Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2063/14.2JAPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NETO DE MOURA
Descritores: LOCALIZAÇÃO CELULAR
ESCUTAS TELEFÓNICAS
SUSPEITO
Nº do Documento: RP201502112063/14.2japrt-A.P1
Data do Acordão: 02/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A localização celular revela a localização de um detentor de telemóvel ou outro equipamento móvel, dando a conhecer o percurso que está a fazer ou fez e a sua mobilidade.
II – A obtenção de dados de localização celular afronta o direito á inviolabilidade das telecomunicações.
III – O principio da inviolabilidade dos meios de comunicação privada, vg. das telecomunicações, tem de recuar quando está em causa o direito fundamental de respeito pela dignidade humana e o livre desenvolvimento da personalidade faz emergir as necessidades da justiça criminal.
IV – O artº 189º CPP torna extensivo o regime das escutas telefónicas à obtenção de dados sobre a localização celular.
V – O suspeito de um crime não tem de ser completamente identificado ou individualizado bastando que seja pessoa determinável ou identificável.
VI – Se os dados de localização celular que se pretendem obter não tem como alvo um suspeito, mas um conjunto de pessoas não identificadas e unidas apenas pelo simples facto de estarem num dado local num dado momento não é admissível a obtenção de dados de localização celular relativos a um número indeterminado de pessoas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2063/14.2JAPRT-A.P1
Relator: Neto de Moura

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
No âmbito do processo comum, em fase de inquérito, que, sob o n.º 2063/14.2JAPRT, corre termos nos Serviços do Ministério Público da Instância Local de Espinho, Comarca de Aveiro, e teve origem numa “informação de serviço” de OPC (Inspector da Polícia Judiciária) em que se dava notícia de que, nas circunstâncias de tempo e lugar nela referidas, dois indivíduos usando capacetes de protecção na cabeça e, por baixo destes, “passa-montanhas”, levaram a cabo uma acção susceptível de configurar, pelo menos, um crime de roubo qualificado previsto e punível pelo artigo 210.º, n.os 1 e 2, al. b), do Código Penal, a Sra. Procuradora-Adjunta naquela Instância, dando sequência a sugestão, nesse sentido, formulada pelo OPC, promoveu se solicitasse às operadoras de telecomunicações móveis (“B…”, “C…” e “D…”) os dados relativos ao canal de controlo (activação de antenas celulares identificadas em relatório de localização celular elaborado para o efeito) e os dados de tráfego relativos aos números de telemóvel que activaram as antenas ali mencionadas, no período temporal compreendido entre as 21H:50 e as 22H:10 do dia 21.10.2014.
Sobre essa promoção recaiu o seguinte despacho da Sra. Juiz de instrução (transcrição integral):
“Nos presentes autos de inquérito, em que resultam indiciados factos passíveis de configurar a prática um crime de roubo, previsto e punido pelo art. 210.°, n.º 1 e 2, al. b), do Código Penal, o Ministério Público promoveu o levantamento do sigilo das comunicações, com vista à identificação do canal de controlo e dos dados de tráfego dos números de telefone que activaram as antenas mencionadas no relatório da Polícia Judiciária entre as 21h50 e as 22h10.
Cumpre apreciar.
A sociedade que explore uma rede ou preste serviços de comunicações electrónicas fica obrigada a manter o sigilo das comunicações, como resulta expressamente dos arts. 27.°, n.º 1, al. h), da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, (Lei das Comunicações Electrónicas) e 4.°, n.º 2, da Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto (Lei relativa ao tratamento de dados pessoais e a protecção da privacidade das comunicações electrónicas).
De facto, em ordem a assegurar o constitucionalmente consagrado direito à reserva da intimidade da vida privada (ut art. 26.°, n.º 1, da CRP), resulta directamente garantida pela lei fundamental a inviolabilidade das comunicações (ut art. 34.º, n.º 4, da CRP).
O sigilo das comunicações só poderá ser coarctado em casos excepcionais, como sejam a prossecução da investigação criminal, e na medida do estritamente necessário (ainda art. 34.°, n.°4, in fine, da CRP e art. 1.°, n.° 1, da Lei n.°41/2004, de 18 de Agosto).
Aquele sigilo abrange três tipos de dados: os dados de conteúdo (teor da comunicação), os dados de tráfego (hora e duração da comunicação) e os dados de base (identificação, profissão, residência, etc.).
A Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto, fala ainda num outro tipo de dados: os dados de localização, referindo-se àqueles que permitem determinar a posição geográfica do equipamento terminal usado para aceder à rede de comunicação.
O levantamento dos dados de conteúdo da comunicação electrónica está sujeito ao regime do art. 189.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que remete para o regime das escutas telefónicas (art. 187.° e 188.° do CPP).
Relativamente aos dados de tráfego (noção não coincidente com a prevista na al. d) e e) do art. 2.° da Lei n°41/2004, de 18 de Agosto) e de localização, entende-se que os mesmos contendem ainda com a esfera da vida privada íntima e, nessa medida, ser-lhes-á também de aplicar o regime previsto para a autorização das escutas telefónicas, já que o grau de ofensa da privacidade deste meio de obtenção de prova se equipara à ofensa que as escutas telefónicas comportam (cf., neste sentido, Directiva da PGR n.º 5 /2000, publicado no DR, II série, de 28 de Agosto de 2000). Neste sentido, a alteração introduzida pela Lei n.°48/2007, de 29 de Agosto, ao art. 189.º, n.º 2, veio determinar que também estes dados apenas poderão ser fornecidos pela sociedade que explora a empresa de comunicações electrónicas nos termos exigidos pelo art. 187.° do CPP.
Quanto aos últimos - os dados de base -, entende-se que, mesmo quando confidenciais, porque não está em causa a esfera da vida privada mas apenas um interesse pessoal, a competência para ordenar o levantamento de sigilo caberá à autoridade judiciária competente e será devida a informação em nome do dever de colaboração com a administração da justiça.
As informações reputadas necessárias no âmbito de investigação do presente inquérito implicam a obtenção de dados de localização e tráfico.
Ora, tendo em conta o supra exposto, importa verificar em concreto se estão preenchidos os pressupostos a que alude o art. 187.° do CPP (aplicável por força do art. 189.° do mesmo código).
Se é verdade que a factualidade indiciada nos autos permite enquadrar a hipótese no “catálogo fechado de crimes”, concretamente por força do disposto no art. 187.°, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, já tal não acontece por referência ao “catálogo fechado de alvos”, previsto no n.°4 da mesma disposição legal.
Na verdade, para ser legalmente admissível a obtenção de prova por este meio, importa que haja pelo menos um suspeito, não podendo já ser utilizado como meio de encontrar esse suspeito.
A deferir o levantamento do sigilo nos termos requeridos, estar-se-ia a violar a reserva da intimidade da vida privada, garantida pela lei fundamental pela inviolabilidade das comunicações relativamente a um número indeterminado de sujeitos, ou seja todos os que circularam na zona das antenas identificadas e que durante o período compreendido entre as 21h50 e as 22h10 usaram os seus telemóveis.
É precisamente esta indeterminação que a lei proíbe.
Assim ainda que essencial para a investigação criminal, tal meio de obtenção de prova não é legalmente admissível, pelo que a prova que por essa forma pudesse vir a ser obtida seria nula — ut art. 126.º, n.º3, e 190.º do Código de Processo Penal.
Em face do exposto e concretamente por não se verificar preenchido o pressuposto a que alude o art. 187.°, n.º4, aplicável por força do disposto no art. 189.º, n.º 2, ambas as disposições do Código de Processo Penal, indefiro o promovido”.
Não se conformou a digna Magistrada do Ministério Público com tal decisão e, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que defira o pedido de obtenção daqueles dados, dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, condensando a respectiva motivação nas seguintes conclusões (em transcrição integral):
I. “O Ministério Público, a fls. 43 e 44 dos autos, promoveu, por se revelar indispensável para a descoberta da verdade, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 187.0, n.ºs 1 alínea a) e 4 alínea a); 189.0 e 269.º n.º 1 alínea e) do Código de Processo Penal, se determinasse a solicitação às operadoras de telecomunicações móveis os dados de tráfego (listagens que contenham todas as chamadas recebidas e efectuadas, localização celular - Base Transfer Station - incluindo igualmente data, hora e duração das comunicações) relativos aos números de telemóvel que activaram as antenas mencionadas nos autos, no período temporal compreendido entre as 21h50 e as 22h10 do dia 21 de Outubro de 2014.
II. Contudo, por despacho da Meritíssimo Juiz com funções de Instrução Criminal, a fls. 46 a 48, foi indeferida tal pretensão do Ministério Público, por não se verificar preenchido o pressuposto a que alude o artigo 187.º n.º 4, aplicável por força do disposto no artigo 189.º n.º 2 do Código de Processo Penal.
III. O Ministério Público discorda desta decisão, por violadora do disposto nos artigos 187.º n.º 4 e 189.0 do Código de Processo Penal, uma vez que as diligências foram efectivamente promovidas contra os dois suspeitos identificados nos autos, ainda que não seja ainda conhecida em concreto a sua identificação civil.
IV. Nos presentes autos investiga-se a prática por estes dois indivíduos em co-autoria, de um crime de roubo, p. e p. pelos artigos 26.0 e 210.º n.ºs 1 e 2 alínea b), com referência à alínea f), do n.º 2 do artigo 204.º, todos do Código Penal
V. Os suspeitos são identificados da seguinte forma:
- Um indivíduo do sexo masculino, jovem, que seguia como pendura no motociclo e penetrou na loja de conveniência, com cerca de 1,75 metros de altura, magro, trajando calças de ganga azul claras, detendo na cabeça um capacete de protecção, integral, de cor preta e, debaixo deste, um passa montanhas preto, com dois orifícios na zona dos olhos e envergando umas luvas de cor preta. Trazia consigo uma mochila, de cor azul clara, com a inscrição "EAST PACK", e
- Um indivíduo do sexo masculino, condutor do motociclo, tinha na cabeça um capacete de protecção, integral, de cor preta e por debaixo deste um passa montanhas com dois orifícios na zona dos olhos, vestia um blusão de cor escura e calçava luvas também de cor preta. De completude forte e com cerca de 40 anos de idade. Foi quem deu as ordens ao outro indivíduo que penetrou no interior da loja. Falava correctamente português e sem sotaque característico.
VI. Entende-se por suspeito "toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar" - cfr. artigo 1.0 alínea e) do Código de Processo Penal.
VII. Assim, suspeito, no sentido de quem pode ser alvo do mecanismo previsto no artigo 187.º, é qualquer pessoa sobre a qual recaiam indícios seguros da prática de um crime grave, de catálogo, independentemente da sua forma de participação.
VIII. Contudo, a exigência de individualização do "suspeito", para os efeitos previstos no n.º 4 do artigo 187.º do Código de Processo Penal, não se confunde com a sua concreta identificação civil, mas sim uma certa e determinada pessoa.
IX. O requisito do conhecimento do agente estará dado logo que seja provável ao ofendido individualizar a pessoa presumivelmente culpada, sem que torne necessária uma indicação completa dos elementos identificadores. Tal é o caso dos presentes autos, é provável através destas diligências individualizar a pessoa presumivelmente culpada e com tal se basta o normativo em análise.
X. Não temos dúvida que as diligências foram requeridas contra os dois suspeitos existentes e identificados nos autos e que estamos perante um crime de catálogo, pelo que não poderiam ser desatendidas tais diligências pela Mma. Juiz com funções de Instrução Criminal com esse fundamento ou com qualquer outro.
XI. Promoveu-se a obtenção de dados de localização por um lado e facturação detalhada, por outro, tendo em conta um período temporal muito reduzido (entre as 21h50 e as 22h10 do dia 21 de Outubro de 2014) no local onde ocorreram os factos e onde foram activadas as antenas de telecomunicações constantes de fls. 40 e 41.
XII. Os dados a obter não se traduzem na afectação do direito à intimidade da vida privada de uma multiplicidade de pessoas anónimas, mas tão só apenas àquelas que naquele curtíssimo período de tempo e lugar se encontravam no local do crime, prevalecendo neste caso a boa administração da Justiça, uma vez que tais diligências se revelam absolutamente indispensáveis à descoberta da verdade pois, de outra forma, torna-se impossível obter a identificação civil e completa dos suspeitos que perpetraram o crime dos autos.
XIII. Encontram-se, por isso, preenchidos todos os requisitos de que a lei faz depender o deferimento da obtenção de dados de tráfego, devendo o despacho em crise ser revogado e alterado por um outro que defira as diligências promovidas pelo Ministério Público.
Posto isto, foram, assim, violadas as normas constantes dos artigos: 187.º e 189.º do Código de Processo Penal”.
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O recurso foi admitido, sem sustentação ou reparação da decisão recorrida.
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Ordenada a remessa dos autos ao tribunal de recurso, e já nesta instância, na intervenção a que alude o n.º 1 do art.º 416.º do Cód. Proc. Penal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto e proficiente parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.
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Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência e, realizada esta, cumpre apreciar e decidir.

IIFundamentação
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso (cfr. artigos 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj[1]), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso.
O Ministério Público pretende obter dados de localização celular e dados de tráfego que estão a coberto da ingerência das autoridades públicas na medida em que a CRP (artigo 34.º, n.º 4) consagra o princípio da inviolabilidade dos meios de comunicação privada, designadamente das telecomunicações, que constitui uma das garantias do direito à reserva da intimidade da vida privada constitucionalmente protegido (artigo 26.º, n.º 1, do texto constitucional).
Embora no despacho recorrido se tenha procurado fazer a sua delimitação conceptual, justifica-se que comecemos por fazer uma abordagem mais exaustiva aos conceitos de “dados de base”, “dados de tráfego” e “dados de conteúdo” e, bem assim, que nos detenhamos sobre a “localização celular”[2].
Dados de base são os elementos de conexão à rede; constituem, na perspectiva dos utilizadores, os elementos necessários ao acesso à rede, designadamente através da ligação individual e para utilização própria do respectivo serviço.
São prévios a (e instrumentos de) qualquer comunicação e aqui se incluem a identificação do utilizador, a sua morada, número de telefone, endereço de correio electrónico, etc., que, geralmente, são solicitados pela operadora da rede de telecomunicações e fornecidos pelo cliente quando este contrata o fornecimento do serviço.
Estes são elementos que, mesmo quando confidenciais, não gozam de tutela constitucional no plano do sigilo das telecomunicações, na medida em que não pressupõem qualquer acto de comunicação (e para que haja acto de comunicação, basta que o telemóvel esteja em posição de stand by, ou seja, ligado e apto para receber chamadas) pois que, como explica o Professor Costa Andrade[3], “a pertinência dos dados à categoria e ao regime das telecomunicações pressupõe, em qualquer caso, a sua vinculação a uma concreta e efectiva comunicação – ao menos tentada/falhada – entre pessoas”[4].
Os elementos de informação relativos aos dados de base devem ser comunicados, a pedido de qualquer autoridade judiciária, para fins de investigação criminal, por apelo ao preponderante dever de cooperação com a realização da justiça, na medida em que tal não contende com a esfera privada íntima do utilizador, na ausência de acto de comunicação.
Dados de tráfego são os elementos funcionais da comunicação. Constituem elementos funcionalmente necessários ao estabelecimento e à direcção da comunicação.
Basicamente, permitem identificar para quem se liga, quando, com que duração e frequência.
São, assim, elementos inerentes à própria comunicação, porquanto permitem identificar, em tempo real ou a posteriori, os utilizadores, o relacionamento directo entre uns e outros através da rede, a localização, a frequência, a data, a hora e a duração da comunicação. Permitem conhecer a origem ou fonte e o destinatário da comunicação, o tipo de comunicação, a identificação do equipamento de telecomunicação.
A facturação detalhada, que surgiu como um mecanismo vocacionado para a protecção dos utentes de serviços públicos essenciais, nomeadamente, o serviço telefónico, na medida em que permite o controlo e a verificação da exactidão dos montantes cobrados pelo prestador de serviço, também põe em causa a privacidade dos utilizadores do serviço telefónico pelo conhecimento das “condições factuais das comunicações”. Isto porque, na definição de factura detalhada incluem-se, pelo menos, informações relativas a todas as chamadas efectuadas num determinado período, aos números de telefone chamados, à data da chamada, à hora de início e à duração de cada chamada.
Facturação detalhada que, inequivocamente, integra os chamados dados de tráfego relativos às comunicações efectuadas. De resto, é a própria Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto (lei relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas e que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva 2002/58/CE) que qualifica como dados de tráfego quaisquer dados tratados para efeitos da facturação do envio de uma comunicação através de uma rede (artigo 2.º, alínea d)).
Dados de Conteúdo são elementos relativos ao próprio teor da comunicação, da mensagem de correspondência enviada através da utilização da rede. É a comunicação concreta, com determinado conteúdo, que é transmitida.
A localização celular está associada às redes de telecomunicações móveis.
A fls. 35 dos autos principais (fls. 26 destes autos) consta um designado “relatório de localização celular” que não é mais que um conjunto de três quadros com indicação de locais onde terão sido activadas células de redes móveis geridas pelas três operadoras (C…, D1… e B1…), de quem o Ministério Público pretende obter os dados já mencionados.
Esses sistemas de redes móveis assentam numa estrutura celular que consiste na instalação de emissores para assegurar a cobertura de uma determinada área geográfica e, actualmente, utilizam tecnologia digital designada por rede GSM (Global System for Mobile communications).
Os equipamentos de uma rede GSM desempenham várias funções, designadamente, a gestão da mobilidade dos terminais.
A zona de influência de uma rede GSM está dividida em várias áreas designadas por células que correspondem à área servida por uma antena e que são identificadas por um identificador, CGI (Cell Global Identity).
Essas células são agregadas em áreas de localização, LA (Location Area), que têm o seu identificador, LAI (Location Area Identity).
A estação móvel é composta pelo equipamento móvel e pelo SIM (Subscriber Identity Module), o qual, basicamente, é um cartão que permite a identificação do cliente perante a rede através do IMSI (Internacional Mobile Subscriber Identity).
Os próprios equipamentos terminais (telemóveis) têm um identificador único conhecido pela sigla IMEI (International Mobile Equipment Identity) que permite identificar a sua utilização numa rede GSM.
A área de localização (LA) é utilizada para localizar o terminal móvel, pois a informação que está registada sobre o estado de actividade do terminal indica qual a área de localização em que o IMEI foi detectado.
Durante a fase de arranque, a estação móvel inicia uma acção de actualiza­ção de localização, enviando a sua identificação para a rede. Quando se desloca para uma nova área, ocorre uma actualização de localização (location update) e a identificação da nova área é fornecida para a rede.
A localização celular dispensa a realização de chamadas telefónicas, bastando para o efeito que o equipamento móvel esteja ligado e, portanto, conectado à rede.
A localização celular dos equipamentos móveis, ao permitir a gestão dos equipamentos que acedem à rede, constitui condição indispensável para o estabelecimento e transmissão das comunicações, quer durante a fase de arranque da estação móvel, quer quando ocorre uma mudança de área.
Adicionalmente, a localização celular permite satisfazer outras necessidades, estranhas à própria rede, como rastrear equipamentos furtados ou mesmo impedir o seu acesso à rede.
Os dados de localização celular podem incidir sobre a latitude, a longitude e a altitude do equipamento terminal do utilizador, a identificação da célula de rede em que o equipamento terminal está localizado em determinado momento e sobre a hora de registo da informação de localização.
De tudo isto decorre que a localização celular revela, por via da observação da sua ligação à rede telefónica móvel, a localização de um detentor de um determinado aparelho telefónico e, portanto, permite conhecer o percurso físico que fez ou está a fazer, ou então revela a sua mobilidade ou permanência num determinado local[5].
Por isso se pode dizer que, em certa medida, a localização celular tem uma finalidade probatória semelhante à das tradicionais vigilâncias policiais sobre pessoas.
A exposição precedente permite, facilmente, perceber que a obtenção de dados de localização celular e de dados de tráfego que o Ministério Público pretende afronta o direito fundamental à inviolabilidade das telecomunicações e, sabendo-se que as restrições a tal direito com tutela constitucional hão-de respeitar os princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade (art.º 18.º, n.º 2, da CRP), a questão que o recurso suscita está em saber se, no caso, a diligência de investigação e recolha de prova respeita tais pressupostos e, especificamente, o requisito legal de que o visado seja suspeito ou arguido (artigo 187.º, n.º 4, al. a), do CPP) ou se, pelo contrário, valem as razões que levaram o Sr. Juiz de instrução a não acolher a pretensão do recorrente.
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Conforme decorre dos artigos 262.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e 1.º da Lei n.º 49/2008, de 27 de Agosto (a designada Lei de Organização da Investigação Criminal), na nossa lei processual penal, o inquérito abrange as diligências destinadas a investigar a existência de um crime, com vista a determinar o seu agente ou agentes, e a respectiva responsabilidade, descobrindo e recolhendo as provas que permitam decidir sobre a acusação.
Sempre que haja notícia de um crime (ou melhor, de factos susceptíveis de constituir crime), inicia-se um inquérito que se destina, justamente, à descoberta, recolha e, sempre que tal for possível, à verificação e comprovação dos factos que condicionam a aplicação posterior do direito, verificação que, para efeitos de prosseguimento do processo criminal, há-de consistir na sua demonstração feita por meio de provas. A procura e recolha das provas e, essencialmente, a conservação de todos os elementos probatórios que forem apurados constitui a finalidade precípua do inquérito, com vista à dedução da acusação e posteriormente à prova directa, em julgamento, dos factos que integram essa acusação, de forma a desembocar na decisão condenatória.
Nesta fase obrigatória (a fase de investigação) do processo comum, a aquisição da prova incumbe ao dominus do inquérito, o Ministério Público, mas a realização de determinadas diligências probatórias, ou são realizadas pelo juiz de instrução, ou têm que ser, previamente, ordenadas ou autorizadas por este.
Assim acontece com a intercepção, gravação ou registo de conversações ou comunicações, nos termos dos artigos 187.º e 189.º que, de harmonia com o disposto no artigo 269.º, n.º 1, al. e), do Cód. Proc. Penal, dependem de ordem ou autorização do juiz.
A luta contra a criminalidade organiza-se tipicamente através da limitação de direitos fundamentais.
Aliás, a protecção dos direitos e garantias só é pensável e exequível à custa da sua própria e inevitável limitação e restrição.
A busca da verdade material é, no processo penal, um dever ético e jurídico, mas o Estado, como titular que é do ius puniendi, também está interessado em que só os culpados de actos criminosos sejam punidos.
É quase um lugar-comum dizer-se que a verdade material não pode conseguir-se a qualquer preço: há limites decorrentes do respeito pela integridade moral e física das pessoas; há limites impostos pela inviolabilidade da vida privada, do domicílio, da correspondência e das telecomunicações, que só nas condições previstas na lei podem ser transpostos.
Componente essencial do princípio do Estado de Direito é a ideia de justiça, a qual exige também a manutenção de uma administração de justiça capaz de funcionar, devendo reconhecer-se as necessidades irrenunciáveis de uma acção penal eficaz e acentuar-se o interesse público numa investigação da verdade, o mais completa possível, no processo penal, sendo o esclarecimento dos crimes graves tarefa essencial de uma comunidade orientada pelo aludido princípio.
Em contraponto, como acentua a doutrina (Manuel da Costa Andrade, “Sobre as proibições de prova em processo penal”, Coimbra, 1992, p. 117) existem “limites intransponíveis à prossecução da verdade em processo penal”, que decorrem do reconhecimento de que “quando em qualquer ponto do sistema ou da regulamentação processual penal, esteja em causa a garantia da dignidade da pessoa – em regra do arguido, mas também de outra pessoa, inclusive da vítima –, nenhuma transacção é possível. A uma tal garantia deve ser conferida predominância absoluta em qualquer conflito com o interesse – se bem que, também ele legítimo e relevante do ponto de vista do Estado de direito – no eficaz funcionamento do sistema de justiça penal” (Figueiredo Dias, “Para uma reforma global do processo penal português. Da sua necessidade e de algumas orientações fundamentais”, in Para Uma Nova Justiça Penal, Coimbra, 1983, p. 207).
Iniludível é, pois, a existência de uma tensão incontornável entre “dois princípios ético-jurídicos fundamentais: o princípio da reafirmação, defesa e reintegração da comunidade ético-jurídica – i. é, do sistema de valores ético-jurídicos que informam a ordem jurídica, e que encontra a sua tutela normativa no direito material criminal –, e o princípio do respeito e garantia da liberdade e dignidade dos cidadãos, i. é, os direitos irredutíveis da pessoa humana” (Castanheira Neves, “Sumários de Processo Criminal”, 1967-1968).
Como em adequada síntese refere João Conde Correia[6]: “A máxima protecção dos direitos fundamentais colocaria barreiras intransponíveis à descoberta da verdade e, em consequência, à realização da justiça, e a busca da verdade a todo o custo eliminaria os mais elementares direitos, conduzindo a uma mistificação da justiça. Este conflito revela-se, em toda a sua amplitude, de forma exponencial, no domínio dos meios de prova e de obtenção da prova. Com efeito, o interesse punitivo do Estado e a plêiade de métodos, tendentes a determinar a existência de um facto ilícito, a punibilidade do seu autor e a determinação da pena ou medida de segurança aplicáveis, dada a natureza das coisas, podem afrontar, de forma grave e irreversível, os direitos fundamentais inerentes a um ser livre e digno”.
Sob a epígrafe “Outros direitos pessoais” (e depois da consagração da tutela do direito à vida e do direito à integridade pessoal) a Constituição da República consagra (art. 26.º) um conjunto de direitos fundamentais que protegem “um círculo nuclear da pessoa, correspondendo, genericamente, a direitos de personalidade”[7].
Entre esses direitos, está o direito fundamental à reserva da vida privada, cuja tutela se projecta em sede processual penal, impondo limites à valoração de provas que representem uma abusiva intromissão em tal esfera – designadamente quando seja “efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial (art. 34.º, n.ºs 2 e 4, da Constituição), quando desnecessária ou desproporcionada, ou quando aniquiladora dos próprios direitos (cfr. art.º 18.º, n.ºs 2 e 3)” – vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4.ª edição revista, 381 e ss.).
No entanto, como faz notar o Professor Manuel da Costa Andrade (“Sobre as proibições de prova em processo penal”, 94-96), trata-se de “um bem jurídico que não pode perspectivar-se absolutamente isolado dos compromissos e vinculações comunitárias e, nessa medida, inteiramente a coberto da colisão e ponderação dos interesses. O seu sacrifício em sede de prova estará, por isso, legitimado sempre que necessário e adequado à salvaguarda de valores ou interesses superiores, respeitadas as exigências do princípio da proporcionalidade”.
Se o reconhecimento de um direito geral de personalidade que garante ao indivíduo a conformação da sua vida privada, se o reconhecimento da reserva da vida privada como condição de integridade e da dignidade da pessoa é algo de que não se duvida, também não é possível deixar de afirmar a relevância da imposição de limites que podem decorrer, em especial, de um interesse geral prevalecente da comunidade, porquanto, se o indivíduo, como cidadão, vive inserido numa comunidade e entra, através da sua conduta, em relação comunicativa com os outros, pode, com isso, tocar a esfera pessoal dos seus concidadãos e os interesses da comunidade. Ou seja, o direito que aqui se analisa não pode configurar-se como um direito ilimitável e irrestringível perante outros direitos ou interesses que se tenham por legítimos porque o indivíduo humano, vivendo em comunidade, tem também deveres fundamentais de solidariedade para com os outros e para com a sociedade, obrigando-se a respeitar as restrições e as compressões indispensáveis à acomodação dos direitos dos outros e à realização dos valores comunitários.
O primado da reserva da vida privada, de que o princípio da inviolabilidade dos meios de comunicação privada, designadamente das telecomunicações, é uma das garantias, face às necessidades da justiça penal na procura da verdade, tem de recuar quando, à luz do princípio de proporcionalidade, a ponderação com o significado do direito fundamental de respeito pela dignidade humana e o livre desenvolvimento da personalidade faz emergir prevalecentes necessidades da justiça criminal, que exigem a admissibilidade da recolha, produção e valoração do meio de prova.
No âmbito do processo penal (e só neste) é legalmente admissível a restrição àquele direito, permitindo-se a intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas verificados que sejam os pressupostos estabelecidos nos artigos 187.º e 188.º do Cód. Proc. Penal
O artigo 189.º do mesmo compêndio normativo torna extensivo o regime das escutas telefónicas ali definido:
- às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática;
- às comunicações entre presentes;
- à obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registo de realização de conversações ou comunicações.
No entanto, há diferenças a assinalar, podendo dizer-se que o regime da obtenção dos dados de localização celular ou de registo da realização de conversações ou comunicações diverge do regime das escutas telefónicas em dois pontos e coincide em outros tantos.
Divergem na medida em que o juiz só autoriza (e não ordena) as escutas e só o fará a requerimento do Ministério Público na fase de inquérito, ao passo que a obtenção e a junção aos autos de dados de localização celular ou dos referidos registos pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz em qualquer fase do processo.
Coincidem quanto à existência de um catálogo fechado de crimes e de um catálogo restrito de pessoas em relação aos quais é possível lançar mão destes meios de obtenção de prova.
Não se suscitando qualquer dúvida de que se indicia a prática de um crime do catálogo, interessa que nos foquemos no âmbito subjectivo das escutas (e, portanto, também da obtenção dos dados de localização celular ou de registo da realização de conversações ou comunicações) e especificamente num dos alvos possíveis: o suspeito da prática do crime que se investiga.
Importa recordar que antes da revisão do CPP operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o âmbito subjectivo da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas não estava delimitado como agora resulta do n.º 4 do artigo 187.º e por isso qualquer pessoa podia ser alvo dessa diligência.
Houve o claro propósito de restringir a admissibilidade da referida diligência de recolha de prova a “um leque de pessoas que, em abstracto, se movem num quadro relacional próximo do crime, sendo suspeitos ou arguidos, ou por terem uma relação social próxima do agente do crime”[8].
Por outro lado, é pacífico o entendimento de que, quando se trata de interpretar e aplicar normas restritivas de direitos fundamentais, o critério interpretativo não pode deixar de ser aquele que assegure a menor compressão possível dos direitos afectados, ou seja, a restrição do direito fundamental em causa há-de limitar-se ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse (também constitucionalmente tutelado) na descoberta de um concreto crime e na punição do(s) seu(s) agente(s).
A questão que se vem colocando em recursos interpostos pelo Ministério Público em situações similares a esta tem a ver com a densificação da noção de suspeito.
Por exemplo, no caso sobre que incidiu o acórdão da Relação de Évora de 30.09.2010 (disponível em www.dgsi.pt), o Ministério Público defendeu que “suspeito” não tem que ser uma pessoa certa e determinada, bastando que “seja pessoa”, “ser humano, pessoa responsável pelos seus actos”, mas, como se observa naquele aresto, uma tal concepção esquece que “a figura processual do suspeito não nasce com a autoria de um crime no sentido em que, sendo o crime fruto de uma acção ou omissão humana, alguém teve de praticá-lo”. Se assim fosse, se bastasse a prática de um crime para haver um suspeito, qualquer pessoa seria suspeita e poderia ser alvo de escutas.
Já no nosso caso, o Ministério Público defende que “suspeito” tem de ser “uma certa e determinada pessoa”, mas a exigência de individualização do suspeito “não se confunde com a sua concreta identificação civil” (conclusão VIII), acabando, no entanto, por reconhecer que só através da diligência de obtenção de prova pretendida será possível “individualizar a pessoa presumivelmente culpada” (conclusão IX).
Se o Código de Processo Penal estabelece que, para efeitos do que nele se dispõe, “suspeito” é “toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar” (artigo 1.º, al. e)), é a partir da definição legal que poderemos chegar a uma conclusão sobre como densificar (que elementos factuais é necessário estarem reunidos) este conceito, que tem ínsita a ideia de individualização ou determinação da pessoa sobre a qual recaem as suspeitas.
Aceita-se, sem dificuldade, que para a individualização do(s) agente(s) do crime não é necessária uma indicação completa dos elementos identificadores, não tem que haver uma identificação rigorosa, precisa do suspeito.
Temos para nós que, para tanto, basta que seja pessoa determinável ou identificável.
Ora, identificável é a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social.
Por isso que dizer que os suspeitos são indivíduos do sexo masculino, que tinham na cabeça um capacete de protecção integral, de cor preta, e, debaixo deste, um passa montanhas preto, com dois orifícios na zona dos olhos, usavam luvas de cor preta e que um deles era jovem, magro, com cerca de 1,75 m de altura, trajava calças de ganga azul claro e era portador de uma mochila com a inscrição "EAST PACK" e que o outro era de compleição forte, com cerca de 40 anos, vestia blusão de cor escura e “falava correctamente português e sem sotaque característico” (cfr. conclusão V) não permite identificação alguma.
Numa eventual diligência de reconhecimento pessoal, se correctamente realizada, é óbvio que, com esses dados, nunca o ofendido lograria identificar os autores do roubo.
Daí que a diligência de obtenção de prova que a autoridade policial, com o beneplácito do Ministério Público, pretende levar a cabo não tem por alvo uma pessoa concreta sobre a qual recaiam suspeitas da prática do crime em investigação, mas antes um leque, mais ou menos, alargado de pessoas que, sendo detentoras de telemóveis que estavam ligados e tendo por isso activado as células identificadas a fls. 26 e 27 destes autos, podem nada ter a ver com a prática do crime, mas são erigidas à categoria de suspeitos pela simples circunstância de estarem no local e no momento do cometimento do roubo.
Se “a existência de um catálogo de alvos obsta à determinação de escutas telefónicas em processo contra incertos” e se “o legislador pretendeu que a autorização judicial tivesse por referência as conversações mantidas por pessoas concretas, ainda que não seja conhecida a sua identidade civil”, pelo que “são inadmissíveis as escutas determinadas a grupos de pessoas cujo único traço comum é o de ocuparem habitualmente ou esporadicamente um determinado espaço físico” (Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição actualizada, UCE, 509-510), por identidade de razão (é, ainda, o direito à reserva da vida privada que está em causa) não será admissível a obtenção dos dados de localização celular ou de registo da realização de conversações ou comunicações relativos a um número indeterminado de pessoas.
Se a lei estabelece um catálogo fechado de alvos ou visados, não é legal qualquer pretensão que só ignorando o requisito legal poderá ser satisfeita. No entanto, é isso que pretende o recorrente ao requerer (e depois insurgir-se contra a decisão que indeferiu o requerimento) que sejam solicitados dados de tráfego e de localização celular que, inevitavelmente, abrangeria um grupo, mais ou menos, numeroso (e, seguramente, um número indeterminado) de pessoas que assim veriam devassada a sua privacidade garantida pelo sigilo das telecomunicações. E, como se refere no já citado acórdão da Relação de Évora de 30.09.2010, no limite, todas essas pessoas podem ser alheias aos factos noticiados.
É, pois, no mínimo, duvidoso que a diligência de obtenção de prova em causa se revele, em concreto, um meio adequado a imediatizar o resultado almejado, ou seja, a descoberta dos autores do crime de roubo cometido, mas não podem restar grandes dúvidas que se revela excessiva (logo, desproporcionada) face às finalidades visadas.
Impõe-se, assim, a improcedência do recurso.

IIIDispositivo
Em face do exposto, acordam os juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirmar o despacho recorrido.
Sem tributação.
(Processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas).

Porto, 11-02-2015
Neto de Moura
Maria Luísa Arantes
___________
[1] Cfr., ainda, o acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 7/95, de 19.10.95, DR. I-A, de 28.12.1995.
[2] Para tanto, vamos servir-nos da informação contida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 486/2009 e na anotação do Conselheiro Santos Cabral ao artigo 189.º do CPP in “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2014, p. 833 e segs., mas não só.
[3] “Bruscamente no Verão passado…”, Rev. Leg. e Jurisp., ano 137.º, n.º 3951, p. 341.
[4] Cfr. referência concordante na anotação do Conselheiro Santos Cabral, loc. cit., p. 834.
[5] Cfr. Pedro Verdelho, “Técnica no novo CPP: exames, perícias e prova digital”, Revista do CEJ, 1.º semestre de 2008, número 9 (especial), p. 169.
[6] Revista do Ministério Público, n.º 79, 45
[7] Paulo Mota Pinto, “A Protecção da vida privada e a Constituição”, Boletim da Faculdade de Direito Coimbra, 2000, p. 155.
[8] Cfr. Carlos Adérito Teixeira, “Escutas telefónicas: a mudança de paradigma e os velhos e os novos problemas” in Revista do CEJ, 1.º semestre de 2008, número 9 (especial), p. 247.