Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
313/14.4T8GDM-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ IGREJA MATOS
Descritores: DRIEITO DE VISITAS DOS PAIS A MENORES ACOLHIDOS INSTITUCIONALMENTE
INTERDIÇÃO DAS VISITAS
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
Nº do Documento: RP20170620313/14.4T8GDM-A.P1
Data do Acordão: 06/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 772, FLS 152-162
Área Temática: .
Sumário: I - A interdição de visitas dos pais a menores acolhidos institucionalmente reveste natureza absolutamente excepcional e apenas deve ser aplicada quando se torne evidente que tais visitas prejudicam, não apenas no curto mas também no longo prazo, o interesse do menor.
II - O interesse superior da criança engloba também o cuidado – que deve, se necessário, ser reiterado - de não hipotecar definitivamente a possibilidade, ainda que remota ou não imediata, de se estabelecerem laços de proximidade e afecto entre a criança e qualquer um dos seus progenitores.
III - Neste sentido, tudo deve ser feito pelo Estado para não hipotecar definitivamente as relações pessoais no seio da família, em conformidade com o disposto no artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e com as disposições conjugadas dos artigos 36º, 67º e 68º da Constituição da República Portuguesa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Processo 313-14.4t8GDM-D.P1

Recorrente(s): B...;
Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Família e Menores de Gondomar

I – Relatório
O presente recurso versa sobre o despacho constante de fls. 1619 a 1622 bem como sobre o despacho de 10.02.2017 nos termos do qual o tribunal “a quo” proibiu a progenitora, ora apelante, de visitar a sua filha menor C..., nascida em 5 de Setembro de 2009, actualmente com sete anos de idade.
Assim, está em causa o despacho em que o tribunal apelado notificou a progenitora para intervir na conferência com vista a obtenção de acordo de promoção nos autos quando já estaria em causa a efectivação de um debate judicial sendo que à recorrente não foi dado conhecimento das alegações e prova apresentada pelo Ministério Público. Donde, haveria uma nulidade decorrente da prática de um acto que a lei não admite ao proceder-se a debate judicial sem que não tenha sido apurar da possibilidade de acordo e uma omissão por não ter sido dado conhecimento às partes das alegações e prova apresentada e por se ter agendado a diligência num curto período de tempo, não conferindo o direito de recorrer do despacho antes que a mesma tivesse efeito, afectando o direito de recurso, e optando-se por realizar a mesma sem que a recorrente tenha marcado presença por não ter sido pessoalmente notificada com a nulidade do acto ao abrigo do artigo 195º nº 1, bem como o não cumprimento do dever de audição obrigatória e participação da progenitora ao abrigo do artigo 4º j) da Lei de Promoção e Protecção.
Num segundo segmento, o recurso incide sobre a decisão de proibição de visitas pela recorrente à sua filha, quer por a mesma constituir um desrespeito a decisão transitada em julgado de um Tribunal Superior – esta mesma Relação – quer por constituir uma medida substancialmente indevida por não proteger os superiores interesses da criança.
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Nos termos do descrito quanto ao âmbito do recurso, temos que a requerente apresentou as conclusões que se transcrevem:
I- O recurso incide sobre o despacho de fls. 1619 a 1622 bem como o despacho de 10.02.2017, relativamente ao qual o Tribunal a Quo, proibiu a progenitora ora apelante de visitar a menor C... violando o Tribunal a quo decisão de Tribunal hierarquicamente superior, atendendo ao disposto no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09 de Novembro de 2016, que veio anular a sentença relativa à medida de promoção e protecção da menor C..., anulando-se todo o processado desde a marcação inicial do debate judicial, por se ter iniciado o debate judicial sem que tivesse sido nomeado patrono ao Progenitor, e determinando-se que todos os despachos que haviam decretado a inibição dos progenitores do exercício do poder paternal e a proibição das visitas à menor C... haviam sido igualmente anuladas, pelo que os progenitores manteriam o direito de visitas da menor.
II- O Recurso incide igualmente no despacho em que o Tribunal a quo notifica a progenitora para intervir na conferência com vista a obtenção de acordo de promoção nos autos, uma vez que tal conferência não seria já permitida, uma vez que o Tribunal a quo já teria dado cumprimento ao disposto no artº 114º nº 1 da Lei 147/99, o que desde logo impossibilita a realização da conferência a que alude o artº 112º, uma vez que caberia ao Tribunal a quo notificar as partes para a o debate judicial ao abrigo do artº 114º nº 3 e nº 4.
III- Sucede ainda que, ao abrigo de tal normativo, com a notificação de data para o debate judicial é dado conhecimento aos pais das alegações e prova apresentada pelo Ministério Público, algo que o Tribunal do qual se recorre, ainda não se dignou a proceder.
IV- O despacho do qual se recorre está assim ferido de nulidade, uma vez que pratica um acto que a lei não admite, desde logo a partir do momento em que a Meritíssima Juiz do Processo decide proceder à notificação relativa ao artigo 114º corresponde ao agendamento do debate judicial, artigo esse que refere de forma expressa que tal normativo só se aplica no caso de não ter sido possível obter o acordo de promoção e protecção ou quando este se manifestamente improvável.
V- Por outro lado compreende uma omissão uma vez que caberia ao Tribunal a quo designar o dia para o debate judicial, dando conhecimento às partes das alegações e prova apresentada, algo que não fez.
VI- Sucede ainda que o Tribunal a quo agendou a dita diligência num curto período de tempo, não lhe conferindo o direito de recorrer do despacho antes que a diligência tivesse efeito, afectando-lhe assim o seu direito de recurso, em clara violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20º da CRP, bem como do princípio do contraditório ao abrigo do artigo 3º nº 3 do CPC.
