Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
19656/15.3T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: INÊS MOURA
Descritores: CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO COMERCIAL
INDEMNIZAÇÃO POR CLIENTELA
Nº do Documento: RP2018012419656/15.3T8PRT.P1
Data do Acordão: 01/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 121, FLS 32/56)
Área Temática: .
Sumário: I - A contradição entre factos provados, entre factos provados e não provados, ou quando a matéria contemplada na decisão de facto é insuficiente para a tomada de posição sobre o pedido formulado não determinam qualquer nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão ou por omissão de pronuncia nos termos do art.º 615.º do C.P.C. Nestas circunstâncias podemos estar perante um erro ou vício da decisão de facto, situações que encontram acolhimento na previsão do art.º 662.º do C.P.C. relativamente à modificabilidade da decisão de facto, à luz do qual devem ser avaliadas.
II - Da aplicação do art.º 574.º n.º 2 do C.P.C., para o qual remete o art.º 587.º n.º 2, com as necessárias adaptações, resulta que o A. não está obrigado a tomar posição sobre todos os factos alegados pelo R. na contestação. O efeito cominatório de se terem como admitidos por acordo os factos que são alegados pelo R. na contestação e não impugnados, é restrito aos factos essenciais que integram matéria de excepção invocada e que não mereceram resposta do A.
III - Dos contratos de distribuição comercial em sentido amplo só o contrato de agência se encontra legalmente tipificado no Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei nº 118/93, de 13 de Abril, servindo, para efeitos de aplicação analógica, aos demais contratos de distribuição.
IV - Para haver lugar à indemnização de clientela prevista no art.º 33.º é necessária a verificação dos requisitos previstos nas suas três alíneas, sendo que quanto ao requisito previsto na al. b), a lei não se basta com a existência de um qualquer benefício, antes exigindo que o principal venha a beneficiar de forma considerável da actividade desenvolvida pelo distribuidor, após a cessação do contrato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 19656/15.3T8PRT.P1
Apelação em processo comum e especial

Relator: Inês Moura
1º Adjunto: Francisca Mota Vieira
2º Adjunto: Paulo Dias da Silva

Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do C.P.C.)
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Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
A B..., Ld.ª, vem intentar a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra C..., S.A., sociedade comercial de direito espanhol, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 245.375,20, a título de indemnização por clientela, acrescida de juros de mora contados desde a citação e até integral cumprimento; bem como a quantia devida por comissões não pagas, relativas a vendas directas da R. não comunicadas à A. a liquidar ulteriormente, acrescida de juros de mora, contados à taxa comercial.
Alega, em síntese, para fundamentar o seu pedido que se dedica à representação, comércio e distribuição de produtos de embalagens e afins desde 1988, dedicando-se a R. ao fabrico dos mesmos produtos. Em 1992, a R. não possuía qualquer implantação em Portugal e convidou a A. a desenvolver contactos com vista à promoção e implantação da sua marca, enquanto representante da R. Verbalmente acordaram que a primeira distribuiria em Portugal os produtos fabricados pela R. como concessionária desta, concretamente adquirindo-os e revendendo-os directamente aos clientes, com aplicação de uma margem de lucro ao preço de revenda. Reconhece que em determinados momentos, por motivos conjunturais, estratégicos ou outros, a A. promovia vendas directa da R., mediante o pagamento de um valor a título de comissão. Invoca que o relacionamento negocial entre as partes iniciou-se em 1994, com a actuação exclusiva da A., como concessionária da R. em todo o território português, tendo em 1995, a R. restringido o espaço geográfico de actuação da A., concedendo a outra empresa o território nacional continental a sul de Coimbra e encarregando a A. da distribuição dos seus produtos, no âmbito do contrato de concessão, na zona norte de Portugal e ilhas. Este contrato verbal de distribuição manteve-se vigente até 2014, com o que a R. obteve grande implantação comercial em território nacional, em resultado da actuação da autora como distribuidora exclusiva. Indica os clientes que, entre 1994 e 2014, angariou para os produtos da R. e descreve a evolução do volume de vendas decorrentes da sua actividade. A partir de 2013, a venda dos produtos da R. através da A. registou significativo decréscimo, o que atribui ao comportamento da R. praticando preços não competitivos, atrasando-se no fornecimento de preços a potenciais clientes e recusando realizar fornecimentos, afirmando tratar-se de conduta que visava a cessação do relacionamento comercial entre as partes. Em 2012 tomou conhecimento que a R. visitava potenciais clientes dos seus produtos no norte do país, realizando vendas directas sem o seu conhecimento e a conduta da R., no ano de 2013, recusando acompanhar os preços da concorrência, traduziu-se em acentuada diminuição do volume de vendas directas, diminuição que quantifica em € 271.973,00. Alega que a R. chegou a negar a representação comercial exclusiva da A. no norte de Portugal, com isso afectando o nome da A. e que quanto a um concreto cliente angariado pela A., a R. apresentou preços desconformes à prática comercial, e posteriormente contactou directamente esse cliente, efectuando vendas sem pagar comissões à A. Defende que toda a conduta da R. se destinou a preparar a denúncia que a posteriormente veio a comunicar, visando justificar a cessação do contrato e a diminuir o valor da indemnização a pagar pela cessação do contrato. A R., por carta de 16 de Setembro de 2014, acabou por comunicar a denúncia do acordo comercial que mantinha com a A., invocando fundamentos falsos e sem se dispor a pagar qualquer quantia a título de indemnização. A R. continuará a gozar os frutos do seu trabalho, seja pela manutenção da grande maioria dos clientes angariados pela A., seja pelo aumento da notoriedade da marca da R. no mercado português, motivo pelo qual exige da R. o pagamento da indemnização a que se refere o artigo 33º do Decreto-Lei nº 178/86, que liquida em € 245.375,20. Alega ainda que a R., no período de vigência do contrato que havia celebrado com a A., efectuou vendas directas a clientes sem disso a informar, exigindo o pagamento das comissões a esse título devidas, valor cuja liquidação pretende relegar para decisão ulterior.
Devidamente citada, a R. apresentou contestação, concluindo pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido
A R. aceita a celebração de acordo comercial de distribuição entre as partes, em 1994, altura em que não possuía qualquer implantação comercial em Portugal, acordo que essencialmente se traduziria na aquisição pela A. de produtos por si fabricados, com revenda a clientes por si angariados, com margem de lucro. Nega que por tal acordo a A. alguma vez tenha assumido posição de exclusividade na distribuição dos produtos da R. em Portugal, sempre tendo reservado a possibilidade, quer de efectuar vendas directas em Portugal sem pagamento de qualquer comissão, quer de realizar as vendas através de outros distribuidores/agentes. Alega que o acordo celebrado entre partes possuía uma natureza mista de distribuição e agência, apresentando as características de cada uma destas facetas e na concreta relação comercial estabelecida, o volume de negócios ligados à faceta de simples distribuição era em muito superior à de agência, defendendo a aplicação estrita das regras próprias do contrato de concessão. Entende que o concreto negócio firmado entre as partes não justifica a aplicação analógica das regras próprias do contrato de agência, designadamente por inexistir integração da A. na cadeia de distribuição da R., pela total independência económica da A. face à R.; por a A. vender em nome próprio a mercadoria fabricada pela R.; por a R. ser completamente alheia à política comercial da A. (designadamente não fixando objectivos, não estabelecendo penalidades ou prémios, não dando instruções); por a A. jamais ter entregue as listagens dos clientes angariados, e por as instalações da A. não terem sido concebidas/construídas/adaptadas em função dos produtos fabricados pela R. Afirma que a maioria das empresas identificadas já não é sua cliente e que no momento da cessação do contrato, as vendas de produtos da R. em Portugal, com intervenção da A. centravam-se quase exclusivamente num cliente que representava de mais de 90% da facturação. Na altura da denúncia do contrato, a A. já não desenvolvia o esforço necessário à divulgação dos produtos fabricados pela R. e à ampliação das vendas, limitando-se a trabalhar com um único cliente. O acordo comercial celebrado terminou por denúncia, comunicada com a antecedência de 4 meses, não tendo a A. posto em causa a adequação do período de pré-aviso concedido. Afirma que a cessação do acordo decorreu do comportamento da A., pelo que a indemnização de clientela sempre estará excluída por aplicação do nº 3 do artigo 33º do Decreto-Lei nº 178/86, e nem se verificam os pressupostos para atribuição de qualquer quantia a esse título, por não ter continuado a beneficiar da anterior angariação de clientes por parte da A. Alega que todas as circunstâncias do caso impõe redução substancial do valor peticionado a título de indemnização, seja por a A. continuar a laborar no mesmo segmento de mercado e com o mesmo tipo de produtos, seja por ser diminuto o peso da venda dos produtos da R. nos proventos da A., seja ainda por a actividade da A. como distribuidora dos produtos da R., nos últimos anos de vigência do contrato ter diminuido consideravelmente, seja por a natureza dos produtos da R. e a marca não obstarem a uma fácil substituição pela A., seja ainda por terem sido diminutos os custos suportados pela A. com o cumprimento do acordo que assumiu com a R. Defende inexistir qualquer dever de pagamento de comissões à A. na medida em que não foi convencionada a actuação da A. em regime de exclusividade.
A audiência prévia foi dispensada. Foi proferido despacho saneador a afirmar a validade da lide e foi definido o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal.
Foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a R. do pedido contra ela formulado pela A.
É com esta decisão que a A. não se conforma e dela vem interpor recurso, de facto e de direito, concluindo pela revogação da sentença proferida e sua substituição por outra que julgue procedente o pedido por si apresentado, formulando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem, com excepção das transcrições dos depoimentos das testemunhas que dela constam e que na mesma não têm o seu lugar próprio:
A. A douta sentença é nula por omissão de pronúncia na medida em que o recorrente na p.i. indicou 91 empresas que angariou para comprar produtos da R. (ora recorrida), e tal facto consta na fixação do objeto do litígio, al. b) e o tribunal a quo passou por cima dessa matéria, não se pronunciando quanto às alegadas 91 empresas que a A. angariou para comprar produtos à R. Empresas essas sobre as quais incidiu a respetiva prova, tendo as testemunhas D..., E..., F..., G... e H... sido inquiridos em grande extensão sobre esse facto. Há, pois, claramente omissão de pronúncia e uma grosseira violação da al. d) do nº1 do artigo 615º do CPC.
B. Em todo o caso resulta da produção de prova que o tribunal ad quem dispõe de elementos suficientes para a sanar e dar como provado que a recorrente angariou para compra de produtos da R. as noventa e uma empresas, todas as que vêm especificadas na p.i. As concretas passagens das gravações em que se funda o recorrente para dar como provado este segmento são as seguintes: D...: Entre os minutos 00:08:32 e 00:10:12, E...: Entre os minutos 00:17:16 e 00:25:55, a testemunha H...: Entre os minutos 00:09:07 e 00:10:32, a testemunha F...: entre os minutos 00:16:03 e 00:22:26, a testemunha G...: aos minutos 00:04:17 a 00:06:35. Os depoimentos prestados por estas testemunhas merecem credibilidade, pois aconteceu muitas vezes desconhecerem certas empresas e iam explicando a razão de ciência, de porque os visitaram em serviço ou porque conheciam das suas tarefas na A., ora recorrente. Face a este depoimento devia ser dado como provado que a A. angariou para a R. estas empresas supra referidas que por economia não se voltam a repetir.
C. A sentença é nula por os fundamentos estarem em oposição com a decisão (artigo 615º, nº1, al. c)) na medida em que o tribunal a quo dá como provado no ponto 3 que a R. não possuía em Portugal qualquer tipo de implantação, no ponto 9 que antes de 1992 a ré possuía um volume de negócios praticamente zero, por outro lado, dá como provado na al. c) que a ré tenha mantido a grande maioria dos clientes angariados entre 1994 e 2014. Isto é entre 1994 e 2014 a A. angariou um volume de negócios de 46.171.625,82 euros (dado como provado nos factos 9 a 31) e neste quadro dá como provado que a R. não ficou com a maioria dos clientes sem explicar que, após a denúncia, as razões por que os clientes desertaram e não mais compraram produtos da R. Há uma clara contradição entre estes pontos e daí a violação da al. c) do artigo 651, nº1 do CPC, sendo nula.
