Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
16708/18.1T8PRT-A.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR DE SUSPENSÃO DE DESPEDIMENTO
DOCENTE
DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR
REGIME DE TEMPO INTEGRAL
FALTAS INJUSTIFICADAS
JUSTA CAUSA
NOTA DE CULPA
Nº do Documento: RP2019071016708/18.1T8PRT-A.P2
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º288, FLS.138-149)
Área Temática: .
Sumário: I - O Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU) faz corresponder o regime de tempo integral à duração semanal do trabalho para a generalidade dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas.
II - O artigo 133.º, n.º 2, da Lei n.º 35/2014, de 20.06, determina que na ausência do trabalhador por períodos inferiores ao período normal de trabalho diário, os respetivos tempos são adicionados para determinação da falta.
III - A omissão no ECDU e na Lei n.º 35/2014, de 20.6, sobre as consequências das faltas injustificadas, é regulada pelo Código do Trabalho.
IV - Da legislação referida em III resulta que a falta a aula lectiva é tempo parcelar e não um dia de falta.
V - Para efeitos de justa causa, a primeira das duas situações previstas na alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º do CT, exige dois requisitos cumulativos: um dia de falta e que essa falta tenha determinado directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa.
VI – No caso de imputação a docente de faltas injustificadas a aulas, o horário e tempo de trabalho semanal do docente, o tempo de duração das aulas lectivas e o prejuízo ou risco grave devem constar da nota de culpa comunicada ao trabalhador.
VII – A omissão na nota de culpa dos elementos referidos em VI, não permite ao Tribunal avaliar, em sede de procedimento cautelar, da probabilidade séria da licitude de despedimento, decretado pela requerida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 16.708/2018.1T8PRT-A.P1
Origem: Comarca do Porto-Porto-Juízo Trabalho J3
Relator - Domingos Morais – Registo 826
Adjuntos - Paula Leal de Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I - Relatório
1. - B… instaurou procedimento cautelar de suspensão de despedimento individual, na Comarca do Porto-Porto-Juízo Trabalho J3, nos termos do artigo 386.º do Código do Trabalho e artigos 34.º e segs. do Código do Processo de Trabalho, contra C… (C1…) nos autos identificados, alegando, em síntese, que:
A Requerente foi admitida, por contrato de trabalho subordinado, pela requerida, em 1.10.2004, para, segundo as ordens e direcção desta exercer funções de docente no estabelecimento de ensino superior de que a requerida é proprietária, designada “C1…/C…”.
Desde então e até ao momento, sempre exerceu diversas funções que lhe foram conferidas pela requerida, com absoluta dedicação e empenho, de resto reconhecidos no meio académico (quer pelo corpo docente, quer pelo corpo discente) não lhe sendo apontado ao longo de todo este tempo qualquer falta ou comportamento menos adequado pela requerida, a qual, pelo contrário, sempre reconheceu o empenho e dedicação e superior estatuto pedagógico e cientifico da requerente. Isto posto.
Surpreendentemente, a Requerida instaurou processo disciplinar contra a Requerida, tendo remetido em 15.02.2018 nota de culpa à requerente com a suspensão desta (não obstante ilegal e sem qualquer razão justificativa para o efeito).
Sendo que a requerida, ignorando as leis do processo, ignorando a resposta/contestação da requerente e o seu direito ao contraditório e sem produção de prova (pelo menos de que tenha dado conhecimento à Requerente), sem mais, atropelou o procedimento e, por decisão de 8 de Maio de 2018, procedeu ao despedimento (ilícito) da requerente, alegadamente com “justa causa”, decisão que a requerente recebeu em 14.05.2018.
Não obstante a requerente ser uma professora reputadíssima no ensino superior, com mais de 34 anos de carreira, dos quais mais de 14 ao serviço da requerida, doutorada, docente respeitadíssima por Colegas e alunos, sem qualquer registo disciplinar (ou sequer baixas médicas) a requerida promove contra ela um “processo disciplinar” em que alega “factos” distorcidos e completamente falsos, lê-os de forma obtusa, para deles extrair uma conclusão inadmissível e impossível e, como se não bastasse, não cumpre qualquer regra do procedimento disciplinar.
Remetido pela requerida um simulacro fantasioso de nota de culpa à requerente, e face à resposta desta e à prova por ela requerida, a entidade patronal, “Fundação” cujo objectivo é o ensino superior (!!) ignora todas as normas do processo, desinteressa-se deste, e encerra a sua triste encenação – deixa cair o pano (ignorando a defesa da requerente e o seu contraditório…).
Para prova de toda a matéria da defesa e consequentemente para contra prova dos correspondentes “factos” da nota de culpa (?), a Requerente juntou 10 documentos, indicou 2 testemunhas e requereu a junção aos autos de processo disciplinar pela requerida, de todos os documentos de suporte respeitante a todos os factos descritos na nota de culpa.
A requerida ignorou, pura e simplesmente toda a prova solicitada pela requerente e (pasme-se) não realizou quaisquer outras diligências probatórias, muito menos aquelas que haviam sido requeridas pela requerente !!! – de nada deu conhecimento à requerente.
Conforme foi alegado na resposta à nota de culpa, o “processo disciplinar” em questão, ou o quer que se lhe possa chamar, ou representa, visto que não se trata – não pode tratar-se – de um procedimento disciplinar, encontra-se prescrito no que concerne aos pretensos “factos” acusatórios respeitantes às pretensas faltas até Julho de 2017 e ferido de caducidade no que concerne aos restantes (assim como àqueles, se já não estivessem prescritos).