VII- A partir do momento em que o Acórdão do TR do Porto transita em julgado, como foi o caso, deixa de existir sentença e só passa a prevalecer o Acórdão que a anulou até que outra seja proferida.
VIII- Ainda que não se entenda que o dito despacho está ferido de nulidade, algo que apenas aqui se coloca por mero dever de cautela de patrocínio, sempre se dirá que:
IX- A progenitora apenas foi notificada da dita diligência no dia 13.02.2017, já após a realização do dita conferência sem que esta nem o seu mandatário tenham marcado presença, violando-se assim o princípio do contraditório a partir do momento em que o Tribunal a quo não adiou a diligência e agendou nova data para a mesma.
X- Ao não proceder à notificação da progenitora de forma atempada, o Tribunal a quo incumpriu o artigo 247º nº 2, uma vez que por se tratar de notificação para chamar a parte ao acto, para além de ser notificado o mandatário teria que ter sido notificada igualmente a progenitora.
XI- Tal omissão, leva à nulidade do acto ao abrigo do artigo 195º nº 1, bem como o não cumprimento do dever de audição obrigatória e participação da progenitora ao abrigo do artigo 4º j) da Lei de Promoção e Protecção.
XII- O D... proíbe a progenitora de visitar a menor C... desde 27 de Novembro de 2014, tendo o Tribunal a quo ratificado essa proibição, mais tarde quando a Progenitora ora recorrente requereu o restabelecimento das visitas.
XIII- No âmbito de processo de promoção e protecção a favor da menor C..., foi proferida acórdão pelo Tribunal a quo a 21 de Abril de 2016 que decidiu: “a) Aplicar à menor C..., a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção”;
XIV- No âmbito da decisão do Tribunal a Quo, a progenitora recorreu para o TR do Porto, tendo este tribunal decidido mediante Acórdão de 7 de Dezembro de 2016 todo o processado desde a marcação inicial do debate judicial.
XVII- Ora, a partir do momento em que o Acórdão do TR do Porto transita em julgado, como foi o caso, deixa de existir sentença e só passa a prevalecer o Acórdão que a anulou até que outra seja proferida.
XIX- Até que outra sentença seja proferida o Acórdão que anulou a anterior prevalece substituindo-a.
XXI- Na verdade, a execução da decisão do Tribunal da Relação do Porto deveria ser direta, não necessitando de passar pelo crivo do Tribunal a Quo, contudo, uma vez que o D... onde a menor se encontra institucionalizada, se negava a autorizar as visitas, mesmo após ter conhecimento da decisão, tal situação obrigou a progenitora, ora Apelante a dar entrada com Requerimento a 12 de Dezembro de 2016, em que requeria que se oficiasse junto do D..., com carácter de urgência, para que cumprisse com o disposto no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, e que informasse o Centro do levantamento da inibição do exercício dos poderes paternais por parte dos progenitores, mais se requerendo que a menor pudesse passar a quadra natalícia com a progenitora, algo a que o Tribunal a quo não deu sequer resposta
XXIII- Na verdade, o Tribunal a quo não só não se dignou oficiar junto do D... para que cumprissem com a decisão do Tribunal da Relação do Porto, como através de despacho de 15.12.2016, um expediente dilatório, pedindo uma relatório social para averiguar o efeito das visitas, e mantendo dessa forma uma proibição de visitas que já havia sido revogada por Tribunal hierarquicamente superior.
XXV- A ora apelante, apresentou recurso desse despacho a 4.01.2017, alegando, em síntese que o Tribunal a quo violara uma decisão de tribunal hierarquicamente superior ao não dar integral cumprimento ao acórdão do TR do Porto de 29 de Novembro de 2016.
XXVII- A apelante recorreu ainda do despacho em que se designava a data para a realização para debate judicial, por o Tribunal a quo não ter cumprido com o disposto no artigo 114º nº1 da LPP, possibilitando as partes de juntarem as suas alegações e meios de prova.
XXIX- O Tribunal a quo viria a dar razão ao recurso apresentado pela ora Apelante, mediante despacho de 09-01-2017 fls. 1531, admitindo que o despacho proferido a fls., 1481 e 1482 “está ferido de nulidade, dado que não deu integral cumprimento ao teor do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, pelo que, desde já se dá sem efeito tal despacho quanto ao direito de visitas dos progenitores à menor C....”
XXXI- No mesmo despacho o Tribunal a quo, deu sem efeito a data designada para o debate judicial ordenando que se desse cumprimento ao disposto no nº1 do artigo 114.º LPP.
XXXIII- A progenitora, ora apelante, a 18 de Janeiro de 2017, em resposta ao despacho, informou renunciar assim do recurso, solicitando contudo que o Tribunal oficiasse com carácter de urgência o D... onde os menores se encontram institucionalizados, do teor do despacho e da obrigatoriedade de terem que permitir as visitas da progenitora, uma vez que o Centro não obstante o conhecimento do teor do acórdão da Relação do Porto, em momento algum cumpriram com dispositivo do mesmo, fazendo uso de vários mecanismos para adiar tais visitas.
XXXV- Relativamente a uma suposta perícia sobre as visitas solicitada pelo MP, a progenitora ora Apelante informou os autos, que atendendo à conflitualidade latente e expressa nos autos entre as técnicas do Centro e a progenitora, que por uma questão de isenção e imparcialidade em relação aos referidos relatórios, que os mesmos deveriam ser realizadas por técnicas externas independentes do Centro.
XXXVII- Não obstante tal requerimento, o D... só após várias insistências no sentido de agendar a visita, permitiu que a mesma ocorresse apenas no dia 30 de Janeiro de 2017 entre as 16h30 e as 16h45m.
XXXIX- Ora nessa tal visita, o D... sem qualquer tipo de justificação e sem informar nem os autos nem tão pouco a progenitora, decidiu levar uma agente de autoridade para acompanhar a visita, criando assim um ambiente adverso quer para a progenitora quer para a menor.
XLI- Tal Agente de autoridade não só não se apresentou à progenitora quando solicitado, como não explicou o porquê da sua comparência numa visita que deveria ser tida em ambiente calmo e privado entre a progenitora e a menor.
XLIII- Nessa sala estavam presentes a diretora do Centro Drª E..., a educadora de infância da menor Drª F... e mais tarde viria a juntar-se a Psicóloga do Centro.
XLV- A progenitora, ora apelante, falou com a menor, perguntou se a menor sabia quem era, a que a menor afirmou saber que era a mãe, e a progenitora fez uma festa à menor, demonstrando carinho pela mesma, até que a Srª Agente de Autoridade abruptamente interrompeu o contacto entre a progenitora e a menor, proferindo algumas palavras ao ouvido da menor, começando esta a chorar após esse momento.
XLVII- Acto contínuo, a referida agente de autoridade, afastou a progenitora da menor, pedindo que ela a acompanhasse para fora da sala, aproveitando nesse momento a Directora do Centro para retirar a menor da sala para ela não mais voltar.
XLIX- Tal factualidade foi descrita pela ora apelante mediante requerimento remetido aos autos no dia 08. 02.2017.
LI- O Tribunal a quo, no seu despacho com fls. 1619 a 1622, informa a versão apresentada pelo D... acerca das visitas, contudo o Tribunal a quo, não notificou a ora apelante, do relatório junto aos autos pelo Centro, para que a ora apelante tivesse o direito a exercer o contraditório, desrespeitando o Tribunal a quo, o direito ao contraditório do art. 3º nº 3 CPC, bem como das alíneas i) e j) do artigo 4º da Lei de Promoção e Protecção.
LIII- Sucede ainda que, o Tribunal a quo deu como certas as informações prestadas pelas técnicas do Centro, e tomando uma decisão de proibição de visitas sem permitir previamente que a progenitora se pudesse pronunciar sobre o relatório alegadamente junto aos autos pelo D..., sendo que até ao momento não teve a progenitora acesso ao dito relatório.
LV- O Tribunal a quo, após ter reconhecido ter proferido despacho ferido de nulidade por não dar integral cumprimento ao teor do Acórdão da Relação do Porto e ter dado sem efeito o mesmo a 09.01.2017, menos de um mês depois a 06.02.2017 decidiu proferir novo despacho, incidindo sobre a análise do mesmo acórdão, com uma interpretação radicalmente oposta, voltando a proibir as visitas que o Tribunal da Relação do Porto havia decidido repor, anulando todo o processado.
LVI- Na verdade, o Tribunal a quo viola o princípio do caso julgado, pois entende que uma vez que o Tribunal da Relação do Porto não apreciou o mérito da questão das visitas, que nada obstaria a sua apreciação, passando assim por cima da sua decisão.
LVII- Entende ainda, de forma errada em nosso entender, salvo melhor entendimento, que como o Tribunal da Relação do Porto não apreciou o mérito da causa, que tal significará que tal decisão poderá ser reapreciada, o que na prática indica que o Tribunal a quo, se substitui a Tribunal Hierarquicamente Superior, ignorando de forma clara o dispositivo do acórdão.
LIX- Recorde-se que o supra referido acórdão era claro, não dando qualquer margem para outra interpretação que não fosse que quer o direito de visitas quer os poderes paternais da progenitora estavam automaticamente restabelecidos após a decisão de anular todo o processado.
LX- O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no seu dispositivo não deixa margem para qualquer outra interpretação porquanto no seu dispositivo estatui: “Esclarece-se para que não restem dúvidas, que, tendo sido anulado todo esse processado, designadamente os Acórdãos proferidos a 22 de Julho de 2015 e 21 de Abril de 2016, assim como o despacho proferido em 29 de Fevereiro de 2016, os quais decretaram a inibição dos progenitores do exercício do poder paternal e a proibição de visitas à menor C..., foram também anuladas estas decisões, pelo que os Progenitores mantém o direito de visita da menor C....”
LXI- Nesse sentido, o Tribunal a Quo desrespeitou o disposto nos artigos 619º, 620.º, 621º e 622º todos do CPC ao não respeitar essa decisão.
LXIII- O Tribunal a Quo, ao não respeitar a decisão do tribunal hierarquicamente superior, violou de forma concreta o disposto nos artigos 619º, 620.º, 621º e 622º todos do CPC
LXIV- No que concerne à obrigação de tribunais hierarquicamente inferiores, respeitarem decisões de tribunais superiores, atente-se ao disposto no acórdão do STJ de 28.11.2007 disponível para consulta em www.dgsi.pt, “Quando há hierarquia diferente entre os tribunais, apesar de um deles ter decidido em contrário do outro, já não é necessária a intervenção de um órgão diferente para aquele efeito porque a resposta é dada pela própria natureza hierárquica dos pseudo-conflituantes, prevalecendo a decisão do tribunal superior sobre o inferior
III- É o que resulta nomeadamente do disposto nos artigos 3.º, n.º 1, e 15.º da LOFTJ (Lei n.º 38/87, de 23/12, na sua actual redacção), assim como do artigo 4.º, n.º 1, da Lei 21/85, de 30/7, na redacção em vigor), donde emerge com a clareza do que não pode nem deve nunca ser posto em causa «o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.»”
LXV- Esse despacho incorre assim numa nulidade ao abrigo do artigo 195º do CPC por omitir um acto que a lei prescreve, tratando-se de irregularidade que pode influir no exame ou na decisão da causa.
LXVI- O despacho do Tribunal a quo viola ainda o princípio da tutela jurisdicional efectiva do artigo 20.º da CRP, pois fundamenta a sua decisão no sentido de que a aproximação da menor à progenitora apenas se deverá produzir apenas quando for decretada a medida de apoio junto a outro familiar.
LXVII- Entende o Tribunal a quo, que tal aproximação com esse argumento tal aproximação entre a menor e a progenitora só deverá ser feita com carácter definitivo.
LXVIII- Desta forma, o Tribunal a quo compromete o direito de recurso da Progenitora ora apelante, porquanto apenas acautela e protege a hipótese do decretamento da medida confiança com vista a adopção, ignorando por completo os efeitos nefastos de tal proibição para a menor bem como da impossibilidade de avaliar os reais laços afectivos existentes entre a menor e a sua progenitora, uma vez que há mais de dois anos que quer o Centro quer mais tarde o Tribunal a quo proíbem os contactos entre a progenitora e a menor.
LXIX- Esta situação, em que se protela por um largo período de tempo a impossibilidade da progenitora visitar os menores, ofende os princípios orientadores que constam do Art.° 4.° da Lei de Protecção de crianças e jovens em perigo – Lei n.º 147/99 de 1 de Setembro, nomeadamente os princípios de proporcionalidade, da actualidade, da responsabilidade parental, e o da prevalência da família.
LXX- As visitas às crianças revelam-se de extrema importância, desde logo pela manutenção da relação afectiva da criança com os pais, enquanto se procede ao diagnóstico da sua situação e à definição do seu encaminhamento subsequente, em especial quando não está definitivamente inviabilizado o seu regresso à família, mas também para aferir do interesse que aqueles manifestam pelo seu futuro, sendo que neste momento tal situação se encontra vedada violando o superior interesse da menor.
LXXI- As responsáveis do D... têm por todos os meios tentado demover a progenitora do seu intuito de reunificar a sua família, não obstante, a progenitora continua a ir ao Centro todos os meses, agendando reuniões para saber sobre os filhos, deixando prendas nas datas relevantes como aniversários, Natal, Páscoa e solicitando informações relativas ao aproveitamento escolar destes, bem como do seu bem-estar, não lhe sendo essas informações prestadas atempadamente em grande parte das ocasiões.
LXXIII- A decisão da proibição de visitas, causará à menor lesão grave, de difícil reparação, tendo em conta que a mesma se fundou numa expectativa criada pelo Centro de que a menor não voltaria à família biológica, mesmo sem haver qualquer tipo de decisão transitada em julgado.
LXXIV- Dentro deste espírito, estipula-se no n.º 3 do citado art.º 53.º que “os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto podem visitar a criança ou o jovem, de acordo com os horários e as regras de funcionamento da instituição, salvo decisão judicial em contrário”.
LXXV- Não pode a ora Apelante, ser impedida de visitar a sua filha, enquanto o processo de promoção e protecção se encontra pendente, sem qualquer decisão definitiva, nem pode a relação entre ambas ser definitivamente comprometida devido à morosidade do processo judicial, acautelando o Tribunal a quo apenas a possibilidade de decretamento da medida de confiança com vista a futura adopção.
LXXVIII- O despacho do Tribunal a Quo, viola assim estas normas constitucionais dos artigos 67º e 68 nº2 da CRP, que reconhecem a família e a maternidade como valor eminente.
LXXIX- Proibir os contactos entre mãe e filha, ficando a menor sem saber que a mãe não a visita não por não querer, mas porque não a deixam, é de uma violência e crueldade enorme, pois à menor não lhe é explicado o que impede a sua mãe de estar com ela.
LXXX- Na verdade, consta dos autos, nomeadamente da gravação da audiência em que a menor foi ouvida em fase de debate judicial, entretanto anulado, de que a mesma afirmava gostar da progenitora e que gostaria da possibilidade de viver com ela.
LXXXI- Daí que seja fundamental perceber o que mudou no espaço de meses, e que influência poderão ter tido as técnicas do Centro nessa repentina mudança de opinião.
LXXXII- A família como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros (artigo 67.º Constituição da República Portuguesa)
LXXXIII- Esta decisão do Tribunal a quo viola assim os artigos 4º a), e), f) g), h) todos da Lei nº 147/99 de 1 de Setembro, pois contraria os princípios do interesse superior da criança, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, da proporcionalidade e atualidade, da responsabilidade parental, do primado da continuidade das relações psicológicas profundas e da prevalência da família.
LXXXV- Não concebe aqui que a menor está há quase três anos a ser privada, sem justificação, dos contactos com a sua mãe.
LXXXVI- Esta proibição de contactos entre a menor e a mãe sem que haja uma decisão transitada em julgado que aplique uma medida que implique o rompimento dos laços, prejudica o normal desenvolvimento da menor, e impede-a de conviver com a sua família, um direito fundamental constitucionalmente protegido bem assim como referido na convenção dos direitos do homem no seu artigo 8º.
LXXXVII- Ao proteger e antever uma possível decisão favorável à adopção em detrimento de qualquer outra, o Tribunal a quo apenas reforça a ideia de estarmos perante um processo que não respeita o princípio da tutela jurisdicional efectiva, mais concretamente o artigo 20.º nº 4 da CRP que estatui “que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
LXXXVIII-O Tribunal a Quo parece antever como única solução possível a adopção, excluindo ab initio qualquer outra solução e consequentemente os efeitos nefastos que a proibição de contactos da menor com a sua mãe está a ter neste exacto momento e poderá ainda vir a ter no caso de a decisão que venha a ser proferida seja uma que não passe pela ruptura dos laços entre a menor e a sua mãe.
LXXXIX- Ao impedir os contactos da menor C... com a sua mãe, o Tribunal a Quo viola ainda os artigos 3º nº2 da Convenção Sobre os Direitos da Criança, aprovada em Nova Iorque em 20 de Novembro de 1989, aprovada por Portugal e publicada no D.R., I série de 12.9.1990 que estabelece: “Os Estados Partes comprometem-se a garantir à criança a protecção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, tendo em conta os direitos e deveres dos pais, representantes legais ou outras pessoas que a tenham legalmente a seu cargo e, para este efeito, tomam todas as medidas legislativas e administrativas adequadas”.
XC- Viola ainda o artigo 5º do mesmo normativo, que refere que “Os Estados Partes respeitam as responsabilidades, direitos e deveres dos pais (…)”.
XCI- Os despachos dos quais se recorrem violam o princípio do contraditório, previsto no artigo 104º da LPCJP, assim como no artigo 3º nº3 do Código de Processo Civil, violando ainda o princípio da obrigatoriedade de informação e ainda da audição obrigatória e participação, previstos no artigo 4º i) e h) da mesma Lei, bem como o princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
XCII- Nesta senda na importância da manutenção do direito de visitas atente-se ao dispositivo do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.05.2013 1487/10.9TMLSB-F.L1-2 (disponível para consulta em www.dgsi.pt)
XCIII- “Ora, se não está definido o projecto de vida do menor, não se sabendo por isso se esse projecto não passará pela plena integração do menor na vida familiar dos progenitores, a proibição de visitas dos progenitores e restantes familiares do menor, prorrogada já quase desde há 3 anos, traduz-se, objectivamente, em comprometer este possível projecto de vida sem invocação de razões suficientes para isso. Pelo que, impedir essas visitas, já quase há três anos, é, objectivamente, mesmo não sendo esse o fim visado, quase que preparar o caminho para retirar o menor aos pais e a sua entrega para adopção. E daí que, voltando ao início, agora noutra perspectiva, só em casos absolutamente excepcionais deve ser aplicada uma tal medida. O que de resto resulta do art. 1919/2 do CC: “Se o menor tiver sido confiado a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência, será estabelecido um regime de visitas aos pais, a menos que, excepcionalmente, o interesse do filho o desaconselhe.” Nem se invoque que algumas visitas dos pais e familiares têm provocado alguma perturbação ao menor, pois que tal ocorre pela forma desregulada como eles tentam manter o contacto com o menor. Nem se desvalorize a alegria e euforia que as visitas dos pais e familiares provocam no menor porque se tal acontece depois de quase três anos de forçada separação não pode deixar de ter relevo.
XCIV- Por último, os pais têm razão quando dizem, embora de outro modo, que a interdição de visitas prejudica a avaliação do relacionamento entre os pais e o menor. E isto, acrescente-se agora, quer em possível prejuízo dos pais e menor quer em possível benefício daqueles. Pois que a qualidade das visitas pode demonstrar (a todos, incluindo aos pais) que os pais não vão ter nunca um relacionamento próprio de um pai com um filho; ou pode demonstrar precisamente o contrário. E a interdição das visitas pode impedir o esclarecimento disto e servir aos pais quer de desculpa quer de base de especulações: “não fizemos visitas porque não nos foram permitidas e se as tivéssemos feito teríamos demonstrado que a relação entre nós e o menor era a própria de uma relação parental.” E depois pode ser difícil afastar estes argumentos. Para além de que também impede o argumento acima referido: ou seja, não se pode dizer que os pais não visitaram o menor com isso demonstrando falta de interesse por ele. E ainda impede o argumento de que o sentimento de abandono do menor foi provocado pelos pais, ao menos na parte em que ele se pudesse imputar à ausência de visitas.
XCV- Em suma, a interdição de visitas, salvo circunstâncias excepcionais, que serão evidentes por si só, nunca deve ser aplicada, porque normalmente redunda em prejuízo do menor e do esclarecimento das coisas.”
XCVI- Esta proibição viola ainda o artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos que consagra o direito ao respeito pela vida familiar nos seguintes termos:
Artigo 8.º (Direito ao respeito pela vida privada e familiar)
1. “Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar (…)
2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem - estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros.”
XCVII- Atente-se assim, às recentes decisões do TEDH, 2015 nesta matéria, nomeadamente o Acórdão Pontes contra Portugal, Acórdão de 10 de Abril de 2012, Requête nº 19554/09, em que se condenou o estado português pelas restrições impostas em relação ao contacto entre os progenitores e o menor durante o processo de promoção e protecção. (Acórdão disponível em www.http://direitoshumanos.gddc.pt/acordaos/docs/Pontes%20c.%20Portugal%20doc.pdf).
XCVIII- É assim de salientar fundamentação jurídica constante no artigo 78 do Acórdão:
XCIX- “Se as autoridades gozam de uma grande latitude para apreciar em particular a necessidade de tomar uma criança a seu cargo, será necessário, em contrapartida, um controlo mais rigoroso sobre as restrições suplementares, como as impostas pelas autoridades ao direito de visita dos pais, e sobre as garantias destinadas a assegurar proteção efetiva do direito dos pais e das crianças ao respeito da sua vida familiar. Estas restrições suplementares comportam o perigo de romper as relações familiares entre os pais e uma criança pequena (Gnaoré supramencionado, § 54, e Sahin c.Alemanha[GC], n.º 30943/96, § 65, CEDH 2003 – VIII).”
C- Mais recentemente, foi pública a decisão de Fevereiro de 2015, relativa ao processo de Liliana Melo contra o Estado Português, progenitora que também se encontrava proibida de visitar os seus filhos, na pendência de um processo de promoção e protecção no qual também havia sido proposta a medida de confiança para futura adopção, tendo o TEDH decidido que o Estado Português teria que criar condições para que a progenitora pudesse visitar os seus filhos nas instituições onde se encontrassem acolhidas. (Acórdão disponível para consulta em http://hudoc.echr.coe.int/fre#{"appno":["72850/14"],"itemid":["001-160938"]}. )
CI- Ou seja, foi decidido que enquanto não houvesse decisão final transitada em julgado pela Justiça Portuguesa, a progenitora teria direito a visitar os menores.
CII- Resulta claro das decisões proferidas por este Tribunal Internacional, que enquanto não houver uma decisão transitada em julgada sobre a medida a aplicar à menor, ao abrigo de um processo de promoção e protecção, não pode a progenitora ser impedida de a visitar, sob pena de isso constituir uma violação ao artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, mais concretamente o desrespeito pela vida familiar.
CIII- Não colhe o argumento do Tribunal a quo da excepcionalidade alegada para proibir as visitas, uma vez que os potenciais efeitos nefastos referidos, não podem naturalmente ser aferidos em apenas 5 minutos de visita como o Tribunal a quo acabou por permitir-se decidir.
CIV- Recordamos que a menor não via a sua mãe há quase três anos, pelo que é mais que natural que haja alguma inibição nos primeiros contactos, daí ser fundamental para aferir dos reais laços entre a progenitora e a menor que as visitas possam ser mais regulares, pois apenas dessa forma é possível retomar o relacionamento entre a menor e a progenitora que foi abruptamente interrompido por uma proibição de visitas totalmente desadequada e desproporcional.
CV- Sucede ainda que, o Tribunal a quo violou o dever da informação relativo ao artº 4º i) da Lei de Promoção e Protecção ao não notificar a progenitora do conteúdo integral dos relatórios remetidos pelo D... que serviram de fundamento para a proibição de visitas decretada, não sendo respeitado o princípio da igualdade das partes (art.º 4º) e o principio do contraditório (artº 3º nº 3) ambos do CPC.
CVI- É fundamental perceber que tipo de informação tem sido passada pelas responsáveis do Centro à menor e aos seus irmãos ao longo de todos estes anos, sendo de salientar que a psicóloga do Centro, já fez saber quando ouvida em fase de debate judicial entretanto anulado, que estaria já a preparar a menor para a adopção, isto ainda sem se saber se seria essa a medida decretada.
CVII- Tal situação coloca obviamente em causa o tipo de informação que as técnicas do Centro têm fornecido aos menores bem como a influência que têm exercido, podendo ter potenciado uma má imagem da progenitora, ora apelante.
CVIII- Mais se salienta que a progenitora, em variados requerimentos já apontou situações graves que fazem indiciar que as técnicas do Centro onde a menor está acolhido poderão ter um interesse no desfecho do processo, e têm um tratamento discriminatório e preconceituoso em relação à progenitora, ora apelante, daí que se tenha requerido que todo e qualquer relatório fosse realizado por técnicos externos independentes do Centro.
CIX- Ainda assim, o Tribunal a quo decidiu dar como verdadeiras as declarações das responsáveis do Centro sem exercer qualquer contraditório antes de decretar a proibição das visitas, dessa forma violando o princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20º da CRP, não permitindo que a ora apelante tenha direito a um processo equitativo, violando ainda o princípio da igualdade das partes.
CX- O Tribunal a quo mediante este despacho, e anteriores despachos que proibia as visitas da progenitora à menor, estará potencialmente a danificar a qualidade dos laços afectivos entre a progenitora e a menor, sem que tenha havido qualquer decisão em definitivo que determina o corte dos laços entre a progenitora e a menor.
CXI- O Tribunal a quo viola ainda o artigo 53.º nº 3 do Código Civil, que refere que “os pais (…) podem visitar a criança ou o jovem, de acordo com os horários e as regras de funcionamento da instituição (…).”
CXIII- O despacho do Tribunal a quo, viola ainda o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º n.º 2 da CRP, ao proferir um despacho que na prática mantém uma proibição em relação a um direito de visitas.
Termina a apelante peticionando que as nulidades arguidas sejam julgadas procedentes, devendo o despacho fls. 1619-1622, bem como o despacho de 10.02.2017, e consequentemente seja anulada a conferência ocorrida a 10.02.2017 e todas as diligências de prova aí levadas a cabo bem como todo e qualquer despacho aí proferido, com as consequência legais daí advenientes;
B) Sem prescindir, caso assim não se entenda, deverá o douto despacho recorrido ser revogado e sendo substituído por outro em que se reconheça o direito de visitas da progenitora respeitando-se assim a decisão do Tribunal da Relação do Porto de 09.11.2016, devendo ainda cumprir-se com o disposto no artigo 114º nº 3 da Lei de Promoção e Protecção de Menores em Perigo anulando-se consequentemente a conferência do dia 10.02.2017 devendo com a notificação da data do debate judicial, ser dado conhecimento aos pais das alegações e prova apresentada pelo Ministério Público
Foram produzidas contra-alegações pelo Ministério Público onde se requer a confirmação das decisões em recurso.

II – Questões a decidir
No essencial, existem dois temas a dirimir. A existência de eventuais nulidades processuais ao longo do tramitado e, em termos substanciais, a apreciação se deve, ou não, manter-se a presente suspensão do direito de visitas por parte da recorrente à sua filha que se encontra confiada a uma instituição.
III – Fundamentação de Direito.
I) A recorrente entende que existem nulidades processuais que condicionam a conferência ocorrida a 10 de Fevereiro de 2017 e todas as diligências de prova levadas a cabo e procedimentos subsequentes.
Está em causa um processo de jurisdição voluntária. Os intervenientes foram sendo ouvidos ao longo do processo em particular a mãe da menor, ora apelante. Ao tribunal é concedida a faculdade de adaptar os procedimentos em função das concretas necessidades que estes suscitem não só por força da natureza particular destes processos tendo em vista o superior interesse da criança mas também face à gestão processual que se impõe enquanto dever ao juiz nos termos do artigo 6º do CPC.
Sublinhe-se que nos processos de jurisdição voluntária o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, isto é, há um claro predomínio do princípio do inquisitório sobre o princípio do dispositivo quanto ao objecto do processo; nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna. Tudo isto sem prejuízo de dever ser assegurado o contraditório o que, no que a este recurso diz respeito, foi sempre assegurado (neste sentido, Castro Mendes, Direito Processual civil I, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1980, pág. 937).
Ou seja, em qualquer caso, existe um predomínio da conveniência ou da equidade (leia-se Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo civil, 1979, pág. 72) sobre a legalidade ou sobre a observação de um estrito quadro procedimental.
Inexistem, pois, as pretendidas nulidades, estando devidamente assegurados os direitos dos intervenientes ao longo do processado.
II) O que realmente importa nos autos é procurar discernir da eventual concessão de direitos de visitas à progenitora, mãe, relativamente à filha menor, C....
O tribunal apelado nunca pôs directamente em causa essa possibilidade no sentido de a proibir definitivamente.
Porém, decidiu, num primeiro momento, suspender cautelarmente esse direito de visitas referindo no despacho atinente o que se reproduz:
“Assim, considerando os fundamentos supra expendidos e no interesse da C..., e a título cautelar, e apesar dos vários relatórios sociais juntos aos autos, mostra-se urgente a audição da menor a esse respeito, a fim de ouvir de viva voz a pretensão da menor, e se for o caso, ordenar a aludida perícia psiquiátrica e suspender, a titulo cautelar as visitas em causa, pelo que se designa o dia 10 de Fevereiro de 2017, pelas 14 horas a audição da menor e das técnicas. E pelas 15h a audição da progenitora que deverá vir acompanhada do respectivo mandatário.”
Posteriormente em 10 de Fevereiro de 2017, na presença de defensora, o Tribunal decidiu manter essa suspensão (“as visitas deverão ser suspensas tendo em vista evitar um maior sofrimento para a criança”). Argumenta com o facto de a menor C... que se encontra confiada a uma instituição ficar triste e nervosa com essas visitas e com a circunstância de a mesma acalentar “o sonho de vir a ter uma nova família”.
Cumpre apreciar de modo sumário tendo em conta quer o carácter cautelar de tal suspensão quer a circunstância de estarem a decorrer perícias psiquiátricas à menor e à mãe desta que poderão carrear elementos relevantes para a decisão da causa de modo eventualmente diverso, ou pelo menos não coincidente, com o que ora está em escrutínio.
“A latere”, a título prévio, anote-se, desde já, que não existiu qualquer desrespeito pelo tribunal recorrido relativamente a uma decisão anterior deste Tribunal da Relação que anulou o processado desde a marcação inicial do debate judicial por entender não estar devidamente cumprido o contraditório com a nomeação de patrono ao Progenitor desde a data da marcação desse debate. Na verdade, tal decisão não tomou posição sobre a questão de dever, ou não, ser mantido o direito de visita da menor C... limitando-se a esclarecer que, no entretanto, até que uma nova decisão fosse tomada esse direito teria que se considerar existir.
O dirimir de tal litígio e eventual decretamento da proibição de visitas permaneceu, assim, na esfera de disponibilidade jurisdicional do tribunal recorrido que podia decidir livremente sem estar condicionado por qualquer apreciação substantiva do tribunal superior. Por isso, ao faze-lo, exerceu apenas o poder jurisdicional que lhe está cometido.
Em termos legais, “se o menor tiver sido confiado a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência, será estabelecido um regime de visitas aos pais, a menos que, excepcionalmente, o interesse do filho o desaconselhe” (n.º 2 do art.º 1919.º do Código Civil).
Ponto será, pois, apurar se estamos perante uma situação excepcional em que o interesse da C... desaconselha o restabelecimento de quaisquer contactos com a progenitora.
Os nossos tribunais superiores vêm reiterando um entendimento que, naturalmente, partilhamos, plasmado de forma mais clara no Acórdão desta Relação de 13/7/2006 (disponível em www.dgsi.pt), no qual se considera que, para o preenchimento do superior interesse do menor, “é essencial salvaguardar a satisfação da necessidade básica da criança de continuidade das suas relações afectivas sob pena de se criarem graves sentimentos de insegurança e ser afectado o seu normal desenvolvimento.”, posto o que “a negação ou supressão do direito de visita do progenitor sem a guarda dos filhos apenas poderá justificar-se – e como última “ratio” – no quadro de um conflito extremo entre o interesse da criança e o direito do progenitor.”
Donde, essa excepcionalidade deve ser vista como uma última “ratio” não bastando uma avaliação negativa do comportamento do progenitor no passado ou as dificuldades no relacionamento entre filho(a) e progenitor, incluindo-se aqui a relutância daquele(a) em conviver com a mãe (pai). Do mesmo modo, eventuais projectos futuros, por exemplo conducentes à adopção, como elementos externos que são à conduta apurada do progenitor e à relação deste com a criança, devem ter, neste contexto, uma valorização menor, senão mesmo secundária.
Neste sentido comungamos da eloquente posição expressa no Ac. da Relação de Lisboa de 9 de Maio de 2013, segundo o qual a interdição de visitas apenas pode ser decretada em circunstâncias excepcionais “que serão evidentes por si só”.
Pois bem. Não vislumbramos com certeza bastante da evidência de tais razões.
Se é certo que existe um claro afastamento relacional potenciado por razões que parecem imputáveis à própria progenitora e se a menor se encontra institucionalizada, afastada há muito do convívio com a mãe, a progenitora revela um propósito objectivo e consistente de reatar um qualquer laço afectivo com a C...; por outro lado, nada no seu comportamento recente revela a gravidade exigida que torne indispensável a proibição de contactos entre ambos.
Independentemente das claras fragilidades comunicacionais entre a progenitora e a criança, numa perspectiva de crescimento e de longo prazo, ao tribunal cabe, acima do mais, não impossibilitar a emergência, ainda que vaga e remota, de um vínculo tão fundante como o que existe entre mãe e filha.
Dir-se-á que, neste âmbito, a orientação concreta do tribunal deve potenciar a abertura de “portas” comunicacionais e afectivas que tornem o desenvolvimento psíquico e emocional da criança o mais alargado e variado quanto possível.
Se existe uma hipótese, por menor que seja, de a C... poder vir a manter uma relação minimamente positiva com a sua progenitora, esta deve ser aprofundada ainda que mantendo incólumes todas as cautelas e precauções.
A proibição de visitas tem, a seu desfavor, justamente a irreversibilidade de uma ruptura relativamente a uma realidade – a da protecção da família – cuja dimensão constitucional é conhecida e inegável (vide artigo 67.º Constituição da República Portuguesa).
Em conformidade com este entendimento, que a lei portuguesa também consagra, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos vem sublinhando que “se as autoridades gozam de uma grande latitude para apreciar em particular a necessidade de tomar uma criança a seu cargo, será necessário, em contrapartida, um controlo mais rigoroso sobre as restrições suplementares” que “comportam o perigo de romper as relações familiares entre os pais e uma criança pequena” (Gnaoré supramencionado, § 54, e Sahin c. Alemanha[GC], n.º 30943/96, § 65, CEDH 2003 – VIII).” – vide acórdão Pontes/Portugal de 10 de Abril de 2012.
Num aresto mais recente o TEDH foi ainda mais longe ao entender que as restrições que impeçam a visita aos filhos pela progenitora não se consideram justificadas à luz do artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem “senão quando a família se mostrou particularmente indigna relativamente à criança”. Ora assim não sucederá, designadamente por inexistirem sinais de conduta violenta ou de abuso, situação que, “in casu”, actualmente, não está em causa (vide Acórdão Liliana Melo/Portugal, disponível em português em http://hudoc.echr.coe.int/eng#{"itemid":["001-162118"]}).
Julgamos, portanto, que não deve ser mantida a suspensão das visitas da mãe da menor sendo certo que a proibição das mesmas não foi definitivamente decretada.
Porém, essas visitas devem ocorrer num quadro cuidadoso procurando assegurar que esses contactos, pelo menos numa fase inicial, sejam contidos e devidamente acompanhados por especialistas tecnicamente preparados para lidar com situações de eventual agudização de conflito.
Deste modo, irá determinar-se que tais visitas ocorram quinzenalmente, com a presença de um especialista na área da psicologia infantil a indicar pela instituição onde a menor se encontra, não sendo desejável a presença de autoridade policial, salvo se não puder ser evitada.
A revisão de tal plano de visitas poderá ocorrer de imediato caso seja detectada alguma anomalia psíquica da progenitora que desaconselhe, de modo objectivamente grave, a prossecução de tais contactos.
O plano ora fixado poderá ser revisto periodicamente nos moldes a fixar pelo tribunal apelado em função de novos factos que venham a ser apurados e da própria evolução do relacionamento entre ambas as envolvidas.
*
Importa proceder à sumariação prevista no art.663º, nº7 do Código do Processo Civil:
I) A interdição de visitas dos pais a menores acolhidos institucionalmente reveste natureza absolutamente excepcional e apenas deve ser aplicada quando se torne evidente que tais visitas prejudicam, não apenas no curto mas também no longo prazo, o interesse do menor.
II) O interesse superior da criança engloba também o cuidado – que deve, se necessário, ser reiterado - de não hipotecar definitivamente a possibilidade, ainda que remota ou não imediata, de se estabelecerem laços de proximidade e afecto entre a criança e qualquer um dos seus progenitores.
III) Neste sentido, tudo deve ser feito pelo Estado para não hipotecar definitivamente as relações pessoais no seio da família, em conformidade com o disposto no artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e com as disposições conjugadas dos artigos 36º, 67º e 68º da Constituição da República Portuguesa.
*
IV – Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar procedente o recurso formulado, revogando-se a actual suspensão de visitas entre a recorrente e a sua filha C... e ordenando-se que se retomem tais contactos.
As visitas deverão ser quinzenais e ocorrer na presença de especialista técnico a indicar pela instituição em que a menor se encontra, apenas se determinando a presença de autoridade policial se tal resultar necessário.
Sem custas.

Porto, 20 de Junho de 2017
José Igreja Matos
Rui Moreira
Fernando Samões