D. A sentença é nula por omissão de pronúncia concretamente sobre a al. c) e o ponto b) referente aos termos de prova constantes do douto despacho saneador. Ora era preciso que o tribunal a quo se pronunciasse se houve …”aumento de notoriedade da marca dos produtos da ré no mercado português, por força da ação autora desenvolvida entre 1994 e 2014”…como consta do douto despacho saneador. O tribunal a quo viola assim o disposto na al. d) do nº1 do artigo 615º do CPC.
E. Existe igualmente omissão de pronúncia relativamente às comissões recebidas pela autora relativas à promoção de vendas diretas em nome e por conta da R. A A. alegou os valores de comissões recebidas nos arts 90º a 95º da Petição Inicial, e tais factos integram-se no âmbito do tema de prova c), al. d). No entanto, os valores pela A. alegados não foram dados como provados, nem como não provados, tendo o tribunal a quo omitido uma apreciação dessa questão. De todos os modos deverá ser dado como provado pelo tribunal ad quem que a recorrente recebeu o valor das comissões contante na conclusão I. O tribunal a quo viola assim o disposto na al. d) do nº1 da artigo 615º do CPC.
F. Face aos factos dados como provados que a R. não tinha qualquer implantação em Portugal que o volume de negócios era praticamente zero e que a recorrente com o seu labor alcançou clientes que compraram à recorrida 46.171.625,82 euros forçoso é concluir que a A. contribuiu para o aumento da notoriedade dos produtos da R. de um modo bem significativo, o que devia ser dado como provado.
G. Devia ser dado como provado que a A. era representante exclusiva da R., o que foi dado como não provado pelo tribunal a quo. Os concretos meios de prova que sustentam que a recorrente era a representante exclusiva são os seguintes:
- Documento nº 1 junto com a p.i., sítio da internet da R. onde se refere o seguinte reportando-se aos contactos em Portugal. Portugal Norte – B..., Lda, B1...@....com Portugal Centro e Sul – I..., I...@netcabo.pt
- Documento 13 – email do Grupo J... manifestando estranheza por aparecer outrem a representar a R., pois até ali sempre fora o gerente da A.
- Documento 21 A e 21 B – a empresa K... dirige-se à R. para compra de produtos e esta remete-a para “o nosso agente” referindo-se expressamente à A.
- Documento 24 – fax da R. dirigido a uma empresa do Porto, a L..., em que dá conta que deve dirigir-se à A., “nossos agentes B..., Lda, telefone…”
Os documentos 26 a 28 B atestam que a recorrente podia e fazia cobranças, o que é compatível com ser a represente da recorrida.
E ainda o documento junto na audiência de julgamento aquando da inquirição da testemunha M... em que a N... refere a B... como a representante da C... sem que esta tenha feito qualquer reparo.
Estes documentos referem-se à A. como representante para o norte (doc.1), “o nosso” agente (doc.21 A e 21 B) e “nossos agentes” (doc.24) tal significa que semanticamente a recorrente é “a” ou “o agente” e não “um” agente entre vários no que ao norte de Portugal se refere. O artigo é o, artigo definido que indica com precisão que aquela empresa é o nosso representante, ou os nossos representantes.
Acresce a prova testemunhal que é mais do que esclarecedora no sentido da exclusividade. Vejamos. A testemunha P... explicou: 00:26:26, 00:20:04, 00:03:47; a testemunha D... foi clara: 00:02:55, 00:04:53; a testemunha E...: 00:02:21, 00:02:29, 00:02:40, 00:02:43, 00:03:14, 00:03:21, 00:03:22, 00:34:15; a testemunha F... disse sobre o acordo a cerca da exclusividade 00:33:57, 00:34:02; a testemunha G... disse: 00:02:40, 00:02:57, 00:03:02; a testemunha H... disse: 00:03:22, 00:03:40; A testemunha Q..., empregado da R. e seu representante para Ourense 00:03:31, 00:05:23; a testemunha S..., funcionária da R. 00:03:35, 00:03:59, 00:04:09. Todas estas testemunhas, representantes de empresas que foram à Galiza, à sede da R., funcionários da A., funcionários da R. confirmaram que a A. era representante exclusiva da R. Deve, pois, com base nesta prova documental e testemunhal ser revogada o facto que nega a exclusividade da A., passando a dar como provado que a A. era representante exclusiva da R.
H. Devia ser dado como provado que a recorrida após a denúncia do contrato manteve a maioria dos clientes angariados pela recorrente.
Os concretos meios de prova são os depoimentos das testemunhas E..., Q..., D.... A testemunha E... à pergunta do advogado da recorrente se a R. mantinha os clientes e a razão pela qual dizia que mantinha respondeu 00:26:39, Esta resposta surge após a referência às 91 empresas. A testemunha Q... explicou o que a sua empresa (C...) pois era empregado e representante para Ourense 00:11:30. A testemunha D... explicou 00:16:21, 00:16:16. A testemunha F... à pergunta se tinha conhecimento de os comerciais de recorrente chegarem às empresas e dizerem se já tinham ido os senhores da C... respondeu 00:30:46. Portanto, os clientes que a ora recorrente angariou para a recorrida continuaram a consumir os produtos da C..., conforme foi confirmado pelas testemunhas supras referidas.
Estes são os concretos meios de prova que impunham que a decisão fosse que a maioria dos clientes continuou a comprar os produtos da C..., independentemente do volume de vendas que a N... comprava à C.... Se 40, 45, 50, 70 ou 90% isso não impedia de se ter em conta o número de empresas que continuou a comprar. Acresce que não se trata de uma questão aritmética e a resposta não poderá deixar de ser afirmativa tendo em conta o dado como provado sob os números 3, 8, 9, 10, 11, 12 e 13 a 31.
I. Deverá ser dado como provado que o facto d) acerca dos lucros e comissões da recorrente, designadamente
a. 2009 - € 210 529,00 de lucro;
b. 2010 - € 278 755,00 de lucro e 684,00€ de comissões;
c. 2011 - € 251 831,00 de lucro e 457,00€ de comissões;
d. 2012 - € 285.679,00 de lucro e 18.145,00€ de comissões;
e. 2013 - € 217.604,00 de lucro e 15.852,00€ de comissões;
f. 2014 - € 131.648,00 de lucro e 26.787,00€ de comissões;
A razão pela qual o tribunal a quo deu como não provado os lucros alegados pela A. fundam-se no artigo 44º do Código Comercial. Em parte alguma o artigo estabelece qualquer obrigação da “análise contraditória da escrituração”. A testemunha T... depôs com credibilidade tendo confirmado sob juramento que elaborou o documento com base na escrituração da A. e que correspondia à verdade contabilística 00:01:048. Este depoimento aliado ao documento junto como doc. 4 na p.i. impunham que fosse dado como provado que aqueles foram os lucros e comissões da A., ora recorrente.
J. Não devia ter sido dado como provado o facto 34 …”a ré a pedido da autora, normalmente apunha nas embalagens que entregava B2... e “B...” como se tratasse de um produto da autora (artigo 47º da sentença, matéria não impugnada pela autora)”… Quanto à não impugnação por parte da A. do artigo 47º da contestação é de bradar ao Olimpo, pois a A. não tinha, nem tinha que ter, essa possibilidade face ao que estatui o C.P.Civil.
Quanto ao depoimento das testemunhas ele vai exatamente em sentido contrário E... – 00:34:45, H... – 00:17:44, a testemunha F... não foi ouvida sobre este facto pelo que é abusivo colocar na sua boca o que ela não disse, nem tão pouco se referiu. Deve, pois, ser alterado e não dar como provado este facto. Este facto não devia ter sido dado como provado
L. Não de via ser dado como provado o facto 36 A ré, a pedido da autora, normalmente apunha nas embalagens dos produtos que entregava “B2...” e “B...” como se tratasse de um produto da autora (artigo 47º da contestação, matéria não impugnada pela autora) … Na motivação para fundamentar este facto dado como provado o tribunal declara… A inclusão dos pontos 34 a 41 – 43 na matéria de facto provada relativos à concreta forma como foi sendo o acordo celebrado entre autora e rés resulta, quer do acordo das partes (acordo resultante da alegação da ré não impugnada pela autora), mas também do que a este propósito em audiência de julgamento referiram as testemunhas E... e F... e H... que na maioria dos casos as embalagens dos produtos fornecidos continham o logotipo da autora e não da ré… Quanto à não impugnação por parte da A. trata-se de uma aberração jurídica. As testemunhas referidas na douta sentença disseram o contrário. E... 00:34:45, testemunha H... sobre este facto declarou na instância do I.M. da R. se havia casos em que não havia o símbolo da B... 00:17:44 Portanto era a R. que tinha de fazer prova deste facto e não fez. As testemunhas disseram que havia caixas com o dístico da A. E outras da R. Não devia ser dado como provado este facto devido a estes concretos meios de prova.
M. Não devia ser dado como provado o facto 39 …A ré, ao longo de todo o relacionamento comercial que manteve com a autora, não deu instruções à autora sobre o desenvolvimento do negócio, limitando-se a recomendações e indicações genéricas [artigo 52° da contestação; matéria não impugnada pela autora]… Existe nos autos os documentos 29-32 que provam que a A. e a R. tinham uma relacionamento comercial de envolvimento recíproca, ao contrário do que refere o Mmo juiz a quo aquando da audição da testemunha M... aos minutos 00:02:39 (pag 221 da transcrição que se junta), pois este documento mostra que a proposta feita à N... tinha a assinatura da A. e da R., não sendo, pois, por defeito da A. que a N... não aceitou a proposta apresentada por A. e R., recorrente e recorrida. O documento 11 em que o Senhor M... autoriza a recorrente a ir ao mercado para poder satisfazer a N..., face às dificuldades da C... devido à greve na empresa. Quanto à não impugnação pela A. que mais pode dizer a recorrente? Que se trata de uma aberração processual. Estes sãos concretos meios de prova que levam a que se deva alterara a decisão e dar como provado que a A. e a R. tinham uma estratégia comercial conjunta, em muitos casos
N. Não devia ter sido dado como provado o facto 40 …A autora … jamais remeteu à ré informação com a listagem completa de clientes… (artigos 53º a 55º, matéria não impugnada pela autora). Quanto à matéria não impugnada pela autora, o tribunal a quo insiste no insustentável …não vale a pena repisar o que supra se alegou a esta não impugnação da A. … Quanto ao conteúdo do facto, a R. recebia o nome de todos os clientes com quem a A. se reunião ou angariava para clientes. À pergunta da Mmo Juiz a quo se enviava as listagens dos clientes à C... a testemunha D... esclareceu 00:35:47. A testemunha E... 00:37:49. A testemunha H... 00:04:02. Ora se recebia o nome e os dados de cada cliente forçoso é concluir que a R. recebia listas onde estavam todos os clientes. Não se deve subverter a semântica; o sentido da alegação é o de que a R. recebia o nome de todos os clientes e isso só pode ser dado como provado.
O. Não devia ser dado como provado o facto 42….. Na atividade económica da autora, a comercialização dos produtos fornecidos pela ré representava cerca de 10% dos proventos auferidos autora [artigo 60° da contestação; matéria não impugnada pela autora]. A motivação para dar este facto como provado é a seguinte: “dir-se-á que a ré, expressa ou implicitamente, não impugnou esta alegação feita pela ré no artigo 60º da contestação (…) a tomada de posição sobre os factos relevantes para a causa deve ser feita nos articulados, no início da audiência prévia, ou, não havendo lugar a esta, no início da audiência final (nº 4 do artigo 3º e parte final do nº 1 do artigo 587º do Código de Processo Civil). Assim, a matéria vertida no ponto 42-da matéria de facto assente considerou-se demonstrada pela falta de impugnação atempada da autora.” Esta motivação é um autêntico despautério. A A. não impugnou porque não podia. Era a A. que tinha de fazer prova e não fez. Nunca este facto por este motivo devia ser dado como provado como é óbvio.
