Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0557105
Nº Convencional: JTRP00038760
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: PODER PATERNAL
INCUMPRIMENTO
SANÇÃO
Nº do Documento: RP200601300557105
Data do Acordão: 01/30/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: .
Sumário: Só o incumprimento culposo, e não mero incumprimento desculpável, de um dos progenitores, relativamente ao acordado quanto ao exercício do poder paternal, deve ser sancionado com multa e indemnização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I-RELATÓRIO
A) No Tribunal de Família do Porto, inconformado com a decisão de Fls. 35 a 38, proferido no presente Incidente de Incumprimento que se encontra apenso aos autos de regulação de poder paternal em que é requerente B.......... e requerido C.......... e que, apesar de julgar violado o exercício do direito de visitas do pai não condenou a B.......... na multa e indemnização peticionada veio o C.......... interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões [Importa referir que o Recorrente apesar de ter formulado 15 conclusões – que mais não são do que as alegações ainda que numeradas – as mesmas traduzem apenas uma questão essencial.
É que as conclusões que formulou (as 15) não são verdadeiras conclusões mas antes alegações ou motivação do recurso. Segundo o Prof. A. dos Reis “a palavra conclusões é expressiva. No contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem, essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta. É claro que, para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação”, Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 359]:
1ª- Ao incumprimento do estipulado em acordo de Regulação do Poder Paternal, faz a lei aplicar uma sanção ao incumpridor, que é peticionada pelo Requerente do incidente ou arbitrada pelo Tribunal, nos termos do artigo 181 da LOTM.
2ª- No douto aresto ora recorrido, a Meritíssima Juiz a quo, reconhece ter havido incumprimento por parte da Recorrida, dos termos do acordo do exercício do Poder Paternal homologado por sentença e alcançado em conferência que teve lugar no dia 11 de Março de 2005, pois que dele constava o direito do recorrente passar com os menores todo o fim de semana seguinte (18 a 20 de Março de 2005), tendo a Recorrida impedido que aquele passasse os dias 18 e 20 de Março de 2005 com os menores, apesar de ter estado com eles no dia do Pai (19 de Março).
3ª- No entanto, não é aplicada sanção alguma à Recorrida, como consequência de tal incumprimento, tal como peticionado pelo Recorrente.
4ª- A Meritíssima Juiz a quo desculpou o comportamento ilícito da Recorrida, admitindo que, pelo facto da conferência em que se alcançou tal acordo, “ter sido prolongada e difícil”, tal possa ter concorrido para a confusão da Recorrida que alegou “estar convencida que o acordo só incluía o Dia do Pai, e não o restante fim de semana.”.
5ª- Apesar de justificar que estava convencida que tal regime não vigoraria naquele fim de semana, a Recorrida não deu o direito ao Recorrente de estar com os menores no fim de semana seguinte ao do incumprimento, mas só três fins de semanas após tal conferência (quinze dias após o incumprimento), o que demonstra bem a incoerência de tal justificação, facto a que a Meritíssima Juiz a quo não atendeu para exarar a sua decisão.
6ª- Tendo sido tão longa tal conferência e sabendo-se a dificuldade que teve o Tribunal, para que as partes chegassem a um acordo, por maioria de razão, facilmente se deduz que estas ficaram bem cientes dos termos do mesmo e foram tomando sucessivas notas, designadamente os próprios mandatários, tanto mais que o processo tem sido extenso, intrincado e complexo, o que tem obrigado as partes e os seus mandatários a redobrados cuidados, pelo que, não se pode aceitar a leviandade de “estar convencida que…”.
7ª- Em momento algum foi invocado pela Recorrida a falsidade da acta, razão pela qual a mesma admitiu que o que daquela constava, correspondia integralmente ao relato da verdade manifestada pelas partes, não podendo admitir-se tal constatação, e por outro lado, aceitar-se que a Recorrida também “tenha razão”.
8ª- Ainda assim, a fls. 36 dos autos (2ª fl. da sentença) no último parágrafo, exarou a Meritíssima Juiz a quo “admito que o que consta da acta corresponde efectivamente ao que foi querido pelas partes tal como admito que tenha razão a requerente (Recorrida)”, o que é difícil de aceitar.
9ª- Menos se aceita tal justificação, se relembrarmos que o dia 19 de Março foi o dia do Pai, sendo que o Recorrente ficou com os menores nessa data e tinha avisado no dia anterior a Recorrida e os menores, que estes deveriam ter ficado com ele nas datas de 18 a 20 de Março, tal como acordado.
10ª- A notificação efectuada no final da conferência de Pais, fazia impender sobre os mesmos deveres e direitos que ambos tinham que respeitar. Porém, ao decidir da forma que decidiu, a Meritíssima Juiz a quo deu tratamento privilegiada à Recorrida, imputando-lhe o incumprimento do acordo, mas absolvendo-o do mesmo, ou seja, atribui-lhe uma obrigação via homologação do Acordo e seguidamente desonerou-a da mesma.
11ª- Tal decisão é, pelo exposto ilegal, e mais, até anti-constitucional, por violação do Princípio da Igualdade de tratamento perante a Lei – nº 1 do artigo 13 da CRP.
12ª- Não só é notório que o incumprimento de tal ponto do acordo foi culposo, como certo é que tal comportamento deveria ter sido sancionado da forma como o Recorrente o peticionou, pelo que, não só a Meritíssima Juiz a quo, porém, fez tábua rasa do normativo legal, como existe um claro erro de julgamento.
13ª- Ainda que se aceitasse a “confusão” da Recorrida, o que não se concede, a verdade é que a Lei deveria ter sido aplicada, pois que “dura lex, sed lex”.
14ª- Aliás, vendo os apensos de incumprimento já juntos aos autos, se denota não ser o único, ao contrário do que exarou a Meritíssima juiz a quo no seu douto aresto.
15ª- Ao decidir de forma contrária, Meritíssima Juiz a quo violou com a, aliás douta, sentença recorrida, o artigo 181 da LOTM, bem como o artigo 13 da CRP, pelo que deve a mesma ser revogada e substituída por outra que aplique à recorrida a devida sanção pelo incumprimento.
Conclui pedindo a procedência do recurso.

B) A Recorrida apresentou contra-alegações defendendo a manutenção do decidido.

II – FACTUALIDADE PROVADA
Encontram-se provados os seguintes factos:
1- Por sentença de 11 de Março de 2005, transitada em julgado, foi homologado o acordo nos termos do qual ficou estabelecido o regime do exercício do poder paternal relativo aos menores D......... e E.........., filhos de C.......... e de B.........., todos devidamente identificados nos autos, tendo ficado estabelecido, além do mais, que os menores ficavam confiados à guarda e cuidados da mãe fixando-se um regime de visitas dos menores ao progenitor o qual inclui o fim de semana que abrange os dias 18 e 20 de Março.
2- Os menores não passaram os dias 18 e 20 de Março com o pai.
3- Os menores passaram com o pai o dia 19 de Março Dia do Pai.
4- Foi alcançado o acordo homologado e acima referido após mais de duas horas de diligência com intervenção e presença das partes, seus mandatários, da juiz do processo e do Sr. funcionário judicial.
5- A mandatária da requerente apenas tomou conhecimento do conteúdo da acta onde ficou exarado o acordo na Segunda feira seguinte ao fim de semana em causa nos autos.
6- Neste mesmo dia a mandatária da requerida informou a requerida de o acordo que se encontrava exarado em acta incluía o fim de semana correspondente aos dias 18 e 20 de Março.
7- A requerida estava convencida de que o fim de semana que incluía os dias 18 e 20 de Março não estava abrangido pelo acordo mas apenas o dia do Pai – Dia 19 de Março.
8- É do seguinte teor, na parte que importa, a decisão recorrida:
“Nos termos do artº 181º da O.T.M. “se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa (…) e em indemnização a favor do menor ou do requerente ou de ambos”.
Tendo em conta o teor da acta onde se exarou o acordo sobre o exercício do poder paternal e os factos acima considerados provados, conclui-se que efectivamente os menores não estiveram com o pai no fim de semana que lhe caberia. No entanto, tal como se verifica dos factos provados, não existiu culpa por parte da requerida no não exercício do direito de visitas dado que se encontrava convencida que o fim de semana referido lhe caberia a si.
Assim, não pode pois proceder o pedido formulado pelo requerente de condenação da requerida em multa e em indemnização.
Da má fé
A requerida peticiona a condenação do requerido como litigante de má fé .
Contudo, não se nos afigura existir má fé nos autos. Quer-nos parecer que o que existe é um desespero motivado pelas muitas saudades e muita vontade em ter os filhos consigo; Por isso, cremos, tendo-se visto impedido de ter os filhos consigo num fim de semana que lhe caberia sentiu-se revoltado .
É nossa convicção que ambos os progenitores estão de boa fé, apenas interpretaram de modo diferente o acordo alcançado (até porque as visitas daí em diante têm decorrido com normalidade).
Face a todo o exposto impõe-se concluir que se verifica incumprimento do direito de visitas – pois viola o acordo que (bem ou mal) se encontra exarado em acta e transitou em julgado, o qual, no entanto, não se deve a culpa da progenitora, não existindo má fé de qualquer das partes.
Decisão:
Pelo exposto, julgo procedente por provado o incidente de incumprimento deduzido e o qual, no entanto, não se deve a culpa da requerida e em consequência absolvo a requerida B.......... do pedido formulado pelo requerente C.......... .
Julgo improcedente o pedido de condenação como litigante de má fé formulado contra o requerente C.........., dele o absolvendo.”

III – DA SUBSUNÇÃO - APRECIAÇÃO

Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 684 n.º 3 do Código de Processo Civil.
O Recorrente levanta apenas a seguinte questão, a saber:
Perante a factualidade provada deveria a Recorrida ter sido condenada na multa e na indemnização peticionada pelo Recorrente?
Afigura-se-nos, face à factualidade provada, que a resposta terá que ser forçosamente negativa.
Vejamos.
Dispõe o artigo 181 da OTM que “se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até € 249,90 e em indemnização a favor do menor ou do requerente ou de ambos”.
Resulta deste preceito legal que o progenitor que não cumpre com o acordado, o progenitor remisso, pode vir a ser condenado em multa e em indemnização “a favor do menor ou do requerente ou de ambos”.
Mas será que tal condenação deverá ocorrer sempre que haja incumprimento?
Entendemos que não.
Desde logo, o recurso ao próprio regime estatuído no artigo 181 da OTM pressupõe uma crise, um incumprimento efectivamente grave e reiterado por parte do progenitor remisso e não uma situação ocasional ou pontual de incumprimento surgida por motivos imponderáveis alheios à vontade do progenitor incumpridor ou mesmo, como no caso, em situações em que o progenitor remisso está convencido que não está a incumprir o que quer que seja. [Veja-se sobre este ponto o Ac. R. Porto de 17.01.2000, Relator Des. Azevedo Ramos “Em processo de regulação do poder paternal, a aplicação de sanções por incumprimento do que tiver sido acordado ou decidido pressupõe a análise das circunstâncias concretas em que incorreu o incumprimento para se verificar se existe culpa e ilicitude ou, pelo menos, se revestem gravidade que justifiquem a condenação”, bem como o Ac. R. Porto de 29.03.1993, Relator Des. Araújo Carneiro “I- O artigo 181, nº 1 da Organização Tutelar de Menores pressupõe uma situação tal que torne necessário o recurso a meios coercivos para levar de vencida a resistência pertinaz e continuada do progenitor remisso a cumprir o que estava acordado ou decidido quanto à situação de menor, e não a uma ou outra falta sem antecedentes nem consequentes.
II - Pressupõe também o não cumprimento culposo por parte do faltoso.”]
Na verdade, não nos podemos esquecer que estamos perante um processo de jurisdição voluntária (processo de regulação do poder paternal) no qual o juiz não está sujeito a critérios de legalidade estrita, podendo (devendo) adoptar em cada caso concreto a solução que melhor defenda os interesses do menor (pois esta é a ultima ratio deste tipo de processo).
Ora, face à factualidade provada é inequívoco que a “requerida estava convencida de que o fim de semana que incluía os dias 18 e 20 de Março não estava abrangido pelo acordo mas apenas o dia do Pai – Dia 19 de Março”.
Acresce que “a mandatária da requerente apenas tomou conhecimento do conteúdo da acta onde ficou exarado o acordo na Segunda feira seguinte ao fim de semana em causa nos autos”, e que apenas nesse dia informou a requerida.
Ou seja, nos dias em que não cumpriu o acordado a Requerida não tinha conhecimento exacto do conteúdo e termos do acordo estando convencida de que estava a agir nos termos acordados.
Não se vislumbra qualquer incumprimento culposo por parte da requerida, sendo certo que apenas este – o incumprimento culposo – é susceptível de ser gerador da multa e da indemnização previstas no artigo 181 da OTM.
Por outro lado, como já se deixou dito estamos perante uma falta ocasional, meramente pontual, sem qualquer repercussão na vida do menor ou dos progenitores (designadamente do requerente) bem como sem qualquer influência no normal desenrolar e funcionamento do acordo alcançado quanto ao exercício do poder paternal do menor.
A Requerida apenas não cumpriu o acordado pontualmente naquele fim de semana por estar convencida de que a sua conduta era conforme aos termos do acordo. Este convencimento – errado é certo – não lhe é censurável uma vez que também a sua mandatária apenas posteriormente tomou conhecimento do conteúdo exacto da acta onde tal acordo foi exarado e só posteriormente comunicou esse facto à Requerida.
Estamos face a um incumprimento não culposo nem censurável face ao convencimento que a Requerida tinha da realidade.
Deste modo é manifesto que apesar de ter objectivamente incumprido os termos do acordo não pode a Requerida por esse facto ser condenada nem em multa nem em indemnização a favor do Requerente.
Deste modo entendemos que o agravo não merece provimento.
Impõe-se, pois a improcedência do recurso.

VI – Decisão;
Por tudo o que se deixou exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Recorrente C.......... e, em consequência confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.
Porto, 30 de Janeiro de 2006
José António Sousa Lameira
José Rafael dos Santos Arranja
Jorge Manuel Vilaça Nunes