Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3397/15.4T9PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: HORÁCIO CORREIA PINTO
Descritores: CRIME DE FURTO
CRIME DE VIOLÊNCIA DEPOIS DA SUBTRACÇÃO
SUBTRACÇÃO
ESPAÇOS COMERCIAIS
Nº do Documento: RP201802073397/15.4T9PRT.P1
Data do Acordão: 02/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS Nº748, FLS.257-266)
Área Temática: .
Sumário: I - O momento de subtracção é aquele em que a coisa entra no domínio de facto do autor da infracção, de forma estável, quando a coisa sai do domínio do seu fruidor.
II - O momento que marca essa estabilidade nos espaços comerciais é o lugar do pagamento nas respectivas caixas.
III - Se o arguido quis conservar os bens furtados em momento posterior à subtracção, quando já se aprestava para sair porta fora depois de passar as caixas registadoras e uma vez interpelado reagiu de forma a conservar os bens em seu poder, comete o crime p.p. pelo artº 211º CP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3397/15.4T9PRT.P1
Acordam os juízes que integram esta 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.
Relatório.
Procedeu-se a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo de:
B…, divorciado, empregado da construção civil (desempregado), nascido a 04/06/1967,natural de … - Maia, filho de C… e de D…, residente na Rua …, …, …..
O tribunal fixou o seguinte dispositivo:
Condenar o arguido pela prática de um crime de roubo na forma tentada, previsto e punido, pelo artº 210, nº1 do Código Penal, na pena de 90 dias de prisão substituída por 90 horas de trabalho a favor da comunidade.
Julgar improcedente o pedido de indemnização deduzido e consequentemente absolver o arguido/demandado.
Factos provados:
1.No dia 18 de Fevereiro de 2015, cerca das 18:50h, o arguido B… dirigiu-se ao estabelecimento “…”, sito na Avenida …, nºs .. a .., no Porto, com o intuito de apropriar-se de artigos que ali se encontrassem sem efectuar o respectivo pagamento.
2- Lá chegado, o arguido retirou da respectiva prateleira os seguintes artigos: cinco chocolates com passas, no valor de €7,95; cinco chocolates com avelãs, no valor de €7,95; cinco chocolates de leite e avelãs, no valor de €7,95, num valor total de €23,85 (vinte e três euros e oitenta e cinco cêntimos), que guardou no interior do casaco que vestia e passou a zona das caixas registadoras sem efectuar o respectivo pagamento.
3- Acto seguido, tendo-se apercebido do sucedido, os chefes de secção do aludido estabelecimento: F… e G… abordaram o arguido exigindo a entrega dos artigos que furtara.
4- Nesse momento, o arguido dirigiu-se àqueles, levando a mão ao bolso do casaco e disse que possuía uma seringa contaminada com o vírus da SIDA/HIV, causando-lhes desse modo receio de virem a ser agredidos com a suposta seringa e por forma a lograr apoderar-se dos objectos furtados.
5- Não obstante, ao sair o arguido embateu nas portas automáticas e, nesse momento, os funcionários do estabelecimento lograram agarrá-lo e retirar-lhe uma pequena navalha que o mesmo trazia consigo.
6- O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era penalmente proibida e punida, porém, apesar de o saber, quis actuar do modo supra descrito com recurso à ameaça sobre os funcionários do estabelecimento comercial, com o propósito de fazer seus os bens subtraídos e assim obter um benefício patrimonial, contra a vontade do respectivo proprietário, só não o conseguindo por circunstâncias alheias à sua vontade.
7- O arguido confessou parcialmente os factos.
8- À data dos factos, o arguido já tinha reintegrado o seu núcleo familiar de origem, espaço para onde voltou após, há aproximadamente três anos, após um período longo de permanência na ilha da Madeira, onde vivia com a ex-companheira, com quem viveu em união de facto nos últimos anos.
9- O arguido B… vivência, no momento, uma situação carenciada ao nível sócio económico, que decorre da inactividade laboral apresentada e que suscitou uma alteração recente do enquadramento habitacional, com subsequente perda de autonomia e reintegração num anexo da residência dos progenitores do arguido, já idosos e aposentados. Neste espaço, o arguido refere usufruir de condições mais favoráveis para uma gestão quotidiana equilibrada, aos níveis material e subjectivo, com o apoio destes familiares para garantir a sua subsistência. Em contrapartida, o arguido refere que enquanto recebeu apoio pecuniário no âmbito do programa do RSI, tentou comparticipar na gestão familiar, situação alterada em Abril deste ano, aquando da sua detenção.
10- Esteve recluído até ao dia 4.08.2016, para cumprir 173 dias de prisão subsidiária tendo sido libertado após pagamento da multa, o que refere ter sido da responsabilidade da sua família. Em consequência desta situação, o apoio concedido ao abrigo do RSI foi cessado e aguarda reavaliação deste enquadramento, o que se revela indispensável para que o arguido estruture o seu projeto de vida, nomeadamente aos níveis laboral e do tratamento, dimensões que vinham sendo priorizadas.
11- O arguido adquiriu reflexão crítica positiva, nomeadamente quanto à necessidade de continuar a investir na reorganização do seu projecto de vida, nomeadamente ao nível da consolidação do tratamento e de estratégias que garantam a sua sustentabilidade, enquanto dimensões relevantes de promoção de condutas pró-sociais e da estabilização da sua trajectória.
12- Os chocolates foram recuperados.
13- O arguido foi condenado pela prática de crimes de condução ilegal, por factos ocorridos em 10/3/2013, 11/2/2013, em pena de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade ( que se encontra extinta) e pena de prisão suspensa ( que se encontra extinta)
14- Em consequência da conduta do arguido gerou-se um rebuliço dentro da loja da ofendida.
Factos não provados:
15- Em consequência da conduta do arguido verificou-se uma demora no atendimento dos clientes, da recepção e envio de encomendas e na reposição dos artigos.
16- A ofendida teve de suportar despesas com vários telefonemas, fax, emails, fotocópias e impressões.
17- A ofendida teve de confiar o cumprimento das tarefas a uma funcionária , a qual teve de atrasar o seu expediente normal.
18- Os clientes presentes mostraram-se abalados e receosos com a insegurança causada pelo arguido
Motivação
Tendo presente que a prova judiciária não visa alcançar uma certeza ontológica, mas apenas uma certeza judiciária – que, no plano dos princípios, deveria coincidir com a verdade material – e em obediência ao disposto no artigo 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal, bem como ao consagrado no artigo 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, proceder-se-á indicação e ao exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, explicitando o processo de formação dessa convicção.
O arguido prestou declarações e confessou parcialmente os factos, ou seja admite o furto dos objectos, mas nega que tenha ameaçado os seguranças para manter na sua posse os objectos furtados.
As testemunhas F… e G…, seguranças do E… confirmam que o arguido furtou os chocolates no valor constante da acusação e que depois de ter passado a linha de caixa abordaram o arguido para que este entregasse os chocolates, tendo este entregue 3 dos chocolates furtados, mantendo-se na posse dos demais. Os seguranças solicitaram a devolução dos restantes chocolates e agarraram o arguido, tendo este dito que tinha uma seringa com sida no bolso e levou a mão ao bolso. De imediato foi largado e o arguido encetou a fuga vindo a ser apanhado porque foi contra o vidro.
Os factos relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo, concernente à conduta do arguido, foram considerados assentes a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas supra, apreciadas à luz das regras a que alude o artigo 127º do Código de Processo Penal, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
No que concerne aos antecedentes criminais foi valorado o certificado do Registo Criminal, foi igualmente valorado o relatórios social junto aos autos.
Os factos não provados deve-se à total ausência de prova quanto aos mesmos.
Direito.