P. O tribunal a quo errou quanto a qualificação jurídica a atribuir ao contrato que vigorou entre a A. e a R. ate 2014, pois sobrevalorizou o acessório e ignorou o essencial. A A. obrigava-se a promover vendas dos produtos da R. em nome e por conta própria numa região delimitada do território nacional, ao abrigo de regras reciprocas destinadas a regular a relação entre ambos, sendo os riscos de comercialização assumidos pela autora, e ao contrário do que afirma o tribunal a quo, esta estava plenamente integrada na cadeia de distribuição da R. A A. era de facto o único elo da cadeia de distribuição da R. que servia o norte de Portugal e ilhas. Foi exatamente isso que a A. fez: construiu desde 94 um elo para a cadeia de distribuição da R. na área geográfica que lhe estava atribuída. A R. não tinha qualquer implantação em Portugal em 94, tendo a A. criado uma carteira de clientes e servido de elo de ligação a cadeia de distribuição da R., passando obviamente a integra-la firmemente. Todas as vendas de produtos da R. no norte de Portugal passavam pela A., que os distribuía nesta área do território, sendo que quando alguém desta área contactava diretamente a R., esta encaminhava-os para tratar com a A. – vide docs. 21A, 21B, 23 e 24
Q. A politica comercial era concertada entre ambas as empresas (v. depoimentos E..., F..., H..., Q... e S... quando mencionam as reuniões entre gerências, documentos nºs 29 e 30), e a A. assumia por conta da R. todo o trabalho pós-venda como comprova o doc. 3 junto com a PI.
R. Assumia igualmente, a pedido da R. e sem qualquer custo, o trabalho de cobrança de faturas pendentes junto dos clientes a quem a R. facturava diretamente – docs. 26 a 28.
S. Efetuava junto dos clientes todo o serviço de acompanhamento dos processos, esclarecimento de duvidas ou questões, e serviço pós-venda, como se comprova pelo teor do doc. 3 junto com a P.I.
T. Tudo isto foi ignorado ou subvalorizado pelo tribunal a quo, que optou por se focar em aspetos que não são essenciais para a qualificação do contrato como sendo de concessão como seja o facto de a A. não se obrigar a fazer um mínimo de compras ou de a R. não fiscalizar apertadamente o seu trabalho. Ora já os nossos tribunais superiores se pronunciaram no sentido de que tais elementos não são essenciais para a qualificação do contrato como sendo de concessão comercial – vide Ac. TRL de 10/01/2013 no processo 4189/09-7 disponível em dgsi.pt
U. Sucede que, tal como alegado pela A. e provado, em certos casos as partes acordaram que pontualmente algumas das vendas A. pudessem ser feitas em nome e por conta da R., faturando esta diretamente ao cliente, e pagando por tais vendas uma comissão a A. Esse fator conferiu relativa atipicidade ao contrato na medida em que consoante os negócios em concreto podia assumir as vestes de contrato de concessão ou de agência, mas sempre assumindo as características intrínsecas desses dois tipos de contrato e nunca sendo minimamente comparável a um mero contrato de fornecimento.
V. São os seguintes os requisitos legais para atribuição de uma indemnização por clientela
i. tiver angariado novos clientes para os produtos a contraparte, ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;
ii. a contraparte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato de concessão, da actividade desenvolvida pelo distribuidor;
iii. o distribuidor deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes que angariou para os produtos da contraparte, nos termos referidos em i.
Quanto ao primeiro requisito, é inegável que a A. angariou considerável número de clientes para os produtos da R., a qual não tinha qualquer implantação em Portugal antes da intervenção da A. Mas também que aumentou substancialmente o volume de negócios da R. em Portugal, de zero para valores que chegaram a ser de cerca de 4 milhões e meio de euros. Quanto ao segundo requisito, basta atentar aos resultados do trabalho da R., para que ao abrigo das regras de experiência comum, se conclua pelo seu manifesto preenchimento: 1) Tendo zero clientes em Portugal, a A. angariou-lhe mais de 90 potenciais clientes que já usaram e passaram a conhecer os seus produtos. 2) Sendo uma marca desconhecida no mercado, pelo trabalho da A. passou a ser uma marca amplamente conhecida no sector e no mercado em causa, sendo reconhecida pela qualidade dos seus produtos. 3) Tendo volume de negócios zero no início da parceria, passou a ter volumes de negócios anuais que chegaram a ser de 4.500.000€ A R. tem as informações destes clientes, porque a A. lhas forneceu, e estes clientes passaram a conhecer os produtos da R. – que são de reconhecida qualidade. Só este facto facilitara em muito a penetração adicional desta no mercado. Relativamente ao terceiro requisito, é manifesto que esta preenchido já que não foi demonstrado qualquer acordo que permita que a A. seja remunerada por contratos com os clientes por si angariados - nem sequer a R. tal alegou.
Por todo o exposto, errou o tribunal a quo em não considerar a A. como a representante exclusiva da R. para a parte norte de Portugal e em não atribuir a A. o pagamento das respetivas comissões, a indemnização por clientela reclamada nestes autos, a qual deverá ter sido atribuída nos exatos termos requeridos.
A R. veio responder ao recurso interposto, pugnando pela sua improcedência e manutenção da sentença recorrida.
II. Questões a decidir
Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608 n.º 2 in fine:
- da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão e omissão de pronuncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. c) e d) do C.P.C.
- da impugnação da matéria de facto;
- da qualificação do contrato e regime jurídico aplicável;
- do direito à indemnização de clientela.
III. Da nulidade da sentença
- da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão e omissão de pronuncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. c) e d) do C.P.C.
Vem a Recorrente invocar a nulidade da sentença proferida, entendendo que os fundamentos estão em oposição com a decisão, pela circunstância dos factos dados como provados sob os pontos 3 e 9 da decisão de facto estarem em oposição com a matéria que consta da al. c) dos factos não provados.
Vem ainda referir que a sentença é nula, por omissão de pronuncia, pelo facto do tribunal não se ter pronunciado sobre matéria que por si é alegada na petição inicial: quanto às empresas angariadas como clientes para a R.; quanto ao aumento de notoriedade da marca da R. no território português e quanto às comissões recebidas pela A. na promoção das vendas. Invoca ainda os meios de prova que, no seu entender impunham uma pronuncia do tribunal sobre esta matéria, no sentido que refere.
Confunde a Recorrente o vício formal da sentença susceptível de determinar a sua nulidade pela verificação das circunstâncias previstas nas várias alíneas do art.º 615.º n.º 1 do C.P.C. com o erro de julgamento de facto, situação em que se integram todas as questões por si suscitadas neste âmbito e que encontram a sua previsão no art.º 662.º do C.P.C.
Senão vejamos.
O art.º 615.º n.º 1 do C.P.C. estabelece que a sentença é nula quando, entre outras situações:
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
Como nos diz, a título de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/09/2011, no proc. 2903/05.7TBCSC.L1.S1 in. www.dgsi.pt: “A nulidade do acórdão por contradição entre os fundamentos e a decisão só ocorre quando a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente.
Verifica-se uma contradição entre os fundamentos e a decisão quando os fundamentos invocados, de facto e de direito, conduzem, de uma forma lógica ou necessária a uma decisão diferente, revelando um vício de raciocínio do julgador.
Já a alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C., comina com a nulidade a decisão em que se verifica a omissão ou excesso de pronuncia por parte do juiz.
Relaciona-se esta norma com o princípio expresso no art.º 608.º n.º 2 do C.P.C. segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se também de questões que não sejam suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso.
Tem vindo a ser comumente entendido que as questões sobre as quais o tribunal tem de pronunciar-se não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazerem valer as suas pretensões – neste sentido, vd. entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/02/2005 no proc. 05S2137 in. www.dgsi.pt
O tribunal tem de pronunciar-se sobre o pedido formulado pelas partes e sobre as questões por elas suscitadas, não constituindo omissão de pronuncia quando isso acontece, sem que o tribunal tome posição expressa sobre todos os argumentos apresentados pelas partes. As razões invocadas não se confundem com a questão a decidir, embora a falta de ponderação de alguns argumentos relevantes para a decisão possa determinar a falta de acerto da mesma – tal omissão não pode porém qualificar-se como falta de pronuncia do tribunal sobre questão que lhe cabia resolver, susceptível de determinar a nulidade da decisão, nos termos previstos no art.º 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C.
Situações diferentes destas, são aquelas em que se regista uma contradição entre alguns dos factos que o tribunal considerou provados, ou entre factos provados e não provados, ou quando a matéria de facto referida na decisão é insuficiente para a tomada de posição sobre o pedido formulado. Nestas circunstâncias podemos estar perante um erro ou vício da decisão de facto.
Estas situações encontram acolhimento na previsão do art.º 662.º do C.P.C. relativamente à modificabilidade da decisão de facto. O n.º 1 deste artigo estabelece que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” Já o n.º 2 vem prever, designadamente na sua al. c), a possibilidade de anulação da decisão da 1ª instância quando “…não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.
A situações alegadas pela Recorrente relativamente às quais a mesma conclui pela existência de contradições e omissões da decisão sobre a matéria de facto por parte do tribunal de 1ª instância e que se circunscrevem à matéria de facto em discussão, mais não são do que alegados vícios da decisão de facto, que têm a sua previsão no mencionado art.º 662.º n.º 2 al. c) do C.P.C., não determinando a nulidade da sentença nos termos do art.º 615.º n.º 1.
Tal como nos diz com toda a clareza o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/03/2017 no proc. 7095/10.7TBMTS.P1. S1 in. www.dgsi.pt com respeito à decisão de facto, a mesma pode: “padecer dos vícios de deficiência, obscuridade ou de contradição nos termos especificamente previstos na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC. Por sua vez, a falta ou insuficiência da fundamentação da decisão sobre algum facto essencial constitui irregularidade suprível, mesmo oficiosamente, nos termos do citado artigo 662.º, nº 2, alínea d), e 3, alínea b). Nessa medida, em sede de decisão de facto, não se afigura, em princípio, aplicável o regime das nulidades da sentença previsto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC. (…) Por outro lado, o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.”
Em face do exposto, verifica-se que a situação invocada pela Recorrente não é susceptível de revelar qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão que possa determinar a nulidade da sentença, nos termos previstos no art.º 615.º n.º 1 al c) do C.P.C. e a circunstância de alegadamente não terem sido ponderados factos relevantes para a decisão também não determina qualquer omissão de pronuncia nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C., tendo o tribunal tomado posição sobre todas questões que lhe competia resolver.
III. Fundamentos de Facto
- da impugnação da matéria de facto
Vem a Recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, invocando a contradição de factos na decisão recorrida e a sua discordância quanto a factos que o tribunal teve como provados e não provados.
Como já se referiu, o art.º 662.º do C.P.C. dispõe, no seu nº 1 que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” O n.º 2 al. c) vem estabelecer que a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, “anular a decisão proferida na 1ª instância, quando não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta.”
Por seu turno, o art.º 640.º do C.P.C. impõe um ónus a cargo do Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto dispondo:
1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o Recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
b) (…)
3. (…)
Pretendendo impugnar a matéria de facto, o Recorrente deve assim proceder à enumeração concreta dos factos que considera mal avaliados, individualizar as divergências com referência aos concretos meios de prova que constam do processo, e indicar a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre os mesmos, exigência das várias alíneas do n.º 1. Caso o recurso se funde em prova gravada, o Recorrente tem de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sob pena de imediata rejeição do mesmo.
Diz-nos Abrantes Geraldes, in. Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 129: “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”
- Quanto à alegada omissão de pronuncia
A Recorrente defende que houve omissão do tribunal a quo, que não se pronunciou sobre os clientes que a A. terá angariado entre os anos 1994 e 2014 conforme consta do art.º 22.º da p.i.; a notoriedade da marca dos produtos da R. e o recebimento das comissões indicadas nos art.º 90.º a 95.º da p.i.
Esta matéria não a integrou a Recorrente no que denominou no seu recurso ser a impugnação da matéria de facto, talvez por isso não observando quanto a ela, os requisitos previstos no art.º 640.º n.º 1 al. b) e c) e n.º 2 al. a) do C.P.C., desde logo não indicando a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre a matéria que tem por omissa.
A Recorrente pretendendo insurgir-se contra a ponderação da prova feita pelo tribunal a quo, que no seu entender impunha a sua pronuncia sobre os factos omitidos, não indica porém a resposta que pretende que seja dada aos mesmos, nem os concretos meio de prova que a impõem.
Assim, não se configurando como uma verdadeira impugnação da matéria de facto, este tribunal apenas poderá determinar a ampliação da decisão de facto pela 1ª instância ou proceder ao seu aditamento, se o mesmo for possível em razão dos concretos meios de prova que constam do processo, mas apenas caso venha a considera-lo necessário ou relevante, nos termos previstos no art.º 662.º n.º 1 e n.º 2 al. c) do C.P.C., estando desobrigado de, sem mais, proceder à avaliação dos factos alegadamente omitidos à luz da prova produzida.
Quanto ao mais, a Recorrente cumpre os requisitos da impugnação da matéria de facto, procedendo-se por isso à sua avaliação.
- Quanto à contradição dos factos dados como provados sob os pontos 3 e 9 com a matéria que consta da al. c) dos factos não provados.
Foi tido como provado que:
3- Em 1992 os produtos comercializados pela ré não possuíam qualquer tipo de implantação em Portugal.
9- Antes de 1992 a ré possuía um volume de negócios em Portugal de praticamente zero.
Por seu turno, foi considerado não provado que:
c) Após a denúncia referida em 32, a ré tenha mantido a grande maioria dos clientes angariados pela autora entre 1994 e 2014.
Os factos tidos como provados em 3 e 9 referem-se ao ano de 1992, data em que a A. começou a comercializar os produtos da R. em Portugal e a al. c) dos factos não provados reporta-se ao ano de 2014, data em que teve lugar o fim do relacionamento comercial entre as partes. Tal bastaria para concluir pela inexistência de qualquer contradição entre tais factos que se referem a períodos temporais totalmente diferentes. Contudo, os mesmos também se referem a realidades diversas: os primeiros referem-se ao volume de negócios da R. em Portugal e a al. c) refere-se ao número de clientes angariados pela A. que a R. possa ter mantido após 2014.
É perfeitamente possível a resposta que foi dada pelo tribunal a quo não sendo contraditória a realidade expressa nos pontos 3 e 9 com a matéria tida como não provada na al. c). As situações ali previstas não são logicamente incompatíveis, sendo certo que o que foi dado como não provado nem sequer foi que a R. não manteve clientes angariados pela A., mas tão só que não manteve a maioria dos clientes angariados pela A. entre 1994 e 2014.
Conclui-se por isso pela inexistência da invocada contradição.
- Quanto às al. a) e b) dos factos não provados
Insurge-se a Recorrente quanto à decisão do tribunal de 1ª instância sobre esta matéria, pretendendo que está provado que a A. era a representante exclusiva da R. para Portugal e mais tarde a Norte de Coimbra.
É a seguinte a redacção dos factos impugnados:
a) em 1994 autora e ré tenham acordado que a autora seria a revendedora exclusiva no território nacional dos produtos fabricados pela ré.
b) em 1995 autora e ré tenham acordado que a autora seria a revendedora exclusiva a norte de Coimbra e ilhas dos produtos fabricados pela ré.
De acordo com o referido pelo tribunal, esta matéria resulta do alegado pela A. nos art.º 16.º a 19.º da p.i, que vale a pena aqui reproduzir:
“16. Tendo arrancado como verdadeiro contrato de concessão no ano de 1994, com exclusividade da A. em todo o território nacional.
17. No entanto, durante o ano de 1995, o mercado português foi dividido entre a A. e uma nova sociedade então constituída denominada I..., Lda.
18. Ficou assim esta última com a área de território nacional continental situada a sul de Coimbra, e a A. com a zona a norte de Coimbra e ilhas – doc. 1
19. Este contrato não escrito de distribuição manteve-se até ao passado ano de 2014, permitindo à R. ganhar uma imensa implantação comercial em território nacional, sobretudo na zona norte do país e regiões autónomas em que a A. actuava como sua distribuidora exclusiva.”
Para fundamentar a sua pretensão invoca a Recorrente diversos documentos que se encontram juntos aos autos, bem como o depoimento de várias testemunhas, nos excertos de gravação que indica.
A R. na resposta que apresenta ao recurso vem referir que não houve acordo escrito das partes e que a lei que regulamenta o contrato de agência exige a forma escrita para o agente exclusivo, não podendo a exclusividade ser retirada dos documentos que a A. invoca, concluindo que esta confunde ser o seu único distribuidor com ser o distribuidor exclusivo. Remete para a fundamentação apresentada na sentença e quando se pronuncia sobre a prova testemunhal limita-se a dizer que umas testemunhas dizem uma coisa e outras dizem outra, não observando porém o estabelecido no art.º 640.º n.º 2 al. b) do C.P.C.
O tribunal a quo fundamentou a sua decisão sobre esta matéria da seguinte forma: “Na ausência de elementos probatórios reportados à data da celebração do acordo, desde logo não deixa de surpreender a circunstância de, na alegação da autora, se ter tratado de um acordo verbal. É que, se relativamente ao contrato de agência o artigo 4º do Decreto-Lei 178/86, de 03 de Julho, impõe a redução a escrito da convenção de exclusividade, naturalmente deverá presumir-se que autora e ré tinham consciência (artigo 6º do Código Civil) desta exigência no âmbito do regime jurídico de um contrato muito próximo àquele que celebraram – pelo que estranha é a opção pela ausência de forma. Diversas testemunhas em audiência de julgamento defenderam a existência da convenção de exclusividade [D... (funcionária da autora, como técnica de vendas, entre 2009 e 2012); E... (responsável comercial da autora, funcionário entre 1996 e 2012 e a partir de 2012); F... (funcionária da autora, como assistente da administração, entre 1993 e 2014); G... (funcionária da autora, como técnica de vendas, durante 6 meses, na década de 90); H... (funcionário da autora entre 2011 e 2013, desempenhando funções como assistente comercial); P... (responsável de compras de uma empresa cliente da autora, entre 1990 e 2000); Q... (funcionário da ré, como representante comercial, entre 2005 e 2015); S... (funcionária da ré, entre 2008 e 2011 laborando na parte técnica; entre 2011 e 2015 desempenhando actividade na parte comercial, realizando orçamento e acompanhando os pedidos)], mas todas negligenciando a possibilidade de a autora ser a única entidade com quem a autora tinha acordo de distribuição no norte de Portugal por opção prática da ré, decorrente, seja do hábito fruto da ligação que ao longo dos anos foi mantendo com a autora, seja da facilidade em utilizar um canal de distribuição já aberto. Outras testemunhas negaram tal acordo [U... (director comercial da ré desde 2010); M... (director geral da ré entre 2012 e 2015); V... (representante de uma empresa com quem a ré manteve e mantém acordo de distribuição em Portugal, tendo em audiência de julgamento afirmado que durante anos manteve e mantém um cliente no norte de Portugal, com conhecimento da autora, sem qualquer objecção da parte desta; e ainda que, no que a si diz respeito, desconhece qualquer vinculação exclusiva da aqui ré, mesmo para o sul de Portugal)]. Naturalmente que o relatado pela testemunha D... (concretamente que já em 2010 empresas que laboravam na suposta área geográfica destinada à autora afirmavam estarem a ser fornecidas directamente pela ré, sem conhecimento da autora) não deixa de causar surpresa, na medida em que se desconhece qualquer reacção imediata da autora a tal circunstância. A existir a convenção de exclusividade que a autora reclama, seguramente tal comportamento da ré não deixaria de ser imediatamente alvo de reclamação por parte da autora – assim se compreende que actuaria o normalmente diligente, capaz, sagaz e inteligente distribuidor confrontado com a violação da sua área geográfica exclusiva de actuação. Mas não há notícia de qualquer reclamação a este título antes de 02 de Janeiro de 2012 (cfr fls 42). E, a este propósito, veja-se a aparente simplicidade com que, em 1995 e a 14 de Maio de 2014, a ré informa a autora que, no ano de 2013, efectuou determinada quantidade de vendas no norte de Portugal sem a intervenção da autora (cfr documentos que constam de fls 324 e 372, traduzidos a fls475 498). A circunstância de a ré, em diversos documentos (por exemplo, veja-se o teor de fls 22 e 361 a 363), identificar a autora como sua representante, manifestamente por si só não torna necessária a convenção de exclusividade. Em suma, séria dúvida subsiste quanto à existência do pacto de exclusividade invocado pela autora. Dúvida que se revela inultrapassável se considerarmos que a experiência ensina que o pacto de exclusividade habitualmente surge associado a um forte grau de integração do distribuidor em organização alheia – ou seja, o fornecedor dos produtos habitualmente concede o direito à distribuição exclusiva dos seus produtos numa determinada área geográfica a entidades que simultaneamente assumem diversos vínculos acessórios (aquisição mínima de produtos; submissão à política comercial da organização; fiscalização mínima da actividade; etc., etc.). Ora, como facilmente resulta da simples análise dos pontos 35- a 41- e 43- da matéria de facto provada, simplesmente inexistiu mínima integração da autora na organização comercial da ré (além do facto óbvio de a autora distribuir os produtos da ré). Assim, a dúvida insanável, associada à aplicação das regras do ónus da prova, fundou a inclusão dos pontos a-, b-, f- e g- no elenco dos factos não provados.”
Importa em primeiro lugar referir que, neste âmbito da decisão de facto não está em causa saber se houve acordo escrito de exclusividade, que nem sequer foi invocado. Tal questão poderá colocar-se apenas na apreciação da validade ou invalidade de um eventual acordo de exclusividade, em razão da forma que observou, não tendo a sua sede própria de apreciação na decisão de facto, mas antes em sede de direito. A resposta à matéria de facto tem por referência os factos que são alegados pelas partes, sendo que o que a A. alega na sua petição inicial é que foi celebrado um acordo de distribuição entre as partes e que ela actuava, primeiro em todo o território nacional e depois no território a norte de Coimbra, como distribuidora exclusiva da R., conforme decorre dos art.º 16.º a 19.º da p.i.
A respeito desta matéria, perece-nos que o tribunal a quo não fez uma correcta avaliação dos elementos probatórios constantes dos actos, afigurando-se que os mesmos permitem concluir que a A. actuava como distribuidora exclusiva dos produtos da R., primeiro em Portugal e depois de a Norte de Coimbra e ilhas.
Tal como se reconhece na fundamentação apresentada, diversas testemunhas referem que a A. era a representante exclusiva da R. em Portugal. Essa referência é feita não só por testemunhas que trabalham ou trabalharam para a A., como é o caso das testemunhas D..., E..., F... e G... que detalhadamente explicaram a forma como decorria o relacionamento comercial entre as partes afirmando que a A. era representante exclusiva da R. até Coimbra e ilhas, o que apresentam como dado adquirido pelas partes no seu relacionamento comercial e a testemunha E... refere ter confirmado em várias reuniões em que participou e relembrado a si pelo Sr. W..., anterior gerente da R.
Mas também P... ou X... o afirmam, o primeiro responsável de vendas de um cliente da R. do grupo Y..., que refere quando pretendeu adquirir os produtos da R. se informou previamente junto desta se a A. era a sua representante exclusiva em Portugal, dela obtendo essa confirmação, até porque não podiam ter um fornecedor que não fosse exclusivo e a segunda, responsável da Z... que afirma que a A. era tratada pela R. como sua representante; também a testemunha Q..., representante comercial da R. para Ourense, explicou que cada representante tinha uma zona autorizada de vendas onde actuava como exclusividade, tendo participado em reuniões onde estiveram vários representantes da R. entre os quais a A. O depoimento de todas estas testemunhas afigura-se como credível e isento, sendo manifesto o desinteresse das mesmas no desfecho da acção não se vendo razão para a sua desvalorização.
Esta situação referida pelas testemunhas encontra além do mais acolhimento em alguns documentos juntos aos autos.
No documento junto a fls. 22 dos autos, onde a R. identifica os vendedores dos seus produtos com referência a uma área de território consta: Portugal Norte- B..., Ltd. seguido do email de contacto da A.; o documento de fls. 42 email enviado pela A. à R. em Janeiro de 2012 revela o descontentamento dela pelo facto de terem ocorrido vendas da R. a clientes que visitou, sem o seu conhecimento, mencionando o acordo de não haver ninguém a representar a R. para além dela; o documento de fls. 42 vs.º de um cliente datado de Novembro de 2013, dirigido à A. informa a mesma que houve uma pessoa que se lhe apresentou como representante da R. do que manifesta estranheza, referindo que há bons anos estabelece relações com a R. sempre através da A. e pedindo esclarecimentos para a situação; os documentos de fls. 328 e 333 em que a R. se refere à A. como sua agente; o documento de fls. 330 em que a R. dirigindo-se à A. a propósito da venda a um cliente, refere que à A. será paga a comissão habitual.
Por outro lado, as testemunhas U... e M... que começaram a trabalhar na R. respectivamente em 2010 e 2012, revelam um depoimento muito comprometido com a posição que a R. defende nos autos, referindo a primeira testemunha que “os clientes não são de ninguém, mesmo os que foram angariados pelo representante”, mas ambos reconhecem que a A. era a sua única representante para o Norte de Portugal, embora rejeitem a exclusividade, afirmando que a R. nunca abdicou de proceder ela própria à venda dos seus produtos. Esta situação da R. proceder à venda dos seus produtos vem, no entanto, contemplada no ponto 6 dos factos provados mas associada ao pagamento de uma comissão à A.
Crê-se, com todo o respeito, que o Exm.º Juiz a quo na apreciação que fez da matéria em causa, centrou a mesma na questão de saber se houve acordo das partes no sentido da exclusividade, sendo que o que é efectivamente alegado pela A. na sua petição inicial, quando caracteriza o acordo das partes, não é a existência de um acordo expresso nesse sentido, nem escrito, nem verbal, mas antes, depois de caracterizar o acordo das partes (art.º 10.º a 14.º da p.i.) alega que actuava como distribuidora exclusiva da R., pretendendo que era nesse pressuposto que se desenvolvia todo o relacionamento comercial das partes.
Dos elementos probatórios juntos aos autos e designadamente dos mencionados, resultando embora que os mesmos são insuficientes para que se possa dar como provada a existência de um acordo expresso entre as partes, escrito ou verbal, no sentido da exclusividade da venda de produtos da R. pertencer à A., já se pode dizer com segurança que a A. era a única representante dos produtos da R. no território nacional a Norte de Coimbra e ilhas, aí actuando como sua representante exclusiva.
Em conclusão, devem ser eliminadas as al. a) e b) dos factos não provados por não retractarem fielmente factos alegados pela A. na petição inicial nos art.º 16.º a 19.º da p.i. aos quais pretendeu responder e em substituição devem ser aditados dois factos aos factos provados, com os n.º 6A e 6B e com a seguinte redacção:
6A- a empresa I..., Ldª foi nomeada pela R. como sua distribuidora para o território nacional a sul de Coimbra; (acordo das partes).
6B- a A. era a única distribuidora da R. no território a norte de Coimbra e ilhas e aí actuava como sua representante exclusiva.
- Quanto à al. c) dos factos não provados
Pretende a Recorrente que a matéria constante deste ponto que foi considerada não provada, seja tida como provada.
É a seguinte a sua redacção:
c)Após a denúncia referida em 32, a ré tenha mantido a grande maioria dos clientes angariados pela autora entre 1994 e 2014.
Invoca a Recorrente que isso se impõe em face dos factos dados como provados nos pontos 3, 8, 9, 10, 11, 12, e 13 a 31 que mostram o volume de negócios feito com os clientes angariados pela A. e a implantação que a R. teve em virtude da sua actividade, conjugado com o depoimento das testemunhas Q..., que foi representante da R. para Ourense, E..., D..., F..., H... e G....
A matéria que consta desta al. c) não se trata de um facto mas antes de uma conclusão, que para constar dos factos provados necessitaria de ser concretizada no sentido de saber quais os clientes que foram angariados pela A. que a R. manteve após as partes terem cessado o seu relacionamento comercial.
O art.º 607.º n.º 4 do C.P.C. estabelece: "Na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência".
Consideramos que é pacífica a conclusão de que a decisão sobre a matéria de facto só pode ser integrada por factos, o que decorre da norma mencionada, devendo assim ficar afastados da mesma os juízos meramente conclusivos ou os conceitos de direito.
Os contornos entre o que é facto e o que é direito são muitas vezes ténues, ensinando-nos Anselmo de Castro, in. Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 269: “a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são flutuantes”.
Assim, nem sempre é fácil distinguir um facto de uma conclusão ou distinguir matéria de facto de matéria de direito. Diz-nos o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/10/2013, no proc. 488/08.1TBVPA.P1, in. www.dgsi.pt: “Pode afirmar-se, em sentido muito simplificador, que uma conclusão implica um juízo sobre factos e estes, quando em si mesmos considerados, revelam uma realidade, compreensível e detetável sem necessidade de qualquer acréscimo dedutivo.
A jurisprudência tem vindo a considerar, do que é exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 2014, no proc. 39/12.3T4AGD.C1.S1, in. www.dgsi.pt que: “são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio, ou seja, na expressão do Ac. de 09-12-2010 deste Supremo Tribunal, que invadam o domínio de uma questão de direito essencial.”
À luz destas considerações e revertendo para o caso em presença, sem grande dificuldade se percebe que a matéria que consta da alínea c) dos factos não provados tem natureza conclusiva, apenas podendo ser alcançado com recurso a factos concretos que o revelem. Saber se após a denuncia do contrato a R. manteve a maioria dos clientes angariados pela A. é uma conclusão que apenas poderá resultar do apuramento dos clientes em concreto que foram angariados pela A., bem como daqueles aos quais a R. continuou a vender os seus produtos, após cessar o seu relacionamento comercial com aquela.
Para além desta al. c) conter matéria conclusiva e não puramente factual, regista-se que esta matéria se assume como relevante para efeitos de integração da previsão do art.º 33.º do Decreto-Lei 178/86, norma que se respeita à indemnização de clientela que a A. pretende fazer valer nestes autos, onde se prevê, como um dos seus requisitos, que a contraparte venha a beneficiar consideravelmente da actividade desenvolvida pelo distribuidor, após a cessação do contrato.
Esta matéria, contida na conclusão que a Recorrente pretende que está provada, de que após a denuncia do contrato a R. manteve a maioria dos cliente angariados pela A., além de ser conclusiva é susceptível de interferir com a decisão do litígio, pelo que só poderá ser avaliada em função dos factos concretos que a revelam e que venham a resultar provados.
Sempre se dirá ainda, com respeito à alegação da Recorrente sobre esta matéria, que a mesma é genérica e conclusiva (art.º 81 da p.i.), sem referência concreta aos clientes por si angariados de que a R. continuou a beneficiar ou ao volume de negócios que continuou a manter, além de que os meios de prova produzidos nos autos, designadamente os que por si são apontados, também nunca permitiriam considerar a mesma como provada.
As testemunhas apontadas pela Recorrente referem-se em primeira linha aos clientes angariados pela A., manifestando muito escasso ou nenhum conhecimento quanto aos clientes angariados pela A. que continuaram a ser clientes da R. depois da cessão do contrato. A testemunha E... é a única que no seu depoimento revela algum conhecimento desta questão, admitindo porém que um grande cliente que era a N..., passou para a concorrência. Por outro lado, a própria alegação da A. na petição inicial vai no sentido de que muita da clientela que havia angariado para a R. veio a perdê-la na parte final do seu relacionamento comercial, a partir de 2012, em razão dos preços pouco competitivos praticados pela R. e atrasos no fornecimento dos produtos.
Em face do exposto, já se vê que a matéria da al. c) em causa tem de considerar-se como não escrita, por não conter factos mas conclusão, sendo relevante para a solução do litígio, que importa avaliar em sede de apreciação jurídica da questão controvertida, em função dos factos que venham a resultar provados, sendo aí a sede própria para a ponderar à luz dos factos provados em 3, 8, 9, 10, 11, 12, 13 a 31 que a Recorrente invoca.
Elimina-se por isso a al. c) dos factos não provados.
- Quanto à al. d) dos factos não provados
A Recorrente insurge-se quanto à resposta do tribunal à matéria que consta da al. d) dos factos não provados, pretendendo que se considere provado que:
“Entre 2009 e 2014, a autora auferiu as seguintes quantias a título de lucro pela revenda dos produtos fornecidos pela R, bem como a título de comissões pela promoção de vendas directas:
a. 2009 – € 210.529,00 de lucro;
b. 2010 – € 278.755,00 de lucro e 684,00€ de comissões;
c. 2011 - € 251.831,00 de lucro e 457,00€ de comissões;
d. 2012 - € 285.679,00 de lucro e 18.145,00€ de comissões;
e. 2013 - € 217.604,00 de lucro e 15.852,00€ de comissões;
f. 2014 - € 131.648,00 de lucro e 26.787,00€ de comissões.”
Na al. d) o tribunal considerou não provado que:
d) entre 2009 e 2014, a autora tenha auferido as seguintes quantias a título de lucro pela revenda dos produtos fornecidos pela ré:
a. 2009 – € 210.529,00;
b. 2010 – € 278.755,00;
c. 2011 - € 251.831,00;
d. 2012 - € 285.679,00;
e. 2013 - € 217.604,00;
f. 2014 - € 131.648,00 (art.º 90.º a 95.º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 107.º da contestação).
A resposta do tribunal a esta matéria é fundamentada da seguinte forma:
“Por último, a inclusão do ponto d- na matéria de facto não provada resulta da aplicação das regras do ónus da prova, atendendo a que o único meio de prova sobre esta matéria produzido em audiência de julgamento se reconduz ao depoimento da testemunha T..., contabilista da autora desde 2013, que declarou ter consultado os registos contabilísticos da autora desde 1994, resumindo-se o seu conhecimento a essa diligência. Face à posição aqui assumida pela ré, e atento o estabelecido no artigo 44º do Código Comercial, impunha-se a análise contraditória da contabilidade da autora, afigurando-se manifestamente insuficiente a este propósito a simples declaração em julgamento de ter ocorrido consulta dos registos contabilísticos.”
Na prática, o que o tribunal considerou foi a insuficiência do documento junto e do depoimento da testemunha em questão para considerar tais factos como provados, atenta a ausência de suporte documental contabilístico, que a A. está obrigada a ter, conforme impõe o Código Comercial, que permitisse a efectiva análise da contabilidade da A. e sua ponderação à luz dos lucros por si alegados, elementos que não foram apresentados nos autos.
Invoca a Recorrente para fundamentar a sua pretensão, o documento n.º 4 junto com a p.i. alegadamente elaborado com base na escrituração da A. por técnico oficial de contas e o depoimento deste técnico Sr. T....
O documento n.º 4 em questão, cuja visualização correcta apenas é permitida pelo processo electrónico, resultando truncado na sua impressão constante de fls. 25 dos autos, é apenas uma tabela na qual constam enunciados, relativamente aos anos de 1995 a 2014, o que pretendem ser o valor total de encomendas feito à R., a facturação global dos artigos aos clientes, o lucro, a margem em percentagem, as vendas directas, as comissões afectas a essas vendas, a margem de lucro em percentagem dessas vendas, o lucro global e a margem global. Não pode deixar de constatar-se a singeleza de tal documento que apresenta valores anuais globais sem qualquer outra descriminação, registando-se que relativamente a eles nem sequer é apresentada qualquer remissão para elementos de contabilidade ou outros documentos que em concreto permitam justificá-los ou perceber como é que os mesmos foram obtidos.
Por outro lado, a testemunha T..., contabilista certificado da A. desde o início de 2013, refere no seu depoimento que elaborou tal documento fazendo um levantamento através do sistema informático da A., de todas as compras da A. à R. e respectivas vendas, chegando à diferença entre o valor que compraram e o valor que venderam, que fez reflectir no mencionado documento que elaborou e que se encontra junto aos autos. Não obstante as obrigações legais que impendem sobre estes técnicos, não podemos deixar de reconhecer que o seu depoimento perde muita relevância e mesmo credibilidade, pelo facto de não ser acompanhado pelos elementos a que o mesmo alude, precisamente por não permitir a sindicância dos mesmos, nem pelo tribunal, nem pela parte contrária.
A A. que é uma sociedade comercial com obrigatoriedade de dispor contabilidade organizada, teria uma prova fácil se apresentasse nos autos os elementos contabilísticos que alegadamente suportaram a feitura do documento junto aos autos, não se compreendendo a razão de não o ter feito. A alegação feita pela A. nos art.º 90.º a 95.º da p.i nem sequer é genérica, antes se apresenta como muito precisa, o que revela que a A. para chegar a tal valor teve necessariamente de se socorrer dos seus documentos e do seu suporte contabilístico, de outra forma onde iria buscar a determinação de tais montantes?
Tratando-se de valores por ela auferidos pela margem de lucro de que beneficiou pela revenda dos produtos que adquiriu à R. ou de comissões por vendas feitas pela A., tal suporte documental tem de existir através de notas de comissões, de notas de encomenda ou de facturas, sendo obrigatório para empresa ter contabilidade organizada e manter os seus documentos de contabilidade pelo menos durante o período de 10 anos, conforme estipula o art.º 40.º do C.Comercial.
Em face do exposto, afigura-se que os meios de prova que incidiram sobre esta matéria, tal como considerou o tribunal a quo, são manifestamente insuficientes para que o tribunal possa ter como provada a matéria alegada nos art.º 90.º a 95.º da p.i., improcedendo nesta parte a impugnação apresentada pela A.
- Quanto aos factos 34, 36, 39, 40 e 42 dados como provados
Entende a Recorrente que estes factos devem ser tidos como não provados.
É a seguinte a redacção destes factos impugnados:
34- À data da denúncia referida em 32-, apenas um cliente (o grupo «N...») representava a maioria da facturação da ré em Portugal através da autora [artigo 17º da contestação; matéria antecipadamente impugnada nos artigos 21º e 81º da petição inicial].
36- A ré, a pedido da autora, normalmente apunha nas embalagens dos produtos que entregava em Portugal as menções “B2...” e “B...”, como se tratasse de um produto da autora [artigo 47º da contestação; matéria não impugnada pela autora].
39- A ré, ao longo de todo o relacionamento comercial que manteve com a autora, não deu instruções à autora sobre o desenvolvimento do negócio, limitando-se a recomendações e indicações genéricas [artigo 52º da contestação; matéria não impugnada pela autora].
40- A autora, ao longo de todo o relacionamento comercial que manteve com a ré, jamais remeteu à ré informação com a listagem completa de clientes, tendo a ré conhecimento da identificação dos clientes porque na maioria dos casos efectuava a entrega dos produtos nas instalações daqueles, embora não conhecia os vendedores dos clientes nem os decisores na estrutura dos referidos clientes [artigos 53º a 55º da contestação; matéria não impugnada pela autora].
42- Na actividade económica da autora, a comercialização dos produtos fornecidos pela ré representava cerca de 10% dos proventos auferidos autora [artigo 60º da contestação; matéria não impugnada pela autora].
Alega a Recorrente que o tribunal de 1ª instância não podia entender que houve acordo das partes sobre esta matéria e assim tê-la como provada, apenas pelo facto da A. não a ter impugnado, por sobre si não recair qualquer ónus de o fazer, tratando-se de matéria alegada pela R. na contestação e não configurando matéria de excepção (nem assim ter sido denominada pela R. naquele articulado), não sendo por isso sequer admissível qualquer resposta. Invoca ainda assim o depoimento de testemunhas ouvidas que a infirmam.
O tribunal a quo, na motivação que apresentou sobre a resposta dada a esta matéria refere quanto aos pontos 34, 36, 39 e 40 o seguinte:
“A inclusão dos pontos 34- a 41- e 43- na matéria de facto provada, relativos à concreta forma como foi sendo executado o acordo celebrado entre autora e ré, resulta, quer do acordo das partes (acordo resultante da alegação da ré não impugnada pela autora), mas também do que a este propósito em audiência de julgamento referiram as testemunhas E... (responsável comercial da autora, funcionário entre 1996 e 2012 e a partir de 2012), F... (funcionária da autora, como assistente da administração, entre 1993 e 2014), H... (funcionário da autora entre 2011 e 2013, desempenhando funções como assistente comercial), unânimes em referir que ao longo de vários anos apenas um cliente representava a maioria da facturação da ré em Portugal; que a autora sempre se manteve como distribuidora de outros produtos, de outras empresas; que na maioria dos casos as embalagens dos produtos fornecidos continham o logotipo da autora e não da ré; que a ré jamais impôs políticas comerciais ou fixou objectivos, nem atribuiu prémios ou aplicou penalidades; que a autora jamais teve de conformar as suas instalações ou o seu quadro de pessoal à actividade de revenda dos produtos da ré.” Já quanto ao ponto 42 refere-se apenas na motivação da decisão que o mesmo foi considerado demonstrado pela falta de impugnação da A. a quem competia tomar posição sobre os factos alegados, nos termos dos art.º 3.º n.º 4 e 587.º n.º 1 do C.P.C. mencionando, não obstante, o depoimento das testemunhas E... e F... que referiram que o peso da comercialização dos produtos da R. no volume de negócios da A. situar-se-ia em 40% a 50%.
A matéria mencionada nestes pontos de facto impugnados é retirada da alegação feita pela R. na sua contestação. Afigura-se-nos claro que o tribunal recorrido não podia ter retirado a consequência de que existe acordo das partes quanto aos mesmos, apenas pela circunstância da A. não os ter impugnado e assim considerar tais factos como provados, na medida em que sobre esta não impendia qualquer ónus de impugnação especificada dos mesmos.
Tem assim inteira razão a Recorrente quando vem dizer que não podiam ter sido retiradas as consequências processuais que o tribunal retirou da não impugnação expressa dos factos pela A. uma vez que não se trata de matéria de excepção, não podendo por isso considerar-se que a mesma foi admitida por acordo. Senão vejamos.
Relativamente às excepções deduzidas na contestação pode a parte contrária a elas responder na audiência prévia ou, não tendo ela lugar, no início da audiência de julgamento, como estabelece o art.º 3.º n.º 4 do C.P.C. a propósito do princípio do contraditório. Também o art.º 587.º n.º 1 do C.P.C. dispõe no seu nº 1 que a falta de apresentação da réplica ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu tem o efeito previsto no artigo 574.º.
Este art.º 574.º que se refere ao ónus de impugnação especificada prevê no n.º 1 que o R. na contestação deve tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo A. Já no seu n.º 2, prevê que se considerem admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa apresentada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito, permitindo ainda que a admissão de factos instrumentais seja afastada por prova posterior.
Conforme estabelece esta norma, o R. não tem de tomar posição sobre todos os factos alegados pelo A. na petição inicial, mas tão só sobre os factos que constituem a causa de pedir. Considerando a remissão do art.º 587.º n.º 2 do C.P.C. para este artigo, e procedendo às necessárias adaptações à defesa do A. a partir da matéria alegada na contestação, temos de concluir que o A. deve tomar posição definida, não sobre todos os factos alegados na contestação, mas tão só sobre os factos essenciais que integram matéria de excepção deduzida na contestação, sob pena de se considerarem admitidos por acordo, no âmbito definido no n.º 2 do art.º 574.º. É também a esta matéria de excepção que se refere a exigência do contraditório prevista no já referido art.º 3.º n.º 4 do C.P.C.
O efeito cominatório de se terem como admitidos por acordo os factos que são alegados pelo R. na contestação e não impugnados, é restrito aos factos essenciais que integram matéria de excepção por ele invocada e que não mereceram resposta do A.
A gravidade deste efeito cominatório para o A., resultante de se considerarem admitidos por acordo os factos alegados pelo R. e não impugnados por si, veio a determinar uma exigência formal imposta pelo legislador, como condição para a sua verificação, que vem prevista no art.º 572.º do C.P.C. a respeito dos elementos da contestação. Aí se contempla, na al. c) a previsão de que o R. deve na contestação: “Expor os factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respectivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação.
Na situação em presença, a R. na contestação que apresenta não especifica separadamente, nem indica expressamente qualquer excepção, o que não faz precisamente porque ao apresentar a sua defesa na contestação o faz apenas por impugnação.
O art.º 571.º do C.P.C. prevê a defesa por impugnação e por excepção, definindo os seus conceitos no n.º 2 nos seguintes termos: “O réu defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição inicial ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor; defende-se por exceção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da cação ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido.
A defesa por impugnação tanto pode consistir numa negação directa dos factos, como numa negação indirecta ou motivada, em que é apresentada uma versão diferente dos factos alegados pelo A., pretendendo o R. com isso obstar a que se produza o efeito jurídico por ele pretendido; já a defesa por excepção determina a alegação de factos novos que impedem, modifiquem ou extinguem o direito invocado pelo A.
A este respeito vale a pena ter em conta a posição de Abílio Neto, in. Novo Código de Processo Civil anotado, pág. 621 em anotação ao art.º 571.º, com a qual se concorda inteiramente: “Como resulta do n.º 2 deste artigo 572.º, a impugnação implica sempre uma negação de factos, ou dos seus efeitos jurídicos, através da negação simples e directa ou de negação motivada, que se traduz na alegação de outros factos, distintos e opostos àqueles, dando-se uma nova versão da realidade; por seu turno, a excepção peremptória consiste na invocação dos factos que, embora aceitando os primeiros, se destinam a impedir, modificar ou extinguir os seus efeitos jurídicos. A distinção entre a negação motivada e a excepção peremptória é susceptível de provocar, na prática, algumas dúvidas, que poderão, porventura, dissipar-se conforme o sentido da alegação das partes nos articulados e tendo em conta o efeito jurídico pretendido. Subsistindo a dúvida, a defesa deve ser qualificada como impugnação, pela maior garantia dada à verdade material em face dos efeitos resultantes da falta de resposta.”
Avaliando a contestação apresentada pela R. verifica-se que a mesma deduz uma impugnação quer directa, quer motivada dos factos alegados pela A. na petição inicial, apenas apresentando uma versão diferente sobre o relacionamento comercial mantido entre as partes que, no seu entender, é susceptível de obstar à procedência do pedido por ela formulado.
Pelo exposto, conclui-se que no julgamento dos factos alegados pela R. na contestação, designadamente daqueles relativamente aos quais a Recorrente vem manifestar a sua discordância com a decisão do tribunal, o tribunal a quo não podia ter considerado os mesmos admitidos por acordo e por isso provados, só pela circunstância de não terem sido expressamente impugnados pela A., por não estar em causa qualquer facto essencial que integre matéria de excepção, sendo que, mesmo que assim se pudesse considerar, sempre estaria excluída a possibilidade de acordo por falta de impugnação, por a R. não ter individualizado qualquer excepção na sua contestação, atento o disposto no art.º 572.º al. c) do C.P.C.
Importa então avaliar a resposta do tribunal a estes factos, em face dos elementos probatórios que são indicados na decisão e também dos referidos pela Recorrente para a pôr em causa.
Quanto ao ponto 34 entende-se que, afastado o “acordo das partes” invocado pelo tribunal de 1ª instância na decisão, a prova produzida nos autos não permite dizer, como dele consta, que apenas um cliente representava a maioria da facturação da R. em Portugal, à data da denuncia do contrato.
As testemunhas E... e H..., ambos trabalhadores da A. situam a percentagem da representação do cliente N..., o primeiro em aproximadamente 70% e a segunda em 40%, pronunciando-se ainda sobre isso a testemunha M... que aponta para o valor de 90%. A grande discrepância entre os valores percentuais apresentados pelas três testemunhas referidas revela que os depoimentos em questão se baseiam mais em meras percepções falíveis do que em elementos concretos que não são sequer referidos para as sustentar. Considera-se que estamos também aqui perante matéria que, para a sua prova exigiria um suporte documental que não foi apresentado nos autos.
O facto constante do ponto 34 deve por isso ter-se como não provado, atenta a insuficiência da prova produzida.
Quanto ao ponto 36 considera-se também que os meios de prova referidos pelo tribunal na sua motivação, não permitem ter a matéria que aí consta como provada nos exactos termos em que foi, apenas permitindo dizer que, em alguns casos era aposto o logotipo da A. nos produtos da R.
A testemunha E... e H... referem que em alguns casos as embalagens dos produtos fornecidos continham o logotipo da A. e noutros não, quando era o caso de ser a R. a facturar.
Também a testemunha D..., pronunciando-se sobre esta matéria diz que as embalagens vinham com os logotipos das duas empresas.
Tais elementos de prova permitem dizer, não exactamente o que consta do ponto 36, mas apenas que: “A R. apunha nalgumas embalagens que entregava em Portugal as menções B2... e B....”
Determina-se por isso a alteração do ponto 36 da matéria de facto, nos termos referidos.
Quanto ao ponto 39
Verifica-se que o mesmo contém matéria puramente conclusiva, à qual o tribunal não deve responder, escusando-nos de repetir aqui o que já se referiu a propósito desta questão.
A matéria que consta deste ponto, para além de conter na sua primeira previsão um facto negativo, representa a qualificação da posição da R. perante a A. no decurso de todo o relacionamento comercial entre elas, não permitindo a prova produzida nos autos concluir que a R. não deu instruções à A., sendo que sempre importaria concretizar em que é que se traduziu a posição ou intervenção da R. para depois podermos qualifica-la como recomendações ou indicações genéricas e não como instruções.
Não podendo dizer-se que tal matéria alegada pela R. foi aceite pela A., conforme já referido, impõe-se a sua eliminação dos factos provados.
Quanto ao ponto 40
As testemunhas D... e H... referem que a A. enviava à R. os dados dos clientes, seguindo todos os elementos do cliente quando era enviada a amostra do produto, sendo que a maioria das vezes era a R. que procedia directamente à entrega dos produtos aos clientes.
Já a testemunha E... diz que era enviada uma listagem dos clientes que todos os anos era actualizada.
Não podendo dizer-se, como fez o tribunal a quo, que houve acordo das partes nesta matéria, já se vê que a prova testemunhal produzida nos autos vem infirmar o que foi dado como provado neste ponto, que carece de suporte na prova produzida nos autos, alterando-se a decisão proferida nesta parte e considerando-se como não provada a matéria do ponto 40 da decisão de facto.
Quanto ao ponto 42
Também esta matéria tem de ser dada como não provada, na ausência de acordo das partes, tratando-se além do mais, mais uma vez, de matéria conclusiva.
O tribunal a quo na motivação que apresenta quanto a este ponto vem mencionar o depoimento das testemunhas E... e F... que se pronunciaram em sentido diferente do alegado pela R., apontando para um peso dos produtos da R. de 40% a 50% no volume de negócios da A. O tribunal afastou a ponderação destes depoimentos por entender, indevidamente, como já se viu, que se tratou de matéria alegada na contestação e não impugnada.
Verifica-se assim que os meios de prova indicados pelo tribunal sobre esta matéria nunca permitiriam que se considerasse a mesma provada, impondo-se a alteração da decisão no sentido de ter a mesma como não provada.
Julga-se o recurso da matéria de facto apresentado pela A. parcialmente procede, determinando-se a alteração da decisão de facto nos termos que ficaram expostos.
*
Os factos que resultaram provados são os seguintes:
1- A autora é uma empresa portuguesa que se dedica à representação, comércio e distribuição de produtos de embalagens e afins desde 1988 [artigo 7º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 7º da contestação].
2- A ré é uma empresa espanhola que se dedica ao fabrico e venda de produtos de embalagens e afins [artigo 8º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 7º da contestação].
3- Em 1992 os produtos comercializados pela ré não possuíam qualquer tipo de implantação em Portugal [artigo 9º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 7º da contestação].
4- Por força do referido em 3-, em 1994 autora e ré verbalmente acordaram em que a primeira desenvolveria contactos com vista à implantação do nome da marca da ré em Portugal, enquanto representante desta [artigos 10º, 11º e 16º da petição inicial; matéria expressamente aceite nos artigos 7º e 11º da contestação].
5- Segundo o acordo referido em 4-, a autora distribuiria em Portugal os produtos fabricados pela ré, adquirindo à autora as mercadorias e revendendo-os aos clientes em seu próprio nome, aplicando uma margem de lucro ao preço de venda [artigos 12º e 13º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 7º da contestação].
6- Em determinadas alturas da relação comercial estabelecida entre autora e ré, a autora promoveu vendas directas da ré aos adquirentes dos produtos desta, pelo facto recebendo uma comissão [artigos 14º e 15º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 7º da contestação].
6A- a empresa I..., Ldª foi nomeada pela R. como sua distribuidora para o território nacional a sul de Coimbra; (aditado)
6B- a A. era a única distribuidora da R. no território a norte de Coimbra e ilhas e aí actuava como sua representante exclusiva. (aditado)
7- Este acordo não escrito de distribuição manteve-se até 2014, permitindo a implantação em Portugal dos produtos fabricados pela ré [artigo 19º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação]…
8- … Implantação decorrente dos clientes angariados pela autora e da promoção do nome e produtos da ré [artigos 21º, 81º e 82º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 92º da contestação].
9- Antes de 1992 a ré possuía um volume de negócios em Portugal de praticamente zero [artigo 25º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
10- No ano de 1993 a ré passou a ter em Portugal um volume de negócios de € 12.393,93 [artigo 26º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
11- No ano de 1994 a autora adquiriu à ré mercadoria de valor superior a € 111.198,89 [artigo 27º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
12- No ano de 1995 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 865.799,00 [artigo 28º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
13- No ano de 1996 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 1.048.177,00 [artigo 29º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
14- No ano de 1997 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 875.323,00 [artigo 30º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
15- No ano de 1998 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 1.124.658,00 [artigo 31º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
16- No ano de 1999 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 1.109.963,00 [artigo 32º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
17- No ano de 2000 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 1.564.758,00 [artigo 33º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
18- No ano de 2001 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2.443.182,00 [artigo 34º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
19- No ano de 2002 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2.522.967,00 [artigo 35º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
20- No ano de 2003 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2.584.566,00 [artigo 36º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
21- No ano de 2004 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2.753.202,00 [artigo 37º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
22- No ano de 2005 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2.663.261,00 [artigo 38º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
23- No ano de 2006 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2.606.647,00 [artigo 39º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
24- No ano de 2007 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 3.048.670,00 [artigo 40º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
25- No ano de 2008 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2.382.166,00 [artigo 41º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
26- No ano de 2009 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2.644.408,00 [artigo 42º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
27- No ano de 2010 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 3.417.745,00 [artigo 43º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
28- No ano de 2011 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 4.603.724,00 [artigo 44º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
29- No ano de 2012 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 4.591.212,00 [artigo 45º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
30- No ano de 2013 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2.088.464,00 [artigo 46º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
31- No ano de 2014 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 1.109.141,00 [artigo 47º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
32- Por carta datada de 16 de Setembro de 2014, a ré comunicou à autora a denúncia do contrato referido em 4- a 6-, com efeitos a partir de 31 de Janeiro de 2015 [artigo 78º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
33- Entre 2009 e 2014, a autora auferiu as seguintes quantias, a título de comissões pagas pela ré:
a. 2009 – 0;
b. 2010 – € 684,00;
c. 2011 - € 457,00;
d. 2012 - € 18.145,00;
e. 2013 - € 15.852,00;
f. 2014 - € 26.787,00 [artigos 90º a 95º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 106º da contestação].
34- (eliminado)
35- A autora, ao longo de todo o relacionamento comercial que manteve com a ré, sempre actuou como distribuidora de outros produtos, de outras empresas além da ré [artigos 44º e 45º da contestação; matéria não impugnada pela autora].
36- A R. apunha nalgumas embalagens que entregava em Portugal as menções B2... e B.... (alterado)
37- A ré, ao longo de todo o relacionamento comercial que manteve com a autora, não impunha quotas de produtos a adquirir pela autora, antes juntamente com a autora fixava objectivos de vendas no início de cada ano [artigos 48º e 49º da contestação; matéria não impugnada pela autora].
38- A ré, ao longo de todo o relacionamento comercial que manteve com a autora, não concedeu bónus à autora, nem aplicou penalidades a esta [artigos 50º e 51º da contestação; matéria não impugnada pela autora].
39- (eliminado)
40- (eliminado)
41- A autora, ao longo de todo o relacionamento comercial que manteve com a ré, jamais teve de organizar as suas instalações em conformidade com uma qualquer determinação ou orientação da ré [artigo 56º da contestação; matéria não impugnada pela autora].
42- (eliminado).
43- A autora, na sua estrutura, não dispunha de um departamento especificamente destinado à comercialização dos produtos fabricados pela ré [artigo 61º da contestação; matéria não impugnada pela autora].
IV. Razões de Direito
- da qualificação do contrato e regime jurídico aplicável
A Recorrente vem insurgir-se quanto à qualificação que na sentença recorrida foi dada ao acordo que vigorou entre as partes, pretendendo que estamos perante um típico contrato de concessão.
Na sentença proferida foi afastada a qualificação do contrato celebrado entre as partes como contrato de agência ou como contrato de concessão comercial, antes se considerando o mesmo um contrato de distribuição comercial. Aí se entendeu porém, que não possuindo regulamentação específica, a tal contrato se aplica o regime definido pelas partes ao abrigo do princípio da liberdade contratual, recorrendo-se nos casos omissos, por analogia, ao regime jurídico do contrato de agência, tendo sido ao abrigo do Decreto-Lei 176/86 de 3 de Julho que teve como aplicável, que apreciou os pedidos formulados pela A. fundados no seu alegado direito a uma indemnização de clientela e a haver da R. comissões não pagas.
Esta questão colocada pela Recorrente acaba por ser essencialmente dogmática, não assumindo grande relevância prática, uma vez que o tribunal recorrido entendeu aplicar ao caso o regime jurídico relativo ao contrato de agência, conforme defendido pela A., designadamente quanto ao regime da indemnização de clientela.
Ainda assim e por uma questão de rigor, far-se-á tal uma apreciação sintética.
O relacionamento comercial estabelecido entre a A. e a R., insere-se no domínio dos chamados acordos de distribuição relativos ao comércio, entendidos em sentido amplo, enquanto contratos duradouros que instituem uma relação de colaboração ou cooperação entre as partes e dos quais resulta um vínculo de dependência ou integração do distribuidor em relação ao produtor. Vd. Neste sentido, Maria Helena Brito, in. Novas perspectivas do direito comercial, pág. 109.
A integração do distribuidor na rede comercial do fornecedor pode assumir formas e densidades diversas, consoante os modos e o grau de colaboração estipulados pelas partes. É assim, que nuns casos, ao distribuidor compete apenas a mera promoção dos negócios no interesse do fornecedor e já não, necessariamente, a contratação directa com terceiros - é o que sucede no âmbito do contrato de agência, de acordo com a noção que nos é dada no art.º 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 118/93, de 13 de Abril; noutros casos, o distribuidor obriga-se a comprar ao fornecedor e a revender a terceiros, em seu nome e por conta própria, os produtos que o fornecedor se obriga a vender-lhe para esse efeito, com ou sem exclusividade de ambas ou de qualquer das partes, em quantidades e condições pré-estabelecidas - é o que se passa no domínio do contrato de concessão comercial.
No art.º 1.º do diploma mencionado vem definido contrato de agência nos seguintes termos: “agência é o contrato mediante o qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos em certa zona ou determinado círculo de clientes, de modo autónomo e estável e mediante retribuição.”
Como nos diz Carlos Lacerda Barata, in. Sobre o Contrato de Agência, pág. 35, são elementos essenciais do contrato de agência: a obrigação de promoção de contratos a cargo do agente; por conta de outrem; a delimitação territorial e subjectiva da actuação do agente; a autonomia do agente; a estabilidade do vínculo; a obrigação do pagamento de retribuição a cargo do principal.
Este contrato difere do contrato de concessão comercial, que na ordem jurídica portuguesa não se encontra legalmente tipificado, mas com ele tem pontos em comum.
O contrato de concessão comercial é, em síntese, o contrato pelo qual uma das partes (o concessionário), se obriga a comprar à outra (o concedente), para revender numa zona determinada, bens produzidos ou distribuídos pelo concedente - neste sentido, vd. Maria Helena Brito, in. O Contrato de Agência, pág. 125.
Por este contrato é instituída entre as partes uma relação duradoura mediante a qual o concessionário se obriga a promover a revenda dos produtos numa zona determinada, beneficiando normalmente de exclusividade de revenda nessa zona.
Daqui resulta uma forte afinidade entre o contrato de agência e o contrato de concessão comercial, não só quanto à actividade de distribuição desenvolvida pelo agente e pelo concessionário, mas ainda quanto à situação de dependência que existe por parte de ambos os intermediários relativamente ao produtor.
Encontramos, no entanto, sinais distintos destas duas figuras. No contrato de agência o agente actua por conta de outrem; no contrato de concessão comercial o concessionário actua em nome próprio e por sua conta: é o proprietário dos bens que distribui, comprando os produtos para os revender e suportando assim os riscos da sua actividade. Por outro lado, a remuneração do agente consiste numa retribuição pela actividade desenvolvida no interesse do principal; quanto ao concessionário não pode falar-se de retribuição mas antes de lucro, que o mesmo obtém na revenda dos produtos.
Tal como nos diz o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/11/2016, no proc. 275/07.4TBVPV.L1-7 in. www.dgsi.pt: “o núcleo essencial do contrato de concessão comercial traduz-se, por um lado, na compra e venda dos produtos destinados a revenda pelo concessionário – entidade independente e autónoma - e, por outro, na obrigação deste promover a venda desses mesmos produtos junto de terceiro, sendo, à partida, responsável pelos riscos da comercialização. É nesse contexto negocial que se desenrola a vinculação típica do contrato-quadro que põe em relação e dá corpo aos interesses do fornecedor em escoar os seus produtos e ao distribuidor que, independente e autónomo, é responsável pelos riscos da comercialização. Com essas obrigações típicas podem coexistir outras obrigações que visam, em diferentes graus de intensidade, a integração do distribuidor na rede comercial do fornecedor, como acontece, por um lado, com aquelas que se prendem com a definição dos objectivos e prossecução da política comercial do concedente (expressas através da fixação de: quotas de compra e revenda; directrizes sobre publicidade; condições de exposição dos produtos e assistência pós-venda) e, por outro, com as obrigações de informação e de apoio ao concessionário, a cargo do concedente, necessárias à organização e promoção das vendas.
Nalguns casos ainda, o fornecedor não assume a obrigação de exclusividade da venda nem atribui ao distribuidor exclusividade na revenda, nem este fica sequer obrigado a promover propriamente essa revenda, vinculando-se apenas à obrigação de orientar a clientela para os produtos que distribui, podendo assim o fornecedor vender os seus produtos a outros comerciantes e o distribuidor comprar para revenda produtos a outros fornecedores, estamos nestes casos perante o chamado acordo de distribuição autorizada.
Neste âmbito, tanto o fornecedor tem a faculdade de fornecer outros comerciantes como o distribuidor pode também abastecer-se junto de fornecedores concorrentes. O fornecedor limita-se a conceder ao distribuidor autorizado um estatuto preferencial na distribuição dos seus produtos, como contrapartida das garantias de aptidão técnico-profissional e comercial deste perante os consumidores. De referir que, quando o distribuidor actua em nome e por conta própria, assume, em regra, os riscos inerentes à comercialização dos produtos.
O contrato de distribuição comercial não é, na nossa ordem jurídica um contrato tipificado, mas pode considerar-se um contrato socialmente típico: é revelado pela prática dos negócios e tem-se difundido nas relações comerciais.
A distribuição comercial encontra-se mais próxima do contrato de concessão comercial do que do de agência, na medida em que o distribuidor actua por conta própria e em nome próprio: é proprietário dos bens que distribui, comprando os produtos para os revender e por isso suporta pessoalmente os riscos da sua actividade, enquanto no contrato de agência o agente actua por conta de outrem.
Dos contratos de distribuição em sentido amplo só o contrato de agência se encontra legalmente tipificado no Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei nº 118/93, de 13 de Abril, servindo, para efeitos de aplicação analógica, aos demais contratos de distribuição.
À luz destes conceitos e passando para o caso concreto, os factos apurados revelam que as partes ao abrigo do princípio da liberdade contratual celebraram um contrato misto, no qual se revelam características típicas de diferentes contratos de distribuição, não sendo a actuação da R. padronizada com um único dos contratos identificados.
O contrato celebrado entre as partes pelo menos em 1994 e que durou até 31 de Janeiro de 2015 demonstra o estabelecimento de uma relação comercial duradoura.
A actuação da R. não era uniforme, mas diferenciada, assumindo por vezes uma aproximação aos elementos caracterizadores do contrato de agência (quando promove vendas em nome da R. que são feitas depois directamente pela R. recebendo uma comissão), outras vezes ao contrato de concessão comercial (quando adquire produtos à R. que depois revende por sua conta, deles retirando uma margem de lucro, fixando as partes objectivos de vendas), tudo num âmbito territorial nacional delimitado a norte de Coimbra e Ilhas, sendo que, por outro lado, o relacionamento comercial que a A. mantinha com a R. não era exclusivo, pois sempre actuou como distribuidora de outros produtos, de outras empresas.
O relacionamento comercial estabelecido entre as partes revela assim elementos típicos do contrato de agência bem como do contrato de concessão comercial. De diferentes maneiras e de uma forma duradoura, a A. angariou clientes em Portugal e expandiu a comercialização dos produtos da marca da R., como é revelado pelos factos provados, que se referem ao volume de negócios da R. em Portugal nos vários anos em que as partes mantiveram relacionamento comercial, aos valores de mercadoria adquirido pela R. à A. e ainda às comissões pagas pela R. à A., que revelam a integração da A. na rede comercial da R.
Podemos assim concluir que ao contrato misto celebrado entre as partes, de distribuição comercial entendido em sentido amplo, que foi buscar algumas obrigações típicas quer do contrato de agência, quer do contrato de concessão comercial, é de aplicar as normas reguladoras do Decreto-Lei 178/86 de 3 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 118/93 de 13 de Abril, nomeadamente no que se refere à cessação do contrato e às indemnizações a ela associadas, atento o que se refere no preâmbulo dessa lei, ao consignar-se o contrato de agência nela regulado como modelar do contrato de concessão comercial, o qual é um dos elementos integradores da distribuição comercial e considerando naturalmente a analogia dos contratos em questão.
- do direito à indemnização de clientela
Pugna a Recorrente pela verificação dos requisitos que determinam a atribuição de uma indemnização de clientela, alegando que tem de considerar-se que a R. continuará a beneficiar do trabalho desenvolvido pela A. pelo facto de inicialmente a R. não ter qualquer implantação em Portugal e em razão do volume de negócios promovido pela A.
A sentença proferida entendeu que os factos provados são insuficientes para preencher os requisitos legais necessários à atribuição de tal indemnização.
Como já se referiu, o contrato celebrado entre as partes, naquilo em que por elas não foi expressamente acordado, encontra-se sujeito ao regime jurídico do Decreto-Lei 178/86 de 3 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 118/93 de 13 de Abril.
Em caso de cessação do contrato, o art.º 33.º n.º 1 de tal diploma confere o direito à indemnização de clientela, desde que verificados cumulativamente os requisitos estabelecidos nas suas diversas alíneas e que são:
“a) o agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;
b) a outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente;
c) o agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a).”
O art.º 34.º refere-se ao cálculo da indemnização de clientela, dispondo: “A indemnização de clientela é fixada em termos equitativos, mas não pode exceder um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos; tendo o contrato durado menos tempo, atender-se-á à média do período em que esteve em vigor.”
É pacífico que a indemnização de clientela não é uma indemnização no sentido próprio e estrito do termo, já que não visa a reparação de danos sofridos, sendo o seu valor determinado equitativamente e não de acordo com os critérios previstos no art.º 562.º ss. do C.Civil para a obrigação de indemnizar. Diz-nos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/05/2016 no proc. 2470/08.0TVLSB.L1.S1 in. www.dgsi.pt: “Entende-se comummente que, nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 11/11/2010 (cit.), “a forma como a lei define os requisitos e os termos da indemnização da clientela revelam que é a preservação do equilíbrio de cada contrato que ela visa proteger, repartindo entre o concedente (o principal, no caso da agência) e o concessionário (o agente) os benefícios que se projectam após a cessação do contrato, em consequência da actividade desenvolvida pelo concessionário (pelo agente) durante a sua vigência; basta ter em consideração o modo de cálculo da indemnização, assente na média anual das remunerações do contrato terminado.”
A indemnização de clientela visa a atribuição de uma compensação ao agente baseada no princípio de que o principal continua a beneficiar da clientela angariada pelo agente, vendendo os seus produtos aos clientes já depois da cessação do contrato de agência, obtendo ganhos que advêm da anterior actividade do agente, desde que verificados os requisitos do art.º 33.º n.º 1. Como nos ensina António Pinto Monteiro, in. Contrato de Agência, anotação ao Decreto-Lei 178/86 de 25 de Junho, pág. 59: “É como que uma compensação pela «mais valia» que este lhe proporciona, graças à actividade por si desenvolvida, na medida em que o principal continue a aproveitar-se dos frutos dessa actividade, após o termo do contrato de agência.”
Quanto à alínea a) não há dúvida que a mesma está preenchida, mostrando os factos provados que a A. angariou novos clientes para a R., já que antes da celebração do contrato os produtos desta não tinham implantação no território nacional e a partir daí passaram a ter, como decorre da facturação apurada.
Já quanto ao requisito previsto na al. b), a lei não se basta com a existência de um qualquer benefício para a R. antes exigindo que a mesma venha a beneficiar de forma considerável da actividade desenvolvida pela A. após a cessação do contrato. Ora, os factos provados, tal como entendeu a sentença recorrida, quanto a esta questão são escassos para que possamos concluir que, após a cessação do contrato, houve esse benefício considerável para a R.
A angariação de clientela para a R. realizada pela A. e a divulgação da sua marca e produtos, que a Recorrente invoca para fundamentar a alteração da decisão, insere-se no requisito previsto na alínea a) do art.º 33.º. E se é verdade que um juízo de prognose nos pode dar conta da probabilidade da ocorrência de um benefício para a R. por alguns clientes angariados pela A. terem continuado a adquirir os seus produtos ao novo fornecedor, o que é certo é que o que a lei exige especificamente é a verificação de um benefício considerável, o que implica que o ganho da R., alicerçado na actividade da A., após a cessação do contrato, se revista de alguma dimensão.
A exigência prevista nesta al. b) do art.º 33.º, tal como nos diz Menezes Leitão, in. A Indemnização de Clientela do Contrato de Agência, pág. 52: “Trata-se de um pressuposto essencial, já que o fundamento da indemnização de clientela é o facto de a actividade do agente, embora enquadrada numa relação contratual duradoura, poder ter efeitos benéficos para a outra parte”.

Quanto a este aspecto não se apurou sequer em concreto que após a cessão do contrato houve clientes angariados pela A. que continuaram a adquirir produtos da R. ao novo fornecedor, nem tão pouco que a R. continuou a facturar em Portugal devido à notoriedade que os seus procutos adquiriram por intervenção da A. Os factos provados não nos permitem quantificar nem caracterizar a clientela de que a R. continuou efectivamente a beneficiar, nem diferenciar os negócios eventualmente por ela celebrados ou perspectivados celebrar, de forma a podermos concluir que a R. teve um benefício considerável, após a cessação do contrato, devido à actividade desenvolvida pela A., conforme é requisito da alínea b) do art.º 33.º.
Por outro lado, é a própria A. na petição inicial que vem invocar o declínio da venda dos produtos da R. a partir de 2012, com a perda de clientela pelo facto de terem deixado de ter preços competitivos ou por a R. não cumprir os prazos de entrega dos produtos, sendo que a partir de tal data, como resulta dos factos provados, houve um declínio acentuado do valor total da mercadoria adquirida pela A., o que constitui mais um elemento que não permite extrapolar para que o volume de negócios da R. em Portugal se manteve em valores significativos após a cessação do contrato, nem tão pouco que esta manteve a clientela (quanto a um dos principais clientes a prova testemunhal até indica que passou para empresa concorrente com o fim da representação da A.).
Em conclusão, os factos permitem-nos concluir pela verificação dos requisitos previstos na alínea a), na medida em que a A. angariou novos clientes para a R. permitindo a implementação dos seus produtos no território nacional e na alínea c), uma vez que a A. deixou de receber qualquer retribuição; mas já não na alínea b), por não termos elementos que permitam dizer que, após a cessação do contrato, a R. veio a beneficiar consideravelmente da actividade desenvolvida pela A. com os clientes por ela angariados.
A A. não logrou fazer prova da verificação deste elemento constitutivo do seu direito à indemnização de clientela, como lhe competia, nos termos do art.º 342.º n.º 1 C.Civil, não merecendo censura a sentença recorrida que assim o considerou.
V. Decisão:
Em face do exposto, não obstante a procedência parcial da impugnação da matéria de facto apresentada, julga-se improcedente o recurso interposto pela A., mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
*
Porto, 24 de Janeiro de 2018
Inês Moura
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva