo lecionado aulas no segundo semestre, limitando-se a assegurar vigilâncias e exames de época normal e especial, apesar de ter sido pago em 12 meses.
EE) Em julho de 2021, a requerida comunicou a AA que iria proceder à renovação do aludido contrato, para o ano letivo de 2021/22, agora com uma carga horária média de 12 horas semanais, ou seja, o correspondente ao tempo integral de trabalho.
FF) Todos os docentes a tempo integral estão vinculados à requerida por contrato de trabalho.
GG) AA está inscrito na Autoridade Tributária e na Segurança Social como trabalhador independente, com as atividades de formador, consultor e psicólogo.
HH) AA contratualizou seguro de acidentes de trabalho como trabalhador independente, assumindo os encargos daí decorrentes.
II) Por carta registada, a Autoridade para as Condições do Trabalho (Centro Local do Grande Porto) procedeu à notificação da Requerida, para, no prazo de dez dias, proceder à regularização da situação do trabalhador AA, ou para se pronunciar.
JJ) A requerida deu resposta à ACT, em 13/06/2022, no sentido de não pretender a regularização da situação contratual do trabalhador em causa, não a tendo regularizado, efetivamente.
KK) Em Junho ou Julho de 2022, AA foi convocado pela Drª EE, Diretora do Departamento de Psicologia e Educação da “A..., CRL”, para uma reunião, que teve lugar, no dia 22/07/2022 e na qual aquela srª Diretora lhe transmitiu verbalmente que, a partir do dia 31/08/2022 – último dia da vigência do contrato de prestação de serviços que celebrou com a “A..., CRL” – este deixará de prestar serviços naquela Universidade.
LL) A Cooperativa submete os honorários pagos ao Prestador ao regime fiscal e contributivo próprio dos trabalhadores independentes.
MM) AA reporta diretamente ao Diretor de Departamento e, indiretamente, aos restantes órgãos académicos, nomeadamente ao Reitor, tendo durante a toda a prestação do trabalho obedecido a diversas ordens de serviço que lhe eram dadas, tais como as convocatórias para comparecer nas reuniões com o Diretor de Departamento, reuniões com a Administração, com a Reitoria.
NN) Os órgãos da Universidade marcavam as suas próprias reuniões em que o Prestador deveria estar presente, e que o Prestador esteve presente em diversas reuniões, nomeadamente, de departamento, reuniões de preparação dos anos letivo, reuniões de avaliação e reuniões sobre outros assuntos que envolviam a Universidade.
OO) AA foi sujeito a avaliação no seu desempenho - autoavaliação e avaliação feita pelos alunos.
PP) Não é a Cooperativa que escolhe as unidades curriculares que AA leciona, estas são definidas sempre por acordo, em conformidade com a sua formação académica e disponibilidade [eliminado por rectificação do Tribunal a quo, conforme referido adiante na nossa fundamentação]
QQ) AA é doutorado em Psicologia Social e Organizacional, especialidade em Psicologia Social, Ambiental e Comunitária, tendo obtido o seu grau em 2007, pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa.
RR) Desde 13/04/2022, AA não realizou qualquer publicação científica em revistas da especialidade, indexadas nas bases de referência ou em quaisquer outros meios de disseminação científica (i.e., revistas não indexadas, livros ou capítulos de livros, ou atas de conferências).
SS) Não existem registos de atividades de conceção, coordenação e participação em projetos de investigação científica, de orientação de estudantes de doutoramento ou de investigadores integrados em projetos de investigação, e de intervenção na comunidade científica, nomeadamente de avaliação de atividade científica.
TT) Não é reportada experiência de conceção, ou de coordenação de projetos pedagógicos, ou de elaboração de materiais pedagógicos.
UU) AA tem experiência de orientação de 10 dissertações de mestrado entre os anos de 2011 e 2014, não sendo referida a orientação de qualquer trabalho científico ou académico desde essa data.
VV) Não são, ainda, identificadas atividades de transferência de conhecimento para empresas e instituições nos últimos 8 anos, tais como ações de consultoria ou de lecionação de cursos não conferentes de grau a públicos estratégicos, no âmbito da sua atividade como docente universitário (realizou algumas atividades de formação e consultoria em datas prévias).
WW) Não são conhecidas atividades de participação em órgãos de gestão de ensino superior, nem de participação na preparação de propostas de novos ciclos de estudo.
XX) Como membro de júri de provas académicas AA tem participação em três provas entre os anos de 2009 e 2010.
YY) AA não realizou (ou tem realizado desde a sua integração mais recente na Universidade ...) de forma continuada e extensiva as seguintes funções:
a) realizar atividades de investigação científica, de criação cultural ou de desenvolvimento tecnológico;
b) participar em tarefas de extensão universitária, de divulgação científica e de valorização económica e social do conhecimento;
c) participar na gestão das respetivas instituições universitárias;
d) e participar em outras tarefas distribuídas pelos órgãos de gestão competentes e que se incluam no âmbito da atividade de docente universitário.
ZZ) Foi emitido Parecer pela Diretora do Departamento de Psicologia e Educação, nos seguintes termos: “Pelos motivos apresentados, e por não se verificarem reunidas as condições necessárias (em termos de experiência prévia e competências adquiridas) para uma efetiva contribuição para os objetivos do plano estratégico em vigor da Universidade ... (cf. https://....pt/content/files/ reitoria/Plano_Estrategico_2030_Dez2021.pdf), recomenda-se a dispensa de funções como Professor Auxiliar do Professor AA a partir de 31 de julho de 2022.”.
AAA) O Conselho Científico pronunciou-se favoravelmente à dispensa de AA atento o Parecer Diretora do Departamento de Psicologia e Educação.
BBB) O Reitor da Universidade ... propôs ao Conselho de administração da Cooperativa a não renovação do contrato de prestação de serviços do Prestador.
CCC) Para o ano letivo .../..., foi o serviço de AA distribuído a:
a) Dr.ª CC, Docente da Universidade;
b) Dr.ª DD, agora contratada, docentes titulares do grau de doutor, cientificamente ativos e com publicações de artigos em revistas científicas de reconhecida qualidade.
DDD) No âmbito do Sistema de Avaliação de Desempenho (SAD), foram definidos os objetivos individuais para os docentes por despachos da Reitoria, onde se refere expressamente que a investigação e a produção científica constituem a atividade com a mais alta ponderação no conjunto das diferentes funções de um docente.
EEE) AA está incluído numa equipa da Requerida, na área de gestão da hospitalidade, num projeto da Fundação ....
FFF) AA consta da plataforma de atualização de equipas de investigação da Fundação ..., enquanto colaborador com uma dedicação de 10%, não estando identificado na mesma enquanto membro integrado.
GGG) Consta ainda como membro de equipa da proposta de projeto com a referência ... no âmbito do Concurso de Projetos de I&D em Todos os Domínios Científicos – 2022.
HHH) Essa proposta tem por Investigadora Responsável II e por Co-Investigadora Responsável JJ.
III) A restante equipa é composta por 15 membros, dos quais faz parte AA, com uma dedicação de 10%, não sendo ainda indicado como Membro nuclear da Proposta.
JJJ) As duas últimas versões das análises já efetuadas ao CV de AA não registam qualquer alteração em relação à primeira versão, de 2020.
KKK) AA não tem publicações indexadas e os seus perfis ... e ... não referem produção científica para além da referida no CV.
*
Factos não provados com interesse para a decisão:
1) Uma vez que a atribuição das salas de aulas é definida informaticamente, cabe a AA dirigir-se aos serviços de apoio (contínuo) para receber o comando do data show e as canetas, procedendo, se for o caso, à sua devolução no final das aulas, bem como da chave da respetiva sala.
2) AA é membro da Comissão Técnico-científica do Departamento de Psicologia e Educação e da comissão de curso, à qual compete reportar superiormente a avaliação dos incidentes e questões suscitadas durante o semestre e se as fichas da unidade curricular estão conformes com as normas da Universidade ....
3) Não é a Cooperativa que escolhe as unidades curriculares que AA leciona, estas são definidas sempre por acordo, em conformidade com a sua formação académica e disponibilidade.
4) O “Cartão Identificação” é um documento que permite identificar o seu titular, e que permite circular nas instalações da Cooperativa e é atribuído a todos os colaboradores, sejam docentes, sejam não docentes, sejam prestadores de serviço, sejam trabalhadores, sejam alunos, cartão que visa também facilitar o controlo pela segurança de quem entra nas instalações.
5) O endereço eletrónico como domínio da Universidade foi atribuído a AA por forma a que os contactos com os alunos e com todos os órgãos da Universidade seja fiável, identificável e seguro.
6) O cabaz de natal foi entregue a todos os colaboradores, sejam docentes, não docentes, prestadores de serviço, etc.
7) Os contratos de trabalho a tempo integral celebrados pela Universidade ..., contêm uma cláusula onde são enumeradas as funções que os docentes se obrigam a cumprir: “O Segundo Outorgante desempenhará as suas funções nas instalações da Universidade ..., à Rua ..., ..., ... Porto, e eventualmente noutras que decorram de protocolos de colaboração, em regime de tempo integral de 35 horas semanais, com permanência efetiva nas mesmas, onde se inclui a lecionação de uma média de 12 horas letivas semanais, obrigando-se a cumprir as funções que lhe competem com zelo e dedicação nos termos dos Estatutos da Universidade ... e demais legislação aplicável, que incluem:
a) Lecionação em qualquer um dos ciclos de estudo graduados;
b) Tarefas departamentais como organização de conferências, seminários, organização e lecionação de cursos de pós-graduação/especialização e colaboração na preparação e lecionação de outras atividades extras curriculares que o departamento venha a desenvolver;
c) Desenvolvimento de investigação científica, traduzível, no mínimo, na publicação anual de um artigo em revistas científicas de reconhecida qualidade;
d) Fazer parte dos Centros de Investigação da Universidade como Investigador Integrado, podendo esta obrigação ser objeto de derrogação desde que seja considerada de interesse da Instituição;
e) Orientação de dissertações de mestrado e teses de doutoramento, nos moldes concretos definidos pela Diretora de Departamento;
f) Integração em júris académicos, nomeadamente júris de mestrado, de doutoramento ou progressão na carreira académica para que seja convocado;
g) Participação em todos os órgãos académicos e científicos que integre e em reuniões para que seja convocado;
h) Coordenações de cursos e regências de unidades curriculares dos vários ciclos de estudos graduados.
i) Avaliar os alunos por testes escritos ou orais nas respetivas épocas normal, de recurso, especial (Setembro) e trabalhador/finalista, realizar as vigilâncias, lançar as notas e assinar as respetivas pautas de todas as unidades curriculares que lecione, e que ocorram mesmo fora do período de vigência do contrato, mas que se refiram ao ano letivo em que lecionou a(s) respetivas unidade(s) curricular(es).
8) AA podia transferir aulas no caso de faltas previsíveis, compensá-las no caso de faltas imprevisíveis.
9) Não foi acordado entre AA e a Cooperativa, nem nunca foi praticado, um período durante o qual aquele devesse manter-se ao serviço da Cooperativa ou disponível para lhe prestar serviço, sendo que durante o período de férias escolares não prestava à Cooperativa qualquer serviço, não estava obrigado a manter-se disponível para o prestar e nem se deslocava às suas instalações.
10) A distribuição do serviço docente e a calendarização das avaliações em que tinha de participar eram feitas com o acordo de AA, sendo que naquela distribuição deveria ser considerada a sua disponibilidade.
11) AA podia, sem interferências da Cooperativa, lecionar as suas aulas fora das instalações disponibilizadas pela Cooperativa, podendo ocupar o tempo de aula em qualquer outro local (v.g. visitas de estudo, etc.) com interesse para as matérias lecionadas.
12) AA nunca teve equipamento ou instrumentos para seu uso exclusivo.
13) AA podia não comparecer às reuniões referidas em NN) sem qualquer consequência daí emergente.
14) A Cooperativa não exerce qualquer controlo de assiduidade ou de pontualidade do Prestador, apenas é feito o controlo da presença dos alunos (folha de presenças para os alunos).
15) A Cooperativa nunca exerceu quaisquer prerrogativas disciplinares sobre o Prestador.
II.2 Incompetência material do tribunal
Alega a recorrente, no essencial, o seguinte:
- Em 28/07/2020, foi celebrado um contrato de prestação de serviços, reduzido a escrito, através do qual AA se obrigou a prestar serviços profissionais de docência à A....
- No ensino superior particular ou cooperativo a contratação de docentes tanto pode fazer-se recorrendo ao contrato de trabalho como ao contrato de prestação de serviços, dado que ainda não foi publicado o diploma contendo o regime próprio da contratação de pessoal docente do ensino superior privado e cooperativo, imperando assim o princípio da liberdade contratual (art. 405º do CC).
- A vontade revelada pelas partes demonstra que efetivamente pretenderam celebrar um contrato de prestação de serviços.
- O juízo do trabalho é um tribunal de competência especializada (art. 81º, da Lei da Organização do Sistema Judiciário), apenas devendo conhecer das matérias que lhe estão especificamente atribuídas (art. 40º da LOSJ), não constando do art. 126º da LOSJ a atribuição da competência sindicar um contrato de prestação de serviços celebrado ao abrigo do artº. 405º e 1154º, e seguintes do CC); atento o disposto no art. 96º, al. a), do CPC, verifica-se a incompetência absoluta do tribunal do trabalho, pelo que deve proferido acórdão que julgue o Tribunal do Trabalho materialmente incompetente para conhecer o presente procedimento cautelar.
Contrapõe o Ministério Público, também no essencial, que a providência cautelar foi instaurada oficiosamente pelo Ministério Público nos termos do disposto nos artigos 186º-S, 5.º-A, al. c), do Código de Processo do Trabalho, e 369º do Código de Processo Civil. E, nos termos do disposto nos artigos 40º e 81º da Lei de Organização do Sistema Judiciário e 186º K, 186º S do Código do Processo do Trabalho a competência material para conhecer da providência cautelar de suspensão de despedimento, bem como, da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho de que aquela depende incumbe unicamente aos Juízos do Trabalho.
Vejamos.
Coloca-se de imediato a questão de saber se a Recorrente, que não arguiu a excepção de incompetência material do Tribunal de Trabalho junto da 1.ª instância, pode vir agora argui-la em sede de recurso.
O artigo 96.º do CPC, com a epígrafe “Casos de incompetência absoluta”, estabelece o seguinte:
- «Determinam a incompetência absoluta do tribunal:
a) A infração das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional;
b) A preterição de tribunal arbitral».
Por seu turno, o art.º 97.º, com a epígrafe “Regime de arguição - Legitimidade e oportunidade”, estabelece:
- «1. A incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e, exceto se decorrer da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.
2. A violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador, ou não havendo lugar a este, até ao início da audiência final.
Como sabido, estes normativos aplicam-se subsidiariamente nos processos de natureza laboral, nos termos estipulados no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.
Atentando agora no CPT, decorre do n.º 5, do artigo 186.º-S, que ao procedimento cautelar de suspensão de despedimento subsequente a auto de inspeção previsto no artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, “Em tudo o que não seja regulado [nesse] artigo, é aplicável o regime previsto nos artigos 33.º-A a 40.º-A, com as necessárias adaptações”.
Estes normativos – artigos 33.º-A a 40.º -A - respeitam à providência cautelar especificada de suspensão de despedimento, daí decorrendo, com relevância para a questão em apreço, que o requerido deve ser sempre ouvido, não podendo ser dispensado o contraditório - diversamente do que pode acontecer em certos casos no procedimento cautelar comum por via da remissão feita pelo art.º 32.º/1 do CPT para o art.º 366.º/1 do CPC. Com efeito, o art.º 34. º/1 CPT, estabelece expressamente que “o juiz ordena a citação do requerido para se opor, querendo, e designa no mesmo ato data para a audiência final [..]”.
Da regulamentação constante daqueles normativos, resulta também que à semelhança da generalidade dos procedimentos cautelares, apenas são admissíveis dois articulados, ou seja, o requerimento inicial que dá início à providência e a oposição.
A oposição pode ser apresentada até ao início da audiência final, nele podendo ser deduzida defesa por excepção dilatória ou peremptória ou por impugnação.
No caso concreto, pretendendo a requerida pôr em causa a violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitam aos tribunais judiciais e não havendo lugar a despacho saneador no procedimento cautelar, nos termos do estabelecido no n.º2, do art.º 97.º do CPC, podia e deveria tê-lo feito até ao início da audiência final, o que vale por dizer, no articulado em que deduziu a oposição.
Como assim não procedeu, não pode agora suscitar essa questão no recurso, por tal não lhe ser admissível, logo, rejeitando-se a sua apreciação.
II.3 Nulidade da decisão final por falta de especificação dos fundamentos de facto que a justificam [art.º 615.º n.º 1, al. b)].
Alega a recorrente, que a única referência a documentos que encontramos na decisão é genérica, sem valoração concreta, bem assim quanto aos testemunhos prestados, não resultando quais deles (Testemunhas e/ou documentos), serviram para sustentar concretamente cada um dos factos dados como provados e não provados, o que nos termos do art. 615º, n.º 1, alínea b), 616º, n.º 2, alínea b), do CPC, constitui umas das causas de nulidade, a qual invoca.
Responde o Ministério Público, que a jurisprudência é pacífica no sentido de afirmar que a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito, não se verificando tal nulidade quando a fundamentação é reduzida ou até insuficiente. No caso, estão devidamente especificados os fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão recorrida. Não existe, assim, qualquer falta absoluta ou sequer relativa de fundamentação.
Apreciando.
O artigo 154.º n.º1, do CPC, sob a epígrafe “Dever de fundamentar a decisão”, dispõe no seu n.º1, que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
Por seu turno, o art.º 607.º do CPC, que rege sobre a elaboração da sentença, impõe ao juiz o dever de “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final” (n.º3).
Decorrendo depois, do art.º 615.º, no n.º1 al. b), 1, que a sentença é nula quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão”.
A propósito do sentido e alcance desta norma, provinda do CPC de 1939 e mantendo o mesmo conteúdo, o Professor Alberto dos Reis, elucidava “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto” [Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Reimpressão, 1984, pp. 140].
Esse mesmo entendimento vem sendo acolhido, unânime e pacificamente, pela doutrina e jurisprudência.
Assim, na mesma linha e apoiando-se em Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça, de 5-1-1984 [BMJ 333, 398] o Professor Antunes Varela escreve o seguinte:
- “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.
(..)
Para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na decisão.
Relativamente aos fundamentos de direito, dois pontos importa salientar.
Por um lado, o julgador não tem que analisar todas as questões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes; a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador.
Por outro lado, não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão: essencial é que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a sentença se apoia” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 667 a 669].
O mesmo autor esclarece, ainda, que a necessidade de fundamentação da sentença assenta em duas ordens de razões. A primeira, tem em vista a persuasão das partes sobre a legalidade da solução encontrada, procurando convencer a parte vencida através da argumentação. A segunda, prende-se directamente com a recorribilidade das decisões: “(..) para que a parte lesada com a decisão que considera injusta a possa impugnar com verdadeiro conhecimento de causa, torna-se de elementar conveniência saber quais os fundamentos de direito em que o julgador se baseou” [Op. cit., ibidem].
Na mesma linha de entendimento pronuncia-se José Lebre de Freitas, escrevendo que “[H]á nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”, assinalando igualmente que “[A] fundamentação da sentença é, além do mais, indispensável em caso de recurso: na reapreciação da causa, a Relação tem de saber em que se fundou a sentença recorrida” [A Acção Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2013, p. 332].
No caso concreto, o Tribunal a quo fixou a matéria de facto provada e na fundamentação da sua convicção quanto a essa decisão, consignou o seguinte:
Foram tidos em conta os depoimentos das testemunhas KK, Inspectora da ACT, AA, visado nestes autos, EE, Directora do departamento onde se inseria AA, desde Fevereiro deste ano, LL, administrativa no departamento de Recursos Humanos da requerida e MM, vice reitor para a investigação da Universidade ....
Os depoimentos das testemunhas KK e AA foram, no essencial, coincidentes entre si. Ambos relataram, de forma segura e coerente com as regras da normalidade, a forma como AA exercia as suas funções, tendo este esclarecido os termos em que surgiu a sua contratação e a forma como foi dispensado das suas funções.
As demais testemunhas, pese embora no início se afastassem um pouco daqueles depoimentos, acabaram por ser também, no essencial, coincidentes com KK e AA.
Diga-se, aliás, que as testemunhas EE e MM não demonstraram conhecimento directo sobre a forma como AA foi contratado ou exercia as suas funções, tendo sim mostrado conhecimento directo sobre as qualificações necessárias para o exercício da função de docência.
Todavia, não deixou a testemunha EE de salientar que ao que observava, com excepção da questão das qualificações na área de investigação e publicação de AA, este era um docente igual aos outros, exercendo da mesma maneira as suas funções.
A testemunha LL nada sabia dos contornos da negociação, prestando o seu depoimento com um vincar constante da nomenclatura do contrato, só se afastando da mesma depois de muita insistência do tribunal no sentido de saber como exercia AA as suas funções.
Os depoimentos das referidas testemunhas foram conjugados com os documentos juntos com o requerimento inicial e com a oposição.
Quanto aos factos não provados, os mesmos não resultaram do depoimento das testemunhas, nem dos documentos juntos».
É certo que no respeitante aos documentos há apenas uma referência genérica, da qual decorre que serviram para com eles ser conjugada a globalidade dos depoimentos das testemunhas.
Mas o mesmo não sucede quanto às testemunhas, havendo também a indicação dos pontos sobre os quais se pronunciaram as testemunhas, não sendo exigível ao juiz que refira facto por facto quais os testemunhos, ou outros meios de prova, que contribuíram para a formação da sua convicção.
Admite-se que para ser tecnicamente correcta, a fundamentação deveria ser mais completa, mas como flui do que se começou por explicar, essa deficiência na indicação mais concreta e precisa sobre a convicção do juiz, não gera a nulidade da sentença por falta de fundamentação. Parafraseando o Ac. do STJ de 03-03-2021 [Proc.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, Conselheira Leonor Cruz Rodrigues, disponível em www.dgsi.pt], “Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil”.
Importa deixar esclarecido, que este tipo de situações podem enquadrar-se é no disposto no art.º 662.º n.º 2 al. d), do CPC, estabelecendo que a Relação deve “Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Note-se, porém, que esse dever só se impõe caso se mostre necessário, ou seja, quando não se logre perceber quais os meios de prova que determinaram a prova de determinado facto. Com efeito, importa não esquecer que o mesmo artigo, começa por estabelecer que [1]”A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Ou seja, vale isto por dizer, que na ponderação dessa necessidade, a Relação deve também atender às questões suscitadas pelas partes, desde logo, se impugnam a decisão sobre a matéria de facto e, nesse caso, quanto aos factos que são colocados em causa e respectivos fundamentos.
Acresce, que a Relação pode constatar, designadamente, com o contributo das posições assumidas pelas partes, estarem disponíveis os meios de prova que levaram a 1.ª instância a dar como provado, bem ou mal, determinado facto, tornando desnecessário fazer uso do disposto na al. d), do art.º 662.º, do CPC.
Ora, no caso concreto, pese embora a recorrente se insurja contra a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o certo é que não a impugna nem revela ter tido dificuldade em estruturar a sua reacção à sentença.
Assim, não só improcede nulidade da sentença, como também não se perfilam razões para fazer uso do disposto na al. d), do art.º 662.º, do CPC.
II.4 Nulidade por violação do disposto no art.º 70.º n. º2, da CRP e art.º 30.º n.º 2, do RJIES
Com os argumentos elencados nas conclusões VI a XII, a recorrente vem defender que a ocorre uma nulidade, em razão do Tribunal a quo «[..] ao impor o trabalhador à Cooperativa, está, [..], a impor naturalmente ao seu estabelecimento (Universidade) que mantenha esse mesmo trabalhador, que esta última dispensou, em clara violação do art. 70º, n.º 2, da CRP, e do art. 30º, n.º 2, do RJIES, que também se invoca, com todas as cominações legais».
Respondeu o Ministério Público, no essencial, que foi precisamente no exercício da autonomia científica e da sua auto governação que a ré celebrou um contrato com o trabalhador em causa nos autos. Verificando-se os pressupostos da subordinação jurídica, como sucede, a relação contratual de docência estabelecida entre a ré e o trabalhador AA só pode ser qualificada juridicamente como um contrato de trabalho, não existindo qualquer violação do princípio da autonomia cientifica da ré, ou qualquer vicio de nulidade.
Passando à apreciação, começaremos por assinalar que a recorrente vem arguir uma nulidade da decisão recorrida, mas não concretiza a que tipo de nulidade se está a querer referir.
Ora, como é consabido, as nulidades da sentença só ocorrerão, como causa invalidante típica, nas diversas hipóteses taxativamente contempladas no n.º 1 do art.º 615º do CPC, e não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição revista e Actualizada, Coimbra Editora, Almedina, 1985, pp. 686].
Por outo lado, como é pacificamente entendido, não há que confundir entre nulidades da sentença e nulidades processuais.
Quanto às nulidades processuais, como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, consistem sempre num desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efectivamente seguido nos autos, traduzindo-se esse vício de carácter formal, num dos três tipos: a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas [Op. cit, p. 387].
A lei distingue entre duas modalidades distintas de nulidades processuais: na terminologia da doutrina, as nulidades principais (ou, de 1.º grau, típicas ou nominadas) e as nulidades secundárias (ou, de 2.º grau, atípicas ou inominadas).
As nulidades principais são aquelas que a lei entende serem as mais graves pelas suas consequências, constando especificamente previstas na lei e podendo o Tribunal delas conhecer oficiosamente, conforme estabelecido no artigo 196.º do CPC, que igualmente procede à remissão para as respectivas disposições legais: a ineptidão da petição inicial (art.º 186.º e 187º); a falta de citação, seja do réu seja do Ministério Público, quando deva intervir como parte principal (art.º 188.º); a preterição de formalidades essenciais à citação (art.º 191.º); o erro na forma de processo (art.º 193.º); e, a falta de vista ou exame do Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória (art.º 194º).
Quanto às nulidades secundárias, de que só pode conhecer-se mediante arguição ou reclamação dos interessados, reporta-se o art.º 195.º do CPC, sendo todas aquelas que caibam na fórmula genérica do n.º1 daquele artigo: “Fora dos casos previstos nos artigos, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Nas palavras daqueles mesmos autores, “todos os demais casos de desvio na prática (ou omissão) do acto processual constituirão nulidades secundárias, desde que relevantes. Serão relevantes, segundo o critério estabelecido, quando a lei especialmente o declare ou quando possam influir no exame ou na decisão da causa” [Op. cit., pp. 391].
Atentas estas noções essenciais quanto às nulidades processuais, bem se percebe que também não englobam o erro de julgamento.
Não há pois qualquer nulidade com estes fundamentos, seja da sentença ou processual. Poderá é existir erro de julgamento.
De resto, por isso mesmo, a recorrente volta a usar o essencial desta argumentação, como se pode constatar, além do mais, nas conclusões LXXVI e LXXVII.
Improcede, pois, esta parte do recurso.
II.5 Nulidade por violação do disposto no art.º 36.º n.º 2 e 3 do CPT;
Numa outra linha de argumentação [conclusões XIII a XVIII], alega a recorrente que decorreram mais de 30 dias entre a entrada do requerimento inicial e a data em que foi proferida a decisão, em violação do disposto no art.º 36, n.º 2, 3, do CPT, o que consubstancia uma nulidade processual que expressamente invoca “com todas as cominações legais”.
Mais alega que não estando estabelecido um efeito cominatório na norma, a mesma é inconstitucional, porquanto viola o vertido no art.º 20º, n.º 4 e art.º 202º, n.º 1, 205.º, n.º 3, todos da CRP.
Contrapõe o recorrido Ministério Público que a audiência de julgamento decorreu nos dias 08 e 16 de setembro de 2022 e a sentença foi proferida em 23 de setembro de 2022, ou seja, no prazo de 8 dias que a lei para tal confere, e consequentemente em “prazo razoável”, proporcional e adequado à complexidade da causa e como tal, em respeito absoluto pelo disposto no artigo 20.º n.º 4 da CRP e n.ºs 2 e 3 do artigo 36º do CPT.
Vejamos então.
Nos termos do artigo 34.º/1 do CPT, aplicável por via da remissão do art.º 186.º - S/5, apresentado o requerimento inicial “[..] o juiz ordena a citação do requerido para se opor, querendo, e designa no mesmo ato data para a audiência final, que deve realizar-se no prazo de 15 dias”.
No caso, o requerimento inicial deu entrada em juízo a 27-07-2022, foi concluso ao juiz e por este, nessa mesma data, foi ordenada a citação da requerida para deduzir oposição, querendo, e designado o dia 8 de Agosto de 2022 para a realização da audiência final.
O prazo referido na norma foi, pois, respeitado.
No dia 8 de Agosto, iniciou-se a audiência final, constando da acta o seguinte:
- «Aberta a audiência (pelas 10h20) foi declarado:
- pela Digna Magistrada do Ministério Público, não prescindir do depoimento da testemunha faltosa;
- pelo Ilustre Mandatário Judicial da Requerida, que as duas primeiras testemunhas do seu rol, hoje presentes, estarão em gozo de férias até ao próximo dia 31 de Agosto de2022;
pelo exposto e por terem por inconveniente cindir a produção da prova, requerem que seja designada nova data para a realização unitária da audiência final.
De imediato, pelo Mm.o Juiz foi proferido o seguinte
DESPACHO
Defere-se ao requerido, pelo que a presente audiência final terá lugar no próximo dia 08 de Setembro de 2022, às 14h30, não antes por impossibilidade de agendas».
Cabe ter presente que, nos termos do n.º2, do art.º 367.º do CPC, aqui aplicável subsidiariamente, “A falta de alguma pessoa convocada e de cujo depoimento se não prescinda, bem como a necessidade de realizar qualquer diligência probatória no decurso da audiência, apenas determinam a suspensão desta na altura conveniente, designando-se logo data para a sua continuação”.
Em face do que consta da acta, ademais apresentado em requerimento conjunto, pode dizer-se que o Tribunal a quo também aqui respeitou o determinado na lei no n.º2, em regra que visa assegurar a maior celeridade possível na tramitação e decisão dos procedimentos cautelares.
No dia 8 de Setembro foi produzida parte da prova testemunhal e, com o acordo das partes, suspensa a audiência e designado o dia 16 de Setembro para o seu prosseguimento.
Não é despiciendo relembrar que em determinados casos, diga-se, até, não raros, atenta a complexidade das questões controvertidas, volume da prova a produzir e, também, os termos em que a instância pelas partes é feita, nem sempre é praticamente viável concluir a audiência final num só acto, sendo razoável que se suspenda os seus termos, designando logo nova data com a maior proximidade possível, de modo a concluir o acto.
Cremos que no caso foi o que ocorreu, sublinhando-se que as partes deram o seu acordo.
A audiência final prosseguiu, assim, no dia 16 de Setembro de 2022, nessa derradeira sessão tendo sido concluída.
Dispõem os n.ºs 2 e 3, do art.º 36.º do CPT, o seguinte:
[2] Na audiência, o juiz tenta a conciliação e, se esta não resultar, ouve as partes e ordena a produção da prova a que houver lugar, proferindo, de seguida, a decisão.
[3] Se a complexidade da causa o justificar, a decisão pode ser proferida no prazo de 8 dias, se não tiverem decorrido mais de 30 dias a contar da entrada do requerimento inicial”.
A sentença foi proferida e notificada às partes em 23 de Setembro de 22.
É certo que no caso já tinha, decorrido mais de 30 dias desde a entrada do requerimento inicial, mas pelas razões que se deixaram explicadas, salvo melhor opinião, o procedimento foi sempre conduzido com diligência com vista a assegurar a decisão final com a maior celeridade possível.
Por outro lado, como cremos não oferecer dúvida, está-se perante uma causa complexa, como de resto o ilustram o leque de questões suscitadas pela requerida na oposição. A justiça quer-se célere, mas devidamente ponderada e tanto quanto possível certeira, ou seja, as questões devem ser devidamente apreciadas, estudadas e pensadas, havendo que encontrar um justo equilíbrio entre esses dois objectivos.
Como elucida o acórdão do TRC 27-03-2012 [proc.º 60/09.9T2SVV.C1, Desembargador Carlos Querido, disponível em www.dgsi.pt]: [1] No processo civil, para além das modalidades de prazos previstas no n.º 1 do artigo 145.º do CPC (dilatório e peremptório), há que considerar uma outra modalidade: o prazo meramente ordenador ou procedimental. [2] O prazo meramente ordenador ou procedimental é aquele que estabelece um limite temporal para a prática de um acto, ou para a prolação de uma decisão, e o seu incumprimento não determina a invalidade do acto ou da decisão, nem a nulidade do processo, sendo apenas susceptível de implicar responsabilidade disciplinar.
Os prazos do art.º 36.º 2 e 3, do CPT, são meramente ordenadores ou procedimentais.
Assim por um lado, o incumprimento do prazo para proferir a decisão final, não consubstancia qualquer nulidade, nomeadamente processual. Como se refere no citado acórdão do TRC, “No mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 8.10.2003 [Processo n.º 01662/02, acessível em http://www.dgsi.pt], que qualifica tais prazos e as suas consequências, nestes termos: «… são meramente ordenadores, indicativos ou disciplinares, destinados a delimitar ou regular a tramitação procedimental, pelo que o seu eventual incumprimento não extingue o direito de praticar os respectivos actos, nem acarreta a nulidade do processo, não gerando, só por si, ilegalidade passível de afectar o acto punitivo, podendo apenas implicar efeitos disciplinares…» [no mesmo sentido viide acórdão STA, de 21.09.2010, proferido no Processo n.º 0182/10].
Por outro lado, o facto do art.º 36.º não estabelecer um efeito cominatório, como não o estabelecem qualquer prazo processual meramente ordenador ou procedimental, não constitui violação dos art.º 20º, n.º 4 e art.º 202º, n.º 1, 205, n.º 3, todos da CRP, como pretende a recorrente, embora, diga-se, sem argumentos jurídicos para sustentar essa alegada violação, apenas se limitando a fazer a comparação com os prazos processuais dilatórios ou peremptórios previstos actualmente no artigo 139.º do CPC [correspondente ao artigo 149.º do pretérito CPC], nomeadamente, referindo que “se na sua redação estivesse consagrado um efeito cominatório para o Julgador, como existe, aliás, para os restantes Intervenientes processuais [..], à semelhança do previsto, por exemplo, no art. 57º, n.º 1, do CPT, teríamos uma justiça/decisão mais célere e mais imediata e, consequentemente, mais justa”.
O art.º 57.º1, do CPT, que a recorrente usa como exemplo, estabelece o seguinte: “Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito”.
Como o devido respeito, está-se a comparar o incomparável. O Juiz não é parte no processo, qual seria então o efeito cominatório que a lei, máxime, o art.º 36.º do CPT, devia estabelecer, nomeadamente, “à semelhança do previsto, por exemplo, no art. 57º, n.º 1, do CPT”?
Como cremos ser de imediata compreensão, não faria de todo sentido estabelecer uma qualquer cominação por incumprimento de um prazo processual meramente ordenador ou procedimental, cujos efeitos se repercutisse no processo e, logo, no interesse das partes.
Refira-se, ainda, que atento o circunstancialismo que se referiu, sendo de sublinhar que a recorrente não só não se insurgiu contra a suspensão da audiência de julgamento quando tal foi decidido, como até apresentou requerimento conjunto nesse sentido sustentado em razões também do seu interesse enquanto parte processual, não vislumbramos que a prolação da decisão final/sentença para além de 30 dias sobre a entrada do requerimento inicial tenha importado para si qualquer violação ao direito a obter uma decisão em prazo razoável.
Por último, recorrendo de novo ao citado acórdão do TRC, como também aí se assinala, “Pronunciando-se sobre um prazo com natureza semelhante ao previsto no artigo 658.º do CPC [prazo de 15 dias para prolação de decisão no procedimento cautelar, previsto no art. 382/2] o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 460/2003, interpretou o referido prazo como meramente ordenador, decidindo: “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 382º, n.º 2, do Código de Processo Civil, interpretado no sentido de o prazo nele previsto ser de qualificar como meramente ordenador ou disciplinador do processo” [Processo n.º 220/02, acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos].
Concluindo, improcede também esta linha de argumentação.
II.6 Contradição entre factos provados e entre estes e não provados;
Alega a recorrente que a matéria de facto apresenta contradições, nomeadamente, as seguintes:
i) Por um lado considerou-se provado que AA desenvolve e faz investigação (factos dados como provados D), AA), mas nos factos dados como provados RR), SS), YY), FFF), HHH), III), já dá como provado que o mesmo AA não desenvolve qualquer investigação, nem faz parte como membro integrado e membro nuclear de qualquer centro de investigação.
ii) Considera-se provado que as unidades curriculares lecionadas por AA são definidas pela Diretora de Departamento (facto dado como provado M)), mas do facto dado como provado em PP), resulta que as unidades curriculares são definidas por acordo com AA e em conformidade com a sua disponibilidade.
iii) Considera-se provado que as horas de docência e horário são determinados superiormente (factos dados como provados H), J)], por outro lado, do facto dado como provado em PP), resulta que afinal são determinados por acordo com AA e em conformidade com a sua disponibilidade.
iv) O facto dado como provado PP) e o facto dado como não provado 3), simultaneamente dão como provado e não provado o mesmo facto.
v) No facto provado N) é dado como provado que AA durante o mês da Agosto não exerce qualquer atividade, e no facto não provado é dado como não provado que o mesmo AA durante as férias escolares não prestava qualquer serviço à Cooperativa.
vi) Nos facto provados PP) e I) é dado como provado que as unidades curriculares são definidas por acordo com o AA e de acordo com a sua disponibilidade e, por outro lado, no ponto 10 é dado como não provado que na distribuição de serviço seja considerada a sua disponibilidade.
Em relação a cada uma das alegadas contradições, remata como segue: “Contradição que aqui se invoca com todas as cominações legais”.
Contrapõe o Ministério Público, também no essencial, o seguinte:
i) Não se vislumbra a existência de qualquer contradição entre os factos constantes da matéria assente “D) AA) e os factos RR) SS) YY) GGG) HHH) III) ou entre os factos M), “PP) “H) I) J) e o facto assente PP), deles resultando claro que o trabalhador AA no âmbito das funções de docência “desenvolve e faz investigação”, “vigia exames”, “faz atendimento dos alunos…”
ii) Atenta a irrelevância para a decisão, deverá ser considerado como não escrito o facto dado simultaneamente como provado (item PP) e não provado (ponto 3).
iii) Da concatenação dos factos N) da matéria assente e 9) dado como não provado, não resulta qualquer contradição.
iv) Da leitura dos factos I) e PP) da matéria assente e do facto10) dado como não provado, não resulta qualquer contradição.
Entrando na apreciação, impõe-se começar por sublinhar que a recorrente alega a existência das eventuais contradições, mas limita-se a dizer que as invoca “com todas as cominações legais”, ou seja, não concretiza quais os efeitos que pretende alcançar ao suscitar essas questões.
Certo é, que não impugna a decisão sobre matéria de facto. Por um lado, em parte alguma do recurso – alegações ou conclusões – afirma esse propósito. Por outro, se porventura essa intenção está subjacente, também não transparece das conclusões, nem das alegações, dado que não estão de todo verificados os ónus de impugnação a que alude o art.º 644.º do CPC.
Na verdade, como é entendimento pacífico, pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
Ora, a recorrente afirma existirem determinadas contradições, mas não diz quais dos pontos devem prevalecer, designadamente, nas conclusões, o que também implicaria que justificasse essa resposta alternativa, bem assim que indicasse os meios de prova e formulasse um juízo crítico.
Não se configurando estar-se perante uma impugnação da decisão sobre a matéria de facto, as eventuais contradições poderão é reclamar o uso do disposto 662.º n.º 2 al. d), do CPC, estabelecendo que a Relação deve ainda, “mesmo oficiosamente”: “c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;”.
Note-se, porém, que esse dever só se impõe caso se mostre indispensável, por não constarem do processo “todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto”. Como observa Abrantes Geraldes [Recursos no Novo Código do Processo Civil, Almedina, 2013, p. 241], “a anulação do julgamento deve ser sempre uma medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada [..]”.
Aqui chegados, importa relembrar que o Tribunal a quo entendeu pronunciar-se quanto às alegadas contradições, assumindo-as como nulidades arguidas no que concerne aos pontos AA e SS e YY, ou afirmando estar-se um mero lapso material de escrita (“de processamento de texto”, quanto ao ponto provado PP, em confronto com o ponto provado M e o facto não provado 3.
Estabelece o art.º 613.º, do CPC: [1] Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. [2] É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.
Por seu turno, o art.º 614.º e dispõe, no que aqui interessa: [1] “Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz”.
Os erros materiais susceptíveis de rectificação são aqueles que se enquadram na disciplina do art.º 249.º do Código Civil, a propósito dos negócios jurídicos, ai se dispondo o seguinte: “O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta”.
A propósito da norma, elucida o Ac. do STJ de 06-10-1994: “[I] O erro de cálculo, o erro de escrita e o erro de expressão são modalidades de erro obstáculo ou erro na declaração, caracterizando-se por a vontade do declarante se formar correctamente, com perfeito conhecimento de todas as circunstâncias susceptíveis de influirem na sua formação, sucedendo que, ao transmitir-se a vontade se diz coisa diferente da que se quer dizer, representando um erro que acontece na formulação da vontade. [II] A inexactidão em que se traduz o erro de cálculo tem que revelar-se pelo teor da declaração emitida, (..)” [Proc.º n.º 085562, Costa Raposo, disponível em www.dgsi.pt].
Na aplicação destes princípios à sentença ou outros despachos, como se sintetiza no Ac. do STJ de 26/11/1980, diz-se que “Erro de escrita ou de cálculo dá-se quando o juiz escreve coisa diversa do que queria escrever, quando o ter da sentença ou despacho não coincide com o que o juiz tenha em mente exarar, quando, em suma, a verdade declarada diverge da vontade real” [Proc.º 00126, Conselheiro Santos Victor, disponível em www.dgsi.pt].
Em suma, parafraseando José Lebre de Freitas, “[C]constitui erro material (manifesto), não só o erro de cálculo ou de escrita (art.º 249.º), revelado no próprio contexto da sentença ou em peças do processo para que ela remeta, mas também a omissão do nome das partes ou de outro elemento essencial, mas não duvidoso” [A acção Declarativa Comum – À Luz do Código de Processo Civil de 2013 – 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2013, p. 337].
Na consideração destes princípios, aceita-se a rectificação por iniciativa da senhora juíza quanto ao ponto PP, quando diz que “Como resulta da leitura decisão no seu todo, a inclusão do ponto PP) dos factos provados resulta de um mero lapso de processamento de texto, pois que já consta do ponto 3) dos factos não provados, pelo que determino a eliminação daquele ponto PP) dos factos provados”.
Não é despiciendo referir que a requerente suscitou a contradição e notificada desta decisão nada requereu, bem assim que o Ministério Público nas contra-alegações defendeu que atenta a sua irrelevância deveria ser considerado como não escrito.
Assim, acolhendo-se rectificação efectuada pelo Tribunal a quo considera-se que o ponto PP da matéria provada foi eliminado, como tal não sento atendível no elenco da matéria provada.
No que respeita aos pontos AA e SS e YY, não se está perante uma nulidade, mas antes face a um erro na decisão sobre matéria de facto. Por conseguinte, esgotado o poder jurisdicional com a prolação da sentença, não deveria o Tribunal a quo ter procedido à alteração que fez.
No entanto, conforme decorre do que acima se deixou dito, dado que a eventual existência na matéria de facto provada de factos contraditórios é de conhecimento oficioso [art.º 662º, nº 2, al. c) do CPC], sempre cumprirá conhecer dessa alegada contradição, bem como das demais invocadas.
Os factos são contraditórios quando são opostos, ou seja, quando simultaneamente se afirma um facto e o seu oposto de tal modo que se anulariam um ao outro.
Quanto à alegada contradição entre os pontos provados D) e AA), relativamente aos pontos provados RR), SS), YY), FFF), HHH), III), apenas se verifica, mais rigorosamente, uma imprecisão, no acerto das redacções dos pontos SS) e YY), de modo a referirem o que está provado em AA), para que a sua leitura não gere dúvida. Contradição no sentido apontado não há.
Por outro lado, não há de todo contradição ou imprecisão entre o facto provado D e qualquer um dos pontos apontados pela recorrente, nem entre o ponto AA e os pontos RR, FFF, HHH e III. Uma leitura minimamente atenta torna claro que se referem a realidades distintas e não confundíveis.
Assim, constando provado em AA) que “AA faz investigação no âmbito do programa REMIT (Research on Economics Management and Information Technologies), unidade de investigação criada pela Requerida com vista ao desenvolvimento de uma nova política de investigação”, apenas há que alterar a redacção dos pontos SS e YY al.a), para ficar a seguinte (alteração a negrito):
SS) Não existem registos de atividades de conceção, coordenação e participação em projetos de investigação científica para além da referida em AA, de orientação de estudantes de doutoramento ou de investigadores integrados em projetos de investigação, e de intervenção na comunidade científica, nomeadamente de avaliação de atividade científica
YY) AA não realizou (ou tem realizado desde a sua integração mais recente na Universidade ...) de forma continuada e extensiva as seguintes funções:
a) realizar atividades de investigação científica para além da referida em AA, de criação cultural ou de desenvolvimento tecnológico;
Avançando, tendo sido eliminado o ponto provado PP, fica necessariamente prejudicada a apreciação das alegadas contradições entre outros factos e esse, nomeadamente: M e PP; H e J relativamente ao facto provado PP.
Pela mesma razão, quanto à alegada contradição entre os pontos provados PP e I, relativamente ao ponto 10 não provada, deve ser excluído o ponto eliminado PP como fundamento. Assim, atendendo ao ponto provado I e ao ponto não provado 10, constata-se que não existe a alegada contradição, já que daquele primeiro não resulta, como alega a recorrente, estar “dado como provado que as unidades curriculares são definidas por acordo com o AA e de acordo com a sua disponibilidade”. O que ali consta provado é antes o seguinte:
Tal é concretizado mediante a elaboração de horários, com indicação das respetivas datas, para as seguintes atividades conforme definido e determinado pela Requerida:
- Lecionação das aulas referentes às diversas unidades curriculares de que está incumbido;
[..]».
Por último, relativamente à alegada contradição entre o ponto provado N – na parte em que diz “em que o trabalhador não exerce qualquer atividade” e o que consta não provado em 9, na parte em que diz “sendo que durante o período de férias escolares não prestava à Cooperativa qualquer serviço”, não pode ser aferida atendendo apenas esses segmentos, vistos pontualmente, ou seja, sem estarem inseridos na globalidade do que consta afirmado nos pontos. Para além disso, o ponto não provado 9, no seu todo, tem uma formulação conclusiva, pela negativa e encerrando conceitos com natureza jurídica, desde logo, na parte em causa, ao referir “não prestava à Cooperativa qualquer serviço”, quando a questão fulcral controvertida consiste em saber se AA prestava a actividade de docente ao abrigo de um contrato de trabalho subordinado ou de prestação de serviços, o que vale por dizer que aquela expressão, retirada de alegação da recorrente, em rigor, nem deveria integrar a matéria não provada.
Não se verifica, pois, a alegada contradição.
III. MOTIVAÇÃO DE DIREITO
O recorrente autor insurge-se contra a decisão final, defendendo que o tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos, ao ter concluído estar indiciariamente demonstrada a existência de um contrato de trabalho subordinado e, logo, que a comunicação verbal efectuada pela Directora do Departamento de Psicologia e Educação da “A..., CRL”, transmitindo-lhe que a partir do dia 31/08/2022 deixava de prestar serviços naquela Universidade, consubstanciou um despedimento ilícito, justificando-se o decretamento da presente providência.
Na fundamentação da sentença, na vertente da aplicação do direito aos factos, procedendo ao enquadramento jurídico da causa o Tribunal a quo começou por referir que “[..] o pressuposto primeiro desta providência é estar em vigor entre as partes um contrato de trabalho, ainda que travestido com outra denominação, pelo que será essa a primeira questão a apreciar”, depois prosseguindo, com apoio na doutrina e jurisprudência que cita, debruçando-se sobre as noções de contrato de prestação de serviços e contrato de trabalho e enunciando as características que os distingue e as dificuldades que se colocam em os destrinçar, concluindo esse percurso com considerações sobre a presunção de laboralidade estabelecida no art.º 12.º do CPT, para depois entrar na sua aplicação ao caso concreto, lendo-se o seguinte:
[..]
Salienta-se, contudo, a este propósito, que a presunção de contrato de trabalho do nº 1 do art. 12º, do CT de 2009, não introduziu uma mudança de paradigma na qualificação jurídica do contrato de trabalho.
Ou seja: a natureza jurídica do contrato de trabalho não se alterou nos termos em que a interpretamos de acordo com a realidade social, económica e jurídica actuais. O que acontece é que, em caso de dúvida, e desde que se verifiquem algumas das circunstâncias – e bastam duas – elencadas no nº 1, do art. 12º, a sua existência presume-se. Presunção em benefício exclusivo do trabalhador, uma vez que, quem tem a seu favor a presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz, por força do estatuído no nº 1, do art. 350º, do CC”.
Volvemos, então ao caso dos autos.
Considerando a matéria de facto que vem provada, temos como certo que se verificam os pressupostos da presunção de laboralidade previstos nas alíneas a) a d) do artigo 12.º, nº 1 do C. do Trabalho.
Na verdade, AA:
- cumpria horário de trabalho determinado superiormente e observava as horas de início e termo de atividade estabelecidas pela Requerida, sendo que o número de horas de docência por si asseguradas por resultou sempre de determinação da requerida, limitando-se aquele a prestar a sua anuência, estando obrigado ao dever de assiduidade e ao controlo dos tempos de trabalho, o qual é efetuado através da validação da folha de presenças dos alunos (esta é recolhida junto do contínuo e depois de efetuada a chamada é rubricada e devolvida ao contínuo, a quem incumbe, em caso de falta do docente, registar tal ausência no sistema informático da Requerida,
- prestava a sua actividade em local pertencente à requerida - nas salas de aulas existentes nas instalações da Requerida, na Rua …, …, no Porto,
- prestava a sua actividade com instrumentos fornecidos pela requerida - canetas, data-show e quadro, e
- como contraprestação do seu trabalho, recebia em 12 meses a quantia de 1.500€.
Temos, portanto, como verificados quatro dos indícios previstos no artigo 12º do C. Trabalho.
Vejamos, então, se a requerida logrou fazer prova de que a relação contratual ora em causa configura a existência de um contrato de prestação de serviços, assim ilidindo a presunção de laboralidade.
Antes de mais, diga-se que, ponto de partida da caracterização da relação entre AA e a requerida é o acordado entre as partes.
O tribunal não está naturalmente vinculado ao nome atribuído ao contrato celebrado, sendo que, ainda assim, importará considerar a vontade das partes ali manifestada, especialmente se se considerar a formação académica das partes.
Ora, no caso concreto, pese embora estarmos perante um profissional licenciado e doutorado, a verdade é que a sua formação nada tem a ver com a área jurídica, não sendo, assim, de dar especial relevo ao nomem iuris.
É certo que a requerida também logrou provar que submete os honorários pagos a AA ao regime fiscal e contributivo próprio dos trabalhadores independentes, mas tal facto não tem especial relevo na caracterização do contrato pois trata-se de uma decorrência da espécie de contrato cuja celebração foi proposta pela requerida.
Da matéria de facto resultaram, ainda, outros indícios típicos da laboralidade (ainda que não previstos no citado artigo 12º), a saber:
- AA recebe ordens, regras e orientações para a execução do trabalho, nomeadamente da professora EE, a quem reporta os relatórios do final do ano letivo, e das professoras FF e GG com as quais esclarece as dúvidas ou questões que surjam na sua atividade,
- AA encontra-se inserido no Departamento de Psicologia e Educação da Universidade ..., do qual fazem parte os diversos docentes, quer os pertencentes ao quadro, quer os restantes; e
- dispõe de gabinete (com o número 303), partilhado com outros docentes, sendo que cada um tem secretária própria e armário com chave, sendo aqui efetuado o atendimento dos alunos.
Afigura-se-me, portanto, que a relação estabelecida entre AA e a requerida configura uma típica relação laboral, da qual aquele dependia economicamente em termos expressivos (cerca de 80%).
Aliás, a defesa da requerida não atacou tanto os pressupostos que agora se referiram, tendo assentado, essencialmente, no facto de AA não poder ser contratado como professor a tempo inteiro atentas a falta de actividade de investigação e de produção científica.
Ora, com todo o respeito por tal posição, não se me afigura que, ainda que tal possa ter alguma repercussão na avaliação da requerida enquanto universidade e que tal possa (e deva) ser por si ponderado aquando da contratação do corpo docente (qualquer que seja a modalidade de contrato), essas “falhas” no currículo do professor ora em causa possam retirar o carácter de subordinação jurídica ou económica da actividade por si exercida para com a requerida.
Não quer isto dizer que os requisitos de qualificação – seja a necessidade de investigação, seja a de produção científica – não possam ter influência nos contratos celebrados com os professores universitários.
Não podem é, por si só, afastar – se verificados os elementos típicos da subordinação jurídica – a possibilidade de celebrar um contrato de trabalho, determinando automaticamente a celebração de um contrato de prestação de serviços.
Aliás, ambos os Acórdão do STJ citados pela requerida (25/11/2009 e 26/06/15) versam sobre contratos de trabalho, questionando-se ali a possibilidade da contratação por duração limitada em moldes diferentes dos estabelecidos no C. Trabalho, questão muito diferente da colocada nestes autos.
Aqui chegados e estando perante um contrato de trabalho, temos que, como vem dado como provado, em Junho ou Julho de 2022, AA foi convocado pela Drª EE, Diretora do Departamento de Psicologia e Educação da “A..., CRL”, para uma reunião, que teve lugar, no dia 22/07/2022 e na qual aquela srª Diretora lhe transmitiu verbalmente que, a partir do dia 31/08/2022 – último dia da vigência do contrato de prestação de serviços que celebrou com a “A..., CRL” – este deixará de prestar serviços naquela Universidade.
Os contratos de trabalho apenas podem cessar por uma das vias previstas no artigo 340º do C. Trabalho.
Esta comunicação, não precedida de qualquer um dos procedimentos previstos nos artigos 351º e seguintes do C. Trabalho, traduz-se num verdadeiro despedimento ilícito.».
Discorda o recorrente, alegando, nos seus traços essenciais, o seguinte:
i) É praticamente unânime o entendimento de que o exercício de funções de docência universitária em instituições do ensino superior privadas pode ser levado a efeito tanto ao abrigo de um contrato de prestação de serviço como de um contrato de trabalho subordinado;
ii) Os elementos constantes dos autos não permitem sustentar que a relação contratual que se constituiu e prolongou entre AA e a Cooperativa foi de trabalho subordinado, dado que o clausulado no instrumento jurídico outorgado para dar suporte formal a tal, ao qual foi atribuída uma designação distinta da de contrato de trabalho (ou seja, Contrato de Prestação de Serviços), do qual não consta a mínima referência à sujeição do AA ao poder de direção e fiscalização da Cooperativa.
iii) Os outorgantes são pessoas esclarecidas e apresentam um nível cultural que lhes permita ter uma perceção, ainda que mínima, da natureza desse vínculo contratual e do respetivo regime, permitindo concluir-se que as partes não outorgaram um contrato distinto daquele que realmente pretenderam celebrar, bem conhecendo as implicações jurídicas decorrentes da outorga dum contrato de prestação de serviço.
iv) Não resulta dos autos que o AA estivesse sujeito a um horário de trabalho, como era suposto acontecer numa relação de trabalho subordinado.
v) Foi acordado um valor total de honorários relativos à carga horária do AA, a pagar em 12 prestações (e não em 14 prestações ano), que representavam uma parcela de uma avença anual acordada entre o AA e a Cooperativa, os quais foram submetidos ao regime fiscal e contributivo próprio dos trabalhadores independentes.
vi) Sendo a atividade prestada pelo AA a da docência universitária, mal se concebe que as aulas fossem ministradas em instalações que não pertencessem à própria instituição de ensino, do mesmo modo que não se concebe que não seja a própria instituição de ensino a proporcionar os materiais, instrumentos e demais condições materiais para a lecionação e aprendizagem.
vii) A existência de contrato de prestação de serviço não é incompatível com a possibilidade de a parte que recebe a prestação poder emitir algumas diretivas, instruções e orientações sobre o modo pelo qual pretende que a prestação seja executada, e com o exercício pelo mesmo de algum controlo sobre o modo como o serviço é prestado.
viii) A avaliação a que AA foi sujeito também não fundamenta a conclusão de que se está perante uma relação de trabalho subordinado.
ix) A atribuição de um “Cartão Identificação” a um colaborador, não constitui qualquer indício de laboralidade; o acesso à cantina/bar é facultado a qualquer colaborador, independentemente do vínculo; sendo AA um Docente compreende-se que lhe seja fornecido um “kit de boas-vindas”; o cabaz de natal, tratou-se de um gesto da Cooperativa imbuído do natural e compreensível espirito natalício, e foi entregue a todos os colaboradores, sejam docentes, não docentes, prestadores de serviço, etc; o facto de o nome e fotografia do AA constar do site como docente (porque efetivamente o era, independentemente do vinculo) , não poderá ser indício de laboralidade.
x) Invocou o Acórdão do STJ de 25/11/2009 (Vasques Dinis), bem assim o Acórdão do STJ, de 26-06-2015 (Mário Belo Morgado), a propósito das especificidades do contrato de docência, mas que a decisão ora em crise deles se abstraiu pura e simplesmente.
xi) AA não cumpre os requisitos legais resultantes dos normativos legais, estatutos e regulamentos supra referidos, para fazer parte do corpo docente próprio da Universidade (docentes com contrato de trabalho sem termo), dada a ausência de qualquer atividade científica; não existindo até hoje, no Sector Privado, um Estatuto da Carreira Docente
próprio, ter-se-á que aplicar o princípio da equiparação ao sector público como forma de responder à lacuna atualmente existente, reforçado pelo disposto no art. 9.º, n.º 4, do RJIES; Tendo presente o art. 30º, n.º 1, 1), n.º 2, do RJIES, resulta que esta decisão ao impor à requerida que mantenha um trabalhador que foi dispensado pela Universidade, no âmbito da sua autonomia pedagógica, científica e cultural, por não preencher os requisitos exigidos (ausência de investigação), viola precisamente a tal o princípio da autonomia pedagógica e científica, reconhecida no RJIES (art. 30º, n.º 2,), mas também no art. 76, n.º 2, da CR.
xii) Não podendo, ao contrário do que entende a Julgadora, ser considerado a tempo integral, porque AA como ficou provado não faz do ensino e investigação a sua atividade profissional exclusiva ou predominante.
Contrapõe o recorrido Ministério Público também no essencial, o seguinte:
i) O artigo 76º, n.º 2 da Lei Fundamental que “As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, cientifica, pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo da adequada avaliação da qualidade do ensino”, constitucionaliza a autonomia das Universidades: isto é – autonomia estatutária, ao nível da sua auto-organização; autonomia cientifica, ao livre desenvolvimento da investigação cientifica individual e institucional, envolvendo não só a liberdade de investigadores, docentes e alunos mas também a capacidade de organização de projetos e centros destinados a esse fim; autonomia pedagógica, ou seja a liberdade de aprender e ensinar institucionalizada; abrangendo, portanto, a livre definição de planos de estudos, dos programas, dos conteúdos e dos métodos de ensino” (Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa- Anotada, Tomo I, pág. 738-740).
ii) É no exercício da sua autonomia a ré Universidade decide livremente contratar ou não contratar determinado docente ou investigador e opta pela celebração de contratos de trabalho ou de prestação de serviços. Foi precisamente no exercício da autonomia científica e da sua auto governação que a ré celebrou um contrato com o trabalhador, inexistindo qualquer violação do princípio da autonomia científica da ré.
iii) Ficou demonstrado que o trabalhador, AA, Professor Universitário: Desempenha as suas funções nas instalações da Ré ou em local por ela indicado [artigo 12º, n.º 1 a) Código do Trabalho] – cfr. E) dos factos assentes; Na sua atividade utiliza equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré [artigo 12º, n.º 1 al. b) Código do Trabalho] – cfr. F), G) dos factos assentes; Observa as horas de inicio e termo da atividade estabelecido pela Ré [art.12º, n.º 1 c), Código do Trabalho] - cfr. H), I) j) dos factos assentes; Como contrapartida do trabalho prestado aufere uma quantia que é processada mensalmente [artigo 12º, n.º 1 al. d), Código do Trabalho] – cfr N) dos factos assentes.
iv) Da factualidade provada, tal como decidido na douta sentença a quo, resulta inteiramente demonstrado que a relação contratual estabelecida entre AA e a ré é uma relação laboral, por se encontrarem preenchidas as circunstâncias enunciadas nas alíneas a) b) c) e d) do n.º 1 do artigo 12º do Código do Trabalho.
v) Para além disso, de acordo com a factualidade assente o trabalhador AA encontra-se inserido no contexto organizativo da Ré e executa as suas funções de acordo com as ordens, instruções, fiscalização e sob a autoridade direção daquela, não se vislumbrando qualquer vestígio de autonomia no exercício concreto das suas funções.
vi) Considerando que em Junho ou Julho de 2022, AA foi convocado pela Diretora da ré para uma reunião, que teve lugar, no dia 22.07.2022 e na qual aquela “Srª Diretora lhe transmitiu verbalmente que, a partir do dia 31.08.2022 deixaria de prestar serviços naquela Universidade.”, tal a comunicação, não precedida de qualquer um dos procedimentos previstos nos artigos 351º e seguintes do Código do Trabalho, traduz-se num verdadeiro despedimento ilícito.
III.1 A função jurisdicional da providência cautelar é antecipar e preparar uma providência ulterior, que há-de definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa.
O que justifica o procedimento cautelar é o chamado periculum in mora. Como elucida o Professor José Alberto dos Reis, “Há casos em que a formação lenta e demorada da decisão definitiva expõe o presumido titular do direito a riscos sérios de dano jurídico; para afastar estes riscos, para eliminar o dano, admite-se a emanação duma providência provisória ou interina, destinada a durar somente enquanto não se elabora e profere o julgamento definitivo” [Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 3.ª Edição – Reimpressão, Coimbra Editora, 1982, pp. 623/624].
Dai usar dizer-se que o procedimento cautelar tem por fim obviar ao perigo na demora da declaração e execução do direito, afastando o receio de dano jurídico.
O n.º1 do art.º 362.º do CPC, com a epígrafe “Âmbito das providências cautelares não especificadas”, determina que “[S]empre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência, conservatória ou antecipatória, concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”.
Resulta dessa norma que o decretamento de uma providência cautelar depende sempre da verificação de dois requisitos cumulativos: i) a verificação da aparência de um direito; ii) a demonstração do perigo de insatisfação desse direito aparente.
Por seu turno, o n.º1, do art.º 368.º, do CPC, vem dizer que “A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”.
Daí decorre, que a apreciação do primeiro requisito assenta num juízo de mera probabilidade ou verosimilhança. Já quanto ao segundo, a lei é mais exigente, “(..) pede-se-lhe mais alguma coisa: um juízo senão de certeza e segurança absoluta, ao menos de probabilidade mais forte e convincente” [Prof. J. Alberto dos Reis, op.cit., pp.621].
O decretamento da providência apenas alcança uma composição provisória do conflito de interesses, assente no fumus iuris e no periculum in mora que tenham sido sumariamente demonstrados. A solução definitiva há-de resultar da causa de que é dependente o procedimento, isto é, que tem por fundamento o direito que se pretende acautelar através da providência.
Nos termos do n.º 5, do artigo 186.º-S, do CPT, que ao procedimento cautelar de suspensão de despedimento subsequente a auto de inspeção previsto no artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, “Em tudo o que não seja regulado [nesse] artigo, é aplicável o regime previsto nos artigos 33.º-A a 40.º-A, com as necessárias adaptações”.
Estes normativos – artigos 33.º-A a 40.º -A - respeitam à providência cautelar especificada de suspensão de despedimento.
Embora sendo uma providência cautelar nominada ou especificada na lei, a função da suspensão de despedimento é, tal como nas demais providências, a de obviar ao perigo na demora da declaração e execução do direito, afastando o receio de dano jurídico.
Nos termos do art.º 39.º /1, do CPT, “A suspensão é decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento”, o que pressupõe que à pretensão cautelar deve estar subjacente a alegação da existência de um contrato de trabalho.
Sendo o presente procedimento dependente da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, regulada nos artigos 186.º K e segts, do CPT, o juízo de verosimilhança de que depende o decretamento da providência, a formular em termos de probabilidade séria, respeita quer à existência do contrato de trabalho quer à ilicitude do despedimento.
III. 2 Passando à apreciação, cabe começar por assinalar que a as questões suscitadas pela recorrente no recurso são a reiteração do que alegou na oposição, para contrapor aos fundamentos invocados pelo Ministério Público no requerimento inicial.
Faz-se notar, desde já, que inclusive vem invocar factos que alegou mas não provou, nem tão pouco impugnou, ou descurando factos provados que também não impugnou. No momento próprio far-lhe-emos a devida referência.
Concordamos com recorrente quando afirma ser praticamente unânime o entendimento de que o exercício de funções de docência universitária em instituições do ensino superior privadas pode ser levado a efeito tanto ao abrigo de um contrato de prestação de serviço como de um contrato de trabalho subordinado. Nesse sentido, a título de exemplo, acórdão do STJ de 13-10-2004 [proc.º 03S2169, Conselheiro Vítor Mesquita, disponível em www.dgsi.pt] refere-se o seguinte:
- «Tem sido orientação praticamente uniforme da jurisprudência ultimamente emitida por este Supremo Tribunal a de que a contratação de docentes do ensino superior particular e cooperativo tanto pode fazer-se recorrendo ao modelo do contrato de trabalho, como ao modelo do contrato de prestação de serviços (2).
Quer o n.º 2 do art.º 40 do Dec. Lei n.º 271/89 de 19 de Agosto, diploma que aprovou o Estatuto do Ensino Superior Particular ou Cooperativo, quer os n.ºs 1 e 2 do art.º 24 do Dec. Lei n.º 16/94 de 22 de Janeiro, diploma que aprovou um novo Estatuto do Ensino Superior Particular ou Cooperativo, decorre que não existe uma configuração jurídico-material exclusiva para as relações de trabalho que tenham por objecto a prestação de docência (e/ou da investigação) em estabelecimentos de ensino superior.
A contratação de docentes do ensino superior particular ou cooperativo opera-se num contexto de liberdade contratual (art. 405º do CC) podendo a instituição universitária e o docente recorrer, tanto ao contrato de trabalho (através de um convénio em que se verifique o condicionalismo de subordinação característico do contrato individual de trabalho) como ao contrato de prestação de serviços, optando, num caso ou no outro, pelo modelo de contratação que melhor se ajuste aos seus interesses.
[..]».
Refere a recorrente que contrato celebrado entre si e o docente AA foi atribuída a designação de Contrato de Prestação de Serviços, e que dele não resulta referência à sujeição do ao poder de direção e fiscalização da Cooperativa, sendo que os outorgantes são pessoas esclarecidas e apresentam um nível cultural que lhes permita ter uma perceção, ainda que mínima, da natureza desse vínculo contratual e do respetivo regime recorrente.
É sabido que a qualificação de um contrato é questão jurídico-normativa a solucionar, designadamente, quanto está em causa saber se há uma relação de trabalho subordinado, atendendo à realidade factual que resulte apurada e respeite aos termos da sua execução. A denominação dada ao contrato, assim como o seu clausulado, “não sendo decisivos para a qualificação do contrato, não deixam de assumir especial relevo, uma vez que a vontade negocial assim expressa no documento não poderá deixar de assumir relevância decisiva na qualificação do contrato, salvo nos casos em que a matéria de facto provada permita concluir, com razoável certeza, que outra foi realmente a vontade negocial que esteve subjacente à execução do contrato” [Ac. STJ de 21-09-2017, Proc.º 2011/13.7TTLSB.L2.S1, Conselheiro Ferreira Pinto, disponível em www.dgsi.pt].
Diga-se, também, que ainda que o contrato escrito preveja expressamente a ausência de subordinação, mas se verifique que existe uma manifesta contradição entre o formalmente acordado e o realmente executado, nestas situações deverá prevalecer na qualificação a efetuar o que resultar da interpretação global dos índices de subordinação jurídica [Ac. STJ de 17-03-2022, Proc.º 251/18.1T8CSC.L2.S1. Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt]
Ou seja, o facto do contrato celebrado ter sido denominado como de prestação de serviços e dele não constar cláusula referindo expressamente o dever de sujeição à sujeição poder de direção e fiscalização da Cooperativa, como usualmente ocorre nos contratos de trabalho subordinado, só por si não é determinante para a qualificação do contrato. Adiante veremos, pois, o que decorre dos factos provados, tendo em conta as questões suscitadas a esse propósito pela recorrente, em concreto, as identificadas no ponto antecedente nas alíneas iv) a ix).
Como ponto fulcral da posição assumida na oposição e reiterada no recurso, invoca o Acórdão do STJ de 25/11/2009 (Vasques Dinis) - do qual transcreve o mesmo extracto por duas vezes nas conclusões -, bem assim o Acórdão do STJ, de 26-06-2015 (Mário Belo Morgado), a propósito das especificidades do contrato de docência, alegando que o Tribunal a quo não lhes deu o devido relevo. E, buscando apoio na doutrina desses arestos, defende que não existindo no Sector Privado, um Estatuto da Carreira Docente próprio, ter-se-á que aplicar o princípio da equiparação ao sector público como forma de responder à lacuna atualmente existente, reforçado pelo disposto no art. 9.º, n.º 4, do RJIES, para sustentar que não cumprindo AA os requisitos legais resultantes dos normativos legais, estatutos e regulamentos supra referidos, para fazer parte do corpo docente próprio da Universidade (docentes com contrato de trabalho sem termo) e tendo o presente o art. 30º, n.º 1, 1), n.º 2, do RJIES, resulta que a decisão recorrida ao impor à requerida que mantenha um trabalhador que foi dispensado pela Universidade, no âmbito da sua autonomia pedagógica, científica e cultural, por não preencher os requisitos exigidos (ausência de investigação), viola precisamente a tal o princípio da autonomia pedagógica e científica, mas também no art. 76, n.º 2, da CRP.
Como flui da fundamentação acima transcrita, o Tribunal a quo não ignorou os arestos invocados pela recorrente, afirma é que “ambos os Acórdão do STJ citados pela requerida (25/11/2009 e 26/06/15) versam sobre contratos de trabalho, questionando-se ali a possibilidade da contratação por duração limitada em moldes diferentes dos estabelecidos no C. Trabalho, questão muito diferente da colocada nestes autos”.
Na verdade, em qualquer desses arestos, embora respeitem contratos de docentes do ensino superior, a base factual fulcral não é similar, desde logo, em razão dos autores terem sido contratados ao abrigo de contrato de trabalho subordinado, mas também por serem diversas as questões que neles se colocam, como se pode constatar na delimitação do objecto do recurso de cada um deles [ambos disponíveis em www.dgsi.pt]. No acórdão do STJ de 25-11-2009 [proc. 301/07.7TTAVR.C1.S1, Conselheiro Vasques Dinis], a questão fulcral a apurar consistia em “Saber se a relação laboral que vigorou entre as partes, desde Fevereiro de 1995 até Maio de 2006, deve considerar-se emergente da celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado ou emergente de dois sucessivos contratos de trabalho de duração limitada”; e, no Ac. do STJ de 25-06-2015 [Proc.º 868/12.8TTVNF.P1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado], indica-se que “Está em causa uma sequência de contratos de docência, de duração limitada, sucessivamente celebrados, ou com início de vigência, em 01.11.1998, 01.02.2001, 03.03.2004 (renovado por mais um ano em 01.02.2007), 01.02.2008, 01.02.2009, 01.03.2009, 01.08.2009, 01.08.2010 e 01.09.2011”.
Para além disso, há ainda outros aspectos fundamentais que são diversos.
O acórdão de 25-11-2009, respeita ao caso de uma docente da Universidade 1..., aplicando-se um regime legal próprio, como se infere do respectivo sumário, onde consta, no que aqui releva, o seguinte:
[..]
VI - O enquadramento legal da actividade a desenvolver pela Universidade 1..., em matéria de contratação do corpo docente, feito pelo Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de Abril, que remete no n.º 2 do seu artigo 5.º para o «regulamento interno, a aprovar pelos seus órgãos competentes, visando satisfazer as exigências de evolução da carreira académica dos docentes», afasta, na matéria em causa, a aplicação àquela instituição do regime aplicável ao ensino superior particular e cooperativo.
VII - No âmbito do direito português, atento o referido princípio de autonomia, não está excluída a possibilidade de o legislador confiar a instituições do ensino superior, qualquer que seja a entidade instituidora, o estabelecimento, em regulamentos internos, que respeitem os limites da Constituição laboral, de regimes especiais de celebração, execução e extinção de contratos de docência.
VIII - As normas dos artigos 34.º, 37.º, n.ºs 1 e 2, e 39.º do Estatuto da Carreira Docente da Universidade 1..., em vigor desde 1 de Outubro de 1990, que constitui o regulamento interno a que se refere o n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de Abril, que conferem ao contrato de docência, ainda que não reduzido a escrito, quando celebrado para o exercício de funções de assistente, a natureza de contrato de duração limitada, sem qualquer possibilidade de conversão em contrato sem termo, e impõem a obrigatoriedade de o contrato para o exercício de funções de professor auxiliar ser inicialmente celebrado por tempo determinado, estipulando, em ambos os casos, os respectivos prazos de duração, desenham um quadro normativo justificado pela natureza das coisas, não suscitando apontamentos de ofensa ao direito à não privação arbitrária do emprego que se procurou e se obteve ou ao direito à possível estabilidade no emprego que se procurou e se obteve, protegidos pelo artigo 53.º da Constituição.
[..]».
E, no Ac. do STJ de 25-06-2015, aplicava-se o Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, sedo que como se refere no aresto, na apreciação da questão colocada teria que atender ao seguinte:
-«Como decorre do exposto em supra n.º 11 a 17 (e ainda dos arts. 4º a 13º do DL 185/81, na versão anterior ao DL 207/2009, de 31/8 - Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico), a contratação de um assistente (ou professor adjunto, à luz na nova terminologia, introduzida pelos DL 205/2009 e DL 207/2009, ambos de 31/8) sem a qualificação de mestre ou doutor, como é o caso da autora (n.º 32 dos factos provados), para exercer funções de docência no ensino superior particular e cooperativo, nunca pode ter lugar no quadro do contrato de trabalho por tempo indeterminado, por isso ser incompatível com o regime legal imperativamente estabelecido nesta matéria, alicerçado – como já se referiu, mas não é demais salientar – no elevado grau de exigência científica e pedagógica da atividade em questão e nos elevados interesses públicos envolvidos neste campo».
Acresce que em ambos os casos estavam em causa a falta de qualificação – grau académico – dos autores, quando no caso em apreço está provado que [QQ] AA é doutorado em Psicologia Social e Organizacional, especialidade em Psicologia Social, Ambiental e Comunitária, tendo obtido o seu grau em 2007, pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa.
Ora, como questão prévia e fulcral, está em causa saber, como dissemos, num juízo de verosimilhança a formular em termos de probabilidade séria, se a relação jurídica estabelecida entre a requerida e o docente AA, que se iniciou em 01 de setembro de 2020 [facto CC] constitui um contrato de trabalho ou de prestação de serviços, para a qual não releva a alegada “ausência de qualquer atividade científica”, que a recorrente considerou existir face ao “Parecer de dispensa de funções” emitido pela Diretora do Departamento de Psicologia e Educação [facto ZZ] – em 7 de Julho de 2022 -, recomendando “a dispensa de funções como Professor Auxiliar do Professor AA a partir de 31 de julho de 2022”.
Por conseguinte, o que releva é atentar nos termos em que foi executado o contrato celebrado, para se verificar se há correspondência com o tipo de contrato celebrado, ou seja, de prestação de serviços, ou se pelo contrário existiu subordinação jurídica e deverá concluir-se estar-se perante um contrato de trabalho subordinado.
Atentando ainda na jurisprudência do STJ, com interesse para o caso, por haver similitude quanto ao essencial, deve referir-se já acima citado Ac. de 17-03-2022 [Proc.º 251/18.1T8CSC.L2.S1. Conselheiro Chambel Mourisco], onde se colocou a questão de saber “Se a relação entre Autor e Ré constitui um contrato de trabalho ou de prestação de serviços”, em cujo sumário consta o seguinte:
I- Subjacente ao contrato de trabalho existe uma relação de dependência necessária que condiciona a conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.
II- Embora o contrato subscrito pelas partes preveja expressamente a ausência de subordinação, resulta da matéria de facto provada que existe uma manifesta contradição entre o formalmente acordado e o realmente executado, devendo nestas situações prevalecer na qualificação a efetuar o que resultar da interpretação global dos índices de subordinação jurídica.
III- O facto de o legislador não ter ainda aprovado um regime próprio nos termos anunciados no artigo 24º do Estatuto do Ensino Superior Particular ou Cooperativo, aprovado pelo DL n.º16/94 e de se compreender a importância de tal vir a ser concretizado, não afasta a aplicação do regime geral laboral, in casu, da Lei do Contrato de Trabalho, sem prejuízo de se deverem atender às especificidades próprias do exercício da docência e, particularmente, do exercício da docência no ensino superior.
Com particular interesse para o caso, atenta o argumento da recorrente, o ponto III do sumário é retirado desta parte da fundamentação:
É jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça que o facto de o legislador não ter ainda aprovado um regime próprio nos termos anunciados no referido artigo 24º e de se compreender a importância de tal vir a ser concretizado, não afasta a aplicação do regime geral laboral, in casu, da Lei do Contrato de Trabalho, sem prejuízo de se deverem atender às especificidades próprias do exercício da docência e, particularmente, do exercício da docência no ensino superior, o que poderá levar a que, neste ou naquele particular aspeto, detete lacunas na lei geral (que, por definição, não contempla aquelas especificidades) e se proceda à introdução de adaptações[13]
Na nota para onde remete essa parte do texto referem-se os acórdãos do STJ de 13-10-2004 [Proc.º 03S2169, Conselheiro Vítor Mesquita], também já citado; e, o Ac. de 22-09-2010 [proc.º 4401/04.7TTLSB.S1, Conselheiro Mário Pereira, disponível em www.dgsi.pt], em cujo sumário consta o seguinte:
I - A contratação de docentes do ensino superior particular ou cooperativo pode efectuar-se tanto através de um contrato de trabalho como de contrato de prestação de serviços, indiciando o n.º 2 do art. 24º do DL n.º 16/94, de 22.01 ser mais adequado o contrato de trabalho, embora com adaptações justificadas pelo tipo de actividade em causa.
II - Para efeitos de qualificação contratual e da operatividade da presunção estabelecida no art. 12.º do Código do Trabalho, deve considerar-se que este diploma só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003.
III - Das definições legais de contrato de trabalho e de contrato de prestação de serviço resulta que os elementos que essencialmente os distinguem são: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
IV - O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou; diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
V - Como característica fundamental do vínculo laboral, a subordinação jurídica implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de subordinação do trabalhador cuja conduta pessoal na execução do contrato está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador dentro dos limites do contrato e das normas que o regem, exigindo-se, apenas, a mera possibilidade de ordens e direcção.
VI - As dúvidas de qualificação que se verificam com particular expressão no domínio de actividades tradicionalmente desenvolvidas em regime de profissão liberal, hoje crescentemente inseridas em estruturas organizacionais complexas, devem ser resolvidas no sentido da subordinação quando o profissional está sujeito a medidas organizativas e a uma disciplina de trabalho em cuja definição não participa.
VII - É de qualificar como contrato de trabalho o vínculo estabelecido entre o Autor (Professor Catedrático) e a Ré (detentora de um estabelecimento de ensino superior privado) quando está demonstrado que: o Autor foi contratado para exercer as suas funções em regime de “tempo integral”, renunciando a igual compromisso com outra instituição pública ou privada de ensino superior ou de outro grau de ensino; o exercício das suas funções decorria no estabelecimento de ensino da Ré e em horário definido por ela, sendo o Autor avaliado pelos Departamentos desse estabelecimento de ensino; em contrapartida da sua actividade, o Autor auferia uma retribuição mensal de acordo com uma tabela fixada pela Ré, incluindo o mês de Agosto e os subsídios de férias e o de Natal; cessado o vínculo, a Ré entregou ao Autor a declaração de situação de desemprego, na qualidade de sua entidade empregadora.
VIII - A circunstância de não ter sido publicado o diploma contendo o regime próprio da contratação de pessoal docente do ensino superior privado e cooperativo não põe em causa, em face da sua natureza geral, a aplicabilidade do regime geral do contrato de trabalho e, concretamente, do regime da cessação do contrato de trabalho no que diz respeito às suas consequências legais.
A recorrente procura contornar a questão fulcral apontada, ou seja, a da qualificação do contrato, ofuscando-a com a colocação de uma questão a jusante, defendendo que a decisão recorrida ao impor-lhe que mantenha um trabalhador que foi dispensado por não preencher os requisitos exigidos (ausência de investigação), viola o princípio da autonomia pedagógica e científica, tendo presente o art. 30º, n.º n.º 2, do RJIES e o art.º 76.º n.º2, da CRP.
Ou seja, na sua pespectiva, ainda que se venha a concluir, em termos de probabilidade séria, estar-se perante uma relação de trabalho subordinado e, logo, que houve um despedimento ilícito - decorrente da comunicação efectuada a AA no dia 22/07/2022, pela srª Diretora do Departamento de Psicologia e Educação da “A..., CRL, transmitindo-lhe verbalmente que, a partir do dia 31/08/2022 – último dia da vigência do contrato de prestação de serviços que celebrou com a “A..., CRL” – deixava de prestar serviços naquela Universidade [facto KK] -, os efeitos daí decorrentes não podem ser os estabelecidos na lei, por alegadamente tal violar o princípio da autonomia pedagógica.
Pois bem, esta construção não pode ser acolhida. Passamos a justificar esta asserção.
É certo que o art.º 76.º /2, da CRP., estabelece que as “As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino”. Princípio que é acolhido no art.º 30.º /2, da Lei n.º 62/2007, de 2007-09-10 - Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior –, ao dispor que “As competências próprias das entidades instituidoras devem ser exercidas sem prejuízo da autonomia pedagógica, científica e cultural do estabelecimento de ensino, de acordo com o disposto no acto constitutivo da entidade instituidora e nos estatutos do estabelecimento”.
Mas como alega o recorrido Ministério Público, foi precisamente no exercício da sua autonomia que a recorrente decidiu livremente contratar o docente AA, optou pelo celebração de um contrato que denominaram de Prestação de Serviços” e definiu a actividade que pretendia ver assegurada por aquele e em que termos.
Cabendo ter presente, que a recorrente dispõe do Estatuto da Carreira Docente da Universidade ... (20 de Fevereiro de 2002, atualizado em Outubro de 2014), que como a própria recorrente vem argumentar, estabelece o regime da docência, a definição, as regras de avaliação e de progressão na carreira e também os direitos e deveres do pessoal docente.
Estabelece o esse Estatuto, no que aqui releva, o seguinte:
Artigo 1.º Âmbito de aplicação
O Estatuto da Carreira Docente Universitária, adiante designado por Estatuto, aplica-se ao pessoal docente da Universidade ..., adiante designada por Universidade ....
Artigo 2.º Categorias

Artigo 3.º Composição e Distribuição do pessoal docente

Artigo 4.º Pessoal especialmente contratado
1 – Além das categorias enunciadas no artigo 2º, podem ainda ser contratadas para a prestação de serviço docente individualidades, nacionais ou estrangeiras, de reconhecida competência científica, pedagógica ou profissional, cuja colaboração se revista de interesse e necessidade inegáveis para a Universidade ....
2 – As individualidades referidas no número precedente designam-se, consoante as funções para que são contratadas, por professor convidado, assistente convidado ou leitor, salvo quanto aos professores de instituições de ensino superior estrangeiras, que são designados por professores visitantes
Artigo 6.º Funções dos professores
1- [..]
2 - [..]

Artigo 7.º Funções do pessoa especialmente contratado

[..].
Artigo 9.º Recrutamento de professores

Artigo 10.º Propostas de recrutamento

Artigo 11.º Propostas de recrutamento de pessoal especialmente contratado

Artigo 12.º Recrutamento de professores visitantes

Artigo 13.º Recrutamento de professores convidados


Artigo 14.º Recrutamento de leitores

Artigo 15.º Recrutamento de monitores
Os monitores são recrutados, por convite, de entre estudantes de licenciatura ou de mestrado da Universidade ....
Artigo 16.º Regime de prestação de serviço

Artigo 17.º Progressão na carreira

Artigo 30.º Regime de tempo integral

Artigo 31.º Regime de tempo parcial

Artigo 32.º Componentes do serviço docente

3-[..]
Artigo 34.º Avaliação do desempenho


Artigo 35.º Efeitos da avaliação do desempenho

Artigo 38.º

Num breve parêntesis, bastando atentar no n.º2, do art.º 35.º e no artigo 38.º, constata-se que o Estatuto assenta no pressuposto da contratação de professores – em regime de tempo parcial ou em regime de tempo integral [art.º 16.º]- , ser feita através de contrato individual de trabalho. Não foi o caso do docente AA, com que foi celebrado contrato de prestação de serviços.
Não obstante, para efeitos da sua contratação para exercer funções como Professor Auxiliar, a partir de 1 de Setembro de 2020, pelo período de um ano e com possibilidade de renovação, pelo qual asseguraria, em média, 09h00 semanais de serviço docente [facto CC], deduzindo-se que recrutado por convite, naturalmente que tiveram que ser observadas as exigências estabelecidas no estatuto, designadamente, “por convite, de entre nacionalidades nacionais [..], cuja reconhecida competência pedagógica e ou profissional na área ou áreas disciplinares em causa esteja comprovada curricularmente” [art.º 13.º].
Significa isso, pois, que certamente foi entendido que o currículo apresentado por AA satisfazia as exigências referidas no Estatuto para ser recrutado e passar a integrar o corpo de docentes na qualidade de Professor Auxiliar. De outro modo, seria um contrassenso estar a contratá-lo.
Cabendo ter presente, como provado, que durante a execução da actividade contratada AA foi sujeito a avaliação no seu desempenho - autoavaliação e avaliação feita pelos alunos [facto OO], ou seja, conforme previsto no art.º 34.º dos Estatutos.
A ter igualmente presente, que em julho de 2021, a requerida comunicou a AA que iria proceder à renovação do aludido contrato, para o ano letivo de 2021/22, agora com uma carga horária média de 12 horas semanais, ou seja, o correspondente ao tempo integral de trabalho [facto provado EE].
É, pois, de considerar que a recorrente continuou a entender que AA satisfazia os requisitos necessários para continuar a ser docente – professor auxiliar - e, para além disso, para passar a ter uma carga horária correspondente a horário integral.
Diferentemente foi entendido em 7 de Julho de 2022 – data do parecer junto aos autos a que se refere facto ZZ - emitido pela Diretora do Departamento de Psicologia e Educação – em 7 de Julho de 2022 -, nos seguintes termos: “Pelos motivos apresentados, e por não se verificarem reunidas as condições necessárias (em termos de experiência prévia e competências adquiridas) para uma efetiva contribuição para os objetivos do plano estratégico em vigor da Universidade ... (cf. https://....pt/content/files/ reitoria/Plano_Estrategico_2030_Dez2021.pdf), recomenda-se a dispensa de funções como Professor Auxiliar do Professor AA a partir de 31 de julho de 2022.”.
Não nos cabendo por em causa a bondade desse parecer, não pode contudo deixar de se estranhar que se aponte “não se verificarem reunidas as condições necessárias (em termos de experiência prévia [..]”, pois, salvo melhor opinião, em termos lógicos, esse requisito terá certamente sido apreciado na contratação inicial e na renovação do contrato de prestação de serviços.
Contudo, repete-se, não nos cabe indagar a correcção desse parecer.
O que está em causa no âmbito deste procedimento cautelar é saber, repete-se, num juízo de verosimilhança a formular em termos de probabilidade séria, se ao invés de um contrato de “prestação de serviços”, a sua execução revela a existência de subordinação jurídica e, logo, não era lícito à recorrente fazê-lo cessar nos termos em que o fez.
E, nesse desiderato, como afirma o STJ, não há razões válidas que imponham afastar “a aplicabilidade do regime geral do contrato de trabalho e, concretamente, do regime da cessação do contrato de trabalho no que diz respeito às suas consequências legais”.
A recorrente agiu livremente, quer na escolha do tipo de contrato que elegeu para contratar o docente AA como professor auxiliar, quer para determinar os termos da execução do contrato e para o renovar, quer ainda para fazer cessar a relação jurídica existente entre as partes. Quanto a esta última decisão, refira-se, que pese embora estar já em curso a acção de reconhecimento da existência de contato de trabalho de que esta providência depende, estando devidamente alertada para a possibilidade de vir a concluir-se pela existência de um contrato de trabalho e, logo, pela eventual verificação de um despedimento ilícito.
Inexiste, pois, qualquer violação do princípio da autonomia científica e pedagógica da recorrente, em razão de se proceder à indagação sobre qualificação do vínculo jurídico que existiu entre a recorrente e o docente AA, à luz do regime geral do contrato de trabalho e, se disso for caso, da sua cessação.
Por último, também não merece acolhimento o apelo ao Decreto-Lei n.º 65/2018, de 16 de agosto, que aprova o Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior, defendendo a recorrente que “ao contrário do que entende a Julgadora”, por efeito da decisão não pode ser “considerado a tempo integral, porque AA como ficou provado não faz do ensino e investigação a sua atividade profissional exclusiva ou predominante”.
Invoca o art.º 3.º. al. m., onde se dispõe “Regime de tempo integral» o regime de exercício da docência em que se encontram os que fazem do ensino e investigação a sua atividade profissional exclusiva ou predominante, não podendo ser considerados como tal em mais de uma instituição de ensino superior”.
Desde logo, e dispensando outras considerações, as premissas que sustentam essa invocação não estão correctas, dado estar provado que em julho de 2021, a requerida comunicou a AA que iria proceder à renovação do aludido contrato, para o ano letivo de 2021/22, agora com uma carga horária média de 12 horas semanais, ou seja, o correspondente ao tempo integral de trabalho [facto provado EE], bem assim que também fazia investigação, como decorre dos factos seguintes:
[AA) AA faz investigação no âmbito do programa REMIT (Research on Economics Management and Information Technologies), unidade de investigação criada pela Requerida com vista ao desenvolvimento de uma nova política de investigação.
FFF) AA consta da plataforma de atualização de equipas de investigação da Fundação ..., enquanto colaborador com uma dedicação de 10%, não estando identificado na mesma enquanto membro integrado.
GGG) Consta ainda como membro de equipa da proposta de projeto com a referência ... no âmbito do Concurso de Projetos de I&D em Todos os Domínios Científicos – 2022.
HHH) Essa proposta tem por Investigadora Responsável II e por Co-Investigadora Responsável JJ.
III) A restante equipa é composta por 15 membros, dos quais faz parte AA, com uma dedicação de 10%, não sendo ainda indicado como Membro nuclear da Proposta.
III.3 O Tribunal a quo conclui estarem indiciariamente verificados os pressupostos da presunção de laboralidade previstos nas alíneas a) a d) do artigo 12.º, nº 1 do C. do Trabalho, que a requerida, agora recorrente, não ilidiu essa presunção e, para além disso, que da matéria provada resultaram, igualmente em termos indiciários, ainda outros indícios de laboralidade.
Discorda a recorrente, como se disse, reiterando a posição afirmada na oposição e, inclusive, invocando factos que alegou mas não provou, ou descurando factos que não impugnou. Constam os mesmos da síntese que deixámos atrás, sob os pontos iv a ix.
Percorrendo as conclusões de recurso, verifica-se que relativamente ao enquadramento jurídico não é colocada qualquer questão pela recorrente. A discordância assenta antes na aplicação dos princípios enunciados pelo Tribunal a quo ao elenco factual apurado.
Importa deixar afirmado que concordamos, em geral, com aquela fundamentação jurídica. No entanto, ainda que não logremos evitar alguma repetição, deixaremos as notas essenciais para enquadrar juridicamente a questão.
III.3.1 O contrato de trabalho subordinado e o contrato de prestação de serviços, diferenciam-se, essencialmente, pelo respectivo objecto, qual seja o da prestação de uma actividade (no caso do contrato de trabalho) ou da obtenção de um resultado (no caso do contrato de prestação de serviço), e pelo relacionamento entre as partes, isto é, a existência de uma relação de subordinação (quanto ao primeiro) ou de autonomia (quanto ao segundo).
A noção legal do contrato de trabalho permite identificar como elementos essenciais deste tipo de contrato, os seguintes: i) a actividade laboral; ii) a retribuição; iii) a colocação do trabalhador sob a autoridade e no âmbito da organização do empregador. O primeiro elemento consiste na natureza da prestação a que o trabalhador se obriga, isto é, a prestação de actividade, que se concretiza em fazer algo, como aplicação ou exteriorização da força de trabalho tornada disponível para a outra parte, através do negócio. O segundo consiste na contrapartida devida ao trabalhador em troca da disponibilidade da força de trabalho, sendo normalmente paga em dinheiro. O último corresponde ao que a doutrina e jurisprudência identificam habitualmente, e a partir da perspectiva do trabalhador, pela expressão “subordinação jurídica”, da sua verificação dependendo o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho [Cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª ed., Almedina, pp. 127/137; e, Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, Almedina, pp. 20 a 37].
A subordinação jurídica é usualmente definida como o dever legal do trabalhador acatar e cumprir as ordens e instruções que, em cada momento, lhe sejam dirigidas pelo empregador, emitidas por este no uso do seu poder de direcção da empresa, directivas essas que são vinculativas para aquele devido à obrigação de obediência consagrada na lei.
Segundo Monteiro Fernandes a subordinação jurídica consiste «(..) numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem (..)». Porém, como assinala o mesmo autor, «(..) a subordinação jurídica pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Muitas vezes, a aparência é de autonomia do trabalhador, que não recebe ordens directa e sistemáticas da entidade patronal; mas, a final, verifica-se que existe, na verdade, subordinação jurídica», que existirá sempre que relativamente à entidade patronal se verifique «(..) um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato)» não sendo necessário «(..) que essa dependência se manifeste ou explicite em actos de autoridade e direcção efectiva» [Op. cit, pp. 136/137].
A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho é, assim, o elemento típico deste contrato que permite distingui-lo quer do contrato de prestação de serviços, quer de outros contratos afins, como sejam o contrato de mandato, o contrato de sociedade, o contrato de comissão e outros, e decorre daquele poder de direcção que a lei confere à entidade empregadora [art.º 97.º CT/09] a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador [art.º 128.º / 1 al. e) e 2, CT/09].
Como elucida Maria do Rosário Palma Ramalho “O confronto do elemento da subordinação com os restantes elementos essenciais do contrato de trabalho evidencia a sua importância vital para a distinção do negócio laboral de outros negócios que envolvem a prestação de uma actividade laborativa: enquanto o elemento da actividade é comum e o elemento da retribuição pode estar presente nas vários formas de prestação de um trabalho, o elemento da subordinação é típico e específico do contrato de trabalho” [Op. cit.pp.33].
Sendo consensual o entendimento sobre os elementos que caracterizam o contrato de trabalho e que na distinção com outros contratos releva a existência de subordinação jurídica, já no plano prático, a extrema variabilidade das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, implicando a necessidade de se recorrer a critérios acessórios, baseados na interpretação de indícios de subordinação [Cfr. Monteiro Fernandes, op.cit.,p. 148; Maria do Rosário Palma Ramalho, op. cit. pp. 40; e, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, Editorial Verbo, 2.ª Edição, 1999, p. 156].
Nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos.
Para essas “zonas cinzentas”, na expressão de Bernardo Lobo Xavier, afirma este professor que «(..) é corrente aplicar-se o método de índices para testar a existência de uma situação de autonomia ou de subordinação», apontando como índices mais relevantes os seguintes:
- Organização do trabalho: se é do próprio que o desempenha, indicia-se trabalho autónomo, se é de outrem, trabalho subordinado.
- Resultado do trabalho: se o contrato tem em vista o resultado, indicia-se trabalho autónomo, se tem em vista a actividade em si mesma, indicia-se trabalho subordinado.
- Propriedade dos instrumentos de trabalho: se estes pertencem ao trabalhador, presume-se autonomia, se não, indicia-se subordinação.
- Lugar de Trabalho: se este pertence ao trabalhador, indicia-se autonomia, se não subordinação.
- Horário de Trabalho: a existência de um horário definido pela pessoa a quem se presta a actividade é um dos mais fortes indícios de subordinação.
- Retribuição: a existência de uma retribuição certa à hora, ao dia, à semana ou ao mês indicia trabalho subordinado, enquanto o pagamento à peça, à comissão ou por produto acabado indicia trabalho autónomo.
- Outros índices: a exclusividade ou não da prestação de serviço relativamente a um único empresário; existência ou não de ajudantes do prestador do serviço, por este pagos; incidência do risco da inutilização do produto [Op.cit. p. 156 e 157].
Mas como também assinala este autor, muitos outros elementos há ainda relevantes para estabelecer a distinção entre trabalho autónomo e trabalho subordinado. Assim, para além daqueles, a doutrina e a jurisprudência apontam, ainda, a designação dada ao contrato, o direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, inserção do trabalhador na organização produtiva, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização.
Cada um desses indícios tem naturalmente um valor muito relativo e, só por si, não são concludentes quanto à existência de subordinação jurídica, impondo-se um juízo de globalidade em resultado de uma valoração conjunta dos factos provados [Monteiro Fernandes, op. cit. p. 148].
A jurisprudência sobre esta problemática é vasta e tem seguido uma linha de entendimento uniforme. Precisamente por isso, a título meramente ilustrativo, deixa-se aqui o sumário do Acórdão do STJ de 04-05-2011, onde se lê o seguinte:
«I -O contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço distinguem-se, basicamente, pelo objecto e pelo tipo de relacionamento entre as partes: enquanto no primeiro se contrata a actividade subordinada, no segundo visa-se a prossecução de um determinado resultado, em regime de autonomia.
II - Sempre que a actividade desenvolvida seja de natureza eminentemente técnica, é mais no âmbito do relacionamento entre as partes que hão-de buscar-se os indícios reveladores da matriz que os diferencia, a subordinação jurídica típica da relação juslaboral.
III - Perante a dificuldade probatória na identificação dos elementos de facto que integram a subordinação jurídica – consubstanciada no poder de conformação da prestação, orientação, direcção e fiscalização da actividade laboral em si mesma, com o correspondente poder disciplinar – a distinção faz-se pelo método tipológico, deduzindo-se dos factos indiciários, em juízo de aproximação, a qualificação que se demanda.
IV - Incumbe ao trabalhador o ónus de alegação e prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, porque constitutivos do direito que vem exercitar (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
V - Na operação de apreciação e qualificação dos factos-índice é essencial averiguar qual a vontade das partes revelada quando procederam à definição dos termos do contrato.
VI - Na ponderação global dos indícios disponíveis, o convénio celebrado pelas partes, por escrito, titulado como “contrato de prestação de serviços”, não é susceptível de ser perspectivado como um contrato de trabalho quando, nos termos clausulados e na sua subsequente execução, se constata que o Autor era pago mediante uma prestação mensal variável, calculada em função do número de equipamentos assistidos, inexistindo qualquer retribuição fixa; era o Autor que escolhia fazer férias, quando e como, impondo-lhe a Ré apenas que se fizesse substituir por outro técnico, conquanto que avalizado por esta; as férias não eram remuneradas pela Ré, que também nunca entregou ao Autor qualquer quantia a título de subsídios de férias e de Natal; não se demonstrou que o Autor cumprisse efectivamente algum horário de trabalho; o Autor sempre emitiu os chamados “recibos verdes”, com eles titulando o recebimento das importâncias que lhe eram pagas pela Ré”.
[Proc.º n.º 3304/06.5TTLSB.S1, Conselheiro Fernandes da Silva, disponível em www.dgsi.pt/jstj]
Foi justamente com o propósito de procurar atender a essas realidades de fronteira - ou “zonas cinzentas”, na expressão de Bernardo Lobo Xavier - e facilitar a sua apreensão e qualificação, que o legislador do Código do Trabalho de 2003, introduziu uma nova norma, nomeadamente, o art.º12.º, com a epígrafe, “Presunção”, que se iniciava dizendo “presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que cumulativamente”, para depois enumerar um conjunto de situações, nas alíneas a) a e), que mais não eram do que a tradução de alguns dos indícios de subordinação acima referidos.
É sabido que a redacção da norma levou a sérias dificuldades de interpretação, senão mesmo de aplicação, dada a expressão “cumulativamente”, posto que dai resultava que a presunção legal só operava quando se verificassem “cumulativamente” todos aqueles indícios. Por um lado, verificando-se todos aqueles indícios era inútil a presunção; e, por outro, punha-se a questão de saber como decidir quando se verificavam indícios suficientes para qualificar o contrato como de trabalho subordinado, mas não estavam presentes todos aqueles [Cfr. Monteiro Fernandes, op. cit. p. 153/154].
Reconhecidas essas dificuldades pelo legislador, essa norma foi entretanto revogada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, passando o mesmo artigo a ter a redacção seguinte:
- «Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição».
Convenhamos que a solução não foi igualmente feliz. Com efeito, se o prestador está na “dependência e inserido na estrutura organizativa” do beneficiário da actividade, realizando a sua prestação “sob as ordens, direcção e fiscalização daquele beneficiário” e “mediante retribuição”, parece que nada há a presumir, antes se impondo concluir pela qualificação da relação como de contrato de trabalho subordinado. Como salienta Maria do Rosário Palma Ramalho, “(..) embora se tenha limitado os indícios de laboralidade (..) fez-se coincidir a maior parte desses indícios com os próprios elementos essenciais do contrato de trabalho, o que lhe retirou qualquer valor indiciário, para além de os continuar a conceber como indícios cumulativos, o que diminuía a sua operacionalidade” [Op. cit., pp. 51].
No mesmo sentido pronuncia-se Monteiro Fernandes, observando que a norma não “[..] oferecia uma presunção, mas uma definição (uma segunda definição) do contrato de trabalho. Continuava, pois, a não existir no CT uma verdadeira presunção da existência do contrato de trabalho” [Op. cit. 154].
No artigo 12.º do actual CT, mantendo a presunção de laboralidade, o legislador veio a conferir-lhe uma nova formulação com o propósito de ultrapassar as deficiências apontadas, para além do mais, passando a dispor o seguinte:
«1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
2- (..)
3 - (..)
4 - (..)»
Assim, como vem sendo pacificamente entendido pela doutrina e jurisprudência, nos termos aí estabelecidos presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos indícios ali mencionados nas alíneas a) a e), cuja enunciação é meramente exemplificativa, sendo bastante que se verifiquem apenas dois desses indícios para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho.
Não estabelecendo a norma qualquer proibição, a presunção legal aí contida é ilidível, como é de regra, significando isso que a qualificação laboral por efeito da presunção, pode ser afastada se o empregador provar a autonomia do trabalhador ou a falta de outro elemento essencial do contrato [art.º 350.º n.º2, do CC]. Dito de outro modo, constatada a existência de alguns desses indícios opera a presunção, ficando o trabalhador dispensado de provar a existência do contrato de trabalho [n.º1, do art.º 350.º CC], passa a recair sobre o empregador o encargo de provar a existência de uma situação de trabalho autónoma ou por conta própria, para afastar a presunção [n.º2, do mesmo art.º 350.º do CC], prova que é mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar.
Esta Secção e Relação já se pronunciou em vários arestos afirmando esse entendimento, entre os quais, a título meramente exemplificativo, constam os seguintes [publicados em www.dgsi.pt]:
- Ac. de 14-03-2022, proc.º 368/20.9T8PNF.P1 [Desembargador Domingos Morais]
Se a presunção da existência de um contrato de trabalho deve assentar nas características concretas descritas no artigo 12.º n.º 1 do Código do Trabalho, também a ilisão dessa presunção – a prova em contrário – deve ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa e não em meras hipóteses ou informações genéricas, cabendo à empresa o ónus da prova dos concretos e reais factos que consubstanciem essa ilisão, por força do artigo 350.º do Código Civil.
- Ac. de 14-02-2022, proc.º 416/20.6T8VLG.P1 [Desembargador António Luís Carvalhão]
I - A quem quer ser reconhecido como “trabalhador” cabe alegar e fazer prova de, pelo menos, dois dos pressupostos de base de atuação da presunção previstos no nº 1 do art.º 12º do Código do Trabalho; e, provados tais pressupostos, há que presumir a existência de um contrato de trabalho, com a consequente inversão do ónus da prova.
II - Por via dessa inversão, caberá então ao empregador ilidir a presunção, através da prova do contrário (art.º 350º, nº 2, do Código Civil), sendo de que, para o efeito, não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido
- Ac. de 15-11-2021, Proc.º 4280/17.4T8MTS.P3 [relatado pelo aqui relator e com intervenção do aqui excelentíssimo 1.º adjunto]:
I - Nos termos estabelecidos no art.º 12.º do CT, presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos indícios ali mencionados nas alíneas a) a e), cuja enunciação é meramente exemplificativa, sendo bastante que se verifiquem apenas dois desses indícios para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho.
II - Não estabelecendo a norma qualquer proibição, a presunção legal aí contida é ilidível, como é de regra, significando isso que a qualificação laboral por efeito da presunção pode ser afastada [art.º 350.º n.º2, do CC], passando a recair sobre o empregador o encargo de provar a existência de uma situação de trabalho autónoma ou por conta própria, para afastar a presunção.
- Ac. de 18-11-2019, Proc.º 234/12.5TTPNF.P1 [Desembargador Nelson Fernandes, aqui 1.º adjunto e com intervenção da 2.ª adjunta]
- II - Impendendo sobre o autor que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de um contrato de trabalho, de acordo com o regime decorrente do n.º 1 do artigo 342.º do CC, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos do contrato, estabeleceu o legislador, com o objetivo de facilitar essa tarefa, uma presunção legal, vulgarmente denominada de laboralidade, atualmente prevista no artigo 12.º do CT/2009.
III - Tratando-se de presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito), quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, sem prejuízo da possibilidade de ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum –, o que significa que, ao invés do que resulta do regime geral da repartição do ónus da prova (artigo 342.º, n.º 1, do CC), o trabalhador fica dispensado de provar outros elementos, afirmando-se a existência de um contrato de trabalho, por ilação, demonstrados que sejam aqueles (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do CC), caso a outra parte não prove factos tendentes a elidir aquela presunção de laboralidade (artigo 350.º, n.º 2, do CC).
IV - Integradas as circunstâncias previstas em mais do que uma das alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do CT, mostra-se preenchida a presunção da existência de contrato de trabalho na relação que vigorou entre o autor e o réu, cumprindo indagar, seguidamente, se este ilidiu aquela presunção, demonstrando que, apesar da verificação daquelas circunstâncias e da presunção das mesmas derivada, a relação existente não pode ser considerada como uma relação de trabalho subordinado.
- Ac. de 17-02-2020, proc.º 2604/19.9T8OAZ.P1 [Desembargadora Rita Romeira].
- [..]
VII - Atenta a presunção de laboralidade, estabelecida no art. 12º, do CT/2009, demonstrando o trabalhador pelo menos, duas das características enunciadas nas alíneas do seu nº 2, presume-se a existência de contrato de trabalho cabendo à, alegada, empregadora a prova do contrário (art. 350º, nº 2, do CC), não bastando, para o efeito, contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido, tendo de provar que não existiu a subordinação jurídica indiciada por aquelas e, nessa medida, um contrato de trabalho.
- Ac. de 14-12-2017, Proc.º 1694/16.0T8VLG.P1 [Desembargadora Paula Leal de Carvalho]
I - Para que a presunção de laboralidade constante do art. 12º, nº 1, do CT/2009 atue basta a verificação de, pelo menos, dois dos pressupostos previstos nas diversas alienas desse preceito.
II - A verificação de tal presunção transfere para o empregador o ónus de provar o contrário, ou seja, o ónus de provar que não se está perante um contrato de trabalho, prova esta que é mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar.
- Ac. de 22-10-2018, proc.º 890/14.0TTPRT.P1 [Desembargador Nelson Fernandes, aqui 1.º adjunto e com intervenção da 2.ª adjunta]
I - O núcleo diferenciador entre contrato de trabalho e de prestação de serviços assenta na existência ou não de trabalho subordinado, sendo de conferir, dentro dos indícios de subordinação, particular ênfase aos que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação.
II - Impendendo sobre o autor que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de um contrato de trabalho, de acordo com o regime decorrente do n.º 1 do artigo 342.º do CC, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos do contrato, estabeleceu o legislador, com o objetivo de facilitar essa tarefa, uma presunção legal, vulgarmente denominada de laboralidade, atualmente prevista no artigo 12.º do CT/2009.
III - Tratando-se de presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito), quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, sem prejuízo da possibilidade de ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum –, o que significa que, ao invés do que resulta do regime geral da repartição do ónus da prova (artigo 342.º, n.º 1, do CC), o trabalhador fica dispensado de provar outros elementos, afirmando-se a existência de um contrato de trabalho, por ilação, demonstrados que sejam aqueles (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do CC), caso a outra parte não prove factos tendentes a elidir aquela presunção (artigo 350.º, n.º 2, do CC).
IV - Não obstante a factualidade permitir ter como integradas as circunstâncias previstas em mais do que uma das alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do CT, mostrando-se assim preenchida a presunção da existência de contrato de trabalho na relação que vigorou entre o autor e a ré, cumpre no entanto indagar, seguidamente, se esta última ilidiu aquela presunção, demonstrando que, apesar da verificação daquelas circunstâncias e da presunção das mesmas derivada, a relação existente não pode ser considerada como uma relação de trabalho subordinado.
V - Tendo a ré celebrado um contrato para a prestação de serviços de enfermeira comunicadora, através do qual lhe incumbia proceder ao atendimento das chamadas telefónicas efetuadas, à triagem, aconselhamento e encaminhamento dos utentes de acordo com as situações que lhe eram expostas telefonicamente, e que apelidaram de “contrato de prestação de serviço”, temos de conferir especial valor a tal qualificação contratual se se demonstra que isso correspondeu à real vontade das partes.
VI - Podendo os enfermeiros comunicadores trocar entre si os turnos que em concreto lhes eram atribuídos de acordo com as disponibilidades por eles manifestada, trocas acordadas sem qualquer intervenção da ré e que não careciam de qualquer autorização desta ou da apresentação de qualquer justificação para o efeito, estamos perante uma forma de organização do trabalho que apresenta um grau de autonomia que é incompatível com a existência dum contrato de trabalho subordinado, atento o seu carácter “intuitu personae” e a natureza infungível da prestação laboral.
VII - Do mesmo modo, demonstrando-se a desnecessidade de ser apresentada qualquer justificação por parte do prestador da atividade quando este faltasse ao serviço, tal evidencia a ausência de poder disciplinar, cuja existência é fundamental no contrato de trabalho, por decorrer diretamente do poder de direção do empregador.
- Ac. de 14-12-2017, Proc.º 1694/16.0T8VLG.P1 [Desembargadora Paula Leal de Carvalho]
I - Para que a presunção de laboralidade constante do art. 12º, nº 1, do CT/2009 atue basta a verificação de, pelo menos, dois dos pressupostos previstos nas diversas alienas desse preceito.
II - A verificação de tal presunção transfere para o empregador o ónus de provar o contrário, ou seja, o ónus de provar que não se está perante um contrato de trabalho, prova esta que é mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar.
No mesmo sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça em diversos arestos, de entre eles citando-se, também a título meramente exemplificativo, os que seguem [disponíveis em www.dgsi.pt]:
- Ac. de 08-10-2015, proc.º 292/13.5TTCLD.C1.S1 [Conselheira Ana Luísa Geraldes]
II – A existência do contrato de trabalho presume-se desde que se verifiquem algumas das circunstâncias – e bastam duas – elencadas no nº 1, do art. 12º, do Código de Trabalho de 2009. Presunção em benefício exclusivo do trabalhador, uma vez que, quem tem a seu favor a presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz, por força do estatuído no nº 1 do art. 350º, do Código Civil.
III – Tratando-se, porém, de uma presunção iuris tantum admite prova em contrário, nos termos do nº 2, do art. 350º, do Código Civil. Prova a cargo do empregador, se pretender ilidir a presunção. Caso em que lhe caberá provar que a situação em causa não constitui um contrato de trabalho, antes reveste as características de um contrato de prestação de serviço, dada a autonomia com que é exercida.
- Ac. de 12-10-2017, proc.º 1333/14.4TTLSB.L2.S2 [Conselheiro Gonçalves Rocha]
I.O artigo 12º do Código do Trabalho de 2009, aplicável às relações constituídas a partir de 17/2/2009, consagra uma presunção de laboralidade baseada na ocorrência de duas das circunstâncias nele elencadas, fazendo a lei decorrer da prova destas duas realidades caracterizadoras da relação entre o prestador e o seu beneficiário a existência duma relação de trabalho subordinado.
II. Tratando-se de uma presunção juris tantum, nada impede a parte contrária de a ilidir, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme advém do nº 2 do artigo 350º do CC.
III. Tendo a R celebrado um contrato para a prestação de serviços de enfermeira comunicadora, através do qual lhe incumbia proceder ao atendimento das chamadas telefónicas efectuadas para a Linha ..., à triagem, aconselhamento e encaminhamento dos utentes de acordo com as situações que lhe eram expostas telefonicamente, e que apelidaram de “contrato de prestação de serviço”, temos de conferir especial valor a tal qualificação contratual se se demonstra que isso correspondeu à real vontade das partes.
IV. Podendo os enfermeiros comunicadores da R trocar entre si os turnos que em concreto lhes eram atribuídos de acordo com as disponibilidades por aqueles manifestada, trocas acordadas sem qualquer intervenção da Ré e que não careciam de qualquer autorização desta ou da apresentação de qualquer justificação para o efeito, estamos perante uma forma de organização do trabalho que apresenta um grau de autonomia que é incompatível com a existência dum contrato de trabalho subordinado, atento o seu carácter “intuitu personae” e a natureza infungível da prestação laboral.
V. E demonstrando-se a desnecessidade de apresentar qualquer justificação quando o colaborador faltasse ao serviço, tal evidencia a ausência de poder disciplinar, cuja existência é fundamental no contrato de trabalho por decorrer directamente do poder de direcção do empregador.
- De 10-11-2021, proc.º 2608/19.1T8OAZ.P1.S1 [Conselheira Paula Sá Fernandes]
I- No contrato de trabalho está em causa a prestação da atividade do trabalhador que a entidade empregadora organiza e dirige no sentido de alcançar determinado resultado. Esta subordinação, que consiste na relação de dependência da conduta do trabalhador na execução da sua atividade às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem, tem sido considerada, pela doutrina e jurisprudência, como o elemento caracterizador do contrato de trabalho.
II- No caso, resultaram apurados factos suficientes para caracterizar a subordinação jurídica que caracterizou a execução da atividade da autora ao serviço da ré, dado ter resultado provada a verificação de diversos fatores indiciários que presumem a existência de um contrato de trabalho, nos termos do n.º1 do artigo 12.º do Código do Trabalho.
III- O facto de a Autora não auferir qualquer quantia a título de férias, subsídio de férias e de Natal, e de estar inscrita na autoridade tributária como trabalhadora independente configuram o incumprimento de obrigações da Ré no âmbito de uma relação laboral, que não se sobrepõem, nem infirmam os indícios que resultaram provados e de que a lei faz presumir a existência do contrato de trabalho, que no caso indiciam, claramente, a existência de uma relação jurídica de subordinação.
IV- Se a presunção da existência de um contrato de trabalho deve assentar nas características concretas descritas no artigo 12, n.º1 do Código do Trabalho, também a elisão dessa presunção – a prova em contrário – deve ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa e não em meras hipóteses ou informações genéricas, sem que, no caso, se tenham apurado os factos necessários para ilidir a referida presunção legal, cujo ónus da prova pertencia à Ré, por força do art.º 350 do Código Civil.
III.3.2 Alega a recorrente que não resulta dos autos que o AA estivesse sujeito a um horário de trabalho, como era suposto acontecer numa relação de trabalho subordinado. Sem razão, fazendo tábua rasa da matéria provada, dado constar provado [H] AA cumpre horário de trabalho determinado superiormente e observa as horas de início e termo de atividade estabelecidas pela Requerida. E, para além disso, respeitando à mesma temática, esta ainda provado o que segue:
I) Tal é concretizado mediante a elaboração de horários, com indicação das respetivas datas, para as seguintes atividades conforme definido e determinado pela Requerida:
- Lecionação das aulas referentes às diversas unidades curriculares de que está incumbido;
- Vigilância de exames nos dias e horas determinados pela Requerida e constante de mapa próprio dirigido a todos os docentes, sendo obrigatório que cada um assegure um número mínimo de tais vigilâncias, sem que tal serviço seja remunerado;
- Realização de exames escritos e orais;
- Reuniões com outros docentes; e
- Atendimento dos alunos, mediante horário a indicar pelo trabalhador, que corresponda a metade do número de horas lecionadas e que não conflitua com os horários das aulas dos alunos.
J) O número de horas de docência asseguradas por AA resultou sempre de determinação da Ré, limitando-se aquele a prestar a sua anuência.
K) AA está obrigado ao dever de assiduidade e ao controlo dos tempos de trabalho, o qual é efetuado através da validação da folha de presenças dos alunos (esta é recolhida junto do contínuo e depois de efetuada a chamada é rubricada e devolvida ao contínuo, a quem incumbe, em caso de falta do docente, registar tal ausência no sistema informático da Requerida).
L) Caso AA esteja impossibilitado de lecionar determinada aula, não pode, por sua iniciativa, proceder à alteração do horário desse tempo letivo, estando obrigado, como qualquer docente, a proceder à reposição da aula e a justificar a sua falta.
Daí que tenha sido considerado demonstrado em termos indiciários, e bem, o indício de laboralidade previsto na al. c), do n.º1, do art.º 12.º do CT.
Invoca que o valor total de honorários relativos à carga horária do AA, foi acordado em 12 prestações e não em 14 prestações ano, os quais foram submetidos ao regime fiscal e contributivo próprio dos trabalhadores independentes. Está provado a esse propósito, o seguinte:
N) Como contrapartida do trabalho prestado, AA recebe, por transferência bancária e com periodicidade mensal, no final de cada mês, a quantia de € 1500,00, unilateralmente definida pela Requerida, tendo em conta a carga horária contratada, dividida por 12 meses, ou seja, incluindo o mês de agosto, em que o trabalhador não exerce qualquer atividade, emitindo AA, mensalmente, recibo verde eletrónico, com a indicação “Docência”.
GG) AA está inscrito na Autoridade Tributária e na Segurança Social como trabalhador independente, com as atividades de formador, consultor e psicólogo.
LL) A Cooperativa submete os honorários pagos ao Prestador ao regime fiscal e contributivo próprio dos trabalhadores independentes.
Poderá, pois dizer-se que há aqui um indício próprio da prestação da actividade ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, a contrapor aos indícios de laboralidade, mas que só por si não é suficiente nem assume particular relevo, tendo que ser valorado na globalidade dos indícios apurados num e noutro sentido.
Mas concomitantemente, considerado o facto N, está demonstrado o pagamento de uma quantia certa, com periodicidade mensal, como contrapartida da actividade prestada, o que vale por dizer, que igualmente está demonstrado o indício de laboralidade referido na al. d), do n.º1, do art.º 12.º, CT.
Alega, também, que sendo a atividade prestada pelo AA a da docência universitária, mal se concebe que as aulas fossem ministradas em instalações que não pertencessem à própria instituição de ensino, do mesmo modo que não se concebe que não seja a própria instituição de ensino a proporcionar os materiais, instrumentos e demais condições materiais para a lecionação e aprendizagem. Refere-se ao provado nos factos seguintes:
E) A referida atividade não pode ocorrer onde o trabalhador entender, tendo, obrigatoriamente de ser realizada nas salas de aulas existentes nas instalações da Requerida, na Rua …, …, no Porto.
F) No desenvolvimento da sua actividade, AA utiliza equipamentos e instrumentos disponibilizados pela requerida, e a esta pertencentes, nomeadamente, canetas, data-show e quadro.
G) Com exceção do computador portátil, todos os materiais, equipamentos e instrumentos de trabalho são pertença da Requerida, à qual incumbe a manutenção e reposição dos mesmos.
A consideração da recorrente merece a nossa concordância. Não obstante, embora por essa razão tenham que ser valorados na globalidade dos demais indícios, aqueles factos não deixam de ser suficientes para se considerar verificados, ademais num juízo de verosimilhança, os indícios referidos nas alíneas a) e b), do n.º1, do art.º 12.º do CT.
Por conseguinte, fazendo aqui um ponto de situação, como bem entendeu o tribunal a quo a prova indiciariamente recolhida permite formular um juízo, em termos de probabilidade séria, no sentido de estarem demonstrados os indícios de laboralidade previstos nas alíneas a) a d), do n.º1, do art.º 12.º do CT.
Defende que a existência de contrato de prestação de serviço não é incompatível com a possibilidade de a parte que recebe a prestação poder emitir algumas diretivas, instruções e orientações sobre o modo pelo qual pretende que a prestação seja executada, e com o exercício pelo mesmo de algum controlo sobre o modo como o serviço é prestado.
Concordamos, em termos gerais e abstractos, com essa afirmação. Sucede, porém, que no caso concreto está provada matéria que vai bem para além da emissão de “algumas diretivas, instruções e orientações”, como se retira dos factos seguintes:
J) O número de horas de docência asseguradas por AA resultou sempre de determinação da Ré, limitando-se aquele a prestar a sua anuência.
K) AA está obrigado ao dever de assiduidade e ao controlo dos tempos de trabalho, [..].
L) Caso AA esteja impossibilitado de lecionar determinada aula, não pode, por sua iniciativa, proceder à alteração do horário desse tempo letivo, estando obrigado, como qualquer docente, a proceder à reposição da aula e a justificar a sua falta.
M) AA recebe ordens, regras e orientações para a execução do trabalho, nomeadamente da professora EE, a quem reporta os relatórios do final do ano letivo, e das professoras FF e GG com as quais esclarece as dúvidas ou questões que surjam na sua atividade, e em particular:
- Quanto à escolha das unidades curriculares: Coube à Diretora do Departamento de Psicologia e Educação, professora HH, definir as unidades curriculares lecionadas pelo trabalhador em cada um dos anos letivos;
- Quanto à determinação para participar em reuniões de docentes;
- Quanto à sujeição ao “Regulamento de avaliação de desempenho”;
- Quanto à obrigatoriedade para se voluntariar para fazer vigilâncias;
- Quanto aos horários em que deve lecionar as aulas;
- Quanto à circunstância de poder ser objeto de intervenção hierárquica mesmo na sua atividade de docente: foi chamado a uma reunião com as professoras GG e FF, diretoras de departamentos, para apurar questões colocadas pelos alunos relativamente à avaliação de trabalhos destes, e quando foi advertido de que deveria pontuar os sumários das aulas de acordo com que constava das fichas das respetivas unidades curriculares;
- Quanto à integração nas listas de docentes orientadores de estágios;
- Quanto aos procedimentos a adotar em casa de falta, mediante a imposição de justificação da falta e de reposição da aula;
- Quanto ao preenchimento das fichas das unidades curriculares, de acordo com as orientações provindas da Reitoria da Universidade ..., as quais, depois de inseridas no sistema informático, são alvo de avaliação; e
- Quanto ao cumprimento do Regulamento Pedagógico da Requerida.
MM) AA reporta diretamente ao Diretor de Departamento e, indiretamente, aos restantes órgãos académicos, nomeadamente ao Reitor, tendo durante a toda a prestação do trabalho obedecido a diversas ordens de serviço que lhe eram dadas, tais como as convocatórias para comparecer nas reuniões com o Diretor de Departamento, reuniões com a Administração, com a Reitoria.
NN) Os órgãos da Universidade marcavam as suas próprias reuniões em que o Prestador deveria estar presente, e que o Prestador esteve presente em diversas reuniões, nomeadamente, de departamento, reuniões de preparação dos anos letivo, reuniões de avaliação e reuniões sobre outros assuntos que envolviam a Universidade.
Por conseguinte, tem também o Tribunal a quo razão, quando diz que da matéria provada resultaram ainda outros indícios de laboralidade, sendo de realçar que este é, nem mais nem menos, um dos principais sinais distintivos da existência de subordinação jurídica.
Segue a recorrente, dizendo que a avaliação a que AA foi sujeito também não fundamenta a conclusão de que se está perante uma relação de trabalho subordinado. Reporta-se ao facto provado OO): AA foi sujeito a avaliação no seu desempenho - autoavaliação e avaliação feita pelos alunos.
Diremos que só por si, não será suficiente. Mas contrariamente ao que pretende sugerir a recorrente, no caso concreto tem igualmente um valor relevante, se tivermos presente que a avaliação dos docentes está prevista nos artigos 34.º e 35.º do Estatuto da Carreira Docente da requerente, que como se disse assenta no pressuposto da contratação de professores – em regime de tempo parcial ou em regime de tempo integral [art.º 16.º]- , ser feita a través de contrato individual de trabalho.
Prosseguindo, alega a recorrente que a atribuição de um “Cartão Identificação” a um colaborador, não constitui qualquer indício de laboralidade; o acesso à cantina/bar é facultado a qualquer colaborador, independentemente do vínculo; sendo AA um Docente compreende-se que lhe seja fornecido um “kit de boas-vindas”; o cabaz de natal, tratou-se de um gesto da Cooperativa imbuído do natural e compreensível espirito natalício, e foi entregue a todos os colaboradores, sejam docentes, não docentes, prestadores de serviço, etc; o facto de o nome e fotografia do AA constar do site como docente (porque efetivamente o era, independentemente do vínculo) , não poderá ser indício de laboralidade.
Seguindo aquela ordem, esquece a recorrente que não se provou o seguinte:
[4] O “Cartão Identificação” é um documento que permite identificar o seu titular, e que permite circular nas instalações da Cooperativa e é atribuído a todos os colaboradores, sejam docentes, sejam não docentes, sejam prestadores de serviço, sejam trabalhadores, sejam alunos, cartão que visa também facilitar o controlo pela segurança de quem entra nas instalações.
6) O cabaz de natal foi entregue a todos os colaboradores, sejam docentes, não docentes, prestadores de serviço, etc.
Feita esta precisão, aqueles factos, bem como um conjunto de outros - de seguida transcreveremos todos eles -, revelam outros indícios de laboralidade não tipificados, nomeadamente, a inserção do de AA na organização produtiva em termos de plena paridade com os docentes contratados vinculados por contrato de trabalho, designadamente, com todos aqueles a tempo integral – referidos no facto provado FF -, como também ele estava, bem assim a existência de dependência económica. Os factos a que nos referimos são os seguintes:
P) AA encontra-se inserido no Departamento de Psicologia e Educação da Universidade ..., do qual fazem parte os diversos docentes, quer os pertencentes ao quadro, quer os restantes.
Q) A Ré atribuiu a AA um endereço de correio eletrónico, com o domínio da Universidade ...: ....
R) AA dispõe de gabinete (com o número …), partilhado com outros docentes, sendo que cada um tem secretária própria e armário com chave, sendo aqui efetuado o atendimento dos alunos.
S) AA tem acesso à cantina / bar, como todos os docentes e alunos, bem como a uma área reservada a funcionários e docentes.
T) O acesso à cantina/bar é facultado a qualquer colaborador, independentemente do vínculo.
U) A Requerida atribuiu-lhe um cartão com o seu logótipo, que lhe permite tirar fotocópias e aceder ao parque de estacionamento, a título gratuito, tal como todos os docentes.
X) No início do ano letivo de 2020/21, AA foi convidado pela Requerida a participar de uma cerimónia de receção aos novos docentes, na qual lhe foi entregue um kit de boas-vindas, idêntico ao recebidos pelos restantes docentes.
Y) Aquando do Natal, AA recebeu da Requerida, tal como os demais docentes, um cabaz de Natal.
Z) O nome e a fotografia de AA constam no sítio da Ré, como docente a tempo integral, embora no Departamento de Economia e Gestão.
EEE) AA está incluído numa equipa da Requerida, na área de gestão da hospitalidade, num projeto da Fundação ....
FFF) AA consta da plataforma de atualização de equipas de investigação da Fundação ..., enquanto colaborador com uma dedicação de 10%, não estando identificado na mesma enquanto membro integrado.
GGG) Consta ainda como membro de equipa da proposta de projeto com a referência ... no âmbito do Concurso de Projetos de I&D em Todos os Domínios Científicos – 2022.
Atento tudo o exposto, só pode concluir-se que ficaram plenamente demonstrados indícios mais do que suficientes para crer, num juízo formulado em termos de probabilidade séria, que deve operar a presunção de laboralidade estabelecida no art.º 12.º do CT, não tendo a recorrente logrado ilidir essa presunção, sendo que para o conseguir não lhe bastava criar a dúvida, o que de resto nem tão pouco se retira dos escassos indícios no sentido da existência de um contrato de prestação de serviços.
III.4 Num juízo de juízo de verosimilhança, cremos ser considerar que a relação contratual entre a recorrente e AA configura um contrato de trabalho subordinado, pelo que se deve concluir, como o fez o Tribunal a quo, sempre num juízo formulado em termos de probabilidade séria, que configura um despedimento por iniciativa a empregadora o facto [KK] de ter sido convocado pela Drª EE, Diretora do Departamento de Psicologia e Educação da “A..., CRL”, para uma reunião, que teve lugar, no dia 22/07/2022 e na qual aquela srª Diretora lhe transmitiu verbalmente que, a partir do dia 31/08/2022 – último dia da vigência do contrato de prestação de serviços que celebrou com a “A..., CRL” – deixaria de prestar serviços naquela Universidade”.
Despedimento qualificável como ilícito, dado que à margem dos termos em que a lei laboral o permite, designadamente por inobservância do procedimento previsto no art.º 351.º do CPT.
Como tal, mostram-se verificados os requisitos para o decretamento da providência cautelar de suspensão do despedimento, não merecendo censura a decisão recorrida.
Improcede, pois, o recurso.
IV. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, em consequência confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º CPC).

Porto, 27 de Fevereiro de 2023
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Teresa Sá Lopes