O arguido vem acusado da prática de um crime de violência após subtracção, previsto no art. 211º do CP, nos termos do qual comete o aludido crime quem utilizar os meios previstos no artº 210, para quando encontrado em flagrante delito de furto, conservar ou não restituir as coisas subtraídas.
O bem jurídico protegido por este tipo legal é a propriedade, a vida, a integridade física e a liberdade de decisão e acção.
É um crime de dano (quanto ao grau de lesão do bem jurídico) e de resultado (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção).
Dúvidas não existem que este tipo de ilícito pressupõe a consumação da subtracção e a utilização de meios violentos ou ameaças com perigo iminente para a vida ou integridade física, após a consumação da subtracção.
Da factualidade apurada resulta …
A questão que importa decidir é saber se o furto é consumado ou não …
A doutrina tem-se dividido entre aqueles que consideram necessária a posse pacífica da coisa apropriada para se julgar verificado o elemento subtracção (neste sentido ver Eduardo Correia, Direito Criminal, II, pág. 44, nota 1: “Enquanto a coisa não está na mão do ladrão em pleno sossego não parece que possa dizer-se que haja consumação” e os que defendem que basta a posse instantânea para a consumação do crime.
Recentemente, uma posição intermédia que centra a questão na perda do domínio de facto por parte do anterior fruidor: “(…) a subtracção traduz-se em uma conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor. Implica, por consequência, a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa” [José da Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial Tomo II, 1999, pág. 43]; e “[e]m conclusão, de um ponto de vista geral poderá dizer-se que a subtracção se verifica, e o furto se consuma, quando a coisa entra no domínio de facto do agente da infracção, com tendencial estabilidade, isto é, não pelo facto de ela ter sido removida do respectivo lugar de origem, mas pelo facto de ter sido transferida para fora da esfera de domínio do seu fruidor pretérito” ( ver Paulo Saragoça da Mata, “Subtração de coisa móvel alheia – Os efeitos do Admirável Mundo Novo num crime ‘clássico’ ”, in Liber Discipulorum para J. Figueiredo Dias, p. 1026).
Consideramos que faz todo o sentido focar a questão na (in)disponibilidade de fruição da coisa por parte do seu detentor, de tal forma que se considere que só com a sua transferência para fora da esfera de domínio do fruidor se consuma a prática do crime.
Assim, é essa perda da possibilidade de domínio de facto sobre a coisa que justifica a consideração da consumação do crime. Quem subtraí o bem, ou o oculta mas o mantém na área de intervenção e de fiscalização do anterior fruidor, ainda não consumou o crime. Só quando o agente logra vencer essa barreira espaço-temporal e coloca a coisa fora do alcance imediato do anterior fruidor, então, sim, o crime é consumado.
Concluímos, pois, que se o agente retira da prateleira de um supermercado um produto que oculta com a intenção de o fazer seu sem pagar o respectivo preço e é surpreendido e descoberto antes de passar e de se afastar da linha das caixas, comete um crime de furto na forma tentada [nesse sentido, v.g. AcSTJ de 15.2.2007 (relator Maia Costa), AcSTJ de 16.10.2008 (relator por Arménio Sottomayor), AcRP de 14.5.2008 (Luís Gominho), AcRP de 11.3.2009 (Maria do Carmo Silva Dias), AcRL de 24.11.2009 (Pedro Martins) e AcRG de 10.10.2005 (Maria Augusta).
Da factualidade apurada verifica-se que inicialmente a conduta do arguido integra a prática de um crime de furto na forma tentada e ao dirigir-se aos chefes de secção levando a mão ao bolso do casaco e dizendo que possuía uma seringa contaminada com o vírus da SIDA/HIV, causando-lhes desse modo receio de virem a ser agredidos com a suposta seringa, tal conduta ocorre durante a execução do crime de furto, pelo que este transforma-se em crime de roubo, na forma tentada, sendo que o arguido não se apoderou de tais bens por circunstâncias alheias à sua vontade.
Face ao exposto a conduta do arguido integra a prática de um crime de roubo, simples, na forma tentada, previsto e punido, pelo art. 210º do Código Penal
Inexistem circunstâncias susceptíveis de afastar a ilicitude e/ou a culpa.
Medida da pena
Penal é punido com pena de prisão 1 mês a 5 anos e 4 meses.
(…)
Ponderadas as agravantes e as atenuantes, as exigências de prevenção geral e especial e face à moldura penal aplicável tem-se por adequado fixar a pena de 90 dias de prisão.
(…)
Pelo exposto, e ao abrigo do artº 58, nº1 e 3 do CP, o Tribunal decide substituir a pena de 90 dias de prisão por 90 horas de trabalho a favor da comunidade.
Recurso do MP.
1) Ficou provado que o arguido retirou da respectiva prateleira no “E…” chocolates, no valor total de €23,85 (vinte e três euros e oitenta e cinco cêntimos), que guardou no interior do casaco que vestia e passou a zona das caixas registadoras sem efectuar o respectivo pagamento.
2) E, já após ter passado aquela zona, foi abordado por funcionários daquele estabelecimento que se aperceberam do que o mesmo tinha feito, altura em que o arguido, reagindo a essa abordagem, levou a mão ao bolso do casaco dizendo que possuía uma seringa contaminada com o vírus da SIDA/HIV.
3) Face a tal ameaça, aqueles funcionários tiveram receio de que o arguido os agredisse com a suposta seringa, tendo o mesmo de imediato procurado abandonar as instalações do estabelecimento, vindo, no entanto, a embater nas portas automáticas, altura em que os referidos funcionários o lograram agarrar e recuperar os chocolates.
4) Como é jurisprudência pacífica, se o agente ultrapassa a linha das caixas sem efectuar o pagamento dos bens de que dolosamente se apoderou, está consumado o crime de furto.
5) O Tribunal, porém, no Douto Acórdão proferido, ainda que começando por referir na respectiva Motivação que o arguido passou a zona das caixas registadoras sem efectuar o pagamento dos referidos bens, na fundamentação de Direito, contraditoriamente, invocando jurisprudência, faz referência a situações em que o agente é descoberto antes de passar a linha das caixas.
6) Daí extraindo a conclusão de que, no caso, se estaria perante uma tentativa de furto, relevando o acto posterior violento ou de ameaça por parte do arguido para caracterizar a intenção de o mesmo, só nessa altura, se apoderar dos bens, o que integraria a prática de um crime de roubo, na forma tentada, uma vez que não conseguiu concretizar esse objectivo por circunstâncias alheias à sua vontade.
7) A verdade é que, como decorre do que deixamos referido no artº 4, ao verificar-se a intervenção daqueles funcionários, o crime de furto já estava consumado, razão pela qual a ameaça ou acto violento posterior por parte do arguido, traduz a manifesta intenção de o mesmo, encontrado em flagrante delito de furto, conservar ou não restituir as coisas subtraídas.
8) Logo, contrariamente ao que foi decidido pelo Tribunal, o arguido não cometeu um crime de roubo, na forma tentada, p.p. pelos artºs 22, 23, 73 e 210, nº 1 do Código Penal, mas sim um crime de violência depois da subtracção, p.p. pelo art.º 211 do Código Penal, combinado com o disposto no art.º 210, nº 1 do mesmo diploma legal.
9) Ao decidir como decidiu, o Tribunal violou o disposto nas citadas normas legais.
Deverá, assim, a nosso ver, o douto acórdão recorrido ser revogado, e, consequentemente, o arguido condenado em pena adequada, pela prática do crime de violência depois da subtracção, p.p. nos termos supra referidos, desse modo se dando provimento ao recurso.
Parecer
Este documento, depois de citar vária jurisprudência e reiterar o conteúdo da resposta do MP chega também à conclusão de que se encontram verificados os elementos tipo do crime de violência depois da subtracção.
Conclui pela procedência do recurso.

Cumpriu-se o artº 417, nº2 do CPP.

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta à apreciação do mérito.
Mantém-se a regularidade da instância.
Fundamentação e Direito.
A questão objecto do recurso é de direito, prende-se com o momento definido como relevante para integrar o elemento objectivo do critério apropriação – momento de integração do tipo legal no crime de furto. Neste contexto para definirmos o momento exacto da apropriação teremos que atentar na matéria dada como provada e daí extrair as necessárias conclusões. A questão não é indiferente porque nos coloca, consoante as tipologias, perante medidas concretas da pena bem distintas.
Vejamos a matéria de facto provada.
O arguido retirou da respectiva prateleira os seguintes artigos:num valor total de €23,85que guardou no interior do casaco que vestia e passou a zona das caixas registadoras sem efectuar o respectivo pagamento.
Tendo-se apercebido do sucedido, os chefes de secção do aludido estabelecimento … abordaram o arguido exigindo a entrega dos artigos que furtara … o arguido dirigiu-se àqueles, levando a mão ao bolso do casaco e disse que possuía uma seringa contaminada com o vírus da SIDA/HIVdesse modo causando aqueles receio de virem a ser agredidos com a suposta seringa e por forma a lograr apoderar-se dos objectos furtados.
Acabando por ser detido no interior do estabelecimento quando esbarrou contra as portas automáticas.
O arguido trazia os bens furtados no interior do casaco que vestia e logrou passar as caixas registadoras sem efectuar o respectivo pagamento. Foi interpelado dentro do estabelecimento mas já depois das caixas, lugar indicado para pagar as mercadorias. Quando abordado o arguido levou a mão ao bolso do casaco mencionando em voz audível que possuía uma seringa contaminada com vitus da SIDA. Os funcionários do estabelecimento temeram pela actuação do arguido e recearam ser agredidos, o que não veio a ter lugar por, entretanto, o arguido embater nas portas automáticas de saída …
O momento de subtracção é aquele em que a coisa entra no domínio de facto do autor da infracção, de forma estável, quando a coisa sai do domínio do seu fruidor, seja posse, detenção ou qualquer outra forma de propriedade. O momento que marca essa estabilidade nos espaços comerciais é o lugar do pagamento nas respectivas caixas. O arguido só foi aparentemente surpreendido depois das caixas porque o estabelecimento sabe que a linha para proceder ao pagamento é a caixa … e por forma a actuar, regularmente, os infractores são, só nesse momento, chamados à atenção. O arguido poderia ser surpreendido, já fora do estabelecimento, mas ainda em terreno propriedade do estabelecimento comercial e também aí já dispunha da coisa de forma estável, não deixando de estar a praticar o mesmo tipo de crime – violência após a subtracção. O parecer do MP é claro sobre esta matéria, onde a citação de alguma jurisprudência e doutrina demonstra o momento de realização do crime. Curioso que a decisão proferida pelo tribunal a quo também cita os mesmos documentos mas chega a conclusão diversa!...
De facto quando alguém subtrai produtos em espaço comercial e logra não pagar, passando a linha das caixas, suposto que esteja presente o dolo, comete um crime de furto. Entende-se que o autor neste momento já tem a coisa em seu poder de forma estável. E se por sua vez exerce violência depois da subtracção (artº 211 do CP) como crime impróprio de roubo, ameaçando ou colocando alguém na impossibilidade de reagir, comete este citado crime, pois tem em vista conservar ou não restituir as coisas furtadas.
A realização de novo crime ou crime diferente ocorre em momento posterior ao da consumação da apropriação.
Estão assim verificados os elementos tipo do crime de violência depois da subtracção.
Este tipo legal protege os mesmos bens jurídicos que o crime de roubo, apenas com a diferença que aqui a actuação constitui um meio para conservar ou não restituir o objecto. Defende-se o bem furtado através dos meios do crime de roubo – Comentário Conimbricense – J. Figueiredo Dias – artº 211 do CP – pág 193/197.
Os elementos do tipo são os mesmos: consumpção do furto e exercício da coacção – violência, ameaça ou colocação na impossibilidade de resistir como forma de conservar o bem furtado. Pressuposto importante é que tenha ocorrido subtracção e que a utilização de meios violentos seja subsequente. O mesmo se diga da noção de flagrante delito pressuposto que o uso de meios violentos para conservar o bem … é exercido quando o arguido está a cometer o crime ou, como melhor descreve o artº 256 do CPP, quando o agente está a cometer o crime; acabou de cometer o crime ou, logo após o crime, durante a perseguição. Em conclusão o conceito de flagrante delito compreende a ideia de o agente estar a cometer o crime, porque se o arguido não for descoberto no local do crime ou imediações (delimitação espacial) mas a uma distância considerável, falha aquele requisito.
No caso concreto não temos dúvidas que o arguido quis conservar os bens furtados em momento posterior à subtracção, quando já se aprestava para sair porta fora e uma vez interpelado reagiu de forma a conservar os bens em seu poder. O arguido comete um crime de violência depois da subtracção – artº 211 do CP.
Posto isto estamos perante qualificação diversa, aliás a qualificação que a acusação assertivamente já tinha articulado.
As penas do crime de roubo são as aplicadas a quem tiver utilizado os meios previstos no artigo 211 do CP – flagrante delito de furto e conservação ou não restituição das coisas subtraídas.
Dúvidas não existem que este tipo de ilícito pressupõe a consumação da subtracção e a utilização de meios violentos ou ameaças com perigo iminente para a vida ou integridade física, após a consumação da subtracção.
A modalidade de crime de roubo na forma tentada certamente seria a mais razoável na procura de uma maior justiça material, acontece que, por vezes, os pressupostos e elementos objectivos do tipo não concedem grande margem para qualquer outra qualificação.
A conduta integradora deste roubo impróprio, ainda que consumado, estabelece uma medida abstracta da pena que vai de 1 a 8 anos de prisão (artºs 211 ex vi artº 210, nº1, ambos, do CPP).
No respeito pelos artºs 40 e 70º do CP… o legislador dá preferência às penas não privativas da liberdade.
Sem grandes rodeios importa ver que tipo de delinquente é o autor deste crime e a forma como actuou.
O valor dos bens é pouco expressivo. Apesar da ilicitude e actuação dolosa, no contexto de um crime grave, que pressupõe exercício de violência, certo é que este agente é um indigente com um percurso de vida errático, com dificuldade de reorganizar o seu projecto vivencial. Além destas condições pessoais, de relevante, o arguido tem antecedentes criminais pela prática de um crime de condução ilegal.
Apresenta ainda comportamento normal em momento posterior o que nos leva, ponderando aquelas circunstâncias, a fixar a pena no limiar mínimo – 1 ano de prisão.
Perante um caso que se densificou importa ponderar a admissibilidade de uma pena substitutiva. Neste sentido, como pensamos que o juízo de prognose é positivo (personalidade; condições de vida; condutas anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste caso concreto) será suficiente suspender a execução da pena para afastar o arguido da prática criminal, constituindo esta ameaça de prisão a realização plena das finalidades da punição (artº 50 do CP).
Nos termos do artº 50, nº 5 do CP suspende-se a execução da pena pelo mesmo período do tempo de prisão – 1 ano.

Concluindo vai o arguido condenado pela prática de um crime de violência depois a apropriação, previsto e punido nos termos do artº 211 ex vi artº 210, nº1, ambos do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão, cuja execução será suspensa pelo mesmo período de tempo.

Assim e nestes termos acordam os juízes que integram esta 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em dar provimento ao recurso interposto pelo MP, revogando a decisão recorrida, agora com qualificação e condenação diferente, nos termos supra expostos.

Sem tributação.
Registe e notifique.

Porto, 7 de Fevereiro de 2018.
Horácio Correia Pinto.
Moreira Ramos.