Porquanto a Requerida deixou decorrer os prazos respectivamente superiores a um ano, e a 60 dias, estabelecidos respectivamente no artigo 329, nºs 1 e 2 do Cod. Trabalho.
Quer a prescrição, quer a caducidade, acarreta a nulidade e ilicitude do despedimento – artº 382 do Cód. Trabalho.
Além disso, o procedimento em questão é em si mesmo ilícito, inválido e nulo.
Terminou, concluindo:
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente Procedimento Cautelar ser julgado provado e procedente, declarando-se a imediata suspensão do despedimento individual da requerente, B…, com todas as legais consequências.
Mais requerer a V.Exª a impugnação judicial da regularidade e licitude do seu despedimento promovido pela requerida, com vista à declaração judicial da sua ilicitude, com todas as consequências legais.”.
2. – A requerida deduziu oposição, terminando pela improcedência do procedimento cautelar.
3. - Realizada a audiência final, a Mma Juiz proferiu decisão, a qual foi anulada pelo acórdão desta Relação, datado de 21.01.2019, para ampliação da matéria de facto.
4. – Devolvidos os autos à 1.ª instância, a Mma Juiz proferiu nova decisão de facto e de direito, concluindo:
“Assim sendo, e face aos factos imputados à Requerente no processo disciplinar e vertidos para a decisão final – consubstanciados em 9 faltas no Polo C.2.1. … e 13 faltas no Polo C.2.2. … interpoladas e injustificadas durante o ano de 2017 – alicerçados em prova documental ali produzida, dúvidas não existem que tais factos enquadram-se nesta sede de procedimento cautelar e de aparência de direito, na existência de uma situação de justa causa, por violação pela Requerente dos deveres de assiduidade e deveres de zelo e diligência no desempenho das suas funções; deveres esses expressamente previstos nas alíneas b) e c) do nº 1 do artº 128º do Código do Trabalho.
Nestes termos e com tais fundamentos, julgo improcedente o presente procedimento cautelar.”.
5. - A requerente, inconformada, interpôs recurso de apelação,
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6. - A requerida não apresentou contra-alegações.
7. - O M.º Público emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
8. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. - Fundamentação de facto
1. - Na 1.ª instância, foi proferida a seguinte decisão de facto:
“Com relevo para a decisão ficaram apurados os seguintes factos:
1. A Requerente foi admitida, por contrato de trabalho subordinado, pela requerida, em 1 de outubro de 2004, para, segundo as ordens e direcção desta exercer funções de docente no estabelecimento de ensino superior de que a requerida é proprietária, designada “C1…/C…”, tudo nos termos constantes do documento de fls. 45, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2. A Requerida instaurou processo disciplinar contra a Requerente, tendo remetido em 15 de fevereiro de 2018 nota de culpa junta aos autos a estes apensos, a fls. 35 a 40, cujo teor se dá qui por integralmente reproduzido, com a suspensão desta, nota de culpa que a mesma recebeu a 20 de fevereiro de 2018.
2. A 2 de março de 2018, a Requerente remeteu à Requerida a resposta à nota de culpa, junta aos autos a fls. 123 a 137, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, acompanhada dos documentos de fls.138 a 156, tudo dos autos de processo disciplinar a estes apensos.
3. Para prova de toda a matéria da defesa e consequentemente para contra prova dos correspondentes “factos” da nota de culpa, a Requerente juntou 10 documentos referidos em 2), indicou 2 testemunhas e requereu a junção aos autos de processo disciplinar pela requerida, de todos os documentos de suporte respeitante a todos os factos descritos na nota de culpa.
4. A representante da Requerente solicitou a consulta dos autos à Requerida, o que lhe foi concedido em 23 de fevereiro de 2018.
5. Verificou-se então que os autos eram apenas constituídos por:
a) Deliberação do Conselho de Administração datada de 30.01.2018 (pág. 1);
b) Carta registada datada de 15.02.2018 da intenção de despedimento com justa causa (pág. 2);
c) Nota de culpa datada de 15.02.2018 (págs. 3 a 7);
d) Print de um suposto registo de faltas no período de 01.01.2017 a 19.01.2018 (pág. 8);
e) Print de um suposto registo de faltas datado de 09.02.2018 (pág. 9);
f) Horários para o 1º semestre da C2…, Campus C.2.2. …, datado de 30.01.2018 (pág. 10);
g) Horários 1º e 2º semestres da C2… (C.2.1. …), datado de 09.02.2018 (págs. 11 e 12);
h) Contrato de docência a termo certo, datado de 1.10.2014 (págs. 13 e 14);
i) Contrato de docência a termo certo, datado de 17.09.2008 (págs. 15 e 16);
j) Adenda ao contrato de docência celebrado em 17.09.2008, datada de 27.04.2012 (págs. 17 e 18);
k) Relação discriminada de faltas, datada de 31.08.2008 (pág. 19);
l) Legislação (págs. 20 a 33)
m) Declaração da arguida datada de 16.02.2018, na qual refere ter recebido a nota de culpa.
6. A 9 de abril foram solicitados pelo Instrutor do procedimento disciplinar, os documentos melhor referidos no email de fls. 159 dos autos de processo disciplinar a estes apensos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
7. Foram juntos àquele processo disciplinar os documentos de fls. 161 a 250.
8. A Requerida não procedeu à audição das testemunhas arroladas pela Requerente.
9. Por decisão de 8 de Maio de 2018, junta ao processo disciplinar a estes autos apenso, a fls. 272 a 290, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, procedeu a Requerida ao despedimento da Requerente, decisão que esta recebeu em 14 de maio de 2018.
10. A Requerente é docente universitária, professora associada do quadro da C3…, em regime de tempo integral, regendo diversas cadeiras.
11. A Requerente presta serviço para a Requerida desde 01 de outubro de 2004 (há mais de 13 anos), jamais tendo sido objecto de qualquer processo disciplinar.
12. O trabalho de professor universitário não se reduz, estritamente, ao tempo de lecionação abarcando outras componentes e actividades, nomeadamente investigação, exames escritos, exames orais, vigilâncias de provas, correcção de provas, etc.
13.A Requerida é a entidade instituidora e titular do estabelecimento de ensino superior denominado “C2…”.
14. A C2… encontra-se instalada e funciona actualmente em dois locais distintos: o Campus C.2.1. … e o Campus C.2.2. …..
15. A Requerente prestava serviço docente nos dois referidos locais.
16. Em cada um deles, é efectuado pela Secretaria de Professores, o controlo de assiduidade dos docentes e são recebidos, quando apresentados, os correspondentes pedidos de justificação de falta.
17. A competência para a apreciação de tais pedidos é do Conselho de Administração da Requerida.
18. Os serviços administrativos da Universidade reportam ao Conselho de Administração as faltas detectadas.
19. Na sequência dos registos de faltas da Requerente durante o ano de 2017, o Conselho de Administração deliberou, a 29/01/2018, instaurar-lhe procedimento disciplinar.
20.Na resposta à nota de culpa, a Requerente juntou 10 documentos, requereu a inquirição de duas testemunhas, requereu “a junção aos autos de todos os documentos de suporte respeitantes a todos os factos descritos na nota de culpa” e ainda a junção dos seguintes documentos: “registo físico e informático respeitante a cada pretensa infracção (faltas) atribuídas à trabalhadora arguida, com identificação do anotador e das suas alegadas ausências”; “registo físico e informático da verificação e qualificação das referidas ausências – caso a caso – com identificação da entidade que a tal procedeu”; “horário de trabalho mensal da trabalhadora arguida”; “cópia de todos os documentos justificativos das “faltas” da arguida durante os anos lectivos de 2016/2017”.
21. O instrutor do processo solicitou aos serviços administrativos da Requerida o envio dos documentos cuja junção foi requerida pela Requerente.
22.Tais documentos foram enviados ao instrutor do processo no dia 9 de Abril de 2018 (os respeitantes ao Campus C.2.1. …) e a 12 de Abril de 2018 (os respeitantes ao Campus C.2.2. ….) e, em seguida, juntos ao processo disciplinar.
23. A Requerida decidiu não proceder à inquirição das testemunhas arroladas, por despacho fundamentado constante da própria decisão disciplinar, segundo o qual:
“A arguida requereu ainda a inquirição de duas testemunhas, o Arq.º D… e Prof. Doutora E…, ambas ex-docentes da arguente, que não se encontravam ao serviço desta no ano de 2017.
O depoimento de ambas as testemunhas foi requerido sobre toda a matéria da resposta à nota de culpa. Não se vislumbra, na resposta à nota de culpa, qualquer facto com relevo para a decisão de que as referidas testemunhas pudessem ter conhecimento directo e pessoal, pelo que, nos termos do artigo 356.º, n.º 1 do Código do Trabalho se considerou a sua inquirição como manifestamente dilatória e impertinente, pelo que não se procedeu à realização de tal diligência.”
24. O instrutor do processo elaborou proposta de decisão a 23 de Abril de 2018, apresentado, nessa mesma data, o processo ao Conselho de Administração.
25. De acordo com a proposta de decisão e na sequência das diligências instrutórias realizadas, não se consideraram provados alguns dos factos imputados à Requerente na nota de culpa.
26. O Conselho de Administração da Requerida, em reunião ocorrida no dia 7 de Maio de 2018, deliberou aderir à proposta de decisão do instrutor.
27. Por carta datada de 18 de Maio de 2018, registada a 21 de Maio, a Requerente solicitou à Requerida a emissão de declaração de situação de desemprego modelo 5044/2013.
28. Tal carta foi recebida pela Requerente no dia 22 de Maio de 2018.
29. Sendo emitida e enviada, no mesmo dia, a declaração solicitada pela Requerida.
30. No dia 31 de outubro de 2017, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, às aulas das 9h e das 10h, de C.3.1.1. …, da licenciatura de C.3.1. … – Polo C.2.2. …, correspondente a um dia.
31. No dia 28 de novembro de 2017, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, às aulas das 9h e das 10h, de C.3.1.1. …. – Polo C.2.2. …, correspondente a um dia.
32. No dia 6 de março de 2017, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, à aula das 10h de C.3.2.1. … e C.3.2.2. …, da licenciatura C.3.2. … – Polo C.2.2. , correspondente a um dia.
33. No dia 20 de março de 2017, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, à aula das 10h de C.3.2.1. … e C.3.2.2. … da licenciatura C.3.2. … – Polo C.2.2. …, correspondente a um dia.
34. No dia 24 de abril de 2017, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, à aula das 10h de C.3.2.1 … e C.3.2.2. …, da licenciatura C.3.2. … – Polo C.2.2. …, correspondente a um dia.
35. No dia 4 de maio de 2017, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, às aulas das 11h e das 12h de C.3.2.1. … e C.3.2.2. …, da licenciatura C.3.2. … – Polo C.2.2. …, correspondente a um dia.
36. No dia 22 de maio de 2017, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, às aulas das 10h de C.3.2.1. … e C.3.2.2. …, da licenciatura C.3.2. … – Polo C.2.2. …, correspondente a um dia.
37. No dia 29 de maio de 2017, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, à aula das 10h de C.3.2.1. … e C.3.2.2. …, da licenciatura C.3.2. … – Polo C.2.2. …, correspondente a um dia.
38. No dia 1 de junho de 2017, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, às aulas das 11h e das 12h, de C.3.2.1. … e C.3.2.2. … da licenciatura C.3.2. … – Polo C.2.2. …, correspondente a um dia.
39.No dia 28 de setembro de 2017, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, à aula das 12h de C.3.2.2. …, da licenciatura C.3.2. … – Polo C.2.2. …, correspondente a um dia.
40. No dia 9 de outubro de 2018, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, à aula das 12h de C.3.1.1. …, da licenciatura C.3.2. … – Polo C.2.2. …, correspondente a um dia.
42. No dia 12 de janeiro de 2017, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, à vigilância à primeira frequência C.3.2.3. …, marcada para as 10h – Polo C.2.2. …, correspondente a um dia.
43. No dia 31 de outubro de 2017, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, à vigilância do exame oral C.3.2.3. …, marcado para as 11h – Pólo C.2.2. …, correspondente a um dia.
44. No dia 4 de abril de 2017, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, à aula das 20h de C.3.3.1. ..., no Mestrado em C.3.3. … – Polo C.2.1. …, correspondente a um dia.
45. No dia 1 de junho de 2017, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, às aulas das 15h e das 16 h, de C.3.4.1. …, da licenciatura C.3.4. … – Polo C.2.1. …, correspondente a um dia.
46. No dia 11 de setembro de 2017, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, às aulas das 11h e das 12 h, de C.3.4.3. … e C.3.4.2. …, da licenciatura C.3.4. … – Polo C.2.1. …, correspondente a um dia.
47. No dia 12 de setembro de 2017, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, à aula das 16 h, de C.3.4.3. … e C.3.4.2 …, da licenciatura de C.3.2…. – Polo C.2.1. …, correspondente a um dia.
48. No dia 13 de setembro de 2017, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, às aulas das 15h e 16h, de C.3.4.3. … e C.3.4.2. …, da licenciatura C.3.2. … e, à aula das 17h, de C.3.4.4. …, da licenciatura C.3.4. … – Polo C 2.1. …, correspondente a um dia.
49. No dia 14 de setembro de 2017, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, às aulas das 10h, 14h e 15h de C.3.4.4. …, da licenciatura C.3.4. … – Polo C.2.1. …, correspondente a um dia.
50. No dia 6 de novembro de 2017, a Requerente faltou, sem apresentar justificação, à aula das 11h, de C.3.4.3. … e C.3.4.2. …, da licenciatura C.3.4. … – Polo C.2.1. …, correspondente a um dia.
51. A Requerente faltou, sem apresentar justificação ao Conselho Escolar de Faculdade C3… (C.2.1. …), ocorrido às 16 h do dia 9 de março de 2017 e à Reunião Geral da Faculdade C3… (C.2.1….), ocorrida às 15h30 do dia 9 de março de 2017, correspondente a um dia.
52. A Requerente faltou, sem apresentar justificação, à vigilância para a 1ª frequência de C.3.3.2. …, marcada para as 9h30 do dia 23 de junho de 2017, correspondente a um dia.
53.A manutenção da acreditação dos ciclos de estudo da Requerida está dependente do cumprimento dos tempos letivos previstos nos planos de estudos.
Factos não provados:
a) que desde 1 de outubro de 2004 e até ao momento, sempre exerceu diversas funções que lhe foram conferidas pela requerida, com absoluta dedicação e empenho, de resto reconhecidos no meio académico (quer pelo corpo docente, quer pelo corpo discente) não lhe sendo apontado ao longo de todo este tempo qualquer falta ou comportamento menos adequado pela requerida, a qual, pelo contrário, sempre reconheceu o empenho e dedicação e superior estatuto pedagógico e cientifico da requerente.
b) que a Requerente é uma professora reputadíssima no ensino superior, com mais de 34 anos de carreira, docente respeitadíssima por Colegas e alunos, sem baixas médicas
c) que a Requerente presta ainda colaboração noutros departamentos ao nível pós-graduado, da Requerida.”.
[Nota: apesar de existirem dois factos com o número “2.” e de inexistir o número “41.”, mantivemos a numeração que consta da decisão de facto da 1.ª instância, para evitar dúvidas na indicação dos respectivos números, no âmbito da impugnação da matéria de facto deduzida pela recorrente].
2. - Consigna-se a eliminação da expressão “corresponde a um dia com que termina cada um dos pontos 30 a 52 da matéria assente, conforme o decidido adiante, no âmbito da questão da alteração da matéria de facto.
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2. – O objecto do recurso:
- A modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto e
- A (in)existência da probabilidade séria de ilicitude de despedimento.
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4.Da alteração da matéria de facto
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4.4. - Da expressão a eliminar.
Tratando-se, pois, de matéria de direito o saber-se se as faltas referenciadas nos pontos 30 a 52 da matéria assente devem ser computadas em horas ou em dias, a expressão “corresponde a um dia”, com que termina cada um desses pontos, deve ser eliminada?
A resposta é positiva, nos termos da fundamentação que segue.
O artigo 607.º, n.º 3 do CPC, estabelece que o juiz, na elaboração da sentença, deve “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes”.
E o n.º 4 do mesmo normativo determina que “[n]a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
Apesar de o actual CPC não conter norma semelhante à do artigo 646.º n.º 4, do anterior CPC, é consensual na jurisprudência, incluindo a deste Tribunal da Relação, que se devem ter por não escritas as respostas do tribunal recorrido sobre as questões que versem matéria de direito.
Tratando da distinção entre matéria de facto e matéria de direito, Alberto dos Reis ensina, in Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4.ª edição, pág. 206:
a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior;
b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei”.
No caso em apreço, é questão de facto a recorrente ter faltado a aulas lectivas e a outras actividades mencionadas nos pontos 30 a 52 da matéria assente.
Mas já é questão de direito o saber-se, face à legislação que regula o regime das faltas ao serviço por parte do trabalhador, se cada uma dessas horas de falta equivale, ou não, a um dia completo de falta, para efeitos disciplinares.
Assim sendo, é eliminada a expressão “corresponde a um dia” com que termina cada um dos pontos 30 a 52 dos factos dados como provados.
5. - Da (in)existência da probabilidade séria de ilicitude de despedimento.
5.1. - A requerida acusou a requerente de “ter violado os deveres de assiduidade e de realização das suas funções com zelo e diligência, previstos nas alíneas b) e c), do n.º 1 do artigo 128.º do CT, “o que constitui justa causa de despedimento, nos termos do n.º 1 e das alíneas d) e g) do n.º 2 do artigo 351.º do mesmo diploma.”.
A violação dos deveres de assiduidade e de zelo e diligência foi sustentada em faltas a aulas lectivas e a outras actividades, dadas pela requerente/recorrente.
Na nota de culpa, a requerida fez constar que “A docente arguida obrigou-se a, no exercício das suas funções, cumprir o disposto no Estatuto da Universidade e seus anexos, nos Regulamentos Internos e demais instruções, bem como as disposições legais aplicáveis”. No articulado de oposição, a requerida reporta-se, apenas, ao Código do Trabalho.
Neste particular, está provado que:
A Requerente é docente universitária, professora associada do quadro da Faculdade C3…, em regime de tempo integral, regendo diversas cadeiras.
A Requerida é a entidade instituidora e titular do estabelecimento de ensino superior denominado “C2….
O trabalho de professor universitário não se reduz, estritamente, ao tempo de lecionação abarcando outras componentes e actividades, nomeadamente investigação, exames escritos, exames orais, vigilâncias de provas, correcção de provas, etc.”. – cf. pontos 10 a 13 da matéria de facto provada. (negritos nossos)
5.2. - Legislação aplicável.
5.2.1. – Dos Estatutos da C1…, publicados por Despacho n.º 24711/2009. «D.R. II Série». 217 (2009-11-09) 45668-45678, do Presidente do Conselho de Administração da Fundação C…, consta, nomeadamente, que “O regime aplicável ao corpo docente, aos docentes e à actividade de docência no âmbito da Universidade é o que resulta do disposto na legislação pertinentemente aplicável, bem como nos presentes estatutos, nos respectivos regulamentos internos e nos contratos e protocolos celebrados – cf. artigo 45.º.
E o artigo 46.º - Vínculos e categorias – dispõe:
1 - A vinculação de pessoal docente à Universidade resulta de contrato de docência, de protocolo de colaboração a celebrar com outra instituição de ensino superior visando a acumulação de funções docentes ou de contrato de prestação de serviços relativo a actividades docentes de carácter não regular.
2 - O corpo docente da Universidade integra docentes de carreira, que exercem a título principal a actividade de docência universitária, bem como docentes convidados, que poderão ser individualidades, nacionais ou estrangeiras, que exerçam a título principal actividades não docentes, mas cuja colaboração se revista de interesse e necessidade inegáveis para a Universidade, sendo-lhes reconhecida a correspondente competência científica, pedagógica ou profissional.
3 – (…).
4 - As categorias do pessoal docente de carreira e, por equiparação, do pessoal docente convidado e visitante da Universidade são as seguintes:
a) Professor catedrático;
b) Professor associado;
c) Professor auxiliar.”. (negrito nosso)
Os deveres dos docentes estão enunciados no artigo 54.º, n.º 1, em particular, a alínea e): “Assegurar regular assiduidade e pontualidade no cumprimento das funções que lhes estão confiadas, avisando os órgãos e serviços competentes das situações de não comparência, justificando-as e propondo as respectivas providências correctivas;”.
No entanto, nada prevê sobre o regime de faltas ao serviço, pelos docentes.
5.2.2. – O Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU), publicado pelo DL n.º 448/79, de 13 de novembro, - alterado pela Lei n.º 19/80, de 16 de Julho, e pelos DLeis n.os 316/83, de 2 de julho, 35/85, de 1 de fevereiro, 48/85, de 27 de fevereiro, 243/85, de 11 de julho, 244/85, de 11 de julho, 381/85, de 27 de setembro, 245/86, de 21 de agosto, 370/86, de 4 de novembro, e 392/86, de 22 de novembro, pela Lei n.º 6/87, de 27 de janeiro, e pelos DLeis n.os 145/87, de 24 de março, 147/88, de 27 de Abril, 359/88, de 13 de outubro, 412/88, de 9 de novembro, 456/88, de 13 de dezembro, 393/89, de 9 de novembro, 408/89, de 18 de novembro, 388/90, de 10 de dezembro, 76/96, de 18 de junho, 13/97, de 17 de janeiro, 212/97, de 16 de agosto, 252/97, de 26 de setembro, 277/98, de 11 de setembro, e 373/99, de 18 de setembro, e 205/2009, de 31 de agosto (que procede à sua republicação), alterado pela Lei n.º 8/2010, de 13 de maio -, aplica-se, nos termos do artigo 1.º, “ao pessoal docente das universidades, institutos universitários e escolas universitárias não integradas em universidade, que adiante se designam por instituições de ensino superior.”.
A noção de “Regime de tempo integral” é dada pelo artigo 68.º, nos seguintes termos:
1 - Entende-se por regime de tempo integral aquele que corresponde à duração semanal do trabalho para a generalidade dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas.
2 - A duração do trabalho a que se refere o número anterior compreende o exercício de todas as funções fixadas no capítulo i deste diploma, incluindo o tempo de trabalho prestado fora da instituição de ensino superior que seja inerente ao cumprimento daquelas funções.”. (negrito nosso).
No que reporta à duração semanal do trabalho, nos termos do n.º 1, importa registar que a Lei n.º 18/2016, de 20.06, repôs as 35 horas semanais nos contratos de trabalho em funções públicas, período semanal esse que deverá ser o considerado no caso em apreço, dado que não foi invocado qualquer outro.
Por sua vez, sobre o “Serviço docente”, o artigo 71.º estatui:
1 - Cada docente em regime de tempo integral presta um número de horas semanais de serviço de aulas ou seminários que lhe for fixado pelo órgão legal e estatutariamente competente da instituição de ensino superior, num mínimo de seis horas e num máximo de nove, sem prejuízo, contudo, do disposto no artigo 6.º
2 - Quando tal se justifique, pode ser excedido o limite que concretamente tenha sido fixado nos termos do número anterior, contabilizando-se, nesta hipótese, o tempo despendido pelo respectivo docente, o qual, se assim o permitirem as condições de serviço, pode vir a ser dispensado do serviço de aulas correspondente noutros períodos do ano lectivo.
3 - Para além do tempo de leccionação de aulas, o horário de serviço docente integra a componente relativa a serviço de assistência a alunos, devendo este, em regra, corresponder a metade daquele tempo.”.
5.2.3. - A Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que regula o Trabalho em Funções Públicas, prescreve no artigo 101.º: “É aplicável aos trabalhadores com vínculo de emprego público o regime do Código do Trabalho em matéria de organização e tempo de trabalho, com as necessárias adaptações e sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes.”, em particular, o artigo 133.º que dispõe:
“1 - Considera-se falta a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a atividade durante o período normal de trabalho diário.
2 - Em caso de ausência do trabalhador por períodos inferiores ao período normal de trabalho diário, os respetivos tempos são adicionados para determinação da falta.”. (negrito nosso).
E o artigo 134.º -Tipos de faltas – que estabelece:
“1 - As faltas podem ser justificadas ou injustificadas.
2 - São consideradas faltas justificadas: - alíneas de a) a n) -.
6 - São consideradas injustificadas as faltas não previstas no n.º 2.
Sobre as consequências das faltas injustificadas nada regula.
Em conclusão: a omissão nos Estatutos da C1…, no Estatuto da Carreira Docente Universitária e na Lei n.º 35/2014, de 20.6, sobre as consequências das faltas injustificadas é regulada pelo Código do Trabalho.
5.3.Dos deveres de assiduidade, zelo e diligência.
Apreciemos, pois, a alegada violação dos deveres de assiduidade, zelo e diligência – alíneas b) e c) do artigo 128.º do CT.
5.3.1. - Em síntese, a requerente foi acusada pela requerida de ter faltado a 26 aulas no ano de 2017 (e não a 28 como consta do artigo 9.º da nota de culpa) – cf. a descrição das faltas que consta do artigo 8.º da nota de culpa - e a outras actividades escolares nos dias e horas indicados nos pontos 30.º a 52.º dos factos provados, mas não fez constar da nota de culpa, como se impunha, nem alegou no articulado da oposição, qual o horário de trabalho da requerente, e respectiva carga lectiva semanal, e qual a duração de cada aula e das provas de avaliação, elementos essenciais para o Tribunal poder avaliar a imputada violação dos deveres de assiduidade, zelo e diligência.
A noção de falta dada pelo artigo 248.º, n.º 1, do CT é: “Considera-se falta a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a actividade durante o período normal de trabalho diário.”.
E o n.º 2 acrescenta: “Em caso de ausência do trabalhador por períodos inferiores ao período normal de trabalho diário, os respectivos tempos são adicionados para determinação da falta.”.
Grosso modo, a noção de falta dada pelo citado artigo 133.º da Lei n.º 35/2014, de 20.06, é similar à do artigo 248.º do CT.
Resulta deste normativo que o legislador apenas considera falta, propriamente dita, a ausência ao serviço pelo período de um dia de trabalho, isto é, as 8 horas/dia, previstas no artigo 203.º, n.º 1, do CT – cf. artigo 112.º da Lei n.º 35/2014, de 20.06.
Assim, as faltas surgem como interrupções na prestação do trabalho por dia ou dias úteis e têm as seguintes modalidades: faltas justificadas e injustificadas – cf. artigo 249.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CT e artigo 134.º, n.ºs 1, 2 e 6 da Lei n.º 35/2014, de 20.06.
A dúvida que o concreto caso dos autos suscita é a de saber se a falta de um professor a aula lectiva, que dure 50 minutos, uma hora ou duas horas, constitui, só por si, uma falta de “7 horas/dia” ou se essas “uma hora/duas horas” são tidas como tempo parcelar para adicionar até completar as “7/horas dia”, no período de trabalho semanal de 35 horas.
De toda a legislação supra enunciada, o legislador está a dizer que a falta a aula lectiva de “uma/duas horas” é tempo parcelar e não de um dia de falta – cf. artigo 133.º, n.º 2, da Lei n.º 35/2014, de 20.06.
Assim, estando provado que a requerente é docente universitária, com a categoria de associada e em regime de tempo integral, regime este que, para além da estrita docência, comporta outras actividades como investigação, exames escritos, exames orais, vigilâncias de provas, correcção de provas e a assistência a alunos – cf. artigo 54.º dos Estatutos da C1… e artigo 71.º n.º 3 do Estatuto da Carreira Docente Universitária -, as faltas a aulas lectivas de “uma/duas horas”, ou a vigilância a provas de avaliação, à face da citada lei, são consideradas como tempo parcelar e não um dia de falta, sem prejuízo de se considerar que o tempo lectivo na docência constitui a função primordial do professor, e daí uma eventual maior relevância, a falta a aulas, para efeitos disciplinares.
5.3.2. - Para efeitos disciplinares, o artigo 351.º - Noção de justa causa de despedimento – do CT, estatui:
“1 - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) a f) - (…).
g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;” (negrito nosso).
A citada alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º prevê duas situações de faltas: (i) faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou (ii) um número mínimo de faltas, em cada ano civil, seguidas ou interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco para a empresa.
Conforme dispõe o artigo 353.º, n.º 1, do Código do Trabalho (CT), “No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.”. (negrito nosso).
A nota de culpa é a peça essencial do procedimento disciplinar laboral, porque é ela que delimita o âmbito fáctico de apreciação do comportamento do trabalhador, já que, conforme dispõe o artigo 357.º, n.º 4, segmento final, do CT, “não podem ser invocados factos não constantes da nota de culpa” para culpabilizar o trabalhador.
Isto significa que a nota de culpa deve localizar no tempo e no lugar, descrever o modo como os factos foram praticados e indicar por quem, de forma a permitir que o trabalhador os individualize e identifique, a fim de organizar, correctamente, a sua defesa.
A finalidade de tais normativos é, assim, a de garantir ao trabalhador, além do mais, o direito ao contraditório, princípio fundamental de direito.
O direito ao contraditório, e consequente direito à defesa, só podem ser exercidos, cabalmente, pelo trabalhador, se a nota de culpa, que lhe foi comunicada, apresentar “a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados”, isto é, se o empregador descrever de forma concreta e circunstanciada - no tempo, no lugar, no modo e por quem -, os factos imputados ao trabalhador.
Mas mais.
Conforme estatui o artigo 387.º, n.º 3, do CT, “Na acção de apreciação judicial do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.”.
Assim, a lei exige que a nota de culpa delimite os comportamentos censuráveis ao trabalhador, passíveis de serem reapreciados em juízo, quanto à sua gravidade e alcance. E, consequentemente, se entre os tipos de sanção, o despedimento constitui a censura mais adequada.
5.3.3. - No caso dos autos, o teor da nota de culpa, na parte relativa às alegadas faltas da requerente, é do seguinte teor:
8. No ano de 2017, a docente arguida faltou injustificadamente às seguintes aulas:
a. Na Universidade C2…, Campus C.2.2. …:
i C.3.1.2. …, na Licenciatura em C.3.1….: nos dias 31 de Outubro (duas aulas) e 28 de Novembro (duas aulas), num total de dois dias e quatro aulas.
ii. C.3.2.1. … e C.3.2.2. …, na Licenciatura C.3.2.2. …: 6 de Março (uma aula), 20 de Março (uma aula), 24 de Abril (uma aula), 4 de Maio (duas aulas); 22 de Maio (uma aula); 29 de Maio (uma aula) e 1 de Junho (duas aulas), num total de sete dias e nove aulas'
iii. C.3.2.2. …, na Licenciatura C.3.2. …: no dia 28 de Setembro (uma aula) e no dia 9 de Outubro (uma aula), num total de dois dias e duas aulas.
b. Na Universidade C2… (C.2.1. …):
i C.3.3.1 …, no Mestrado C.3.3. …: no dia 4 de Abril (uma aula), num total de um dia e uma aula;
ii. C.3.3.1. …, na Licenciatura C.3.4. …: no dia 1 de Junho (duas aulas), num total de um dia e duas aulas;
iii. C.3.4.3. … e C.3.4.2. …, na Licenciatura C.3.4. …: nos dias 11 de Setembro (duas aulas) e 6 de Novembro (uma aula), num total de dois dias e três aulas;
iv. C.3.2.2. … e C.3.2.1. …, na Licenciatura em C.3.2. …: nos dias 12 de Setembro (uma aula) e 13 de Setembro (duas aulas), num total de dois dias e três aulas;
v. C.3.4.4. …, na Licenciatura C.3.4. …: no dia 14 de Setembro (duas aulas), num total de um dia e duas aulas.
9 A docente arguida faltou assim, injustificadamente, em 18 dias durante o ano de 2017, num total de 28 aulas.
10 Além da actividade lectiva, a actividade docente, a que a docente arguida se obrigou, inclui a obrigatoriedade de vigilância de provas de avaliação e a participação em reuniões dos órgãos académicos de que faça parte.
11. A docente arguida faltou à prova de avaliação da Unidade Curricular C.3.3.2. …, no dia 23 de Junho de 2017, na Universidade C2… (C.2.1. …).
12. A docente arguida faltou igualmente, de forma injustificada, à Reunião do Conselho Escolar da Faculdade C3… da Universidade C2… (C.2.1. …) e à Reunião Gera\ da mesma Faculdade, ambas no dia 9 de Março de 2017.
13. Por sua vez, na Universidade C2… - Campus C.2.2. …, a docente arguida faltou à vigilância de provas de avaliação da Unidade Curricular C.3.2.2. …, na Licenciatura em C.3.2.3. …, nos dias 12 de Janeiro e 31 de Outubro de 2017.
14. Assim, no total, a docente arguida faltou um total de 21 (vinte e um) dias no ano lectivo de 2017.”.
Como supra referido, a nota de culpa não só não indica qual o horário de trabalho da requerente, nem a sua carga lectiva semanal, como também não concretiza qual o tempo de duração de cada uma das aulas referidas no seu ponto 8.º, nem o tempo de duração da vigilância das provas de avaliação referidas nos seus pontos 11.º e 13.º.
Estes elementos de facto eram essenciais para o Tribunal poder ajuizar sobre o tempo parcelar total que a requerente faltou no ano de 2017, para efeitos disciplinares.
Se o regime de tempo integral, dado como provado nos autos, comportava as 35 semanais, nos termos supra referidos, qual era (i)o tempo de duração das aulas lectivas: 50 minutos, uma hora, hora e meia, duas horas? e (ii)o tempo de duração da vigilância das provas de avaliação qual era? Não se sabe, não consta da nota de culpa.
Além disso, os tempos parcelares a que requerente faltou no ano de 2017 causaram directamente prejuízos ou riscos graves para a requerida? Não se sabe, pois, na nota de culpa não foi concretizado qualquer prejuízo ou risco grave para a Instituição requerida.
Lembre-se que o anterior ponto 32.º dos factos provados - “32. As faltas a aulas são susceptíveis de causar graves prejuízos à Requerida, na medida em que continuidade do funcionamento dos ciclos de estudos na Universidade C2… depende do cumprimento dos tempos lectivos previstos nos planos de estudos.” -, reportado ao artigo 19.º da nota de culpa, foi eliminado pelo anterior acórdão de anulação, por considerar que “o direito não é aplicável a “ses”, “hipóteses” ou a “susceptíveis”, mas a factos concretos da vida real, devidamente, provados em sede própria, o que não é o caso da expressão “susceptíveis de causar graves prejuízos à Requerida””.
Resulta, pois, do exposto, que a nota de culpa não contem todos os elementos de facto que permitam ao Tribunal avaliar do comportamento da requerente, ao abrigo da alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º.
Mas mesmo que, por mera hipótese, se considerasse que cada aula tinha a duração de uma hora, ou de duas horas, e as provas de avaliação a duração de três horas, as faltas dadas pela requerente atingiam o total de 32 horas ou de 58 horas, que num horário de 7 horas/dia, de 35 horas/semana em regime de funções públicas, totalizavam 4 ou 8 dias completos de faltas.
Nas duas hipóteses, o caso não se poderia enquadrar na segunda situação da alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º, já que nenhuma delas atingiria as 10 faltas interpoladas ao longo do ano de 2017.
Mas caberia na primeira situação dessa alínea, que, não estipulando o número de faltas, pode ser apenas de um dia, de 7 ou 8 horas.
No entanto, se a falta for apenas de “um dia”, a lei exige outro requisito cumulativo: que essa falta de “um dia” tenha determinado “directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa”.
Ora, como supra referido, não só a nota de culpa não indicou qual o horário e tempo de trabalho semanal da requerente, nem especificou qual o tempo de duração das aulas lectivas e das provas de avaliação, como não concretizou qualquer prejuízo ou risco grave para a Instituição requerida, causado directamente pelo comportamento da requerida.
[A propósito da aplicação da alínea g) do n.º 1 do artigo 351.º do CT, cf. acórdão do TRP, de 22.05.2019, proc. n.º 4714/2017.8T8VNG.P1, de autoria do mesmo colectivo de Juízes Desembargadores, in www.dgsi.pt].
Assim sendo, existe a probabilidade séria do despedimento ser ilícito.
Em consequência, procedendo o recurso da requerente, revoga-se a decisão recorrida.
IV.A decisão
Atento o exposto, acórdão os Juízes que compõem esta Secção Social em julgar procedente o recurso apresentado pela requerente, e em consequência, revogar a sentença recorrida, a qual é substituída pelo presente acórdão que declara a suspensão do despedimento da requerente.
Custas a cargo da requerida.

Porto, 2019.07.10
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha