Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2736/20.0T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: PLURALIDADE DE EMPREGADORES
CONTRATO INVÁLIDO
EFEITOS
DESPEDIMENTO VERBAL
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
DIREITO À RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RP202306262736/20.0T8PNF.P1
Data do Acordão: 06/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSOS IMPROCEDENTES; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - Na situação de pluralidade de empregadores, sendo o contrato inválido, por não ser reduzido a escrito, deve produzir efeitos como se válido fosse, enquanto durou -artigo 122º do CT.
II - Não é aplicável o processo especial da ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, quando o trabalhador pretenda opor-se ao despedimento que lhe foi comunicado verbalmente e reclamar créditos dele decorrentes e bem assim por se suscitar nos autos também a questão sobre quem é a Entidade empregadora do Autor.
III - O instituto da litigância de má-fé deve ser reservado para as condutas processuais inequivocamente inadequadas ao exercício de direitos ou à defesa contra pretensões.
IV - O direito à retribuição, bem como outros direitos de natureza pecuniária, são renunciáveis logo que cesse o estado de subordinação do trabalhador à entidade patronal, como é o caso do despedimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2736/20.0T8PNF.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Juízo do Trabalho de Penafiel - Juiz 4

Recorrente: AA
Recorrido: BB

4ª Secção

Relatora: Teresa Sá Lopes
1º Adjunto: Desembargador António Luís Carvalhão
2ª Adjunta: Desembargadora Paula Leal de Carvalho



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto


Relatório (com base no relatório efetuado na sentença que se transcreve):
“O A BB, divorciado, titular do CC n º ..., válido até 29/12/2020 emitido pela República Portuguesa, contribuinte fiscal nº ..., com o n.º de identificação da segurança social ..., residente na Travessa ..., B, ... ..., concelho de Lousada, veio propor contra os RR AA, casado, titular do contribuinte fiscal nº ..., residente na Rua ..., lugar ..., ... ..., e A... UNIPESSOAL, LDA, NIPC ..., sociedade por quotas, com sede no lugar ..., freguesia ..., concelho de Amarante, conforme certidão permanente com o código de acesso ...42., a presente ação declarativa laboral que segue a forma de processo comum, pedindo que: seja declarada a ilicitude do despedimento do autor, condene o 1º R. a pagar ao A. a quantia de 23.434,93 € (vinte e três mil e quatrocentos e trinta e quatro euros e noventa e três cêntimos), acrescida de juros vincendos contados desde a interposição da presente ação até integral pagamento; ou caso assim não se entenda: se condene a 2ª R. a pagar ao a. a quantia de 23.434,93 € (vinte e três mil e quatrocentos e trinta e quatro euros e noventa e três cêntimos), acrescida de juros vincendos contados desde a interposição da presente ação até integral pagamento; se condene os RR a regularizar a carreira contributiva do A junto da Segurança Social.
Invoca o A que foi admitido ao serviço do 1º R em 23 de Outubro de 2018, e que foi despedido verbalmente em 23/6/2020, alegando assim que foi ilicitamente despedido e reclamando créditos salariais vencidos, entre os quais se contam trabalho suplementar, férias não gozadas, subsídio de férias, subsídio de Natal, proporcionais de subsídio de Natal e Férias, e subsídio de alimentação.
Regularmente citados, os RR. contestaram, impugnando a factualidade alegada pelo A, invocando que este apenas fez trabalhos muito pontuais na vacaria, que lhe foi pago todo o trabalho suplementar prestado, que os subsídios de férias e de Natal eram pagos em duodécimos e que este é que abandonou o posto de trabalho que tinha junto da 2ª R, pelo que o contrato de trabalho cessou por iniciativa do A.
O A ofereceu articulado de resposta e peticionou a condenação dos RR como litigantes de má fé em indemnização a seu favor.
Foi proferido despacho saneador, tendo os RR sido absolvidos da instância quanto ao pedido de condenação na regularização da carreira contributiva do A perante a Segurança Social.”
Findos os articulados, realizou-se a audiência de julgamento, com observância de todo o formalismo legal.
Após, pelo Tribunal a quo foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Nos termos expostos, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente:
A) julgar o incidente de falsidade de documentos procedente e, em consequência, determina-se a exclusão automática da possibilidade de valorar os documentos de fls. 311 a 314 em sede de fixação dos factos relevantes para o mérito da acção (exclusão que foi levada em consideração em sede de motivação da decisão de facto).
B) Condeno o Réu AA a pagar ao Autor A BB:
i) - €1.950,00 de indemnização por cessação do contrato de trabalho; ii) - diferenças salariais que totalizam €1.214,14;
iii) - €1.123,63 de diferenças de retribuição de férias, subsídios de Natal e férias e retribuição de férias e respetivos proporcionais.
- toda as quantias acima mencionadas são acrescidas de juros de mora, contados à taxa supletiva legal, desde o vencimento de cada prestação, no que concerne aos pontos A) ii) e iii) e desde a citação do 1ºR para os termos da presente ação (11/2/2021) quanto ao ponto i), até efetivo e integral pagamento.
- são ainda devidos juros de mora sobre as quantias pagas pelos RR ao A em 13 de Novembro de 2020 de €628,68 e €737,73, desde a data de vencimento até à data de pagamento, juros esses contados até à taxa supletiva legal.
C)No mais peticionado, absolve-se o 1º Réus do pedido, absolvendo-se ainda a 2ª R de todos os pedidos contra si formulados.
D) condenar os réus como litigantes de má-fé na multa de 5 (cinco) Uc e a pagar solidariamente ao autor uma indemnização nunca superior a €2.000,00 consistente no reembolso das despesas que a má-fé dos litigantes obrigou o autor a fazer, incluindo os honorários do seu mandatário, estes a pagar directamente ao mesmo, salvo se os autores demonstrarem que este já está embolsado (cfr. art. 543º, n.º 4, do CPC), indemnização cuja liquidação se relega para momento posterior.
E) Custas por A e 1ª Ré na proporção do decaimento (artigo 527º, n.º 3 do Código de Processo Civil).”

Inconformado, o Réu AA veio apresentar recurso da mesma sentença, terminando o mesmo com as seguintes conclusões:
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Termos em que deve conceder-se provimento ao presente Recurso, alterando- se a matéria de facto provada e não provada nos termos supra alegados e, bem assim, revogada a sentença recorrida e proferindo-se, em sua substituição, Acórdão que julgue a ação improcedente.”

Por requerimento, a Ré, A... UNIPESSOAL, LDA, veio informar que, “ao abrigo do disposto no art.º 634.º, n.º 2, al. a) e n.º 3 do C.P.C., ex vi do art.º 1.º, n.º 2, al. a) do CPT, adere ao recurso interposto pelo Réu AA da sentença proferida nos presentes autos, na parte em que os Réus foram condenados como litigantes de má-fé (alínea d) do dispositivo da sentença), subscrevendo as respetivas alegações quanto a tal matéria.”

O Autor não apresentou contra-alegações.

Veio sim o Autor interpor recurso, finalizando as respetivas alegações com as seguintes conclusões:
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REQUER-SE ASSIM A V. EXAS. VENERANDOS DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO QUE:
a) RECEBAM O PRESENTE RECURSO;
b) JULGUEM PROCEDENTE POR PROVADO O PRESENTE RECURSO;
c) REVOGUEM A SENTENÇA RECORRIDA SUBSTITUINDO-A POR ACÓRDÃO QUE CONDENE OS RÉUS NO PAGAMENTO AO AUTOR RECORRENTE NA QUANTIA DE 15.330,99 €, ACRESCIDA DE JUROS DE MORA CONTADOS PELO MENOS DESDE A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO;
d) CONDENE AINDA OS RR. A PAGAREM AO AUTOR RECORRENTE TODAS AS REMUNERAÇÕES VENCIDAS E VINCENDAS, ATÉ AO TRANSITO EM JULGADO DA DECISÃO QUE PONHA TERMO AO PRESENTE PROCESSO DESDE O DESPEDIMENTO ILÍCITO OCORRIDO EM 23/06/2020.”

O Réu contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
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29- Por todo o exposto, deve improceder na totalidade o recurso interposto pelo Recorrente.
Termos em que não deve ser admitido o recurso em virtude de a sua interposição ser extemporânea.
Caso assim não se entenda, o que somente por mera cautela de patrocínio se concede, deve o mesmo improceder, por ser de inteira JUSTIÇA!”

Foi proferido despacho de admissão dos recursos, nos seguintes termos:
“Por estar em tempo, e ter legitimidade, admito os recursos interpostos pelo R. AA, em 25/5/2022, a que aderiu a R A... UNIPESSOAL, LDA por requerimento da mesma data, e pelo A BB por requerimento de 30/5/2022, os quais são de apelação, e subirão imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo (arts. 79º-A, 83º, n.º 1 e 83º-A CPT).”

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer aí se lendo:
1. É pelas conclusões da alegação da recorrente que se delimita/afere, o objeto do recurso, não podendo o Tribunal da Relação, conhecer de matérias que delas não constem, salvo se as mesmas forem de conhecimento oficioso, - art.º 87º do CPT, e artigos 608º, n.º 2, 635, n.º 4, 639º, n.ºs 1 e 2 e 640º, do CPC.
Os recorrentes impugnam a matéria de facto dada como provada e não provada e a subsequente decisão de direito.
2. Ficou provado – pontos 4 e 5 dos factos provados – que o A. trabalhava efetivamente para ambos os RR.
Na douta sentença em recurso entendeu-se que “nos termos do art.º 101º CT, poderia equacionar-se a hipótese de o A ter pluralidade de empregadores. Porém, o contrato não foi sujeito a forma escrita o que é pacificamente aceite como formalidade “ad substantiam”, nem foram observados os demais requisitos estatuído naquele preceito, pelo que se terá de entender que entender que o empregador do A é o 1º R, que ele também escolheu, nos termos do art.º 101º, n.º 5 CT.”
Entende-se, porém, que o contrato embora inválido, por não ser reduzido a escrito, deveria produzir efeitos como se válido fosse, enquanto durou – art.º 122º do CT.
A escolha que o A. pode fazer é apenas para efeitos de o contrato de trabalho não cessar e continuar; então o A. pode fazer aquela opção nos termos do art.º 101º, n.º 5 do CT.
Assim, responsáveis pelos créditos a que o A. tem direito, salvo melhor opinião, deveriam ser ambos os RR e não apenas o R. BB (embora na prática se possa pensar ser a mesma coisa).
3. Além disso, da decisão não consta, e salvo melhor opinião, entende-se que deveria constar, a condenação dos RR no pagamento ao A. das retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento – art.º 390º, 1, do C. T.
4. Quanto ao mais, salvo sempre diferente e melhor opinião, da leitura da sentença, e demais elementos constantes do processo cremos que a douta sentença em recurso não merece censura atentos os fundamentos de facto e de direito invocados, devendo, assim, ser confirmada.
5. Termos em que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer em conformidade.”

Cumpridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.

Questão prévia:
Concluiu, em suma, o Réu Recorrido:
- o recurso interposto pelo Recorrente é extemporâneo, em virtude de o Recorrente não ter dado cumprimento ao disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigoº 1º, nº 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho (CPT).
- o Recorrente não indica nas conclusões qual a concreta prova que, na sua ótica, impõe decisão diversa da vertida na decisão recorrida, o que desde logo se depreende pela ausência de uma referência a qualquer um dos depoimentos prestados em sede de Audiência de Julgamento.
- não pode o Recorrente beneficiar do alargamento do prazo por mais dez dias, previsto no artigo 80º, nº 3 do CPT, prazo este perentório, nos termos do artigo 139º, nº 3 do CPC, pelo que o seu decurso faz extinguir o direito de praticar o ato.
Não temos este entendimento.
Quanto ao que em matéria de impugnação da matéria de facto, é necessário fique a constar das conclusões, fica infra consignado, em sede de impugnação da matéria de facto, o entendimento fundamentado que temos a esse respeito.
De resto, ainda que fosse caso de rejeição da impugnação da matéria de facto, uma coisa é ser esse o desiderato, outra por ficar assim decidido, passar a ser o prazo inferior, ou seja, já não beneficiar o recorrente do alargamento do prazo para recorrer, previsto no artigo 80º, nº 3 do CPT, o que se entende não suceder.
Conclui-se assim pela tempestividade do recurso interposto pelo Recorrente.

O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635º, nº4 e 639º, nº1 do Código de Processo Civil), consubstancia-se nas seguintes questões:

Recurso do Réu:
- impugnação da matéria de facto;
- falsificação de documento;
- saber se o Autor não foi despedido ilicitamente e se não se justifica a sua condenação no pagamento ao Recorrido de uma indemnização por cessação do contrato de trabalho;
- saber se não pode nestes autos aplicar-se o artigo 98º-J, número 3 do CPT;
- saber se ocorreu abandono pelo Autor do seu posto de trabalho;
- saber se não sucede subordinação jurídica do Recorrido em relação ao Recorrente e, em simultâneo, à Ré sociedade;
- saber se não é aplicável o contrato coletivo entre a confederação dos agricultores de Portugal (CAP) e o sindicato nacional dos trabalhadores da agricultura, floresta, pesca, turismo, indústria alimentar, bebidas e afins – SETAAB, publicado no BTE nº 18 de 15 de maio de 2018, com a portaria de extensão n.º 131/2019 de 7 de maio, publicada no diário da república n.º 87/2019, série i de 2019-05-07
- saber se não há diferenças salariais a pagar;
- saber se não ocorre litigância de má fé.

Recurso do Autor:
- impugnação da matéria de facto;
- diferenças salariais;
- indemnização a pagar ao A. Recorrente pelo seu despedimento ilícito;
- remunerações vencidas e vincendas desde a data do seu despedimento em 23/06/2020 até ao trânsito em julgado da decisão.

2. Fundamentação:
2.1. Fundamentação de facto:
Foi esta a decisão de facto do Tribunal a quo (introduzimos a negrito as alterações decididas infra em sede de impugnação da matéria de facto):
“ Resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. O 1º R. dedica-se à atividade de produção animal e vacarias, com o código de exploração nº BK06Z.
2. A 2ª R., é uma sociedade Unipessoal da qual é único sócio e gerente o 1º R., que se dedica à atividade de instalação de canalização e prestação de serviços pichelaria.
3. AA admitiu verbalmente o A. para trabalhar na vacaria e também no armazém de pichelaria contiguo, armazém este que é pertença da 2ª R, em 23 de outubro de 2018, sendo o armazém e a vacaria sitos na Rua ..., lugar ..., ... ....
4. Quando trabalhava na exploração da vacaria, constituída por vacas da raça arouquesa, o A executava, pelo menos, as seguintes tarefas: maneio do efetivo pecuário; preparava e ministrava a alimentação aos animais, tendo em conta o programa alimentar definido para cada fase do ciclo da vida; assegurava a limpeza e manutenção das instalações e dos equipamentos e o controlo do seu estado, utilizando os meios colocados à sua disposição; executava tarefas ligadas à sanidade animal, de acordo com o maneio profilático estabelecido e seguindo as instruções do médico veterinário; executava tarefas ligadas ao maneio reprodutivo dos animais, de acordo com o plano de reprodução, as características das espécies e as instruções do médico veterinário; procedia a, pelo menos, algumas operações culturais relacionadas com a manutenção e instalação de culturas forrageiras, prados e pastagens; conduzia, operava e regulava o tractor e a máquina Unifeed, em operações culturais e de alimentação dos animais; registava e consultava dados técnicos da atividade.
5. Na pichelaria o A ajudava a carregar e descarregar veículos, fazia e recebia encomendas de materiais, organizava materiais e peças.
6. O A trabalhava de 2ª a 6ª-feira das 7.30 h às 18.30, com intervalo para almoço não concretamente apurado, mas com o máximo de 2 h.
7. O A trabalhou, pelo menos, 3 sábados, entre as 8 h e as 12 h.
8. No dia 23 de junho de 2020 o A. apresentou-se no seu local de trabalho, pelas 7.30 horas da manhã, tendo-lhe sido dito pelo 1º R., “Vou-te retirar o transporte da empresa, vais começar a andar com o teu carro, passas às condições iniciais.”, ao que o A. respondeu “Não foi o combinado e não vou andar ao serviço da empresa com o meu carro.”, tendo respondido o 1º R. “Sendo assim vais embora não preciso mais de ti.”.
9. No dia 25 de junho de 2020, o A., deslocou-se ao seu local de trabalho, tendo-se encontrado com o 1º R. tendo existido a seguinte conversa entre ambos:
Questão do Autor:
“Venho buscar os meus direitos por me teres despedido.”
Resposta do 1º R.
“Eu vou agendar uma reunião e depois informo-te do dia da reunião.”
Questão do Autor
“Ao menos podias-me dizer qual o motivo para me teres despedido.”
Resposta do 1º R.
“Tu sabes.”
10. No dia 26 de Junho de 2020, o A. remeteu ao 1º R., carta registada datada de 24 de Junho de 2020, que este recebeu em 29 do mesmo mês, onde se podia ler: “ ... Tendo eu entrado ao serviço da Vacaria de V. Exa., no dia 1 de novembro de 2018, com as funções de encarregado, atualmente com uma remuneração mensal líquida de 1.400,00 €, venho pela presente, e na sequência do despedimento efetuado, por V. Exa., ontem dia 23 do corrente mês, sem justa causa, solicitar que proceda à liquidação e pagamento de todos os meus créditos laborais vencidos até a presente data, bem como, que me envie o competente modelo 5044 e o certificado de trabalho.
11. Em resposta à carta atrás referida, o A. recebeu da 2ª R., em 6/7/2020, carta na qual se podia ler: “... Em resposta à carta de V. Ex.a do dia 24 de junho de 2020, informamos que está na situação de “Falta por Abandono do Posto de Trabalho Injustificadamente” desde o dia 23 de junho de 2020. Esta firma não lhe comunicou verbalmente ou por escrito qualquer despedimento encontrando-se o lugar à disposição. Por tal razão, a invocação na sua carta de que foi despedido sem justa causa, não tem fundamento.
Com os melhores cumprimentos.
12. O 1º R. pagou ao A., a título de trabalho suplementar as seguintes quantias, num total de 3.365,86 €, conforme melhor discriminado na seguinte tabela:
Mês/Ano Vencimento Base Valor/ pago Dif trab suplementar
nov/18 676,66€ 800,00€ 123.53 €
dez/18 676,66€ 550,00€ 173.34 €
jan/19 720,00€ 950.00€ 230,00 €
fev/19 720,03€ 650,00€ 130.00 €
mar/19 720,03€ 500.00€ 180.00 €
abr/19 720,00€ 919,18€ 199,13 €
mai/19 720.00€ 500.00€ 150.00 €
jun/19 720,00€ 900.00€ 180.00 €
jul/19 720,03€ 900.00€ 180.00 €
ago/19 720,00€ 900.00€ 180,00 €
set/19 720,00€ 850.00€ 130.00 €
out/19 720,00€ 850.00€ 130.03 C
mar/20 762,00€ 850.00€ 88.00 í
abr/20 762,00€ 950,00€ 183.00 C
maio/20 762,00€ 950,00 € 188.00 €
Jun/20 762,00€

Total pago a título de trabalho suplementar 3 365.86 €

Alterado para:
Mês/Ano trab suplementar
nov/18 123.53 €
dez/18 173.34 €
jan/19 230,00 €
fev/19 130.00 €
mar/19 180.00 €
abr/19 199,13 €
mai/19 150.00 €
jun/19 180.00 €
jul/19 180.00 €
ago/19 180,00 €
set/19 130.00 €
out/19 130.03 €
mar/20 88.00 €
a br/20 183.00 €
maio/20 188.00 €
Jun/20
Total pago a título de trabalho suplementar 3 365.86 €

13. O A gozou 15 dias úteis de férias em Agosto de 2019.
14. No ano de 2018 a 2ª R pagou ao A:
a. € 580 de salário base;
b. € 101,20 de subsídio de alimentação (:22 dias), à razão de € 4,6;
c. Proporcionais de subsídio de férias: € 48,33;
d. Proporcionais de subsídio de Natal: € 48,33;
15. No ano de 2019 a 2ª R pagou ao A:
a. € 600 de salário base;
b. € 101,20 de subsídio de alimentação (:22 dias), ), à razão de € 4,6;
c. Proporcionais de subsídio de férias: € 50;
d. Proporcionais de subsídio de Natal: € 50;
16. No ano de 2020 a 2ª R pagou ao A:
a. € 635 de salário base;
b. € 101,20 de subsídio de alimentação (:22 dias), à razão de € 4,6;
c. Proporcionais de subsídio de férias: € 52,92;
d. Proporcionais de subsídio de Natal: € 52,92;
17. O A trabalhou, pelo menos:
a. Em Outubro de 2018: 7 dias úteis;
b. Em Novembro e Dezembro de 2018, Janeiro a Julho de 2019: 22 dias úteis;
c. Em Agosto, Outubro, Novembro de 2019 trabalhou, pelo menos, 12 dias úteis;
d. Em Setembro e Dezembro de 2019, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio de 2020, trabalhou, pelo menos, 17 dias úteis;
e. Em Junho de 2020 trabalhou 17 dias úteis.
18. Cerca de sete meses após o referido em 3), o A sofreu um acidente de carro, que era o seu meio de transporte de e para o seu local de trabalho no armazém da 2ª Ré, sito no concelho de Amarante, desde a sua residência, sita no concelho de Lousada.
19. AA acordou com o Autor que ele passaria a deslocar-se de e para o seu local de trabalho com uma carrinha da empresa, mas o Autor tinha de assegurar o transporte de dois funcionários que residiam em ..., no concelho de Amarante, até ao armazém da 2ª Ré, todas as manhãs, e ao final do dia, no regresso a casa, o que passou a suceder.
20. A dada altura o A precisava de sair mais cedo, levando o veículo da 2ª R, o que acarretava transtornos para os trabalhadores que usualmente transportava e para a 2ª R.
21. Tal sucedeu no dia 22 de Junho de 2020 e motivou o referido em 8).
22. Após o dia 26 de Junho de 2020 o A não mais compareceu na vacaria nem no armazém.
23. A 23 de Junho de 2020 a R remeteu a missiva cuja cópia se encontra a fls. 70 v ao A, dando-lhe conta que “aguardavam que ele ali se deslocasse para receber a importância a que teria direito pelo trabalho prestado até 23 de Junho de 2020”.
24. Em 13 de Novembro de 2020 a R remeteu ao A carta com dois cheques nas quantias de € 628,68 e € 737,73, quantias que o A recebeu.
Resultou não provada a seguinte matéria de facto:
a. Durante o tempo em que perdurou o contrato de trabalho em causa nos autos, jamais o 1º R. afixou o mapa de férias ou permitiu que A. gozasse qualquer período de férias.
b. O A procedeu como referido em 4) dos factos assentes esporadicamente, e na impossibilidade de o R aí se poder deslocar.
c. Que tudo o referido em 4) dos factos assentes fosse levado a cabo pelo 1º R e o seu pai ou outro pessoal contratado para o efeito.
d. A e RR acordaram que àquele era devida por estes a remuneração mensal ilíquida, no ano de 2018, de 667,66 €, no ano de 2019 de 720,00 € e no ano de 2020 de 760,00 €,

MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
A convicção do Tribunal, quanto à factualidade provada resultou da prova produzida em audiência de julgamento analisada de uma forma crítica e com recurso a juízos de experiência comum.
A matéria de facto descrita em 1) e 2), resultou admitida por acordo das partes, o mesmo sucedendo quanto à matéria ferida em 7), 8) até “tendo respondido o 1º R. “Sendo assim vais embora não preciso mais de ti.”, e 9) a 13), e 22) a 24).
Quanto à matéria vertida em 3) a 5), tarefas para as quais o A foi contratado e funções que desempenhava, teve-se em conta as declarações do A, que se nos afiguraram sinceras e credíveis, bem como as declarações de todas as testemunhas inquiridas e até o depoimento de parte do R.
Na verdade, o próprio R dizendo que o A era pessoa habilidosa e habituado a fazer de tudo, admitiu que o A dava algum apoio à vacaria, que também é do R tal como a empresa de pichelaria, sendo a vacaria para produção de gado de raça arouquesa, composta à data dos factos por cerca de 100 vacas (mais os vitelos). Pelo que, na versão do R, o A ajudava ali chegando uma carga ou uma saquita de ração, morrendo um animal, ajudava no transporte, assinava guias, etc, pois que, na verdade, o armazém de pichelaria dista cerca de 20 m da vacaria – tudo visível nas fotografias de fls. 196 e ss – afirmando que não era necessário um trabalhador a tempo inteiro na vacaria, pois que tudo está mecanizado. Esta afirmação é obviamente contrariada com a evidência de uma exploração pecuária dessa dimensão necessitar de um trabalhador a tempo inteiro, tendo várias testemunhas confirmado que o A lá trabalhava na vacaria, como adiante melhor se descreverá.
Também a testemunha CC – Secretário-Geral da Associação Nacional de Criadores da Raça ... – tentou sustentar o mesmo que o R, designadamente que para aquela exploração apenas era preciso a força de trabalho de um homem, 1 hora ou 1.30 h de manhã e outra hora/1.30 h à tarde para alimentar os animais (no pressuposto de usarem o Unifeed), mas acabou por referir que cada vaca consome cerca de 30 kg de alimento por dia, que o R explora 11 ou 12 hectares de milho e plantas forrageiras em campos distantes da vacaria (a 5 ou 6 km), e que a própria associação tem muito menos cabeças de gado – 54 vacas, não dispondo de Unifeed - e explora menos campos agrícolas, tendo um empregado agrícola a tempo inteiro que tem ocupação para uma jornada de trabalho, sendo evidente esta contradição.
Por outro lado, o R, a testemunha DD (pai do R) e a testemunha EE – que trabalhou para a empresa de pichelaria desde finais de 2019 e trabalha na vacaria desde há 2 ou 3 meses – esclareceram que esta testemunha EE trabalha na vacaria a tempo inteiro, pelo que não se compreende que a exploração não necessitasse de uma pessoa a “full time” para esse efeito antes – muito embora a testemunha DD tenha tentado justificar e ultrapassar esta questão, alegando ter deixado de trabalhar de todo na vacaria no final de 2021, o que ainda assim não ultrapassa a contradição dos depoimentos do R e das apontadas testemunhas no sentido de apenas ser necessário o trabalho de uma pessoa 2 a 4 h por dia, na vacaria.
Acresce que, esta testemunha EE afirmou que não tem licença de condução de tractores – nem o sabe fazer -, ao contrário do A, pelo que não pode usar o tractor com a máquina Unifeed acoplada (máquina esta que tritura e mistura o alimento das vacas e é usada para o distribuir pelas mangedouras dos animais) – tendo-se apurado que o R também não tem licença para manobrar tractores o mesmo sucedendo com o seu pai -, sendo que o A descreveu a forma como preparava a alimentação das vacas usando o Unifeed e o distribuía pelos animais e que seguramente será a forma mais expedita e prática de preparar e distribuir o alimento pelas vacas, sendo que a não utilização do tractor e Unifeed também não será naturalmente a melhor forma de rentabilizar o investimento nessa maquinaria, não se percebendo a razão pela qual o R teria adquirido esses maquinismos se eles não fossem utilizados – sendo, ao invés, lógico que tenha adquirido essas máquinas quando tinha ali a trabalhar pessoa(s) habilitada(s) a manobra-las.
Ora, sem utilizar o Unifeed, a testemunha EE e antes dele o pai do R, DD, teriam de usavar o carro de lagartas, visível na fotografia de fls. 199, para distribuir o alimento pelos animais, sendo que tinham que ir buscar a forragem (mistura de ração, milho e feno/erva/azevém) aos silos, misturar esses compostos, colocar os 12 cestos no solo, enche-los de forragem, iça-los à mão para o carro, movimentar o carro (que tem motor) para a vacaria e distribuir o alimento pelas vacas. Segundo a testemunha EE, cada balde destes tem comida para duas vacas e apenas lhes dá de comer uma vez por dia. Considerando o efetivo de animais do R – que segundo o A oscilou entre os 65 animais e os 130 animais adultos, acrescendo os vitelos, e que segundo a testemunha CC rondaria os 140 animais adultos, segundo FF (auxiliar técnico de pecuária, que fazia colheita de sangue às vacas, para análise, trabalhando na OPP de Amarante) o efectivo de animais adultos rondaria os 100, GG (veterinário da exploração pecuária do R) mencionou que a totalidade dos bovinos rondaria os 250 -, ainda que cada cesto desse para duas vacas, seria necessário fazer cerca de 10 viagens com o carro entre os silos e a vacaria para alimentar os animais e carregar os cestos com cerca de 3.000 kg de forragem (pois que cada vaca adulta ingere cerca de 30 kg de alimento por dia, como afirmado pela testemunha CC), que teriam de ser carregados para o veículo e distribuídos pelos animais, não nos parecendo que todas essas tarefas sejam exequíveis em 2 horas, nem em 3 nem 4 horas de trabalho, como sustenta a testemunha CC e o R, merecendo antes credibilidade a versão do A.
Note-se que também não merecem credibilidade as declarações da testemunha EE quando afirma que era a testemunha HH que operava o Unifeed apenas ao fim-de-semana e que este o fazia para ser mais fácil ao R tratar dos animais sozinho no fim-de-semana, pois que este HH afirmou nunca ter tratado nada na vacaria, excepto despejar a fossa, sendo antes tractorista e contratado pelo R para agricultar os campos agrícolas, que distam cerca de 5 a 6 km da vacaria. É certo que esta testemunha depôs há mais de 3 meses, mas antes disso temos poe adquirido que esta testemunha não operava o Unifeed nos termos referidos pela testemunha EE e não se vislumbra que utilidade fosse dada a esse equipamento, pois nenhuma outra pessoa o operava, para além do A.
A testemunha DD, pai do A, como já se disse, prestou um depoimento que se nos afigurou parcial, sendo disso demonstrativo o facto de responder ao Tribunal que o A nunca trabalhou na vacaria, pois que só esta testemunha lá trabalhava, mas, ao responder à Ilustre Mandatária dos RR, já admitiu que o A podia lá dar alguma ajuda, o que demonstra que o A trabalhava efectivamente na vacaria.
Das declarações do A resulta claro que o mesmo percebia e percebe de produção animal e tratamento de solos para culturas destinadas a consumo pecuário – pois que sempre ajudou os seus próprios pais em tarefas idênticas – (o que até o R confirmou nas suas declarações) e pouco ou nada percebia de canalização, embora admitisse que também fazia tarefas no armazém e tenha recebido formação na área de piscinas, como se alcança do documento de fls. 153 v. Dado que o A efectivamente também trabalhava no armazém de pichelaria, e que este pertence igualmente ao dono da vacaria, estando em edifícios contíguos, não causa qualquer estranheza que estivesse mencionado nos documentos de fls. 154 e ss e 152 (fichas de aptidão e documentos de seguro) como empregado de armazém ou canalizador, sendo certo que se desconhece se o A disso tinha consciência e conhecimento.
Note-se que as testemunhas que denotaram mais credibilidade e isenção afirmaram ver o A a fazer tarefas agrícolas e pecuárias por conta do A - foi o caso das testemunhas:
- HH (tractorista que trabalha à jorna para o R), que confirmou que o A lhe chegou a levar produtos aos campos;
- a testemunha II – que se dedica ao comércio do ramo agropecuário, vendendo produtos para esta actividade ao R (rações e sementes) – esclareceu que o A foi trabalhar para o R, substituindo um colega, OO, que ali trabalhava, estando o A presente nas visitas mensais que a testemunha (por vezes acompanhado de técnicos) fez à exploração do R, para acompanhamento técnico, descrevendo as tarefas que viu o A a realizar ali;
- FF – auxiliar técnico de pecuária, que fazia colheita de sangue às vacas, para análise, trabalhando na OPP de Amarante, referiu deslocar-se à vacaria durante a semana e ali encontrar o A e mais 1 ou 2 pessoas para ajudarem, sendo notório que os animais conheciam o A;
- GG – veterinário da exploração pecuária do R – que esclareceu que o A o acompanhava quando lá ia fazer consultas (deslocando-se lá todos os meses), estando também lá o pai do R, por vezes o próprio R e um outro rapaz; referiu que os animais conheciam obviamente o A,.e que quando lhe ligavam para falar dos animais, era contactado ou pelo A ou pelo R; sendo que dava indicações terapêuticas a quem lhe aparecesse, podendo dar essas indicações ao A ou ao R e sabendo que os pais do A também criam animais.
- JJ – engenheira Agrónoma, que trabalha numa empresa de comercialização de produtos agrários - confirmou ter falado com o A, para lhe apresentar propostas e produtos para culturas de milho, tendo-o encontrado na vacaria, pelo menos duas vezes, pelas 18.30 h numa vez e a meio da tarde noutra, e tendo-se encontrado com ele num campo às 7.30 h, estando também ali o tractorista que ia fazer a sementeira, tendo voltado a encontrar o A 15 dias depois no campo, para verem a germinação do milho. Esclareceu até esta testemunha que uma vez encontrou o A a distribuir estrume pelos campos com tractor e cisterna. Referiu que o produto que vendeu ao R e que foi aplicado pelo A é biotecnológico, inovador, e que tinha que falar com alguém que percebesse de biologia do solo e agricultura, como é o caso do A.
Também a testemunha KK – serralheiro que fez trabalhos para o R na vacaria, por indicação do A, de quem é amigo desde o ensino secundário – viu o A a tratar dos animais, a alimentá-los e a conduzir o tractor e o Unifeed.
A testemunha LL, que também já trabalhou para o R, confirmou que o A trabalhava na vacaria e parte agrícola, ao passo que a testemunha trabalhava na empresa de canalização de Dezembro de 2019 a Dezembro de 2020, relatando a forma como o A operava o tractor e Unifeed. Esta testemunha auxiliava o A na vacaria até às 17 h, altura em que ia para o armazém dar apoio às equipas que regressavam das obras e preparava o material para o regresso destas.
A testemunha MM, que trabalhou na pichelaria entre o fim de 2018 e o início de 2019, também confirmou que o A trabalhava na vacaria e nos campos.
Estas testemunhas e o A esclareceram que apenas o A podia operar o tractor e o Unifeed, pois que o R e o seu pai não tinham licença, embora todos afirmassem que o pai do R também ali trabalhava e que cuidava de vários animais: cabras, coelhos, galinhas, patos.
Por tudo isto, teve-se por provado o referido em em 3) a 5) e não provado o referido em b) e c) da factualidade não provada.
Já quanto ao horário praticado pelo A – ponto 6) da matéria de facto provada -, a testemunha KK apenas sabia o que o A lhe dizia: que vinha do trabalho e que saía pelas 19 h, vendo-o com a roupa de trabalho, o que obviamente não é bastante para nos convencer efetivamente dos horários de trabalho acordados e praticados pelo A. Acrescentou que o viu a trabalhar cerca de 3 sábados, o que igualmente foi confirmado pelo R no seu depoimento de parte. A testemunha LL também referiu um horário de trabalho do A das 7 h às 19 h de 2ª a 6ª e Sábado, o que é compatível com o horário mínimo apurado das 7.30 h às 18.30 h. Sendo certo que todas as testemunhas inquiridas afirmaram que o A, a dada altura, passou a usar um veículo da R e a transportar também os colegas EE e MM, pelo que iam e vinham juntos. A testemunha II também referiu que o A lhe disse trabalhar das 7 h às 19 h e falou com ele nalguns Sábados, o que é um horário próximo e arredondado do que foi apurado com segurança. MM também confirmou que todos tinham o mesmo horário – A e os colegas da Pichelaria -, e que era cerca das 7 h às 19 h.
A testemunha NN – encarregado-geral da 2ª R – referiu que o R lhe transmitiu ter contratado o A para trabalhar no armazém, sendo que o A ali preparava matérias e encomendava materiais, passando a testemunha pouco tempo no armazém, acrescentando que seria o pai do A a estar sempre pela vacaria, mas sabendo que o A tinha chegado a ir ali fazer tarefas, pelo que o depoimento desta testemunha não inviabiliza que o A trabalhasse também na vacaria nos termos sobreditos. Confirmou a testemunha o horário praticado pelas 7.30 h às 19 h, confirmando que o A trabalhou nalguns sábados. Confirmou ainda que o A foi contratado para substituir um funcionário de nome OO.
O descrito em 14) a 17) resultou provado por força dos recibos do A juntos aos autos.
O mencionado em 8) no sentido da resposta do R : “Sendo assim vais embora não preciso mais de ti.”, foi confirmado pelo A, e encontra adesão de prova na missiva remetida no dia seguinte pelo A ao R, e ainda no facto das testemunhas PP e KK terem confirmado ter acompanhado o A no dia subsequente às instalações da 2ª R e terem presenciado a conversa entre ambos, da qual decorria que o R teria despedido o A, em dia anterior, o que estas testemunhas descreveram circunstanciadamente (quanto ao local, pessoas presentes e modo como decorreu a conversa) e de modo em tudo coincidente com o relatado pelo A e até pelo R, com excepção da parte que este não admitiu ter referido, sendo que o próprio R afirmou que estas pessoas estiveram no local e até confirmou a demais conversa.
Acresce que há acordo das partes quanto ao facto de haver um problema naquela altura por causa do A usar veículo da empresa e estar a sair mais cedo o que provocava constrangimento aos trabalhadores da R por ele transportados, factos que foram igualmente confirmados pela testemunha EE, DD, e NN – pelo que se teve como provada a matéria dos pontos 18) a 21).
Por fim, ainda a esse propósito, dir-se-á que o A remeteu a carta de fls. 20 verso, datada de 24/6/2020, mas remetida pelo seguro do correio a 26/6/2020, ao R, no qual já alegava ter sido despedido sem justa causa, o que corrobora a versão do A e das testemunhas PP e KK. Dir-se-á ainda que resulta do despacho final do inquérito n.º 81/20.0 GCAMT, junto a fls. 330, que o R terá denunciado os factos que constituem a causa de pedir destes autos, sendo que se conclui da análise do expediente desses autos de inquérito de fls. 63 v e ss, que a denúncia terá sido realizada a 26/6/2020, ou seja, no dia subsequente ao A se ter deslocado à pichelaria com as testemunhas PP e KK. O que pode ter justificação nessa deslocação do A acompanhada por testemunhas e na conversa por estas presenciada.
Note-se que as testemunhas EE e DD afirmaram estar presentes aquando da conversa tida entre A e R dia 23 de Junho, mas tal foi negado pelo A de forma peremptória. Não se pode descurar que as referidas testemunhas têm relação de grande proximidade com o R – pois que o primeiro é seu empregado e o segundo é seu pai -, tendo estas testemunhas tentado fazer crer que o A é que se aborreceu com o facto de o R o estar a chamar a atenção por causa do carro de serviço e ter abandonado o local com os seus haveres, por sua iniciativa. Como já atrás e disse estes depoimentos não nos mereceram credibilidade, nesta parte, o mesmo sucedendo com as declarações do R..
Por fim, diremos que as testemunhas LL, NN, EE, referiram que havia mapa de ferias afixado, assim se infirmando o vertido em a) da factualidade não provada.
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MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Resultou da ausência de mobilização probatória suscetível de convencer o Tribunal da sua efetiva verificação, e da credibilidade atribuída à prova produzida em sede de audiência, nos termos sobreditos.
O referido em c) foi negado pelo próprio A, que apenas referiu que o 1º R lhe entregava as referidas quantias mensais, embora o A não questionasse se aí estavam incluídos proporcionais de subsídios de férias e Natal e de alimentação, sendo que o R afirmou ter contratado o A pelo ordenado mínimo.”

2.2. Impugnação da decisão de facto:
De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º, nº 2, al. A) do Código de Processo do Trabalho), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto foram reforçados na atual redação do Código de Processo Civil.
Abrantes Geraldes, (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 230) refere que, “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Apesar de (obra citada, pág. 245), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não poder confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”.
Na reapreciação da força probatória das declarações de parte, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos, importa ter presente o princípio da livre apreciação, como resulta do disposto nos artigos 607º, nº5 e 466º, nº3, ambos do Código de Processo Civil e 396º e 366º.
Dito de outro modo, cabe à Relação, enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar, de acordo com o princípio da livre convicção, toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Preceitua ainda o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;».
Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, in www.dgsi.pt, “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão. (…)”.
Servindo-nos também do texto do acórdão desta secção de 22.10.2018, proferido no processo 246/16.OT8VLG.P1, (Relatora Desembargadora Rita Romeira, no qual foi 1ª adjunta a aqui relatora):
«Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exatidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.
Além disso, nas palavras, (…) de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac.STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “…Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.”…(…).».
Ainda a este propósito, lê-se no Acórdão desta secção de 15.04.2013 (Relatora Paula Leal de Carvalho, in www.dgsi.pt, também citado no acórdão de 22.10.2018), “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”».
Ainda com fundamentação da mesma Desembargadora Paula Leal de Carvalho (aqui 2ª Adjunta):
“Pretendendo-se a reapreciação da decisão da matéria de facto, tem o Recorrente que dar cumprimento aos requisitos exigidos pelo art. 640º do CPC/2013, em cujos nºs 1 e 2 se dispõe que:
“Sendo o objeto do recurso, como é, delimitado pela conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deverá indicar quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda. E tal indicação deve ter lugar nas conclusões do recurso, por estas consubstanciarem a delimitação do objeto do recurso no que tange à matéria de facto; ou seja, delimitando as conclusões o que se pretende com o recurso, deverá o Recorrente nelas indicar o ou os concretos factos de cuja decisão discorda. Diga-se que tal indicação deve ser feita por referência aos concretos factos que constam da decisão da matéria de facto e/ou dos articulados e não por referência a meros “temas” das questões de facto sobre as quais o Recorrente discorde.
E, nos termos do citado art. 640º, nº 1, al. c), o Recorrente deverá também indicar o sentido das respostas que pretende.
[Cfr. Acórdão do STJ de 07.07.2016, Processo 220/13.8TTBCL.G1.S1, in www.dgsi.pt, nos termos de cujo sumário consta que “I - Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorretamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC.”.].
Por outro lado, na indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [art. 640º, nº 1, al. b)], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada [ou a um conjunto de factos que estejam interligados e em que os meios de prova sejam os mesmos] de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto. Só assim será possível ao tribunal ad quem perceber e saber quais são os concretos meios de prova que, segundo o Recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente da que foi dada.
[Cfr. Acórdão do STJ de 20.12.2017, Proc. 299/13.2TTVRL.G1.S2, e de 19.12.2018, Proc. 271/14.5TTMTS.P1.S1, ambos in www.dgsi.pt, constando do sumário deste último o seguinte: “I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.
Assim também os Acórdãos do STJ de 21.09.2022, Proc. 1996/18.1T8LRA.C1.S1, constando do respetivo sumário: “I- A impugnação da matéria de facto “em bloco” viola o disposto no artigo 640.º do CPC, mormente quando não está em causa um pequeno número de factos ligados entre si e um número reduzido de meios de prova (por exemplo, o mesmo depoimento), mas um amplíssimo conjunto de factos (ou, melhor, dois amplos blocos de factos) e numerosos meios de prova” e de 12.10.2022. Proc. 14565/18.7T8PRT.P1.S1, constando do respetivo sumário: “I – Para poder validamente impugnar a matéria de facto, o Recorrente tem de cumprir os ónus imposto pelo art.º 640º do CPC. II – Em princípio, a impugnação da matéria de facto não pode ser feita por blocos de factos, antes tem de ser feita discriminadamente, por concreto ponto de facto. III - E não pode ser feita por remissão genérica para determinados meios de prova, sem demonstrar a sua relevância quanto a determinado facto concreto.”, ambos in www.dgsi.pt].]
Quanto à fundamentação dessa impugnação, mormente quanto aos meios probatórios em que assenta a impugnação, entendemos que poderá ela ter lugar em sede de alegações.”, (realce e sublinhado nossos)
Analisaremos se relativamente a cada item da matéria de facto impugnada, o Autor e o Réu cumpriram os ónus que nesta sede estavam obrigados e se as respetivas pretensões merecem ser acolhidas.
Analisando a impugnação, do Réu/Apelante:
A) Começa por concluir o Réu:
- deve ser eliminada da matéria de facto provada o facto: “a assinatura aposta nos documentos de fls. 311 a 314 não foi escrita pelo punho do A”, por ter sido incorretamente julgada;
- o relatório pericial junto aos autos padece de algumas incongruências, as quais não permitiam ao Tribunal concluir, com a certeza que se impõe, que a assinatura aposta nos documentos de fls. 311 a 314 não foi escrita pelo punho do A;
- do referido relatório pericial apenas decorre que é tido como provável – e não como muito provável ou certo – que as escritas suspeitas das assinaturas do Recorrido não sejam da sua autoria.
- esta conclusão, no confronto com todo o relatório, não é suficiente para que o Tribunal se tivesse convencido de que a assinatura não foi aposta pelo Autor em tais documentos.
A propósito do incidente de falsificação de documento, foi decidido na decisão recorrida “julgar o incidente de falsidade de documentos procedente e, em consequência, determina-se a exclusão automática da possibilidade de valorar os documentos de fls. 311 a 314 em sede de fixação dos factos relevantes para o mérito da acção (exclusão que foi levada em consideração em sede de motivação da decisão de facto).”
Na decisão de facto, do mesmo incidente, foi considerado como factos provados:
a) assinatura aposta nos documentos de fls. 311 a 314 não foi escrita pelo punho do A.
Vejamos:
A propósito do objeto da prova pericial, dispõe o artigo 388º, do Código Civil:
«A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial.»
Nas palavras de Alberto dos Reis “O verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem”, (in Código de Processo Civil Anotado, volume IV, página171).
O relatório pericial deve ser feito de forma fundamentada, tal como expressamente se prevê no artigo 484º, nº1 do Código de Processo Civil.
E quanto à respetiva força probatória, preceitua o artigo 389º do Código Civil que «A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal».
A livre apreciação da prova pericial resulta ainda do disposto nos artigos 489º e 607º, nº5, ambos do Código de Processo Civil.
Ou seja, era à Mm.ª Juiz a quo e não ao Perito subscritor do mesmo relatório que incumbia concluir se a assinatura aposta nos documentos de fls. 311 a 314 não foi escrita pelo punho do Autor ou o contrário.
Na motivação, consignou a Mm.ª Juiz a quo “A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto provada, resultou do relatório pericial de fls. 306 e ss do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, no qual se conclui que é provável que a assinatura dos referidos documentos não seja da autoria do A.
Tendo presentes estes considerandos, entendeu-se dar como provada e não provada com segurança a matéria em apreciação”
A convicção do Tribunal a quo foi esta e da qual não difere a nossa.
Não entendemos também nós que a conclusão expressa no relatório pericial de como provável não seja suficiente para que o Tribunal se tivesse convencido de que a assinatura não foi aposta pelo Autor em tais documentos.
Acresce que não identificamos incongruências/contradições no relatório pericial, antes as dificuldades reputadas “traçado irregular das escritas em confronto, com formas pouco definidas e sem ligações significativas”.
Improcede assim nesta parte a Apelação do Réu.
B) Concluiu ainda o Réu/Apelante que foram incorretamente julgados:
Os pontos 3 e 4 dos factos provados, cujo teor é:
- AA admitiu verbalmente o A. para trabalhar na vacaria e também no armazém de pichelaria contiguo, armazém este que é pertença da 2ª R, em 23 de outubro de 2018, sendo o armazém e a vacaria sitos na Rua ..., lugar ..., ... ....
- Quando trabalhava na exploração da vacaria, constituída por vacas da raça arouquesa, o A executava, pelo menos, as seguintes tarefas: maneio do efetivo pecuário; preparava e ministrava a alimentação aos animais, tendo em conta o programa alimentar definido para cada fase do ciclo da vida; assegurava a limpeza e manutenção das instalações e dos equipamentos e o controlo do seu estado, utilizando os meios colocados à sua disposição; executava tarefas ligadas à sanidade animal, de acordo com o maneio profilático estabelecido e seguindo as instruções do médico veterinário; executava tarefas ligadas ao maneio reprodutivo dos animais, de acordo com o plano de reprodução, as características das espécies e as instruções do médico veterinário; procedia a, pelo menos, algumas operações culturais relacionadas com a manutenção e instalação de culturas forrageiras, prados e pastagens; conduzia, operava e regulava o tractor e a máquina Unifeed, em operações culturais e de alimentação dos animais; registava e consultava dados técnicos da atividade.
As alíneas b) e c) dos factos não provados, cujo teor é:
- Durante o tempo em que perdurou o contrato de trabalho em causa nos autos, jamais o 1º R. afixou o mapa de férias ou permitiu que A. gozasse qualquer período de férias.
- O A procedeu como referido em 4) dos factos assentes esporadicamente, e na impossibilidade de o R aí se poder deslocar.
Mais concluiu o Réu/Apelante que:
- O ponto 3 dos factos provados deverá ser alterado e passar a ter a seguinte redação: “A... UNIPESSOAL, LDA admitiu verbalmente o A. para trabalhar no armazém desta, em 23 de outubro de 2018, localizado na Rua ..., lugar ..., ... ....”;
- O ponto 4 dos factos provados deverá passar a integrar a matéria de facto não provada;
E as alíneas b) e c) dos factos não provados devem passar a integrar a matéria de facto provada.
Ainda que:
- Da prova documental e testemunhal resulta que o Recorrido foi admitido verbalmente pela Ré sociedade em 23 de outubro de 2018, para trabalhar no armazém desta, sito na Rua ..., lugar ..., ... ....
- O Recorrido foi admitido sob as ordens, direção e fiscalização da Ré sociedade e que, apenas a título esporádico e excecional, prestou auxílio nas instalações do Recorrente, quando este ou o seu pai não se encontravam na vacaria, à semelhança, porém, do que fazia qualquer outro funcionário da 2ª Ré que aí se encontrasse.
Indica como meios de prova:
- Os documentos que foram juntos om a Petição Inicial, sob os números 2 a 6 e 17 a 23 - os extratos da sua carreira contributiva, onde está identificada a Ré sociedade - a empresa A... UNIPESSOAL, LDA, como sendo a sua entidade patronal, e sob os documentos 7 e 9 - vários cheques, emitidos pela Ré sociedade para pagamento da sua retribuição mensal.
- Os documentos juntos com a contestação, sob documento número 2 - extratos da declaração de remuneração da Segurança Social – e os documentos 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 16 a 36 juntos aos autos com o requerimento de 27 de Maio de 2021, não permitem retirar outra conclusão que não seja a de que o Recorrido era funcionário da Ré sociedade, porquanto, o Recorrido foi avaliado medicamente pelo médico do serviço de medicina do trabalho contratada pela Ré sociedade, possuía seguro de trabalho contratado pela Ré, recebia a sua retribuição mensalmente através de cheques emitidos pela Ré sociedade e frequentou ações de formação ministradas por esta.
- As declarações de parte prestadas por Recorrente, por si e na qualidade de legal representante da sociedade A... UNIPESSOAL, LDA;
- As declarações de parte prestadas do Recorrido;
- Os depoimentos das testemunhas NN, EE, CC, QQ e DD.
Refere os minutos da gravação onde ficaram registados as declarações e os depoimentos em causa, procedendo à respetiva transcrição.
Consideramos que nesta parte o Apelante cumpriu os ónus a que estava adstrito.
Nas alegações o Réu/Apelante referencia ainda o depoimento das testemunhas FF e RR, sem que indique os minutos da gravação onde ficaram registados os respetivos depoimentos, nem proceda à sua transcrição, quanto aos excertos desses depoimentos, tidos como relevantes.
Na sentença, a propósito da referida matéria consta:
“Quanto à matéria vertida em 3) a 5), tarefas para as quais o A foi contratado e funções que desempenhava, teve-se em conta as declarações do A, que se nos afiguraram sinceras e credíveis, bem como as declarações de todas as testemunhas inquiridas e até o depoimento de parte do R.
Na verdade, o próprio R dizendo que o A era pessoa habilidosa e habituado a fazer de tudo, admitiu que o A dava algum apoio à vacaria, que também é do R tal como a empresa de pichelaria, sendo a vacaria para produção de gado de raça arouquesa, composta à data dos factos por cerca de 100 vacas (mais os vitelos). Pelo que, na versão do R, o A ajudava ali chegando uma carga ou uma saquita de ração, morrendo um animal, ajudava no transporte, assinava guias, etc, pois que, na verdade, o armazém de pichelaria dista cerca de 20 m da vacaria – tudo visível nas fotografias de fls. 196 e ss – afirmando que não era necessário um trabalhador a tempo inteiro na vacaria, pois que tudo está mecanizado. Esta afirmação é obviamente contrariada com a evidência de uma exploração pecuária dessa dimensão necessitar de um trabalhador a tempo inteiro, tendo várias testemunhas confirmado que o A lá trabalhava na vacaria, como adiante melhor se descreverá.
Também a testemunha CC – Secretário-Geral da Associação Nacional de Criadores da Raça ... – tentou sustentar o mesmo que o R, designadamente que para aquela exploração apenas era preciso a força de trabalho de um homem, 1 hora ou 1.30 h de manhã e outra hora/1.30 h à tarde para alimentar os animais (no pressuposto de usarem o Unifeed), mas acabou por referir que cada vaca consome cerca de 30 kg de alimento por dia, que o R explora 11 ou 12 hectares de milho e plantas forrageiras em campos distantes da vacaria (a 5 ou 6 km), e que a própria associação tem muito menos cabeças de gado – 54 vacas, não dispondo de Unifeed - e explora menos campos agrícolas, tendo um empregado agrícola a tempo inteiro que tem ocupação para uma jornada de trabalho, sendo evidente esta contradição.
Por outro lado, o R, a testemunha DD (pai do R) e a testemunha EE – que trabalhou para a empresa de pichelaria desde finais de 2019 e trabalha na vacaria desde há 2 ou 3 meses – esclareceram que esta testemunha EE trabalha na vacaria a tempo inteiro, pelo que não se compreende que a exploração não necessitasse de uma pessoa a “full time” para esse efeito antes – muito embora a testemunha DD tenha tentado justificar e ultrapassar esta questão, alegando ter deixado de trabalhar de todo na vacaria no final de 2021, o que ainda assim não ultrapassa a contradição dos depoimentos do R e das apontadas testemunhas no sentido de apenas ser necessário o trabalho de uma pessoa 2 a 4 h por dia, na vacaria.
Acresce que, esta testemunha EE afirmou que não tem licença de condução de tractores – nem o sabe fazer -, ao contrário do A, pelo que não pode usar o tractor com a máquina Unifeed acoplada (máquina esta que tritura e mistura o alimento das vacas e é usada para o distribuir pelas mangedouras dos animais) – tendo-se apurado que o R também não tem licença para manobrar tractores o mesmo sucedendo com o seu pai -, sendo que o A descreveu a forma como preparava a alimentação das vacas usando o Unifeed e o distribuía pelos animais e que seguramente será a forma mais expedita e prática de preparar e distribuir o alimento pelas vacas, sendo que a não utilização do tractor e Unifeed também não será naturalmente a melhor forma de rentabilizar o investimento nessa maquinaria, não se percebendo a razão pela qual o R teria adquirido esses maquinismos se eles não fossem utilizados – sendo, ao invés, lógico que tenha adquirido essas máquinas quando tinha ali a trabalhar pessoa(s) habilitada(s) a manobra-las.
Ora, sem utilizar o Unifeed, a testemunha EE e antes dele o pai do R, DD, teriam de usavar o carro de lagartas, visível na fotografia de fls. 199, para distribuir o alimento pelos animais, sendo que tinham que ir buscar a forragem (mistura de ração, milho e feno/erva/azevém) aos silos, misturar esses compostos, colocar os 12 cestos no solo, enche-los de forragem, iça-los à mão para o carro, movimentar o carro (que tem motor) para a vacaria e distribuir o alimento pelas vacas. Segundo a testemunha EE, cada balde destes tem comida para duas vacas e apenas lhes dá de comer uma vez por dia. Considerando o efetivo de animais do R – que segundo o A oscilou entre os 65 animais e os 130 animais adultos, acrescendo os vitelos, e que segundo a testemunha CC rondaria os 140 animais adultos, segundo FF (auxiliar técnico de pecuária, que fazia colheita de sangue às vacas, para análise, trabalhando na OPP de Amarante) o efectivo de animais adultos rondaria os 100, GG (veterinário da exploração pecuária do R) mencionou que a totalidade dos bovinos rondaria os 250 -, ainda que cada cesto desse para duas vacas, seria necessário fazer cerca de 10 viagens com o carro entre os silos e a vacaria para alimentar os animais e carregar os cestos com cerca de 3.000 kg de forragem (pois que cada vaca adulta ingere cerca de 30 kg de alimento por dia, como afirmado pela testemunha CC), que teriam de ser carregados para o veículo e distribuídos pelos animais, não nos parecendo que todas essas tarefas sejam exequíveis em 2 horas, nem em 3 nem 4 horas de trabalho, como sustenta a testemunha CC e o R, merecendo antes credibilidade a versão do A.
Note-se que também não merecem credibilidade as declarações da testemunha EE quando afirma que era a testemunha HH que operava o Unifeed apenas ao fim-de-semana e que este o fazia para ser mais fácil ao R tratar dos animais sozinho no fim-de-semana, pois que este HH afirmou nunca ter tratado nada na vacaria, excepto despejar a fossa, sendo antes tractorista e contratado pelo R para agricultar os campos agrícolas, que distam cerca de 5 a 6 km da vacaria. É certo que esta testemunha depôs há mais de 3 meses, mas antes disso temos poe adquirido que esta testemunha não operava o Unifeed nos termos referidos pela testemunha EE e não se vislumbra que utilidade fosse dada a esse equipamento, pois nenhuma outra pessoa o operava, para além do A.
A testemunha DD, pai do A, como já se disse, prestou um depoimento que se nos afigurou parcial, sendo disso demonstrativo o facto de responder ao Tribunal que o A nunca trabalhou na vacaria, pois que só esta testemunha lá trabalhava, mas, ao responder à Ilustre Mandatária dos RR, já admitiu que o A podia lá dar alguma ajuda, o que demonstra que o A trabalhava efectivamente na vacaria.
Das declarações do A resulta claro que o mesmo percebia e percebe de produção animal e tratamento de solos para culturas destinadas a consumo pecuário – pois que sempre ajudou os seus próprios pais em tarefas idênticas – (o que até o R confirmou nas suas declarações) e pouco ou nada percebia de canalização, embora admitisse que também fazia tarefas no armazém e tenha recebido formação na área de piscinas, como se alcança do documento de fls. 153 v. Dado que o A efetivamente também trabalhava no armazém de pichelaria, e que este pertence igualmente ao dono da vacaria, estando em edifícios contíguos, não causa qualquer estranheza que estivesse mencionado nos documentos de fls. 154 e ss e 152 (fichas de aptidão e documentos de seguro) como empregado de armazém ou canalizador, sendo certo que se desconhece se o A disso tinha consciência e conhecimento.
Note-se que as testemunhas que denotaram mais credibilidade e isenção afirmaram ver o A a fazer tarefas agrícolas e pecuárias por conta do A - foi o caso das testemunhas:
- HH (tractorista que trabalha à jorna para o R), que confirmou que o A lhe chegou a levar produtos aos campos;
- a testemunha II – que se dedica ao comércio do ramo agropecuário, vendendo produtos para esta actividade ao R (rações e sementes) – esclareceu que o A foi trabalhar para o R, substituindo um colega, OO, que ali trabalhava, estando o A presente nas visitas mensais que a testemunha (por vezes acompanhado de técnicos) fez à exploração do R, para acompanhamento técnico, descrevendo as tarefas que viu o A a realizar ali;
- FF – auxiliar técnico de pecuária, que fazia colheita de sangue às vacas, para análise, trabalhando na OPP de Amarante, referiu deslocar-se à vacaria durante a semana e ali encontrar o A e mais 1 ou 2 pessoas para ajudarem, sendo notório que os animais conheciam o A;
- GG – veterinário da exploração pecuária do R – que esclareceu que o A o acompanhava quando lá ia fazer consultas (deslocando-se lá todos os meses), estando também lá o pai do R, por vezes o próprio R e um outro rapaz; referiu que os animais conheciam obviamente o A,.e que quando lhe ligavam para falar dos animais, era contactado ou pelo A ou pelo R; sendo que dava indicações terapêuticas a quem lhe aparecesse, podendo dar essas indicações ao A ou ao R e sabendo que os pais do A também criam animais.
- JJ – engenheira Agrónoma, que trabalha numa empresa de comercialização de produtos agrários - confirmou ter falado com o A, para lhe apresentar propostas e produtos para culturas de milho, tendo-o encontrado na vacaria, pelo menos duas vezes, pelas 18.30 h numa vez e a meio da tarde noutra, e tendo-se encontrado com ele num campo às 7.30 h, estando também ali o tractorista que ia fazer a sementeira, tendo voltado a encontrar o A 15 dias depois no campo, para verem a germinação do milho. Esclareceu até esta testemunha que uma vez encontrou o A a distribuir estrume pelos campos com tractor e cisterna. Referiu que o produto que vendeu ao R e que foi aplicado pelo A é biotecnológico, inovador, e que tinha que falar com alguém que percebesse de biologia do solo e agricultura, como é o caso do A.
Também a testemunha KK – serralheiro que fez trabalhos para o R na vacaria, por indicação do A, de quem é amigo desde o ensino secundário – viu o A a tratar dos animais, a alimentá-los e a conduzir o tractor e o Unifeed.
A testemunha LL, que também já trabalhou para o R, confirmou que o A trabalhava na vacaria e parte agrícola, ao passo que a testemunha trabalhava na empresa de canalização de Dezembro de 2019 a Dezembro de 2020, relatando a forma como o A operava o tractor e Unifeed. Esta testemunha auxiliava o A na vacaria até às 17 h, altura em que ia para o armazém dar apoio às equipas que regressavam das obras e preparava o material para o regresso destas.
A testemunha MM, que trabalhou na pichelaria entre o fim de 2018 e o início de 2019, também confirmou que o A trabalhava na vacaria e nos campos.
Estas testemunhas e o A esclareceram que apenas o A podia operar o tractor e o Unifeed, pois que o R e o seu pai não tinham licença, embora todos afirmassem que o pai do R também ali trabalhava e que cuidava de vários animais: cabras, coelhos, galinhas, patos.
Por tudo isto, teve-se por provado o referido em em 3) a 5) e não provado o referido em b) e c) da factualidade não provada.”
Decidindo:
Ficou bem explicado na decisão recorrida a razão pela qual não se afigura verosímil a tese - a propósito da contratação do Autor/Recorrido - apresentada pelo Apelante/Réu nas respetivas declarações, a contradição em que incorreu a testemunha CC, atendendo ao que referiram as testemunhas DD e EE, a propósito da contratação a tempo inteiro desta última.
Apontada foi na motivação da decisão de facto, igualmente, a razão para a valorização das declarações do Autor, a respeito das funções por este desempenhadas e para a falta de credibilidade daquelas mesmas testemunhas, DD e EE, pelas respetivas fragilidades, – parcialidade do Pai do Réu/Apelante e contradições da segunda, nomeadamente com a testemunha HH.
O Réu/Apelante nada diz relativamente às fragilidades identificadas a propósito de tais meios de prova na motivação da sentença e que temos também como comprometedoras da respetiva credibilidade. Acresce referir quanto à testemunha CC ainda que não se nos afigura ter tido um depoimento firme, refugiando-se até num “não posso garantir isso”.
Ou seja, o Réu/Apelante limitou-se a indicar as respetivas declarações e os depoimentos favoráveis à versão que trouxe aos autos, não afastando o que conduziu à respetiva desvalorização.
Com referência ao que de relevante foi dito, consideramos bem justificada na motivação da decisão de facto, a credibilidade dada pela Mm.ª Juiz a quo aos depoimentos das testemunhas HH, II, FF, GG, JJ, KK, LL e MM.
Revemo-nos integralmente na mesma ponderação e explicação.
Ou seja, não acolhemos as razões que o Réu/Apelante aduziu para a falta de credibilidade dos depoimentos das testemunhas JJ, KK e MM, para defenderem que o Recorrido era também trabalhador da vacaria, contraditando a versão do Réu/Apelante e que mereceram, justificadamente, credibilidade pelo tribunal a quo para o desiderato de ter-se por “por provado o referido em em 3) a 5) e não provado o referido em b) e c) da factualidade não provada.”
Acresce dizer que lidos todos excertos das declarações e depoimentos transcritos pelo Réu/Apelante não chegamos a uma convicção diferente.
Salienta-se a esse respeito, para além do que ficou referido a respeito das testemunhas indicadas pelo Réu/Apelante que as declarações deste reproduzem a versão que trouxe aos autos, sendo que das mesmas não resulta sequer que tenha sido esclarecido ao Autor para quem ficava a trabalhar, qual seria a sua Entidade empregadora, aquando da respetiva contratação.
Nas suas declarações, ainda que o Autor tenha dito “toda a gente naquela empresa tinha direito a transporte, apenas eu é que não tinha direito a transporte”, não resulta que aquele sabia ser trabalhador da 2ª Ré e que apenas assim sucedesse.
Já no depoimento da testemunha NN de relevante retivemos apenas ter o AA (Réu/Apelante) lhe comunicado que o BB (Autor/Recorrido) era para ajudar ali no armazém, onde ela testemunha era encarregado geral.
A testemunha QQ, só referiu que viu o Autor a trabalhar no armazém.
Já a testemunha HH confirmou que o Autor/Recorrido o ajudava “quando vou para o campo semear, é preciso trazer-me adubo, é preciso trazer-me milho, e o Senhor BB trouxe-me algumas vezes esses produtos (…)”.
Por outro lado, os documentos onde é identificada a Ré sociedade - a empresa A... UNIPESSOAL, LDA, como sendo a entidade patronal do Autor, não bastam para contrariar o mesmo desiderato, desde logo pela coincidência temporal aquando da contratação do Autor, dada como assente no item 3).
Improcede em conformidade a pretensão do Réu Apelante de que fique assente ter o Recorrido sido admitido tão só sob as ordens, direção e fiscalização da 2ª Ré, A... UNIPESSOAL, LDA e que, apenas a título esporádico e excecional, prestou auxílio nas instalações do Recorrente, quando este ou o seu pai não se encontravam na vacaria, à semelhança, porém, do que fazia qualquer outro funcionário da 2ª Ré que aí se encontrasse.
Concluiu ainda o Réu/Recorrido que não obstante o Tribunal Recorrido ter entendido que o Recorrido trabalhava na vacaria e também no armazém de pichelaria contíguo, a boa verdade, é que tal facto nunca foi alegado pelo próprio Autor ao longo dos autos, como se impunha, para que o Tribunal assim pudesse decidir. Bem pelo contrário, o mesmo sempre afirmou que era funcionário do Recorrente, tendo-se limitado a deduzir um pedido subsidiário contra a Ré sociedade, para a eventualidade do Tribunal entender ser esta a entidade patronal do Recorrido.
Também nesta parte sem razão.
A leitura que fazemos do alegado e pedido pelo Autor é tão só ter este admitido que fosse apenas considerado em alternativa ser a sua entidade empregadora a 2ªRé, não equacionando que pudessem ser ambas.
Compreende-se a dificuldade, desde logo por o 1º Réu ser também o único sócio e gerente da 2ª Ré.
O Tribunal não deixou ainda assim de atender ao vínculo com a 2ª Ré invocado na defesa de ambas as Rés em sede de contestação, ainda que também ao vínculo primordial alegado pelo Autor.
Em suma, nada obsta à conclusão de que pelo conjunto da prova produzida resultar que o Autor, quando celebrou o contrato de trabalho se obrigou a prestar funções, quer para o Recorrente, quer para a Ré sociedade.
Improcede assim a este respeito a pretensão do Apelante.
C) Concluiu ainda o Réu/Apelante que foi incorretamente julgado provado o ponto 6 dos factos provados, cujo teor é:
- O A trabalhava de 2ª a 6ª-feira das 7.30 h às 18.30, com intervalo para almoço não concretamente apurado, mas com o máximo de 2 h.
Mais conclui o Apelante que deve antes ser dado como provado que:
“O A. trabalhava de 2ª a 6ª feira, das 8.00 h às 18.00, com intervalo para almoço de 2 h.”
Indica como meios de prova:
- Os depoimentos das testemunhas EE e NN. Indica os minutos da gravação onde ficaram registados os respetivos depoimentos e transcreve os excertos tidos como determinantes.
Alega ainda o Réu/Apelante que nenhuma das testemunhas indicadas pelo Recorrido confirmou ser aquele o horário de trabalho do Autor/Recorrido, tendo as testemunhas LL e MM se limitado a afirmar que eles trabalhavam das 7 da manhã às 7 da tarde.
A este respeito, lê-se na motivação da decisão de facto:
“Já quanto ao horário praticado pelo A – ponto 6) da matéria de facto provada -, a testemunha KK apenas sabia o que o A lhe dizia: que vinha do trabalho e que saía pelas 19 h, vendo-o com a roupa de trabalho, o que obviamente não é bastante para nos convencer efetivamente dos horários de trabalho acordados e praticados pelo A. Acrescentou que o viu a trabalhar cerca de 3 sábados, o que igualmente foi confirmado pelo R no seu depoimento de parte. A testemunha LL também referiu um horário de trabalho do A das 7 h às 19 h de 2ª a 6ª e Sábado, o que é compatível com o horário mínimo apurado das 7.30 h às 18.30 h. Sendo certo que todas as testemunhas inquiridas afirmaram que o A, a dada altura, passou a usar um veículo da R e a transportar também os colegas EE e MM, pelo que iam e vinham juntos. A testemunha II também referiu que o A lhe disse trabalhar das 7 h às 19 h e falou com ele nalguns Sábados, o que é um horário próximo e arredondado do que foi apurado com segurança. MM também confirmou que todos tinham o mesmo horário – A e os colegas da Pichelaria -, e que era cerca das 7 h às 19 h.
A testemunha NN – encarregado-geral da 2ª R – referiu que o R lhe transmitiu ter contratado o A para trabalhar no armazém, sendo que o A ali preparava matérias e encomendava materiais, passando a testemunha pouco tempo no armazém, acrescentando que seria o pai do A a estar sempre pela vacaria, mas sabendo que o A tinha chegado a ir ali fazer tarefas, pelo que o depoimento desta testemunha não inviabiliza que o A trabalhasse também na vacaria nos termos sobreditos. Confirmou a testemunha o horário praticado pelas 7.30 h às 19 h, confirmando que o A trabalhou nalguns sábados. Confirmou ainda que o A foi contratado para substituir um funcionário de nome OO.”
Ou seja, o Tribunal considerou ter-se apurado um horário mínimo das 7.30 h às 18.30 h.
Lidos os excertos das declarações de parte do Réu/Apelante e os depoimentos das testemunhas transcritos pelo mesmo não chegamos a uma conclusão diversa, que justificasse ser outro o horário a atender, desde logo por as testemunhas NN e EE, ambas colegas de trabalho do Autor, evidenciarem estarem comprometidas com a versão da respetiva Entidade empregadora, reportando-se ao “horário de toda a gente” ao “nosso horário”.
Improcede assim a este respeito a pretensão do Apelante.
D) Concluiu ainda o Réu/Apelante que os pontos 8 e 9 dos factos provados foram incorretamente julgados.
É este o teor dos mesmos pontos:
- No dia 23 de junho de 2020 o A. apresentou-se no seu local de trabalho, pelas 7.30 horas da manhã, tendo-lhe sido dito pelo 1º R., “Vou-te retirar o transporte da empresa, vais começar a andar com o teu carro, passas às condições iniciais.”, ao que o A. respondeu “Não foi o combinado e não vou andar ao serviço da empresa com o meu carro.”, tendo respondido o 1º R. “Sendo assim vais embora não preciso mais de ti.”.
9. No dia 25 de junho de 2020, o A., deslocou-se ao seu local de trabalho, tendo-se encontrado com o 1º R. tendo existido a seguinte conversa entre ambos:
Questão do Autor:
“Venho buscar os meus direitos por me teres despedido.”
Resposta do 1º R.
“Eu vou agendar uma reunião e depois informo-te do dia da reunião.”
Questão do Autor
“Ao menos podias-me dizer qual o motivo para me teres despedido.”
Resposta do 1º R.
“Tu sabes.”
Mais concluiu o Réu/Apelante que o ponto 8 dos factos provados deve ser alterado, passando a ter a seguinte redação: “No dia 23 de junho de 2020 o A. apresentou-se no seu local de trabalho, sendo que no período da manhã foi-lhe dito pelo legal representante da 2º R. «Vou-te retirar o transporte da empresa, vais começar a andar com o teu carro, passas às condições iniciais.» ao que o A. respondeu “Não foi o combinado e não vou andar ao serviço da empresa com o meu carro, conversa na sequência da qual abandonou o local de trabalho.”
Deve ser dado como não provado que o Recorrente tenha respondido ao Recorrido «Sendo assim vais embora não preciso mais de ti.»
Quanto ao ponto 9 dos factos provados, a “Resposta do 1º R.: «Tu sabes.»” deve passar a constar da factualidade não provada.
Em sede de alegações, como meios de prova, indica as suas declarações de parte e os depoimentos das testemunhas EE e DD (referindo os minutos do excerto das mesmas tidos por relevantes, procedendo à respetiva transcrição).
Procedemos à leitura dos mesmos excertos e não chegamos a uma convicção diversa da do Tribunal a quo.
Na motivação da sentença, a este respeito consta:
“O mencionado em 8) no sentido da resposta do R : “Sendo assim vais embora não preciso mais de ti.”, foi confirmado pelo A, e encontra adesão de prova na missiva remetida no dia seguinte pelo A ao R, e ainda no facto das testemunhas PP e KK terem confirmado ter acompanhado o A no dia subsequente às instalações da 2ª R e terem presenciado a conversa entre ambos, da qual decorria que o R teria despedido o A, em dia anterior, o que estas testemunhas descreveram circunstanciadamente (quanto ao local, pessoas presentes e modo como decorreu a conversa) e de modo em tudo coincidente com o relatado pelo A e até pelo R, com exceção da parte que este não admitiu ter referido, sendo que o próprio R afirmou que estas pessoas estiveram no local e até confirmou a demais conversa.
Acresce que há acordo das partes quanto ao facto de haver um problema naquela altura por causa do A usar veículo da empresa e estar a sair mais cedo o que provocava constrangimento aos trabalhadores da R por ele transportados, factos que foram igualmente confirmados pela testemunha EE, DD, e NN – pelo que se teve como provada a matéria dos pontos 18) a 21).
Por fim, ainda a esse propósito, dir-se-á que o A remeteu a carta de fls. 20 verso, datada de 24/6/2020, mas remetida pelo seguro do correio a 26/6/2020, ao R, no qual já alegava ter sido despedido sem justa causa, o que corrobora a versão do A e das testemunhas PP e KK. Dir-se-á ainda que resulta do despacho final do inquérito n.º 81/20.0 GCAMT, junto a fls. 330, que o R terá denunciado os factos que constituem a causa de pedir destes autos, sendo que se conclui da análise do expediente desses autos de inquérito de fls. 63 v e ss, que a denúncia terá sido realizada a 26/6/2020, ou seja, no dia subsequente ao A se ter deslocado à pichelaria com as testemunhas PP e KK. O que pode ter justificação nessa deslocação do A acompanhada por testemunhas e na conversa por estas presenciada.
Note-se que as testemunhas EE e DD afirmaram estar presentes aquando da conversa tida entre A e R dia 23 de Junho, mas tal foi negado pelo A de forma peremptória. Não se pode descurar que as referidas testemunhas têm relação de grande proximidade com o R – pois que o primeiro é seu empregado e o segundo é seu pai -, tendo estas testemunhas tentado fazer crer que o A é que se aborreceu com o facto de o R o estar a chamar a atenção por causa do carro de serviço e ter abandonado o local com os seus haveres, por sua iniciativa. Como já atrás e disse estes depoimentos não nos mereceram credibilidade, nesta parte, o mesmo sucedendo com as declarações do R..”
A matéria “conversa na sequência da qual abandonou o local de trabalho”, é matéria conclusiva, já que nada é referido sobre o modo e circunstâncias como o Autor o teria feito, se levou coisas suas, se se despediu de alguém, ou seja que comportamentos teve aquando da sua saída.
Como o Réu/Apelante conclui, não concorda o mesmo com a apreciação da prova que foi feita pelo Tribunal recorrido.
Acompanhamos a ponderação feita na motivação da sentença relativamente a todos os meios de prova, produzidos a este respeito, valorizando as declarações do Autor e bem assim quanto às fragilidades aí consignadas relativamente às testemunhas EE e DD, a que acresce dizer que EE era um dos colegas do Autor que chegou a ser transportado por este, sendo que o transporte de colegas esteve na base do desentendimento surgido, referenciando essa testemunha isso mesmo, no seu depoimento “não é, ele chegar à hora e ir embora às horas que queria e não dizia nem dava satisfações, ele tinha o dever de chegar ao fim do dia e levar-me a mim e a outros que estivessem lá (…)” .
Aliás, não consideramos que razões de experiência afastem a credibilidade das testemunhas KK e LL, no que pelas mesmas foi relatado terem ouvido do Réu Apelante na conversa a que assistiram entre este último e o Autor, nem a versão trazida aos autos pelo Autor, a respeito das circunstâncias em que foi despedido ou que ao invés, ainda das mesmas regras resulta a versão de abandono do local de trabalho trazida pelo Réu/Apelante aos autos.
Por outro lado, o facto de não terem estado presentes no dia 23 de Junho de 2020 não obsta á credibilidade que merecem tais testemunhas para ser dado como provado o sucedido no dia 25 de Junho de 2020.
De resto, não se estranha o facto de o Recorrido se ter feito acompanhar das testemunhas KK e PP, sem qualquer outra explicação para esse facto que não fosse presenciar a conversa entre si e o Réu/Apelante.
Improcede também nesta parte a pretensão do Réu/Apelante.
E) Concluiu por último o Apelante que o ponto 13 dos factos provados foi incorretamente julgado.
É este o teor do mesmo item:
- A gozou 15 dias úteis de férias em Agosto de 2019.
Ainda que o mesmo item deve passar a ter a seguinte redação:
“O A gozou os seguintes dias de férias:
- Ano de 2018: dois dias úteis férias (véspera de Natal e véspera de Ano Novo);
- Ano de 2019: dezanove dias úteis (dia de Carnaval, segunda-feira de Páscoa, 15 dias em Agosto, véspera de Natal e véspera de ano novo);
- Ano de 2020: Carnaval e a segunda-feira de Páscoa.”
Indica o depoimento da testemunha NN, referenciando os minutos da gravação onde ficaram registados os excertos tidos por relevantes e procedendo à respetiva transcrição.
Procedemos à leitura dos mesmos excertos.
O Tribunal a quo consignou na motivação que a factualidade em causa resultou do acordo entre as partes.
Nada em contrário é alegado pelo Réu/Apelante.
De resto, o que foi afirmado pela testemunha NN é que tinham direito a esses quinze dias [quinze dias de férias], referenciando datas em que não trabalhavam “véspera de natal (…) véspera de ano novo (…) tínhamos o Carnaval e inclusive às vezes fazíamos ponte, tínhamos a segunda feira de páscoa (…) e depois alguns dias que fosse necessário faltar para ir algum médico, alguma coisa (…)”, daqui não se aferindo que se tratava de dias de férias gozados por todos os funcionários da Ré sociedade, onde se incluía o Recorrido.
Improcede nesta parte a pretensão do Réu/Apelante.
Analisaremos agora a impugnação da matéria de facto efetuadas no recurso do Autor.
D) Começa por concluir o Autor Apelante que o tribunal a quo efetuou uma errónea apreciação da prova produzida e ainda:
- devia ao invés do que fez, ter dado como provado no ponto 6 dos factos provados, que o A. Recorrente trabalhava de 2ª a 6ª-feira das 7:30 h às 19:00 h com intervalo para almoço de 1 hora, a isso o brigava toda a prova produzida entre a qual os depoimentos referidos supra.
Em sede de alegações alude aos depoimentos das testemunhas KK, LL, II, MM JJ, NN, procedendo à transcrição de excertos dos respetivos depoimentos, indicando os minutos em que ficaram registados.
Procedemos à leitura dos excertos desses mesmos depoimentos.
Não chegamos a uma convicção diversa.
A testemunha KK afirmou é certo “O horário era das sete às sete e às vezes até mais” mas também que o disse assim “Porque ele me dizia”.
A testemunha PP afirmou “é assim, ere era nós sabíamos tínhamos de lá estar às 7 e normalmente era das 7 às 7, mas pronto como o BB mais de verão que de inverno tinha que vir mais cedo porque não conseguia ver…” e também que o disse assim “Porque era o horário que nós fazíamos”.
A testemunha II afirmou “…daquilo que ele me transmitia era que tinha um horário das 7 às 7…”.
A testemunha MM afirmou “7,7” e “às 7 da manhã estávamos lá todos e só saíamos todos de lá depois das carrinhas chegar do trabalho das obras e sempre pela volta das 7 horas”.
A testemunha JJ reportou-se a uma abordagem ao final do dia por volta das 6 e a um encontro com o Autor às 7.30 da manhã, no campo, onde o Autor já estava à espera.
A testemunha NN afirmou que o Autor “poderia chegar 7:15, 7:20” “toda a gente chega a essa hora”.
Nas contra-alegações o Réu/Recorrido, procede à uma leitura daqueles excertos que temos como correta e por isso se transcreve:
“No entender do Recorrente, o Tribunal Recorrido devia ter dado como provado que “O A trabalhava de 2ª a 6ª-feira das 7.30 h às 19.00, com intervalo para almoço de 1 h”.
O Recorrente fundamenta a sua pretensão nos depoimentos prestados pelas Testemunhas KK, LL, II, MM, JJ e NN, cujas declarações, apesar de omitir qualquer referência a eles nas conclusões do recurso.
Começando pelo último dos referidos depoimentos – NN – e como facilmente se depreende da transcrição operada pelo Recorrente, em momento algum do período de inquirição indicado pelo Recorrente a referida Testemunha menciona qual é o horário de trabalho do Recorrente, limitando-se a afirmar que este chegava às instalações da Recorrida por volta das 7h15, 7h20.
Aliás, tal não esbarra com a alteração factual pretendida pelo Recorrente, porquanto entende que se deu como provado que o Recorrente começaria a jornada laboral às 7h30. Já quanto ao horário de saída, a única referência que é operada no depoimento transcrito prende-se com o horário que a Testemunha alega que fechava as instalações da Recorrida, como bem se alcança quando esta diz “abro por volta das 7:10, 7:15 dependendo, depende mas por essa hora e fechar 18:45, 19:00, por aí”, o que, evidentemente, em nada tem que ver tal afirmação com o horário de trabalho praticado pelo Recorrente.
Quanto ao depoimento da Testemunha JJ, não se entende, salvo o devido respeito, o interesse da transcrição operada pelo Recorrente, porquanto o aí transcrito em nada esbarra com o sentenciado pelo Tribunal Recorrido, pois as referências temporais que a mesma faz estão compreendias naquilo que o Tribunal Recorrido entendeu ser o horário de trabalho do Recorrente.
Por seu turno, a Testemunha MM, e, uma vez mais, como decorre do excerto apresentado pelo Recorrente, afirma não saber qual era o horário de trabalho do Recorrente (“Agora assim de repente não estou a ver”).
Em boa verdade, aquilo que a Testemunha afirmou foi que o Recorrente chegou a transportar trabalhadores da Recorrida, pelos motivos explanados nos pontos 18. a 20. Da factualidade provada.
Porém, não só tal matéria não é posta em crise pelo Recorrente, como da mesma não decorre que fosse esse o horário de trabalho praticado pelo Recorrente.
Já as Testemunhas II e KK limitam-se a dizer que o Recorrido trabalhava das 7h-19h, porque era o horário que o mesmo lhe transmitia que praticava, estando bom de ver a credibilidade que merecem tais afirmações.
Por fim, mas não menos importante, a Testemunha LL também não corrobora a tese defendida pelo Recorrente, pois, em boa verdade, acaba por afirmar que tal horário era “mais de verão que de inverno”, acabando desta forma por deitar por terra a malograda tese do Recorrido.
Por outro lado, pretende ainda o Recorrente ver espelhado na factualidade provada que o seu período de almoço era de apenas 1h.
Todavia, a verdade é que não elenca uma única testemunha que o tenha atestado, como se pode extrair dos depoimentos transcritos nas alegações de recurso.”
Para além disso, o Réu/Recorrido transcreve excertos das suas declarações e dos depoimentos das testemunhas NN e EE para justificar a alteração que também em sede do respetivo recurso pretendeu quanto à matéria do item 6 dos factos provados, pretensão que se deixou já retirada.
Aliás valem aqui as considerações supra efetuadas quanto à impugnação da matéria de facto do Apelante, a propósito da impugnação da matéria do ponto 6 dos factos provados.
Improcede assim também nesta parte a pretensão do Autor/Apelante.
E) Mais concluiu o Autor Apelante:
O tribunal a quo não podia ter dado como provado o factualismo constante dos pontos 14. a 17. da sentença recorrida, sob pena de contradição insanável com a matéria do ponto 12 dos factos provados.
- Os RR. reconheceram como verdadeiros tais valores, tendo confessado os mesmos no artigo 22º da sua douta contestação.
É este o teor dos mesmos pontos:
- No ano de 2018 a 2ª R pagou ao A:
a. € 580 de salário base;
b. € 101,20 de subsídio de alimentação (:22 dias), à razão de € 4,6;
c. Proporcionais de subsídio de férias: € 48,33;
d. Proporcionais de subsídio de Natal: € 48,33;
- No ano de 2019 a 2ª R pagou ao A:
a. € 600 de salário base;
b. € 101,20 de subsídio de alimentação (:22 dias), ), à razão de € 4,6;
c. Proporcionais de subsídio de férias: € 50;
d. Proporcionais de subsídio de Natal: € 50;
- No ano de 2020 a 2ª R pagou ao A:
a. € 635 de salário base;
b. € 101,20 de subsídio de alimentação (:22 dias), à razão de € 4,6;
c. Proporcionais de subsídio de férias: € 52,92;
d. Proporcionais de subsídio de Natal: € 52,92;
- O A trabalhou, pelo menos:
a. Em Outubro de 2018: 7 dias úteis;
b. Em Novembro e Dezembro de 2018, Janeiro a Julho de 2019: 22 dias úteis;
c. Em Agosto, Outubro, Novembro de 2019 trabalhou, pelo menos, 12 dias úteis;
d. Em Setembro e Dezembro de 2019, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio de 2020, trabalhou, pelo menos, 17 dias úteis;
e. Em Junho de 2020 trabalhou 17 dias úteis.
Concluiu, a este respeito, ainda o Autor que deveria ter sido dado como assente:
- no ponto 14. que no ano de 2018 os RR. pagaram ao A. Recorrente as seguintes importâncias:
Mês/Ano Vencimento Base Valor pago Dif trab Suplementar
nov/2018 676,66 € 800,00 € 123,34 €
dez/2018 676,66 € 850,00 € 173,34 €
Total pago a título trabalho suplementar 296,68 €
– No ano de 2019 os RR. pagaram ao A. Recorrente as seguintes importâncias:
Mês/Ano Vencimento Base Valor pago Dif trab Suplementar
jan/2019 720,00 € 950,00 € 230,00 €
fev/2019 720,00 € 850,00 € 130,00 €
mar/2019 720,00 € 900,00 € 180,00 €
abr/2019 720,00 € 919,18 € 199,18 €
mai/2019 720,00 € 900,00 € 180,00 €
jun/2019 720,00 € 900,00 € 180,00 €
jul/2019 720,00 € 900,00 € 180,00 €
ago/2019 720,00 € 900,00 € 180,00 €
set/2019 720,00 € 850,00 € 130,00 €
out/2019 720,00 € 850,00 € 130,00 €
nov/2019 720,00 € 1 150,00 € 430,00 €
dez/2019 720,00 € 850,00 € 130,00 €
Total pago a título trabalho suplementar 2 279,18 €
– No ano de 2020 os RR. pagaram ao A. Recorrente as seguintes importâncias:
Mês/Ano Vencimento Base Valor pago Dif trab Suplementar
jan/2020 762,00 € 900,00 € 138,00 €
fev/2020 762,00 € 950,00 € 188,00 €
mar/2020 762,00 € 850,00 € 88,00 €
abr/2020 762,00 € 950,00 € 188,00 €
mai/2020 762,00 € 950,00 € 188,00 €
jun/2020 762,00 € - € - €
Total pago a título trabalho suplementar 790,00 €
- Conclui ainda o Autor/Apelante que o tribunal deveria ter dado como provada a matéria da alínea d) dos factos não provados.
É este o teor da mesma alínea:
- A e RR acordaram que àquele era devida por estes a remuneração mensal ilíquida, no ano de 2018, de 667,66€, no ano de 2019 de 720,00€ e no ano de 2020 de 760,00€.
– A isso obrigava toda a prova produzida, nomeadamente a documental junta pelo Autor Recorrente.
Em sede de alegações, alegou ainda o Autor/Apelante, a respeito da matéria dos pontos 14 a 17:
“O tribunal a quo ao contrário do que fez, não podia ter dado como assente o factualismo dado como provado nos pontos 14. a 17. da sentença recorrida. O tribunal a quo fundamenta a sua decisão exclusivamente pelos recibos de vencimento que a 2ª R. juntou aos autos. Cabe salientar que tais recibos, foram impugnados pelo A., no seu requerimento efetuado aos autos no dia 30/11/2020, com a Refª 37315335. Na verdade, não se encontravam assinados pelo A. Recorrente nem eram sequer do seu conhecimento. Devia o tribunal a quo ter considerado tal impugnação e ter julgado tendo até em consideração, a decisão sobre o incidente de falsidade de outros documentos juntos pelos RR. em que se atribuíam assinaturas ao A. Recorrente que afinal este não tinha feito. O A. Recorrente, peticiona no presente processo quantias relativas a direitos indisponíveis e os RR. não juntaram aos autos, quaisquer comprovativos de que os tinham pago.”
Ainda em sede de alegações, indica o Autor Apelante os depoimentos das testemunhas LL e MM, procedendo à transcrição de excertos dos respetivos depoimentos, indicando os minutos em que ficaram registados.
A este respeito, refere o Réu/Recorrido, nas respetivas contra-alegações:
“Não corresponde à verdade que o Tribunal tenha fundamentado a sua decisão unicamente nos recibos de vencimento juntos pela Recorrida, na medida em que dos autos constam outros documentos que serviram para formar a convicção do Tribunal.
Desde logo, é o próprio Recorrente que na respetiva Petição Inicial junta, sob os documentos números 2 a 23, extratos da sua carreira contributiva junto da Segurança Social com vista à prova do valor da sua retribuição, e ainda vários cheques emitidos pela Recorrida ao Recorrente, comprovativos dos pagamentos que lhe eram feitos mensalmente.
Também o Recorrido e a Ré sociedade procederam à junção aos autos de vários documentos, através do requerimento endereçado aos autos em 27-05-2021, com a referência eletrónica 39012942, que foram considerados pelo Tribunal, designadamente: todos os cheques pagos pela Recorrida ao Recorrente nos anos de 2019 e 2020 (doc. n.º 15), valores cujo recebimento foi confessado pelo Recorrente no art.º 26.º da respetiva Petição Inicial na coluna “valor pago”; e as declarações de remuneração apresentadas mensalmente pela Recorrida junto da Segurança Social, as quais se mostram em consonância com os recibos de vencimento juntos aos autos, no período compreendido entre o mês de Outubro de 2018 e o mês de Junho de 2020 (doc. n.º 16 a 36).
Ora, de acordo com os códigos da natureza da remuneração atribuídos pela Segurança Social (Despacho N.º 2-I/SESS/2011), fica claramente demonstrado que a Recorrida pagava mensalmente ao Recorrente a remuneração base (P) e os proporcionais de subsídio de férias (F) e de natal (N).
Em face do exposto, bem andou o Tribunal Recorrido na análise do computo da prova produzida e carreada para os autos, não merecendo qualquer censura a factualidade aí dada como provada nos pontos 14. a 17. da matéria de facto provada.”
Cumpre decidir:
Procedemos à leitura dos excertos dos depoimentos transcritos pelo Autor/Apelante, nada resulta a propósito da matéria da alínea d) dos factos não provados que o mesmo pretende seja dada como assente.
Por outro lado, o Autor/Apelante nada refere relativamente aos demais documentos dos autos, referenciados pelo Réu/Recorrido nas respetivas contra-alegações, nomeadamente das declarações de remuneração apresentadas mensalmente pela Recorrida junto da Segurança Social.
Ora, o facto das assinaturas constantes dos documentos de fls. 311 a 314 não terem sido escritas pelo punho do Autor, como resultou assente, não significa que o tribunal a quo não possa fundamentar a respetiva convicção com base noutros recibos – ainda que não assinados -, tanto mais se, como alega o Réu/Recorrido, as declarações de remuneração apresentadas mensalmente pela Recorrida junto da Segurança Social se mostram em consonância com os recibos de vencimento juntos aos autos, no período compreendido entre o mês de Outubro de 2018 e o mês de Junho de 2020.
Acresce dizer que na contestação das RR (artigo 22º) foi tão só alegado que corresponde à verdade terem sido pagos ao Autor os valores discriminados no artigo 26º da petição inicial, desde o mês de Outubro de 2018 até ao mês de Maio de 2020.
Como referido pelo Réu/Recorrido, nas respetivas contra-alegações:
“Como bem se depreende da alegação feita pelos Recorridos, aquilo que estes reconheceram foi o “valor pago” pela Ré sociedade ao Recorrente, e já não o “vencimento base” aí enunciado, até porque no art.º 8.º da Contestação é alegado que a Ré sociedade admitiu o Recorrente “mediante uma retribuição mensal equivalente ao ordenado mínimo nacional, acrescida do subsídio de férias e de Natal”, factualismo melhor concretizado no art.º 21.º daquele articulado.”
Importa ainda dizer:
O que de resto ficou assente no item 12 dos factos provados, foi o valor pago a título de trabalho suplementar: “O 1º R. pagou ao Autor, a título de trabalho suplementar as seguintes quantias, num total de 3.365,86€ (…)”.
Já nos itens 14, 15 e 16, ficou consignado o que a 2ªRé pagou ao Autor, a título de salário base, subsídio de alimentação, proporcionais de subsídio de férias e proporcionais de subsídio de natal, nos anos de 2018, 2019 e 2020 e no item 17, os dias úteis que o Autor trabalhou em Outubro de 2018, Novembro, Dezembro de 2018, Janeiro a Julho de 2019, Agosto, Outubro, Novembro de 2019, Setembro e Dezembro de 2019, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio de 2020 e Junho de 2020.
Não se vislumbra a contradição invocada.
Improcede assim nesta parte a pretensão do Autor.
Ainda assim, ao abrigo dos poderes oficiosos, contemplados no artigo 662º, nº 2, al. c) do Código de Processo Civil, decide-se retirar as duas colunas “Vencimento Base” e “Valor pago” do ponto 12. Dos factos provados, já que, neste último, como referido, ficou assente o valor pago a título de trabalho suplementar.

F) Conclui ainda o Autor/Apelante que deveria ter sido dado como provado o factualismo constante dos artigos 30º, 32º e 42º da petição inicial.
É este o teor dos mesmos artigos de tal articulado:
- Durante o tempo em que perdurou o contrato de trabalho em causa nos autos, jamais o A. recebeu qualquer importância a título de subsídio de férias,
- Durante o tempo em que perdurou o contrato de trabalho em causa nos autos, jamais o A. recebeu importância a título de subsídio de natal,
- Durante o tempo em que perdurou o contrato de trabalho em causa nos autos, jamais o A. recebeu qualquer importância a título de subsídio de alimentação.
Mais conclui o Autor Apelante:
- não pode o tribunal a quo dizer que o A. Recorrente recebeu subsídio de alimentação e duodécimos de subsídio de férias e de subsídio de natal e depois contabilizar como trabalho suplementar recebido pelo A. Recorrente a totalidade do diferencial entre as importâncias recebidas e a remuneração base do A. Recorrente como pagas por conta do trabalho prestado.
- os RR não efetuaram qualquer prova quanto à realização de tais pagamentos, a título de subsídio de alimentação, subsídio de férias e subsídio de Natal, assim como não efetuaram qualquer prova que pagaram o trabalho suplementar prestado, para além dos 3.365,86.
Temos como bastante o que a este respeito contra-alegou o Réu/Recorrido:
“Ultrapassada que se crê estar a questão do pagamento do subsídio de alimentação, subsídio de férias e de natal, é também lacunoso o raciocínio operado pelo Recorrente quanto ao trabalho suplementar pago, porquanto o Tribunal Recorrido limitou-se a dar como provado que o Recorrente recebeu a título de trabalho suplementar a quantia de 3.365,86€ porque este assim o alegou, ao passo que os Recorridos alegaram que todo o trabalho suplementar prestado pelo Recorrido foi pago.” (sublinhado nosso)
Improcede assim nesta parte a pretensão do Autor.

G) Finalmente concluiu o Autor Apelante que o tribunal a quo devia ter dado como provado que jamais o 1º R. efetuou qualquer registo de assiduidade do A. Recorrente ou afixou qualquer mapa de férias relativo a este.
Em sede de alegações indicou o depoimento das testemunhas LL e MM, procedendo à transcrição de excertos dos respetivos depoimentos, indicando os minutos em que ficaram registados.
Procedemos à leitura dos excertos desses mesmos depoimentos.
Não foi objeto de impugnação a decisão de facto no segmento em que considerou não provado que durante o tempo em que perdurou o contrato de trabalho em causa nos autos, jamais o 1º Réu afixou o mapa de férias ou permitiu que a A. gozasse qualquer período de férias (alínea a) dos factos não provados). E ficou provado no ponto 13. dos factos provados que o Recorrente não impugna, os dias de férias por si gozados em Agosto de 2019.
Assim a matéria que o Autor/Apelante pretende seja dada como provada – jamais afixou qualquer mapa de férias - é contraditória com esse segmento da decisão de facto.
Quanto à restante matéria - jamais o 1º R. efetuou qualquer registo de assiduidade do A. Recorrente – não é possível aferir tal dos excertos dos depoimentos lidos, já que ambas as testemunhas se limitam a referir sobre se havia alguma forma de controlar a hora de entrada e saída “ai não não” e que não havia registo das horas que trabalhavam a mais “das horas não”.
Quanto ao alegado pelo Réu/Recorrido alegou no sentido de que “Contrariamente ao alegado pelo Recorrente, este não fez prova de que prestou trabalho suplementar de valor superior ao que admitiu ter-lhe sido pago pela Ré sociedade e nem sequer fez prova do valor da retribuição que alega ter acordado com o Recorrido.”, consigna-se apenas que é em sede de direito que importará aferir se o Autor fez prova do trabalho suplementar alegadamente prestado.
Improcede assim nesta parte a pretensão do Autor.

2.2. Fundamentação de direito:
2.2.1. Recurso do Réu/Apelante:
Começa o Ré/Apelante por questionar o segmento decisório onde na sentença ficou afirmado que sucede subordinação jurídica do Recorrido em relação ao Recorrente e, em simultâneo, à Ré sociedade.
Na sentença lê-se a este respeito:
“Preceituam os artigos 1152º do Código Civil e art.º 11.º do Código do Trabalho que contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.
Face a esta definição, e à matéria dada por provada nos pontos 3) a 6), afigura-se evidente que entre o autor e o 1º R se celebrou um contrato de trabalho verbal e que visava sobretudo o exercício de funções na exploração de agropecuária do R, mas também para a 2ª R.
Nos termos do art.º 101º CT, poderia equacionar-se a hipótese de o A ter pluralidade de empregadores. Porém, o contrato não foi sujeito a forma escrita o que é pacificamente aceite como formalidade “ad substantiam”, nem foram observados os demais requisitos estatuídos naquele preceito, pelo que se terá de entender que entender que o empregador do A é o 1º R, que ele também escolheu, nos termos do art.º 101º, n.º 5 CT.”
Conclui o Réu /Apelante a este respeito:
- o caso dos autos não integra nenhuma das situações previstas no artigo 101º, nº 5 do CT, porquanto, da matéria de facto provada não resulta que o Réu/Recorrente e a Ré sociedade integrem uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nem têm uma estrutura organizativa comum, ou seja, que se servissem das mesmas instalações, dos mesmos equipamentos, das mesmas viaturas e telefones. São entidades que não estão formalmente ligadas entre si, com atividades completamente distintas e sem relação entre si, sendo que o armazém de apoio à atividade da Ré sociedade é totalmente independente da vacaria do Réu/Recorrente e entre eles há uma distância de cerca de 20 metros.
- da prova produzida e mesmo da matéria de facto provada também não resulta a subordinação jurídica do Recorrido em relação ao Recorrente e, em simultâneo, à Ré sociedade e, muito menos, que o Recorrido tenha escolhido o Recorrente como sendo a sua entidade empregadora. Na sua petição inicial e ao longo de todo o processo, o Recorrido afirma que a sua entidade patronal é o Recorrido, tendo-se limitado a deduzir um pedido subsidiário contra a Ré sociedade, apenas para a eventualidade de o Tribunal entender que a sua entidade patronal não era o Recorrente, mas sim a Ré sociedade.
Vejamos:
Sob a epígrafe «Pluralidade de empregadores», estipula o artigo 101º do Código do Trabalho:
«1 - O trabalhador pode obrigar-se a prestar trabalho a vários empregadores entre os quais exista uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou que tenham estruturas organizativas comuns.
2 - O contrato de trabalho com pluralidade de empregadores está sujeito a forma escrita e deve conter:
a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
b) Indicação da actividade do trabalhador, do local e do período normal de trabalho;
c) Indicação do empregador que representa os demais no cumprimento dos deveres e no exercício dos direitos emergentes do contrato de trabalho.
3 - Os empregadores são solidariamente responsáveis pelo cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho, cujo credor seja o trabalhador ou terceiro.
4 - Cessando a situação referida no n.º 1, considera-se que o trabalhador fica apenas vinculado ao empregador a que se refere a alínea c) do n.º 2, salvo acordo em contrário.
5 - A violação de requisitos indicados nos n.os 1 ou 2 confere ao trabalhador o direito de optar pelo empregador ao qual fica vinculado.
6 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 1 ou 2, sendo responsáveis pela mesma todos os empregadores, os quais são representados para este efeito por aquele a que se refere a alínea c) do n.º 2.»
Seguindo de perto o Acórdão desta secção de 13.05.2019 (Relator Desembargadora Paula Leal de Carvalho, aqui 2ª Adjunta, in www.dgsi.pt):
«(…) a questão da existência de contrato de trabalho é umas das questões de maior melindre e que mais dúvidas suscita na sua aplicação prática, tanto mais tendo em conta as diversas formas como, atualmente, se vão desenvolvendo essas relações em que, não raras vezes, ténue se poderá mostrar a fronteira entre aquele tipo contratual e outras formas que poderão revestir as relações profissionais entre as partes.
Por isso, e perante a dificuldade da determinação do tipo contratual através do método subsuntivo, têm sido, pela doutrina e jurisprudência, apontados diversos elementos adjuvantes e indiciários – internos e externos - da caracterização do contrato de trabalho, designadamente da subordinação jurídica (método indiciário).
Assim, como indícios internos, apontam-se usualmente: a natureza da atividade concretamente desenvolvida; o carácter duradouro da prestação; o local da prestação da atividade (em estabelecimento do empregador ou em local por este indicado); a propriedade dos instrumentos utilizados (em regra pertencentes ao empregador); a existência de horário de trabalho; a necessidade de justificação de faltas; a existência de gozo de férias e o regime de marcação das mesmas; a remuneração determinada pelo tempo de trabalho; o exercício da atividade por si e não por intermédio de outras pessoas; o risco do exercício da atividade por conta do empregador; a inserção do trabalhador na organização produtiva do dador de trabalho; o exercício do poder disciplinar; o pagamento de subsídios de férias e de Natal; o nomen juris atribuído pelas partes.
Como indícios externos, são designadamente apontados: a exclusividade da prestação da atividade por conta do empregador e consequente dependência da retribuição por este paga (subordinação económica); a inscrição nas Finanças e na Segurança Social como trabalhador dependente; a filiação sindical.
Importa, no entanto, ter presente que sendo a subordinação jurídica elemento essencial do contrato de trabalho e da sua distinção de outras figuras afins, os referidos fatores indiciários, individualmente considerados, assumem peso relativo, devendo, perante o concreto circunstancialismo de cada caso, serem apreciados e sopesados de forma global.»
No caso em apreço, na sentença recorrida considerou-se que o Autor e ambos os Réus estavam vinculados por um contrato de trabalho.
Não é colocado em causa tal vínculo contratual, entre o Autor e a Ré sociedade co-Réu D…, discutindo-se apenas a existência de um contrato de trabalho, também, entre o Autor e o Réu/Recorrente.
A este respeito ficou provado:
- O 1º Réu dedica-se à atividade de produção animal e vacarias, com o código de exploração nº BK06Z.
- A 2ª Ré, é uma sociedade Unipessoal da qual é único sócio e gerente o 1º Réu, que se dedica à atividade de instalação de canalização e prestação de serviços pichelaria.
- AA admitiu verbalmente o Autor para trabalhar na vacaria e também no armazém de pichelaria contiguo, armazém este que é pertença da 2ª R, em 23 de outubro de 2018, sendo o armazém e a vacaria sitos na Rua ..., lugar ..., ... ....
- Quando trabalhava na exploração da vacaria, constituída por vacas da raça arouquesa, o Autor executava, pelo menos, as seguintes tarefas: maneio do efetivo pecuário; preparava e ministrava a alimentação aos animais, tendo em conta o programa alimentar definido para cada fase do ciclo da vida; assegurava a limpeza e manutenção das instalações e dos equipamentos e o controlo do seu estado, utilizando os meios colocados à sua disposição; executava tarefas ligadas à sanidade animal, de acordo com o maneio profilático estabelecido e seguindo as instruções do médico veterinário; executava tarefas ligadas ao maneio reprodutivo dos animais, de acordo com o plano de reprodução, as características das espécies e as instruções do médico veterinário; procedia a, pelo menos, algumas operações culturais relacionadas com a manutenção e instalação de culturas forrageiras, prados e pastagens; conduzia, operava e regulava o trator e a máquina Unifeed, em operações culturais e de alimentação dos animais; registava e consultava dados técnicos da atividade.
- Na pichelaria o Autor ajudava a carregar e descarregar veículos, fazia e recebia encomendas de materiais, organizava materiais e peças.
- O 1º Réu pagou ao Autor, a título de trabalho suplementar quantias, num total de 3.365,86 €.
- 14. No ano de 2018 a 2ª R pagou ao A:
a. € 580 de salário base;
b. € 101,20 de subsídio de alimentação (:22 dias), à razão de €4,6;
c. Proporcionais de subsídio de férias: € 48,33;
d. Proporcionais de subsídio de Natal: € 48,33;
15. No ano de 2019 a 2ª R pagou ao A:
a. € 600 de salário base;
b. € 101,20 de subsídio de alimentação (:22 dias), ), à razão de €4,6;
c. Proporcionais de subsídio de férias: € 50;
d. Proporcionais de subsídio de Natal: € 50;
16. No ano de 2020 a 2ª R pagou ao A:
a. €635 de salário base;
b. €101,20 de subsídio de alimentação (:22 dias), à razão de €4,6;
c. Proporcionais de subsídio de férias: € 52,92;
d. Proporcionais de subsídio de Natal: € 52,92;
Resulta desde logo de tal factualidade que a mesma pessoa que contratou o Autor para trabalhar era a que o podia fazer quer para o Réu quer para a Ré, já que o primeiro é o único sócio e gerente desta última.
Ainda que existiu coincidência temporal na contratação quer para o Autor ficar ao serviço do Réu, quer para ficar ao serviço da 2ª Ré.
Realçamos também a proximidade da vacaria do Réu e do armazém de pichelaria da Ré, contiguo aquela, ambos sitos na Rua ..., lugar ..., ... ....
De resto, ficaram bem descritas as funções executadas pelo Autor quer quando trabalhava na exploração da vacaria quer quando trabalhava na pichelaria.
Tal factualidade permite concluir no sentido da existência, entre o Autor e ambos os Réus, de uma relação de trabalho subordinado.
A essa conclusão não obsta ter ficado provado ter sido a Ré a pagar ao Autor as importâncias relativas ao salário base, ao subsídio de alimentação, ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal e de ter ficado provado apenas que pelo Réu foram pagas quantias a título de trabalho suplementar.
Com efeito, a única conclusão que extraímos daí é a de que a retribuição do Autor era, também, suportada pelo Réu/Recorrente.
Ponderando a referida factualidade, na sua globalidade, afigura-se-nos ter o Autor, nos termos do artigo 342º, nº1, do Código Civil, feito prova dos factos integradores da existência, também entre si e o Réu Recorrente, de um contrato de trabalho.
Improcedem, nesta parte, as conclusões do recurso do Réu.
Considerou a Mm.ª Juiz a quo a situação de pluralidade de empregadores mas também, ainda assim que “o contrato não foi sujeito a forma escrita o que é pacificamente aceite como formalidade “ad substantiam”, nem foram observados os demais requisitos estatuídos naquele preceito, pelo que se terá de entender que entender que o empregador do A é o 1º R, que ele também escolheu, nos termos do art.º 101º, n.º 5 CT.”
Entende o Réu Apelante que dos autos não resulta ter o Autor/Recorrido escolhido o Réu/Recorrente como sendo a sua entidade empregadora.
Evidencia o Réu/Apelante que na petição inicial e ao longo de todo o processo, o Autor/Recorrido afirma que a sua entidade patronal é o Recorrido, tendo-se limitado a deduzir um pedido subsidiário contra a Ré sociedade, apenas para a eventualidade de o Tribunal entender que a sua entidade patronal não era o Recorrente, mas sim a Ré sociedade.
A questão não deve ser abordada em termos de escolha feita pelo Autor, a uma opção deste «pelo empregador ao qual fica vinculado.»
Desde logo, aquando da propositura da ação a manutenção do vínculo não foi sequer considerada.
Explicitando com base no que temos como correto e sustentado no parecer pelo Exmo. Procurador Geral Adjunto depois de aí igualmente se afirmar ter ficado provado que o Autor trabalhava efetivamente para ambos os Réus:
“Entende-se (…) que o contrato embora inválido, por não ser reduzido a escrito, deveria produzir efeitos como se válido fosse, enquanto durou – art.º 122º do CT.
A escolha que o A. pode fazer é apenas para efeitos de o contrato de trabalho não cessar e continuar; então o A. pode fazer aquela opção nos termos do art.º 101º, n.º 5 do CT.
Assim, responsáveis pelos créditos a que o A. tem direito, salvo melhor opinião, deveriam ser ambos os RR e não apenas o R. BB (embora na prática se possa pensar ser a mesma coisa).”
Sob a epígrafe «Efeitos sobre a invalidade do contrato de trabalho», dispõe o artigo 122º do Código do Trabalho:
«1-O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado.
(…)».
Porém, ainda que se justificasse a condenação de ambos os Réus como responsáveis pelos créditos a que o Autor tem direito, a alteração, nesta parte, da sentença, encontra-se fora do âmbito de qualquer um dos recursos.
*
Num outro segmento, entende o Réu/Apelante deve ser revogada a sentença recorrida na parte em que considerou que o Recorrido foi despedido ilicitamente pelo Recorrente e o condenou no pagamento ao Recorrido de uma indemnização por cessação do contrato de trabalho (ponto i da sentença).
Em matéria de direito, quanto ao alegado despedimento, lê-se na sentença:
“Preceituam os artigos 1152º do Código Civil e art.º 11.º do Código do Trabalho que contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta
Face a esta definição, e à matéria dada por provada nos pontos 3) a 6), afigura-se evidente que entre o autor e o 1º R se celebrou um contrato de trabalho verbal e que visava sobretudo o exercício de funções na exploração de agropecuária do R, mas também para a 2ª R.
Nos termos do art.º 101º CT, poderia equacionar-se a hipótese de o A ter pluralidade de empregadores. Porém, o contrato não foi sujeito a forma escrita o que é pacificamente aceite como formalidade “ad substantiam”, nem foram observados os demais requisitos estatuídos naquele preceito, pelo que se terá de entender que entender que o empregador do A é o 1º R, que ele também escolheu, nos termos do art.º 101º, n.º 5 CT.
Ficou provado que:
1.No dia 23 de junho de 2020 o A. apresentou-se como sempre no seu local de trabalho, pelas 7.30 horas da manhã, tendo-lhe sido dito pelo 1º R., “Vou-te retirar o transporte da empresa, vais começar a andar com o teu carro, passas às condições iniciais.”, ao que o A. respondeu “Não foi o combinado e não vou andar ao serviço da empresa com o meu carro.”, tendo respondido o 1º R. “Sendo assim vais embora não preciso mais de ti.”.
2. No dia 25 de junho de 2020, o A., deslocou-se ao seu local de trabalho, tendo-se encontrado com o 1º R. tendo existido a seguinte conversa entre ambos:
Questão do Autor:
“Venho buscar os meus direitos por me teres despedido.”
Resposta do 1º R.;:
“Eu vou agendar uma reunião e depois informo-te do dia da reunião.”
Questão do Autor
“Ao menos podias-me dizer qual o motivo para me teres despedido.”
Resposta do 1º R.
“Tu sabes.”
3. No dia 26 de Junho de 2020, o A. remeteu ao 1º R., carta registada datada de 24 de Junho de 2020, que este recebeu em 29 do mesmo mês, onde se podia ler: “ ... Tendo eu entrado ao serviço da Vacaria de V. Exa., no dia 1 de novembro de 2018, com as funções de encarregado, atualmente com uma remuneração mensal líquida de 1.400,00 €, venho pela presente, e na sequência do despedimento efetuado, por V. Exa., ontem dia 23 do corrente mês, sem justa causa, solicitar que proceda à liquidação e pagamento de todos os meus créditos laborais vencidos até a presente data, bem como, que me envie o competente modelo 5044 e o certificado de trabalho.”
4. Em resposta à carta atrás referida, o A. recebeu da 2ª R., em 6/7/2020, carta na qual se podia ler: “... Em resposta à carta de V. Ex.a do dia 24 de junho de 2020, informamos que está na situação de “Falta por Abandono do Posto de Trabalho Injustificadamente” desde o dia 23 de junho de 2020. Esta firma não lhe comunicou verbalmente ou por escrito qualquer despedimento encontrando-se o lugar à disposição. Por tal razão, a invocação na sua carta de que foi despedido sem justa causa, não tem fundamento.
Com os melhores cumprimentos.”
Tal factualidade consubstancia, na prática, um despedimento ilícito do A por banda do 1ª R, porque não precedido de qualquer procedimento legal.
Assim, nos termos do disposto nos artigos 381.º, al. c) do Código do Trabalho e 98.º-J/3 do Código de Processo do Trabalho, declara-se a ilicitude do despedimento de que o trabalhador ora A foi alvo.”
Vejamos:
Lê-se no acórdão desta Relação de 30.05.2018 (Relator Desembargador Jerónimo de Freitas, in www.dgsi.pt), com a referência ao “atual art.º 387.º do Código do Trabalho revisto (2009), aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. Assim, no que aqui importa, dispõe este artigo o seguinte:
[1] A regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial.
[2] O trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da receção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior, exceto no caso previsto no artigo seguinte.
[3] (..)
[4] (..)
A norma contida no n.º2, veio, assim, introduzir alterações substanciais relativamente ao anterior regime de impugnação do despedimento ilícito, constante do 435.º n.2, do CT/2003. Por um lado, apontando no sentido de um novo meio para exercer o direito de oposição ao despedimento, agora meramente dependente da apresentação de “requerimento em formulário próprio”; e, por outro, estabelecendo um novo prazo (e substancialmente inferior) para o exercício do direito, ou seja, de 60 dias.
Acontece, porém, que inexistindo o meio processual adequado, para dar resposta ao direito substantivo era necessário alterar o Código de Processo do Trabalho, criando uma forma de processo que se iniciasse com a mera apresentação de requerimento em formulário próprio, nos termos inovadores previstos no n.º2, do art.º 387.º, do CT/2009.
Justamente por isso, a entrada em vigor do art.º 387.º, ficou dependente da “(..) data de início de vigência da legislação que proceda à revisão do Código de Processo do Trabalho” [art.º 14.º da Lei n.º 7/2009], o que viria a concretizar-se em 1 de Janeiro de 2010 [art.º 9.º, do Decreto-Lei n.º 295/2009, que procedeu à revisão do CPT].
Em consonância, no que respeita ao art.º 435.º do CT/2003, o art.º 12.º, no seu n.º 5, da Lei 7/2009, retardou os efeitos da revogação, fazendo-a coincidir com a futura entrada em vigor do art.º 387.º, ou seja, para produzir “efeitos a partir da entrada em vigor da revisão do Código de Processo de Trabalho”.
Assim, a 1 de Janeiro de 2010, com a entrada em vigor o Código de Processo de Trabalho revisto, operou-se a revogação do art.º 435.º do CT 03, e na mesma data entrou em vigor o art.º 387.º do CT 09 (revisto).
Dos n.ºs 1 e 2, do art.º 378.º do CT, resulta que a regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial, podendo o trabalhador opor-se ao despedimento mediante a apresentação de requerimento em formulário próprio, no prazo de 60 dias contados da receção da comunicação ou da data da cessação do contrato, se posterior.
Nesse quadro, à partida, poderia crer-se ser propósito do legislador sujeitar a apreciação da regularidade e licitude de todos os despedimentos individuais à nova ação que viesse a possibilitar ao trabalhador a impugnação judicial, mediante a mera “apresentação de requerimento em formulário próprio, no prazo de sessenta dias (..)”. Na verdade, se bem atentarmos no n.º2, do art.º 387.º, não resulta daí qualquer distinção entre despedimentos, isto é, quer tenha sido observado o procedimento próprio quer não, e indiferentemente da forma de comunicação ao trabalhador.
Porém, como se sabe, não foi esse o caminho seguido. Revisto o Código de Processo do Trabalho, foi então introduzida a nova ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, processo especial regulado nos artigos 98.º B a 98.º P, a propósito da qual, procurando tornar claras as razões que levaram à solução consagrada, o legislador proclama na exposição de motivos (do DL 295/2009) o seguinte:
- «Para tornar exequíveis as modificações introduzidas nas relações laborais com o regime substantivo introduzido pelo CT, prosseguindo a reforma do direito laboral substantivo, no seguimento do proposto pelo Livro Branco sobre as Relações Laborais e consubstanciado no acordo de concertação social entre o Governo e os parceiros sociais para reforma das relações laborais, de 25 de Junho de 2008 (..) cria -se agora no direito adjetivo uma ação declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual. Nestes casos, a ação inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 387.º do CT. (..)
Todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 337.º do CT».
Por conseguinte, como logo ali foi afirmado pelo legislador, a solução encontrada e que veio a ser consagrada veio, afinal, a distinguir entre duas realidades, isto é, a dos despedimentos individuais em que a comunicação ao trabalhador é feita por escrito, e as demais situações, em que há um despedimento verbal ou de facto. A nova ação aplica-se apenas aos despedimentos que se enquadrem no primeiro caso; e, quanto às demais situações, seguir-se-á a forma de processo comum.
Assim, na concretização desse propósito, no n.º 1 do art.º 98.º C, do CPT, dispõe-se que “Nos termos do artigo 387.º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário eletrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.
Importa precisar que esta solução não assenta no pressuposto da existência de um determinado procedimento prévio à comunicação do despedimento. Apenas exige “(..) que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual(..)”. Nestes casos, a ação própria para a impugnação de despedimento é sempre a prevista no art.º 98.º B e seguintes, ficando de todo arredada a possibilidade de impugnação através do processo comum.
Nas palavras do malogrado Albino Mendes Baptista, a nova acção especial é aplicável “(..) aos casos em que haja despedimento assumido formalmente enquanto tal” [A Nova Acção de Impugnação do Despedimento e a Revisão do Código de Processo de Trabalho, Coimbra Editora, 2010, p. 73].
A razão de ser desta opção, criando um processo especial destinado a ser aplicável apenas aos casos em que há comunicação escrita do despedimento, assenta no pressuposto de que nestes casos o despedimento individual é indiscutível e, logo, que a ação possa correr com maior celeridade. O que se discutirá é a sua regularidade e licitude, sem que o trabalhador necessite já de fazer prova do despedimento, sendo bastante a junção da comunicação da decisão de despedimento por escrito.
Fora do âmbito de aplicação desta ação ficam os demais despedimentos, nomeadamente os de facto ou por mera declaração verbal, cuja impugnação será feita através do processo declarativo comum.”(realce e sublinhado nossos).
Em sede de interpretação e aplicação do direito, começou o Réu/Apelante por alegar não pode nestes autos aplicar-se o artigo 98º-J, número 3 do CPT, na medida em que o mesmo apenas tem aplicação na ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, nos casos em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, o que não é de todo, refere, o caso dos autos.
Tem razão o Réu/Apelante quanto a não ser aplicável o artigo 98º-J, nº3 do CPT, nos termos do qual «Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador (…)».
Trata-se de uma norma prevista no processo especial, o qual se aplica aos casos expressamente previstos na lei.
Ora, não há dúvida que ao caso não é aplicável o processado especial, porquanto o trabalhador pretendeu opor-se ao despedimento que lhe foi comunicado verbalmente e reclamar créditos dele decorrentes e bem assim por se suscitar nos autos também a questão sobre quem é a Entidade empregadora do Autor.
No caso concreto, é, pois, aplicável o processo comum - artigo 48º, CPT, Título VI, 98º-B e ss, CPT.
É ainda assim aplicável o disposto no artigo 381º, alínea c) do Código do Trabalho, no qual expressamente se prevê que o «despedimento por iniciativa do empregador é ilícito», «Se não for precedido do respetivo procedimento».
Entende o Réu/Apelante que tendo ficado demonstrado que o Autor/Recorrido após o dia 26 de Junho de 2020, não mais compareceu na vacaria, nem no armazém – ponto 22º dos factos provados - ficou provado ter sido o mesmo quem abandonou o seu posto de trabalho.
Assim não o entendemos, uma vez que importa considerar a matéria de facto evidenciada também na sentença recorrida, no excerto da fundamentação de direito que se transcreveu, ou seja, ter ficado provado que no dia 23 de junho de 2020, o Autor apresentou-se como sempre no seu local de trabalho, pelas 7.30 horas da manhã, tendo-lhe sido dito pelo 1º R., “Vou-te retirar o transporte da empresa, vais começar a andar com o teu carro, passas às condições iniciais.”, ao que o A. respondeu “Não foi o combinado e não vou andar ao serviço da empresa com o meu carro.”, tendo respondido o 1º R. “Sendo assim vais embora não preciso mais de ti.”
Daí que quanto ao segmento de que a sentença recorrida deve ser revogada na parte em que considerou que o Autor/Recorrido foi despedido ilicitamente pelo Réu/Recorrente e o condenou no pagamento ao Recorrido de uma indemnização por cessação do contrato de trabalho, bem como a tese de que ocorreu abandono pelo Autor do seu posto de trabalho, o Réu/Apelante fez depender o conhecimento da matéria de direito da almejada alteração da matéria de facto, o que não logrou conseguir.
O mesmo sucede ainda com a questão de saber se não é aplicável o contrato coletivo entre a confederação dos agricultores de Portugal (CAP) e o sindicato nacional dos trabalhadores da agricultura, floresta, pesca, turismo, indústria alimentar, bebidas e afins – SETAAB, publicado no BTE nº 18 de 15 de maio de 2018, com a portaria de extensão n.º 131/2019 de 7 de maio, publicada no diário da república n.º 87/2019, série I de 2019-05-07 e com as questões de saber se não há diferenças salariais a pagar.
Com efeito, o Réu/Apelante alega que por ter ficado demonstrado que o Autor/Recorrido foi trabalhador da Ré e não do Recorrente não tem aplicação o referido CCT, devendo a sentença recorrida ser revogada na parte em que o condenou a pagar as diferenças salariais.
Não logrou, porém, o Réu/Recorrente, também nessa parte conseguir da almejada alteração da matéria de facto.
*
Num último segmento, entende o Réu/Apelante que não ocorre litigância de má fé.
A este respeito concluiu o Réu/Apelante (no que teve adesão da 2ª Ré):
- ao condenar o Recorrente, solidariamente com a Ré sociedade, como litigantes de má fé, o Tribunal recorrido fez uma incorreta aplicação e interpretação do artigo 542º e 543º do CPC, porquanto, dos autos não resulta que o Recorrente e a Ré sociedade alteraram a verdade dos factos ou atuaram com negligência grave.
- o facto de no relatório pericial, ter sido emitido um juízo de probabilidade das assinaturas constantes dos documentos juntos aos autos pelos Réus, não serem do Recorrido, não permite concluir que o Recorrente e a Ré sociedade atuaram de má-fé. Tal facto tem como única consequência a impossibilidade de fazer prova dos referidos factos através de tais documentos.
- o relatório pericial padece de algumas incongruências, que, na ótica do Recorrente, nem sequer permitem que se dê como provado que tais assinaturas não são da autoria do Autor.
- ao juntarem tais documentos aos autos, mais não fizeram do que exercer um direito que lhes assistia, não consubstanciando tal facto qualquer má-fé e, em momento algum, atuaram de forma maliciosa e abusiva.
- por não resultar dos autos que o Recorrente e a Ré sociedade atuaram com dolo ou negligência grave, deve ser revogada a sentença recorrida nesta parte.
- caso assim se não entenda, sempre se dirá que a multa e a indemnização aplicadas são desproporcionais face aos factos em causa nos autos, pelo que devem ser reduzidas, não obstante se entender que, no que diz respeito à indemnização, o Recorrido não peticionou o pagamento de uma indemnização por via do incidente da suposta falsificação de documento, pelo que se entende que a mesma, também por esta razão, não é devida.
Lê-se na sentença recorrida:
“No que diz respeito aos réus, está demonstrado nos autos que os mesmos juntaram três documentos contendo assinaturas que imputaram ao A e que se vieram a revelar provavelmente como sendo falsas, pretendendo com isso demonstrar que o A havia declarado não ser titular de quaisquer direitos de crédito sobre si, no ano de 2019 e que havia assinado dois recibos de vencimento de meses do ano de 2018.
Ora, com esta atuação, os réus alteraram a verdade dos factos, o que fizeram, no mínimo, com negligência grave.
E nisto consubstancia-se a sua litigância de má-fé, a qual tem intensidade, pois que determinou o alargamento do objeto do processo e do litígio, obrigando um maior labor processual.
Neste contexto, entendemos que os réus litigaram de má-fé. Assim, devem os mesmos ser condenados na multa prevista no art. 27º, n.º 3, do RCP, ou seja, numa multa fixada entre 2 Uc e 100 Uc.
Tendo em conta os critérios legais previstos no n.º 4 daquele citado artigo, importa valorar para a fixação do montante da referida multa a intensidade da litigância de má-fé, o número de sessões e de diligências que foram necessárias efetuar para o cabal apuramento dos factos e a situação económica dos réus resultante do facto da sua capacidade económica lhes permitir pagar a taxa de justiça que era devida aquando da apresentação da contestação.
Assim sendo, julga-se justo e adequado fixar aquela multa em 5 Uc.
Mais e porque peticionada, deverão os réus ser condenados numa indemnização ao autor, nunca superior a € 2.000,00, consistente no reembolso das despesas que a má-fé dos litigantes o obrigou a fazer (aí se incluindo os honorários do seu mandatário), cuja liquidação se relega para momento posterior, uma vez que os autos não comportam os elementos necessários à fixação imediata da sua quantidade (cfr. art. 543º, n.º 1 e 2, do CPC).
Para o efeito, deverão ser notificados os autores para, oportunamente, alegar os factos necessários àquela liquidação, devendo ser cumprido junto dos réus o contraditório relativamente aos factos que vierem a ser alegados.”
Vejamos:
Dispõe o artigo 542°do Código de Processo Civil:
"1º Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir." e o n.° 2 daquele preceito legal reza, assim, "Diz-se litigante de má fé quem, como dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
(…)."
Deixou de ser exigível qualquer manifestação dolosa, bastando-se a lei com o facto de existir “negligência grave”.
Ainda assim, somente na presença de elementos de prova seguros de que a parte atuou com a consciência de não ter razão é que deve ser censurada como litigante de má fé.
Ou seja, o instituto da litigância de má-fé deve ser reservado para as condutas processuais inequivocamente inadequadas ao exercício de direitos ou à defesa contra pretensões.
É que “(…) a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico. Por outro lado, a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu. Há que ser, pois, muito prudente no juízo sobre a má fé processual” - Acórdão do STJ de 28/05/2009, (in www.dgsi.pt).
Em concreto, entendemos que tendo resultado assente que a assinatura aposta nos documentos de fls. 311 a 314 não foi escrita pelo punho do Autor e tendo os Réus junto aos autos os mesmos documentos “pretendendo com isso demonstrar que o A havia declarado não ser titular de quaisquer direitos de crédito sobre si, no ano de 2019 e que havia assinado dois recibos de vencimento de meses do ano de 2018”, a conduta processual de ambos os Réus não podia deixar de ser censurada.
Ou seja, os Réus assumiram uma postura suscetível de ser qualificada como correspondendo a uma atuação com má-fé, para sustentarem versão desfasada da realidade com o objetivo de não pagarem ao Autor quantias às quais sabiam que o mesmo tem direito.
Atento o disposto no artigo 542º, nº 1 do Código de Processo Civil e do artigo 27º, nº 2 do Regulamento das Custas Processuais, a condenação dos Réus como litigantes de má-fé na multa de 5 UCs, afigura-se-nos adequada.
Acresce que como consignado na sentença recorrida, foi peticionada uma indemnização pelo Autor - constando do requerimento para o efeito a impugnação de todo o factualismo constante da contestação e igualmente dos documentos juntos com esse articulado - pelo que independentemente de não o ter sido por via do incidente da falsificação de documento deve mantar-se a condenação no pagamento de uma indemnização, entendendo-se também que a mesma é devida.


2.2.2. Recurso do Autor Apelante:
A propósito das importâncias reclamadas de créditos salariais por trabalho suplementar e a título de subsídio de alimentação, férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, na subsunção dos factos ao direito, o Apelante considera aquela que era a matéria que em seu entender deveria ter resultado assente -“considerando o factualismo que o tribunal a quo devia ter dado como provado e não provado, nos termos atrás alegados, devia a sentença recorrida ter condenado os RR no pagamento ao A. Recorrente das seguintes importâncias (…)”- , ou seja, a tese tem como pressuposto o sucesso da impugnação da matéria de facto, o que não logrou o mesmo conseguir.
Improcede assim também nesta parte a apelação do Autor.
*
Idêntico desiderato merece a questão relativa à indemnização fixada na sentença.
Aí se lê:
“Neste momento há que dar cumprimento ao preceituado nas alíneas a) e b) do art.º 389º, 390º, 391º CT, isto é, condenar o empregador a pagar à trabalhadora a indemnização em substituição da reintegração (pela qual já optou), bem como as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado.
Sendo o despedimento ilícito, deve a entidade empregadora indemnizar o trabalhador por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados e reintegra-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade ou, caso a trabalhadora por tal opte, pagar-lhe uma indemnização com base na sua antiguidade – artigos 389.º, n.º 1 e 391.º do Código do Trabalho.
O autor optou por essa indemnização.
Esta deverá ser fixada no montante correspondente a 15 a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, nunca podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades (art.º 391.º, n.os 1 e 3 do Código do Trabalho).
Nos termos do 2 do art.º 391º CT, deveria o Tribunal atender à antiguidade do A até ao eventual trânsito em julgado de decisão judicial condenatória, pelo que atenderemos à antiguidade de 3 anos.
Quanto ao número de dias de retribuição a atribuir, tendo em conta o valor da retribuição provada e a ilicitude do despedimento (atendendo à remissão que no art.º 391.º, n.º 1 se faz para o art.º 381.º e não havendo elementos que especialmente agravem ou atenuem a ilicitude da atuação da entidade empregadora), não vê o tribunal motivos para se afastar do ponto médio, ou seja, 30 dias.
No que respeita ao valor da retribuição base a considerar, teremos de atentar ao Contrato coletivo entre a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) e o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Agricultura, Floresta, Pesca, Turismo, Indústria Alimentar, Bebidas e Afins – SETAAB, publicado no BTE nº 18 de 15 de maio de 2018, com a portaria de extensão Portaria n.º 131/2019 de 7 de maio, publicada no Diário da República n.º 87/2019, Série I de 2019-05-07.
Ora, o A exercia funções enquadráveis na categoria de operador pecuária, segundo o Anexo I do citado CCT, que tem a remuneração mínima mensal de € 650, de acordo com o Anexo II.
Por isso, é essa a remuneração a atender para cálculo de indemnização, que se computa em € 650,00 x 3, num total de € 1.950,00 de indemnização por cessação do contrato de trabalho.” (realce e sublinhado nossos).
Concluiu o Autor/Apelante a este respeito:
- Devia ainda o tribunal a quo ter fixado o montante da indemnização a pagar ao A. Recorrente pelo seu despedimento ilícito em 2.286,00 € e não em 1.950,00 €.
Alegando:“ Acresce que o tribunal a quo fixou a indemnização a pagar ao A. Recorrente em 1.950,00 € ou seja, considerou a remuneração base recebida pelo A. Recorrente à data do seu despedimento no montante de 650,00 €, ora tendo em conta o factualismo dado como provado na sentença recorrida no ponto 12. dos factos considerados como provados pelo tribunal a quo, devia tal indemnização ser fixada em 762,00 €x3=2.286,00 €.”
Sem razão também nesta parte.
Como supra já referido, a propósito da impugnação da matéria de facto, o que ficou assente no item 12 dos factos provados, foi o valor pago a título de trabalho suplementar.
Improcede assim também nesta parte a apelação do Autor.
*
Na última questão suscitada pelo Autor/Recorrente, alegou o mesmo que em sede de dispositivo na sentença posta em crise não consta, como devia constar por força do disposto no artigo 390º do CT a condenação dos RR. no pagamento de todas as remunerações que este deixou de auferir, desde a data do seu despedimento, até ao transito em julgado da decisão que ponha termo ao presente processo.
Também o Exm.º Procurador Geral Adjunto é do entendimento de que deveria constar a condenação dos RR no pagamento ao A. das retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento – art.º 390º, 1, do C. T.
Revemo-nos, porém, nas alegações do Réu/Recorrido a este respeito:
“Em boa verdade, o Recorrente reclama, em sede de recurso, a condenação do Recorrido e da Ré sociedade no pagamento dos salários intercalares.
Diga-se, desde já, que o Recorrente não efetuou tal pedido em sede de Petição Inicial nem até ao termo da Audiência de Julgamento, como poderia tê-lo feito, pelo que a sua pretensão não poderá ser atendida.
Tal facto determina, necessariamente, a sua inadmissibilidade, pois não foi conferido aos Recorridos o direito ao exercício do contraditório, que aqui sempre importaria para os fins estabelecidos no art.º 390.º, n.º 2, al. a) do C.T.
De igual modo, também não se podia aceitar a condenação nos moldes pretendidos, uma vez que o Recorrente propôs a ação depois de decorridos mais de 30 dias do alegado despedimento ilícito, pelo que sempre estaria sujeito à redução estabelecida na alínea b) do supra referido preceito.
Não obstante não ter formulado o respetivo pedido, como já se referiu, o Recorrido pretende que este Tribunal o faça oficiosamente, ao abrigo do art.º 74.º do C.P.T.
Sucede, porém, que tal normativo não pode ser aqui aplicado, uma vez que estamos perante direitos disponíveis.”
Pela pertinência, transcrevemos aqui um excerto da fundamentação do acórdão do STJ de 20.12.2017, in www.dgsi.pt referenciado também nas contra-algações do Réu/Recorrido:
“Determina o artigo 609º, n.º 1, do CPC, que a sentença não pode condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do que se pedir, sendo, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea e), do CPC, nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Estas normas são aqui aplicáveis “ex vi” dos artigos 81º, n.º 5, do CPT, e 663º, n.º 2, 666º, n.º 1, e 679º, estes do CPC.
Ou seja, limitado pelos pedidos das partes, o juiz não pode, na sentença, deles extravasar, não podendo, pois, a decisão pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida.
Como refere José Lebre de Freitas [3]“[o] objeto da sentença coincide assim com o objeto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido”.
(…)
Tendo em conta o pedido, o Tribunal recorrido julgou em sintonia e de acordo com o mesmo.
Contudo, em processo laboral, permite-se a condenação “extra vel ultra petitum”, consagrada no artigo 74º, do CPT.
Estipula este preceito que o juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514°[4] do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.
Ora, como ensina Albino Mendes Baptista[5] "[a] possibilidade de condenação ultra petita é uma decorrência natural do princípio da irrenunciabilidade de determinados direitos do trabalhador.
Assim, só os direitos irrenunciáveis constituem preceitos inderrogáveis.
Exemplo de preceito inderrogável é o direito à retribuição, mas apenas na vigência do contrato, dada a situação de subordinação jurídica em que se encontra o trabalhador relativamente à sua entidade patronal.”
Por outras palavras, o direito à retribuição, bem como outros direitos de natureza pecuniária, são renunciáveis logo que cesse o estado de subordinação do trabalhador à entidade patronal, como é o caso do despedimento.
Neste caso, configurando-se direitos que passaram a ser disponíveis, não é aplicável o disposto no artigo 74.º do CPT.
Esta também é a jurisprudência desta Secção Social e Supremo Tribunal de Justiça.
A este respeito decidiu o acórdão deste Supremo Tribunal de 31.10.2007, processo n.º 07S2091[6]:
“[D]e harmonia com o que se extrai do artigo 74º do Código de Processo do Trabalho, a oficiosidade da condenação extra vel ultra petitum só ocorre se estiverem em causa preceitos inderrogáveis de lei […].
A inderrogabilidade de disposições legais e às quais o juiz há-de atender, para efeitos do referido artigo 74º, é consequenciada pelo princípio da irrenunciabilidade de certos direitos subjetivos do trabalhador […], entendendo-se existir tal irrenunciabilidade quando se colocarem casos em que, para além da sua existência, se conclui que o respetivo exercício se torna absolutamente necessário por razões inerentes a interesses de ordem pública (assim, “verbi gratia", Castro Mendes, in Pedido e Causa de Pedir no Processo de Trabalho, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, suplemento, 132).
Sequentemente, o que se imporá é saber se o direito que é conferido pelas disposições combinadas dos números 1, 5 e 7 do artigos 68º da Lei n.º 8/98 deve ser perspetivado como a consagração de um direito irrenunciável do trabalhador, já que, não o sendo, não cobrará campo de aplicação o dever oficioso do juiz de proceder à condenação nos termos do aludido artigo 74º.
É vasta a jurisprudência e doutrina de onde ressalta que é de entender como direito de existência e exercício necessário e absoluto (e, como se deixou dito, é o exercício necessário e absoluto que confere a característica de irrenunciabilidade) o direito ao salário na vigência do contrato (cf., por recente, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 17 de Junho de 2007, proferido na Revista n.º 46/2007).
Já, por outra banda, a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem entendido que, conquanto se perfilando como um direito cuja existência se não pode pôr em causa, o direito ao salário após a vigência do contrato não inculca um direito cujo exercício é de natureza necessária (cf., a título exemplificativo, os Acórdãos de 3 de Março de 2004, lavrado na Revista nº 3154/2004, disponível no indicado site sob o nº de documento SJ200503030031544, e de 6 de Julho de 2006, exarado na Revista nº 140/2006 – quanto a este último, justifica-se a sua citação pela situação então tratada, com contornos algo idênticos aos do caso que agora nos ocupamos).
Ora, aquando da petição inicial (e, por maioria de razão, aquando da formulação da pretensão subsidiária constante da alegação produzida no recurso de apelação), já a relação laboral firmada entre o autor e a ré se não encontrava, de há muito, vigente, pois que cessada por decisão tomada pela segunda.
Os direitos que porventura assistissem ao autor e decorrentes dessa cessação não se colocam no mesmo plano do direito à pretensão de um trabalhador de exigir, na vigência do contrato, a contrapartida da sua prestação de trabalho (o mesmo é dizer, o direito de exigir os salários representativos daquela contrapartida). O que conduz à conclusão segundo a qual é totalmente admissível que um trabalhador, que detenha um direito indemnizatório pela ilícita cessação do seu contrato de trabalho, dele possa livremente dispor.”
Tratando-se de direitos disponíveis, não tendo o Autor/Recorrente efetuado o concernente pedido em sede de petição inicial nem até ao termo da audiência de julgamento, improcede a pretensão deste Tribunal condenar os RR. no pagamento de todas as remunerações que aquele deixou de auferir, desde a data do seu despedimento, até ao transito em julgado da decisão que ponha termo ao presente processo.

3. Decisão:
Face ao exposto, acorda-se em confirmar o teor da sentença, e em consequência:
- Julga-se o recurso do Réu totalmente improcedente.
- Julga-se o recurso do Autor totalmente improcedente.

Custas da Apelação do Réu/Apelante por este.
Custas da Apelação do Autor/Apelante por este.


Porto, 26 de Junho de 2023
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
Paula Leal de Carvalho